domingo, 16 de julho de 2023

Escrito por em 16.7.23 com 0 comentários

Parkour / Breaking

Um dia, eu decidi que faria posts sobre todos os esportes do programa das Olimpíadas. Pouco depois que eu terminei, incluíram novos esportes no programa das Olimpíadas. Não faz mal, esportes é um dos assuntos que eu mais gosto, falei sobre eles também. Ato contínuo, quando foi anunciado que, no programa das Olimpíadas de 2024, estariam dois novos esportes, o parkour e o breaking, eu comecei a escrever um post sobre os dois, começando pelo parkour. Só que, enquanto eu estava escrevendo, decidiram que não vai ter mais parkour nas Olimpíadas, eu desanimei, e fui escrever sobre outra coisa. Essa semana, eu decidi resgatar esse post e finalizá-lo para ir ao ar, mesmo sem parkour nas Olimpíadas, e estou usando como desculpa oficial o fato de que teve parkour nos World Games de 2022. Mas a verdade é que eu queria escrever sobre esportes, e esse post já estava começado mesmo, então por que não?

O parkour é um esporte de origem francesa, mas não foram os franceses que inventaram sua prática. Visto por muitos como uma excentricidade, ou uma ideia de malucos que querem sair correndo, pulando e se jogando pelo meio da cidade, o parkour é uma espécie de evolução de vários treinamentos criados na antiguidade para melhorar a mobilidade e a forma física de seus praticantes; existem registros de que tribos da África pré-colonial já tinham treinamentos dessa espécie, nos quais os praticantes saíam correndo por terreno acidentado, devendo superar seus obstáculos com criatividade, e, na China, é famosa uma rotina chamada qinggong, usada no treinamento de artes marciais, que tem séculos de idade, é bastante semelhante ao parkour, e já teve, dentre seus praticantes, grandes nomes do cinema de ação, como Sammo Hung e Jackie Chan.


No final do século XIX, um oficial da marinha francesa chamado Georges Hébert viajaria à África e tomaria conhecimento dos tais treinamentos em terreno acidentado, ficando muito impressionado com a forma como os nativos conseguiam manter seus corpos flexíveis, vigorosos e resistentes apenas com movimentos do dia a dia, sem nenhuma rotina especial de exercícios. Hébert chegaria à conclusão de que uma rotina de exercícios "natural" como ele havia visto na África seria mais eficiente no treinamento de combatentes do que as rotinas "artificiais" usadas até então, principalmente porque, além de desenvolver sua força e agilidade, desenvolveria também a coragem e o altruísmo dos soldados. Em 1912, após dar baixa da marinha, Hébert se tornaria professor de educação física em um colégio na cidade de Reims, e começaria a desenvolver o que ele chamaria de méthode naturelle, uma rotina focada em dez grupos de exercícios (andar, correr, pular, engatinhar, escalar, equilibrar-se, arremessar, erguer, nadar e autodefender-se) voltada a desenvolver o que ele chamaria de "as três forças principais": energética (força de vontade, coragem, frieza e firmeza), moral (benevolência, altruísmo, honra e honestidade) e física (força muscular e respiração). Ele criaria um treinamento voltado especificamente para o treinamento dos soldados franceses que iriam combater na Primeira Guerra Mundial, que daria origem ao que ele chamaria de parcours du combattant, o "percurso do soldado", aqueles treinamentos que estamos acostumados a ver em filmes, nos quais os soldados precisam escalar paredes, rastejar por baixo de arame farpado, se pendurar em barras para atravessar fossos etc.

O parkour que conhecemos hoje, entretanto, só surgiria quase cem anos após a viagem de Hébert à África, graças a outro francês, David Belle. O pai de David, Raymond, nasceria em 1939 na Indochina, filho de um médico francês com uma vietnamita. Aos sete anos de idade, após seu pai falecer na guerra pela independência do Vietnã e sua mãe ser dada como desaparecida, Raymond seria enviado a um orfanato, e, decidido, em suas próprias palavras, a jamais se tornar uma vítima, passaria a treinar em segredo, escapando do orfanato durante a noite para se exercitar na floresta, e mais tarde fazendo uso de um parcours du combattant que encontraria em uma base militar próxima. Aos 15 anos, ele conseguiria retornar à França, e, assim que possível, se alistaria na Brigade des Sapeurs-Pompiers de Paris, o equivalente ao corpo de bombeiros da cidade, no qual serviria até a aposentadoria, com seu filho mais novo, Jean-François, também se tornando bombeiro.

