domingo, 12 de fevereiro de 2023

Escrito por em 12.2.23 com 0 comentários

Incal

Ok, prometo que hoje é a última vez: escrever o Post 1000 me deu ideias para vários outros posts. Por exemplo, escrevendo-o, eu percebi que eu quase não falo sobre quadrinhos, que é um dos meus assuntos preferidos. Diante dessa constatação, hoje vou falar sobre um dos melhores que eu li recentemente. Hoje é dia de Incal no átomo.

Publicado originalmente entre 1980 e 1985 na Métal Hurlant, revista francesa que daria origem à Heavy Metal, e mais tarde republicado e expandido no formato de álbuns, próprio dos quadrinhos europeus, Incal é considerado por muitos como a melhor história em quadrinhos já escrita - o que eu acho um exagero, embora concorde que é uma das melhores. Escrito por Alejandro Jodrowski, com arte de Moebius, Janjetov e Ladrönn, a história é ambientada em um futuro distópico, tem um herói improvável, e permeia temas como política, religião, ciência e tecnologia, devassidão, conspiracionismo, messianismo e misticismo. Seu sucesso faria com que Jodorowsky escrevesse outras histórias ambientadas no mesmo universo, que, de acordo com a nomenclatura usada hoje, atualmente formam o que é conhecido como Jodoverso.

Nascido em 17 de fevereiro de 1929 em Tocopilla, Chile, Alejandro Jodorowsky Prullansky é filho de judeus ucranianos que fugiram para a América do Sul após a criação da União Soviética; seu pai era comerciante e queria que ele cursasse medicina, mas, desde pequeno, ele sempre demonstrou interesse pelas artes, fugindo de casa para viajar pelo país com um teatro de marionetes na adolescência. Aos 24 anos, em 1953, com apenas o equivalente a 50 dólares no bolso, decidiu viajar para a França, estabelecendo-se em Paris, onde trabalhou como pintor de paredes e conheceu Marcel Marceau e Maurice Chevalier, que o introduziram aos círculos surrealistas e lhe deram suas primeiras oportunidades na cena artística francesa. Em 1962, junto a Roland Topor e Fernando Arrabal, fundaria o movimento Panique, que encenava apresentações que misturavam humor, façanhas atléticas e pornografia. Três anos depois, ele decidiria retornar à América, indo morar no México - o que fez com que muitos pensem que ele é mexicano - criando o Teatro de Avant-Garde Mexicano e se tornando diretor de cinema. Seus dois primeiros filmes, El Topo (1970) e A Montanha Sagrada (1973), seriam grandes sucessos, e logo se tornariam cult. Em 1975 ele voltaria para Paris, e, em 1978, decidiria se aventurar pelo ramo das histórias em quadrinhos, publicando, em parceria com Moebius, o álbum Os Olhos do Gato, pela Humanoïdes Associés, mesma editora da Métal Hurlant. Incal seria seu maior sucesso nos quadrinhos, mas ele escreveria o roteiro de uma dúzia de outros, sem contar os pertencentes ao Jodoverso; ele também continuaria sendo diretor de cinema, com seu mais recente filme, Poesía Sin Fin, tendo sido lançado em 2016.

Já Moebius nasceu Jean Henri Gaston Giraud, em 8 de maio de 1938, na pequena cidade de Nogent-sur-Marne, nos arredores de Paris. Quando tinha apenas três anos, seus pais se divorciaram, e ele foi criado pelos avós paternos, mas coube a seu pai, um vendedor de seguros, despertar seu interesse pelos quadrinhos e ficção científica. Ele começaria a escrever e desenhar aos 16 anos, com seu primeiro trabalho sendo publicado em 1954 na revista católica Coeurs Vaillants. No ano seguinte, ele se mudaria com a mãe para o México, mas ficaria na América por pouco tempo, retornando a Paris para cumprir o serviço militar obrigatório, sendo lotado primeiro como telefonista na Alemanha Ocidental, depois como vigia de um depósito de munições na Argélia, passando todo seu tempo livre desenhando. Ao ser dispensado, conheceu por acaso o artista francês Jijé, que trabalhava na revista Spirou, desenhando, dentre outras, as histórias do caubói Jerry Spring. Jijé gostaria da arte de Giraud, e pediria para que ele fosse seu co-desenhista no álbum La Route de Coronado, estrelado por Spring. Jijé também apresentaria Giraud a Jean-Michel Charlier, editor da famosa revista Pilote, na qual, em 1963, os dois começariam a publicar as histórias de outro caubói, Mike Steve Blueberry.

