Eu já estava querendo falar sobre esse tema há algum tempo, mas resolvi adiá-lo para essa semana para coincidir com o tema de Holy Avenger no BLOGuil. Para quem não sabe, Holy Avenger é uma história em quadrinhos 100% nacional. Aí vem a pergunta (que até eu mesmo me fiz quando a revista foi lançada): "Ué, se é 100% nacional, por que o nome é em inglês?". Vamos falar hoje, portanto, da influência (maléfica ou não) das línguas estrangeiras em nossa cultura.
É muito importante fazer essa diferenciação. Só porque temos a influência de um determinado idioma, cultura ou costumes no nosso, não significa que isso seja maléfico. Na minha opinião, é o caso de Holy Avenger.
Holy Avenger é uma história em quadrinhos continuada (gênero que dizem ter sido inventado nos Estados Unidos) com desenhos em estilo mangá (quadrinhos japoneses), baseada em RPG (também criado nos EUA), que, por sua vez, foi inspirado na obra do escritor J. R. R. Tolkien (que nasceu na África do Sul), que inventou um universo medieval fantástico (normalmente associado à Inglaterra) unindo elementos das culturas inglesa, céltica e nórdica, inspirado na mitologia grega. Depois dessa salada toda, qual o problema da história se chamar Holy Avenger, mesmo tendo sido produzida no Brasil?
Ah, mas temos que valorizar a cultura nacional, como eu já ouvi diversas pessoas dizerem. Só que valorizar a cultura nacional não é somente mudar o título para "O Cangaceiro Arretado", substituir os elfos por sacis-pererês e os dragões por mulas sem cabeça, chamar o herói de João Fortão e o vilão de Zé Cachaça. Muitos mangás japoneses possuem títulos em inglês, como Dragon Ball e Sailor Moon, só pra citar uns mais conhecidos, e são cultura japonesa pura, nem um pouco influenciada pela americana. Em um país tão pobre de eventos culturais, tão difícil de se vencer produzindo arte, onde os incentivos a esse campo são mínimos ("Quer ser artista? Vai é morrer de fome!"), qualquer coisa de boa qualidade produzida inteiramente por brasileiros, mesmo que inspirado em cultura estrangeira, está incentivando a cultura nacional, pois está abrindo portas para novos artistas, que, quem sabe não acabarão naturalmente por criar obras muito mais nacionais do que uma aventura medieval fantástica?
Outro bom exemplo: No Rock in Rio 3, houve um concurso, ou sei lá o que, para que uma banda nacional "desconhecida" fosse escolhida para tocar no palco principal, abrindo o último dia do festival. A banda que ganhou era de rock pesado, de Minas Gerais, se não me engano, e chamava-se Diesel. Só teve um "problema": Eles cantavam em inglês. Vocês não imaginam quantas pessoas eu ouvi reclamando que "escolher uma banda que canta em inglês é um absurdo", "cantar em inglês é um absurdo", e, novamente, "temos que valorizar a cultura nacional". A pergunta que eu faço é: Desde quando rock and roll é cultura nacional? Tudo bem, existe o famoso "Rock Brasil", muitas bandas que cantam em português, mas, se lá na época da Jovem Guarda, quando todas as músicas eram versões de músicas americanas, e tínhamos bandas chamadas "The Fevers", "The Vips" e "Renato e seus Blue Caps", se alguém tivesse bradado que isso era um absurdo e que tínhamos que valorizar a cultura nacional, hoje não teríamos tido bandas como a Legião Urbana, que, apesar de tocar rock puro, sem influências de ritmos regionais brasileiros, como algumas das bandas mais recentes costumam fazer para parecer "mais brasileiras", nunca deixou de se preocupar com a situação do brasil, criando verdadeiros hinos como "Que País É Esse?" e "Faroeste Caboclo". Hoje em dia temos muitas outras bandas e/ou cantores que, influenciados pela cultura norte-americana ou não, continuam criando cultura genuinamente brasileira (Um aparte: Por que ninguém reclama que o Roxette não canta em sueco?).
Tudo o que é extremo é ruim. Uma história em quadrinhos com nome em inglês, uma banda que cante em inglês (ou francês, alemão, espanhol, não importa), apenas está se inspirando em uma cultura estrangeira, e não "se deixando dominar" por ela, como querem nos fazer acreditar alguns extremistas. Valorizar a cultura nacional não é deixar de ler o Pato Donald para ler a Mônica, deixar de ouvir os Rolling Stones para ouvir Caetano Veloso, deixar de ir no cinema ver Matrix para ver Carandiru. É simplesmente não deixar de lado o que é nacional e só dar valor ao que é estrangeiro. É não cometer o mesmo extremismo para nenhum dos lados. O sujeito que não consome nada estrangeiro porque acha que só o que é nacional é que presta é tão nocivo para o desenvolvimento da cultura quanto o que só lê o que é estrangeiro achando que nada do que é nacional presta.
Eu sei que vai aparecer gente pra dizer que eu estou defendendo a dominação da cultura nacional pelos norte-americanos, que eu só coloco citações de músicas estrangeiras para abrir meus posts, e que Holy Avenger tinha que se chamar Vingadora Sagrada. Mas nenhuma cultura se desenvolve se ficar fechada em si mesma. O único meio de desenvolvimento cultural é composto de três passos: A preservação da cultura original, a assimilação de cultura estrangeira e a fusão das culturas nacional e estrangeira para criar um novo aspecto da cultura. É difícil, mas temos que tentar seguir esses três passos, valorizando a cultura nacional sim, mas sem xenofobia, sem descartar completamente o que vem de fora, e aceitando suas influências. Afinal, se fôssemos completamente fechados em nós mesmos desde o início, hoje não teríamos nem historinhas da Turma da Mônica.
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