David era o filho mais velho de Raymond, que, na adolescência, tentaria se dedicar à ginástica artística e ao atletismo, mas não se adaptaria aos métodos de treinamento adotados na época pelas escolas e clubes. Conversando com seu pai, ele chegaria à conclusão de que o que ele queria era um método de treinamento que fizesse sentido em sua vida, ao invés de movimentos repetitivos que só serviriam para a prática esportiva em um ambiente controlado. David logo encontraria outros jovens que pensavam da mesma forma, incluindo dois primos por parte de mãe, e, em 1993, fundaria um grupo chamado Yamakasi, cujo nome, apesar de soar japonês, foi inspirado em um termo do dileto africano bantu, ya makási, algo como "espírito forte".

Sendo todos jovens entre 15 e 20 e poucos anos, os Yamakasi se inspirariam para criar seus exercícios principalmente em filmes de Bruce Lee (que eles elegeram como "presidente honorário" de seu grupo) e Jean-Claude Van Damme e no anime Dragon Ball, nos quais, segundo eles, os personagens conseguiam executar grandes proezas físicas apenas com treinamento e força de vontade. Estudando mais sobre o assunto, eles descobririam sobre o qinggong, e se tornariam fãs de filmes de artes marciais de Hong Kong. Com essas referências bizarras, os treinamentos acabaram também sendo, para usar um termo bonito, pouco ortodoxos: era comum os Yamakasi dormirem no chão frio sem qualquer proteção, "para seus corpos aprenderem a vencer o frio", ou treinar durante dias sem consumir qualquer alimento, "para descobrir até onde iriam as reservas de energia de seus corpos" - talvez contraditoriamente, uma das principais regras dos Yamakasi era que todos deveriam ter conhecimento dos limites de seu corpo e pleno respeito ao bem estar físico e mental e à saúde de todos os membros do grupo. A humildade também era uma regra bastante respeitada, sendo proibido, por exemplo, que um dos membros do grupo executasse um movimento apenas para mostrar ser superior aos demais, ou tentar uma proeza que sabia ser além de seus limites apenas para se exibir. Novos membros eram aceitos apenas por recomendação dos antigos, e tinham de passar por um teste que avaliava não somente sua capacidade física, mas também sua motivação em fazer parte do grupo e cumprir todas as suas regras. Membros que desrespeitassem as regras eram banidos, sendo proibidos de voltar ao grupo pelo resto da vida.

Em 1997, Jean-François convidaria os Yamakasi para apresentar suas técnicas em uma convenção dos bombeiros de Paris. Chamada a princípio de l'art du déplacement ("a arte do movimento"), nome criado por um dos membros, a apresentação chamou bastante atenção, mas preocupou alguns Yamakasi, pois somente a parte física foi exibida, sem ser falado sobre os valores ou ética. Uma equipe de televisão estava presente, porém, e logo os movimentos ousados dos Yamakasi seriam tema de vários programas, não só na França mas em todo o planeta, e o grupo era cada vez mais abordado para falar sobre seus métodos de treinamento. Isso levaria o grupo a um racha, já que a maioria dos membros não estavam interessados em se tornar celebridades, nem em ver o que haviam inventado se transformar em um esporte comum, sem ligação com os valores de humildade e irmandade que os haviam motivado a começar. David, entretanto, tinha ambição de se tornar um astro do cinema de ação, e decidiu deixar o grupo para aproveitar a súbita popularidade e difundir seu método de treinamento, sendo acompanhado por outro dos membros fundadores, Sébastien Foucan, que desejava se tornar um professor nos moldes dos das escolas de artes marciais, espalhando o que os Yamakasi faziam pelo mundo.