Apaixonado por filmes de faroeste, Giraud traria elementos dos filmes de Sam Peckinpah, John Ford e Sergio Leone para as páginas de Blueberry, que fariam com que suas histórias fossem creditadas como responsáveis por revolucionar os quadrinhos europeus de faroeste. Nessa época, ele assinava Gir, mas, querendo se dedicar a outros tipos de trabalho, fora do mainstream, decidiria criar o heterônimo Moebius. A partir de 1974, Moebius se dedicaria aos quadrinhos adultos, produzindo histórias cheias de sensualidade e violência, com algumas, como O Desvio, O Pau Doido, Arzach e A Garagem Hermética, sendo hoje considerados grandes clássicos e sendo citados como influências por vários quadrinhistas europeus. Além de quadrinhos, Moebius também trabalharia desenhando capas de álbuns de rock, capas de livros de ficção científica e storyboards para filmes como Alien: O Oitavo Passageiro, Os Mestres do Tempo e Tron: Uma Odisseia Eletrônica. Nos anos 1980, se mudaria para Los Angeles, Estados Unidos, onde desenharia Parábola, minissérie do Surfista Prateado escrita por Stan Lee e publicada pela Marvel, que se tornaria um de seus trabalhos mais conhecidos do grande público. Moebius produziria quadrinhos até o fim da vida, sendo internacionalmente reconhecido como um dos maiores expoentes do meio; ele faleceria em 2012, aos 73 anos, em decorrência de um linfoma.

Jodorowsky e Moebius se conheceriam em 1975, quando o diretor conseguiria os direitos para adaptar o romance de ficção científica Duna para os cinemas. Jodorowsky tinha uma visão, digamos, peculiar de como deveria ser o filme - queria que o Imperador fosse louco, vivesse em um planeta inteiramente feito de ouro, e fosse interpretado por Salvador Dalí, e que a especiaria fosse azul, esponjosa e recheada com uma forma de vida vegetal-animal dotada do mais alto nível de consciência, absorvida por quem a consumisse, só para citar alguns exemplos - e considerava que Moebius era o único artista capaz de criar a arte que seria usada como referência para sua produção. Infelizmente (ou felizmente), a produção seria cheia de percalços e o filme nunca sairia do papel, mas Jodorowsky e Moebius continuariam amigos, e decidiriam reaproveitar muito do que já haviam criado em uma história em quadrinhos publicada de forma seriada na Métal Hurlant. E assim nasceria Incal.

Incal é ambientado em um futuro longínquo, e tem como principal cenário um planeta chamado Terra-2014. O planeta é estruturado de forma vertical, o que espelha sua construção social: quanto mais próximo do solo, mais pobres e deploráveis são as condições de vida e mais discriminada é a população, com os níveis mais altos, mais próximos dos céus, sendo de uso exclusivo da classe mais abastada, cujos membros são conhecidos como aristos. A Terra-2014 é governada por um presidente chamado apenas de Prez, que é o mesmo há incontáveis gerações; toda vez que está próximo da morte, sua mente é transferida para um novo corpo clonado, em uma cerimônia transmitida ao vivo pela TV - a TV, aliás, é a principal fonte de informação, entretenimento e alienação da população, com o homem mais famoso, rico e influente do mundo sendo também seu principal apresentador, Diavaloo. O Prez governa o planeta com a ajuda de seus Corcundas, homens violentos que obedecem a todas as suas ordens, e dos tecno-tecnos, cientistas que pesquisam incessantemente novas formas de avançar o progresso enquanto controlam a população. A Terra-2014 faz parte do Império Galáctico Humano, uma coalizão de planetas que abrange toda a galáxia, cuja sede fica no Planeta de Ouro, onde vive o Imperadoratriz, um ser andrógino que governa todo o Império. Além dos humanos e dos mutantes - que são humanos, mas com características animais - a única outra raça que aparece na história são os bergs, alienígenas que se parecem com pássaros deplumados e são oriundos da galáxia vizinha; o Império Humano está em guerra contra o Império Berg, governado pela Imperatriz Barbarah, também há incontáveis gerações.