David jamais conseguiria se tornar um ator, mas se tornaria um dublê até bem sucedido. Um dia, ao ser perguntado pelo ator Hubert Koundé se o que ele fazia tinha nome, ele não quis responder l'art du déplacement, e respondeu parcours, nome que seu pai sempre usou para se referir ao parcours du combattant no qual treinava quando pequeno. Koundé gostou do nome, e achou que ele daria uma boa marca se fosse modificado, sugerindo a remoção do s (que, na palavra parcours, de qualquer forma, é mudo) e a troca do c pelo k, surgindo, assim, o nome parkour, que passaria a ser usado por David e Sébastien desde então. Os demais ex-Yamakasi jamais aceitaram usar esse termo, e, até hoje, referem-se a seu treinamento como l'art du déplacement. Mas, enquanto o parkour cresceu a níveis inimagináveis, se tornando uma febre global, l'art du déplacement, apesar de ser ensinada e praticada na França até hoje, se tornou uma espécie de atividade de nicho, com pouquíssimos interessados.

Outra curiosidade linguística é que, apesar de na maior parte do planeta os praticantes de parkour serem chamados de "parkouristas", nos países que falam francês um praticante de parkour é chamado de traceur, feminino traceuse, palavra que em fracês significa "apressado" - traceurs foi o nome de uma equipe de parkour criada em 2000 por David, Sébastien e Stéphane Vigroux, e a imprensa francesa, se confundindo, achou que traceurs era o nome de todos os praticantes do esporte. Uma competição de parkour costuma ser chamada de jam, nome criado em 2002 para um encontro de vários traceurs do mundo todo em Paris, organizado por Romain Drouet e que contou com a presença de Sébastien e Stéphane. No ano seguinte, 2003, Sébastien criaria o termo freerunning ("corrida livre"), para tentar tornar o parkour mais atraente aos povos de língua inglesa; com o tempo, o freerunning e o parkour passariam a ter algumas diferenças, e hoje são considerados duas disciplinas separadas.

Falando nisso, o parkour é considerado esporte desde 2007, ano da fundação da Federação Mundial de Parkour e Freerunning (WFPF), que, curiosamente, não foi criada pela união de federações nacionais, e sim por oito traceurs, uma organização privada sediada em Nova Jérsei, Estados Unidos, e, acreditem ou não, pela Mtv. Inicialmente devotada apenas a organizar eventos de parkour, dos quais o principal era o Ultimate Parkour Challenge, transmitido ao vivo pela Mtv, hoje a WFPF é uma federação esportiva "normal", cuidando de todos os aspectos do esporte, sendo responsável por um programa de certificação para treinadores de parkour, e tendo organizado, em 2018, em Mardin, Turquia, o primeiro Campeonato Mundial de Parkour (cuja segunda edição foi adiada indefinidamente por causa da pandemia). Para que o parkour pudesse ser incluído nas Olimpíadas, entretanto, ele passaria a ser regulado também pela Federação Internacional de Ginástica (FIG), o que foi motivo de muito protesto por parte da WFPF. Como o único torneio que a FIG organizou foi o dos World Games de 2022, e como o parkour foi removido do programa das Olimpíadas de 2024, atualmente a WFPF luta para ser reconhecida pelo COI como única federação internacional do parkour, removendo a competência da FIG.

Uma parte pouco divulgada do parkour é que, assim como uma arte marcial, ele não é apenas um esporte, e sim um estilo de vida. Praticantes sérios de parkour devem ser humildes, altruístas, criativos, conhecer os limites de seu corpo e jamais colocar a integridade física, sua ou dos outros, em risco - além, é claro, de não causar danos a patrimônio. Estudos neurológicos já comprovaram que o parkour, além da forma física, desenvolve a capacidade de liderança, de tomada de decisões, o raciocínio rápido e a autoconfiança. Ao contrário do que muita gente pensa, o parkour não estimula saltos de grandes alturas, movimentos acrobáticos arriscados, nem atrapalhar quem está no meio de suas atividades diárias para que o praticante possa sair correndo dando piruetas pelo meio da rua; essa imagem do parkour foi erroneamente criada pela imprensa nos primeiros anos de divulgação do esporte, e todas as entidades reguladoras fazem campanhas para mudá-la.

Inclusive, as entidades reguladoras - e a maioria dos participantes - sequer reconhecem o parkour como um esporte competitivo, alegando que ele seria mais como uma arte. Regras foram estabelecidas para que competições de parkour pudessem ser organizadas, mas a competição em si não é estimulada, no sentido de que nenhuma entidade publica rankings de atletas, e os próprios atletas consideram impossível responder à pergunta "quem é o melhor no parkour?". A individualidade também é estimulada: ao invés de requerer que os competidores façam movimentos segundo regras rígidas, como a ginástica artística, o parkour exige que cada competidor faça os movimentos do seu jeito, usando suas próprias técnicas, estilo e habilidades, importando apenas o resultado final.

Por causa disso, não existe uma lista de "movimentos válidos" ou "movimentos obrigatórios" no parkour, embora alguns movimentos sejam reconhecidos como essenciais da prática, e adotados, de uma forma ou de outra, pela maioria dos praticantes. Esses movimentos incluem a rolagem, que absorve o impacto de quedas; o salto de precisão, usado para pousar em superfícies estreitas ou menores que os pés do praticante; o salto com braço, usado para maior equilíbrio no pouso; a escalada de parede, com a qual o praticante consegue subir uma superfície vertical lisa com um pequeno passo no meio do caminho; e a escalada, com a qual o praticante agarra o topo de uma superfície com os braços e usa o mesmo impulso para escalá-la - não por acaso, muitos desses movimentos seriam adaptados do parcours du combattant. O parkour também não possui uniforme, com os praticantes preferindo usar roupas leves; luvas não são recomendadas, pois as mãos nuas sentem melhor os obstáculos e ajudam o praticante a tomar a decisão correta quanto à melhor forma de superá-lo, e muitos praticantes preferem competir descalços, alegando o mesmo motivo - dentre os que competem calçados, a maioria usa tênis leves e flexíveis que já começaram a ser apelidados de parkour shoes. Por razões fisiológicas, competições esportivas de parkour são divididas em masculinas e femininas, mas no parkour recreativo homens e mulheres praticam juntos, sem distinções.

O parkour ainda possui poucas áreas dedicadas à sua prática, sendo principalmente praticado em parques e estruturas abandonadas, tanto em áreas urbanas quanto rurais. Campanhas são feitas pelas entidades reguladoras para evitar que os praticantes se envolvam em invasão de domicílio, danos à propriedade ou uso de espaços inadequados, como cemitérios. Um dos princípios do parkour é o conhecido como "não deixar rastros": após a partida dos praticantes, o local onde ocorreu o parkour deve estar como se eles nunca tivessem passado por lá. Alguns grupos se envolvem até mesmo na conservação e reparação de espaços, deixando o local da prática ainda melhor do que estava antes de eles passarem por lá.

Esportivamente falando, no parkour o objetivo é ir do ponto A ao ponto B da forma mais criativa possível. Competições de parkour possuem duas disciplinas: na velocidade, ganha quem completa o trajeto no menor tempo, com os competidores tendo de executar alguns movimentos definidos pela organização ao longo do percurso, recebendo penalidades em tempo por falha na execução; o tempo médio que um competidor leva para cumprir todo o trajeto costuma ficar entre 20 e 30 segundos. Já no estilo livre, o tempo não é importante, e sim as manobras que o competidor faz ao longo do percurso, com cada uma delas valendo pontos de acordo com sua dificuldade e perfeição na execução, sendo vencedor quem somar mais pontos. Competições de parkour normalmente são disputadas em parques montados especialmente para o evento, com as de estilo livre se parecendo com uma competição de skate street, mas com os competidores a pé.

Já o freerunning é disputado sempre no estilo livre, e é mais acrobático que o parkour. Quando o criou, Sébastien Foucan quis criar uma disciplina mais individualizada e facilmente adaptável a cada pessoa do que o parkour, que ele via como muito rígido. O freerunning sim possui saltos acrobáticos, muitos deles adaptados de outros esportes, principalmente da ginástica artística; a nota recebida pelos competidores, inclusive, depende muito mais da parte artística do movimento do que de sua eficiência para transpor o obstáculo, perfeição na execução ou dificuldade atribuída. Muitos praticantes de freerunning também praticam parkour, mas os praticantes mais dedicados ao parkour não costumam gostar do freerunning, considerando-o uma deturpação de sua arte.

Vamos passar agora ao breaking, também conhecido no Brasil como breakdancing, ou simplesmente break. O breaking é intrinsecamente ligado à cultura do hip hop, e surgiu em Nova Iorque, no final da década de 1970, em festas e eventos animados pelo DJ Kool Herc, que criou um método no qual usava dois discos iguais tocando a mesma música e alternava entre um e outro, criando repetições que ficariam conhecidas como breaks - to break, em inglês, é o verbo "quebrar", e esse nome seria uma referência à quebra de ritmo que ocorria na música. Alguns jovens começariam a dançar os breaks usando movimentos acrobáticos, muitos deles copiados de filmes de kung fu, que eram moda nos Estados Unidos na época, e logo a prática se tornaria uma febre - em uma entrevista, o próprio Herc diria que não conseguia tocar mais nada, pois "os jovens só queriam breaks atrás de breaks atrás de breaks".


A prática do breaking logo daria origem aos chamados cyphers, círculos de espectadores no centro dos quais os dançarinos se apresentavam; com o tempo, essas apresentações dariam origem a verdadeiras "batalhas", nas quais um dançarino tentava superar o outro, cada um fazendo movimentos mais difíceis e mais elaborados. Essas batalhas não tinham caráter esportivo, sendo usadas como forma de expressão cultural; isso levaria à criação das chamadas crews, grupos de dançarinos que tinham cada um sua própria identidade, dos quais os principais nomes eram a Rock Steady Crew e os Mighty Zulu Kingz. Como tudo que é competitivo acaba atraindo esse tipo de coisa, em meados dos anos 1980 começariam a surgir os primeiros torneios de breaking, nos quais as crews poderiam competir umas contra as outras por prêmios em dinheiro; o que mais atraía os competidores, porém, eram os bragging rights, o direito de poder dizer que seu grupo era o melhor por ter ganhado dos demais.

Uma coisa que o breaking e o parkour têm em comum, aliás, é que os praticantes do breaking não veem sua prática como um esporte. Principalmente pelo fato de o breaking ter surgido e se desenvolvido dentro da cultura do hip hop, ele é visto como uma manifestação cultural, uma forma de arte, ou uma expressão de orgulho em fazer parte de uma sociedade. Os praticantes do breaking são chamados de b-boys e b-girls, ou simplesmente breakers, e não gostam dos termos breakdancer, breakdance e breakdancing, segundo eles, criados pela imprensa, que divulgou apenas a parte artística do breaking, ou seja, apenas a dança com movimentos acrobáticos, sem levar em conta o aspecto cultural e o estilo de vida do hip hop. Para muitos breakers, principalmente os mais antigos, um breakdancer é uma pessoa que se interessou puramente pela parte da dança, treinando em um estúdio até conseguir reproduzir os movimentos, mas sem jamais se preocupar com o que seria verdadeiramente ser um b-boy ou b-girl.

Além disso, o breaking "verdadeiro" é o criado em Nova Iorque; com sua popularização, surgiriam derivados, sendo os três principais originários da Califórnia: o popping, o locking e o boogaloo. Esses três estilos focam apenas na dança, sem a parte cultural, e não usam músicas de hip hop, com o locking usando predominantemente o funk, e os outros dois a música eletrônica. Na imprensa em geral, o termo "breakdancing" é usado de forma genérica para se referir tanto ao breaking quanto aos estilos californianos, o que muitos breakers consideram imperdoável. Outro derivado do breaking, esse também surgido em Nova Iorque, é o uprock, dançado por duas pessoas que imitam os movimentos de uma luta. Com o tempo, alguns movimentos do uprock passariam a ser usados também no breaking, o que irritou os puristas, e o uprock também passaria a ser considerado breakdancing pela imprensa, o que os irritou ainda mais.

Também como o parkour, o breaking é uma expressão individual, o que significa que não existe uma lista de movimentos válidos ou de movimentos obrigatórios. Os movimentos característicos do breaking podem, entretanto, ser divididos em quatro grupos: toprock, passos que o breaker executa de pé, com o corpo ereto; downrock, passos que o breaker executa com pelo menos um dos braços tocando o chão (com a transição entre o toprock e o downrock se chamando drop); freeze, que consiste em o breaker "congelar" em uma pose específica por alguns momentos; e os power moves, movimentos acrobáticos e complexos, como chutes no ar, piruetas, cambalhotas e girar apoiado com a cabeça no chão. Em competições de breaking, não somente a forma como os movimentos são executadas é avaliada, mas também a transição entre um movimento e outro, com toda a apresentação tendo de ser fluida.

Hoje são reconhecidos três estilos de breaking: o chamado Estilo Tradicional, criado na década de 1970 em Nova Iorque; o Estilo Europeu, criado na Europa no início da década de 1990, que é mais focado no downrock e em power moves, com o breaker passando quase toda a apresentação com a cabeça próxima ao chão; e o chamado Estilo Toronto, criado na cidade canadense de mesmo nome em meados dos anos 1990, que faz muito mais uso de movimento das pernas, com o toprock sendo muito mais complexo e elaborado. Uma preocupação da comunidade breaker atual é que, hoje, a maioria dos jovens que trava contato com o breaking assiste aos mesmos vídeos online, o que está fazendo com que todos os movimentos fiquem muito parecidos; competições de breaking tentam estimular a criatividade para contornar esse problema, com movimentos vistos como inéditos ou individualizados valendo mais pontos.

A mais antiga competição internacional de breaking do planeta é a Battle of the Year, disputada pela primeira vez em 1990 na Alemanha, cuja final é atualmente disputada em Montpellier, França - o país, depois dos Estados Unidos, onde o breaking é mais popular, não tendo sido por acaso que ele foi escolhido para estrear numa Olimpíada disputada lá. A BOTY é uma competição entre crews, e possui sete etapas regionais disputadas ao longo do ano (Ásia, Balcãs, Báltico, Benelux, Escandinávia, Ibéria e Sudeste Europeu), com o vencedor de cada etapa se classificando para a final. Outro torneio de grande destaque é o Red Bull BC One, disputado anualmente desde 2004, a cada ano em um país diferente, com a presença de 16 breakers, sendo 6 classificados através de eventos regionais, uma vaga ficando com o campeão do ano anterior, e as demais sendo destinadas a breakers recomendados por um painel de especialistas.

A inclusão do breaking nas Olimpíadas faz parte da estratégia do COI para que o evento se torne mais atraente para o público jovem; como não havia nenhuma entidade que regulasse o breaking esportivamente, para que ele pudesse ser incluído no programa olímpico teve de passar a ser regulado pela WDSF, a Federação Mundial de Dança Esportiva, que ainda viu nisso uma possibilidade de finalmente conseguir incluir a dança esportiva em uma das próximas Olimpíadas. O breaking não é considerado pela WDSF como uma modalidade da dança esportiva, e sim como outro esporte regulado pela mesma entidade, já que ele possui duas diferenças fundamentais em relação às regras normalmente adotadas pela federação em seus torneios: primeiro, todas as competições de dança esportiva são disputadas por duplas ou equipes mistas, enquanto o breaking possui competições individuais, separadas em masculino e feminino; segundo, em todas as competições de dança esportiva, todas as duplas se apresentam uma após a outra, recebendo notas dos jurados, com a que teve a maior nota sendo a vencedora, enquanto no breaking os breakers são pareados dois a dois em "duelos", com o que obtiver a maior nota avançando para o duelo seguinte e o outro sendo eliminado, como se fosse, por exemplo, um torneio de tênis.

Para não incorrer na ira dos breakers, a WDSF se comprometeu a seguir todas as tradições do breaking, incluindo a valorização à cultura do hip hop. Um dos reflexos desse compromisso é que, em competições oficiais da WDSF, ao invés de "masculino" e "feminino", são usados os termos b-boys e b-girls, e os breakers podem competir sob alcunhas, ou seja, usando os apelidos pelos quais são mais conhecidos no mundo do breaking, ao invés de seus nomes de registro, usados em sua inscrição para o torneio. Parece que o compromisso tem dado certo, já que as competições de breaking da WDSF têm se mostrado grandes sucessos, inclusive sendo elogiadas por ajudar a difundir a cultura do breaking pelo mundo, ao invés de focar apenas no aspecto esportivo.

O Campeonato Mundial de Breaking da WDSF seria disputado pela primeira vez em 2019, em Nanquim, China; a ideia era que ele fosse anual, mas a pandemia cancelaria a edição de 2020, com as seguintes sendo disputadas em 2021 em Paris, 2022 em Seul, e 2023 em Leuven, Bélgica. Cada um desses torneios contou com competições de b-boys e b-girls com 16 breakers cada, assim como os World Games de 2022, disputados em Birmingham, Estados Unidos; esse também deverá ser o formato adotado nas Olimpíadas de 2024. O sucesso dessas competições tem sido tão grande que a WDSF já pensa em criar também uma Copa do Mundo, no mesmo estilo da que já organiza para sua modalidade duplas desde 1996, com várias etapas ao longo do ano e os campeões sendo aqueles que tiverem mais pontos ao final da última.

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