O protagonista de Incal é John Difool, um medíocre detetive particular de Classe "R", que, acidentalmente, recebe de um berg o Incal, um artefato senciente de grande poder, capaz de mudar a história da humanidade. A princípio ele não quer se envolver com nada daquilo, mas o artefato é procurado pelo Prez, pelos tecno-tecnos, pelos bergs e pelo grupo rebelde Amok, o que transforma John em um alvo. Após seu bichinho de estimação, Deepo, uma "gaivota do concreto" (que se parece um pouco com um pterodáctilo das histórias do Horácio), engolir o Incal, ganhando o dom de falar, John acaba se envolvendo com a bela Animah, irmã de Tanatah, líder do Amok, que revela que o Incal tem duas partes, sendo a que está de posse do detetive o Incal Luz, e a outra, que atualmente está com o Tecnopapa, o Incal Negro. Cabe a John reunir as duas partes e reestabelecer o equilíbrio do universo, impedindo que a Treva, entidade maligna de outra dimensão, corrompa toda a galáxia.

Um dos principais personagens que ajudarão John em sua jornada é o Metabarão, espécie de soldado lendário a serviço do governo, inicialmente enviado para caçar e matar o detetive e recuperar o Incal Luz, mas que muda de lado após ouvir de Tanatah a história do artefato; o Metabarão é acompanhado por seu filho, Solua, que, assim como o Imperadoratriz, é um andrógino, e tem o poder de canalizar a energia do Incal. Outros personagens de destaque são Kill Cara-de-Cão, mercenário mutante que tem a cabeça de um cachorro pastor alemão, e Gorgo, o Sujo, líder de um grupo de mutantes que vive em um lixão localizado sob a Cidade-Poço, onde vive John.

Ao todo, a história do Incal abrange seis álbuns, todos desenhados por Moebius. O primeiro se chama O Incal Negro (L'Incal Noir), foi lançado em 1981, e reúne histórias publicadas entre as edições 58 a 62 da Métal Hurlant, entre dezembro de 1980 e abril de 1981 - a história de cada edição tem seu próprio título, e a primeira de todas, considerada o ponto de partida, se chama simplesmente Uma Aventura de John Difool (Une Aventure de John Difool). Em seguida temos O Incal Luz (L'Incal Lumière), de 1982, reunindo histórias publicadas entre as edições 63 e 68, de maio a outubro de 1981. Depois disso, Jodorowsky faria um hiato de um ano e meio, retornando com O Que Está Embaixo (Ce Qui Est en Bas), de 1984, reunindo histórias publicadas nas edições 86 a 90, de abril a agosto de 1983. Mais um hiato e John retornaria com O Que Está no Alto (Ce Qui Est en Haut), de 1985, reunindo histórias publicadas entre as edições 107 e 111, entre janeiro e maio de 1985.

Essas seriam as últimas histórias do Incal publicadas na Métal Hurlant; para concluir a história, Jodorowsky planejava lançar um álbum chamado A Quinta Essência, mas ele acabou ficando tão comprido que teve se ser dividido em dois, ambos lançados em 1988: A Quinta Essência - Parte Um: Galáxia que Sonha (La Cinquième Essence - Galaxie qui Songe) e A Quinta Essência - Parte Dois: O Planeta Difool (La Cinquième Essence - La Planète Difool). Juntos, esses seis álbuns formam uma história completa, com começo, meio e fim, que, em 2010, seria reunida em um único volume, chamado, simplesmente, Incal (L'Incal); em 2015, esse volume ganharia uma edição estendida com extras, dentre eles a história No Coração do Inviolável Metabunker (Dans le Coeur de l'Inviolable Méta-Bunker), publicada originalmente em 1989 como extra do livro Os Mistérios do Incal (Les Mystères de L'Incal), uma coleção de textos de vários autores comentando as particularidades da história.

Falando nisso, Incal é pontuado de curiosidades estilísticas, a principal delas sendo o fato de que John Difool muda frequentemente de aparência - de início, ele é feio e narigudo, mas, ao longo da história, vai ganhando traços mais suaves, até ficar belo, ficando novamente feio nos dois álbuns finais. A explicação oficial, dada pelo próprio Moebius, é a de que ele tinha dificuldade em se fixar no rosto de John, jamais se lembrando de como deveria fazê-lo ao iniciar um novo volume, mas há quem veja na suavização dos traços um reflexo da evolução espiritual do personagem. O nome Difool, aliás, seria criado por Jodorowsky baseado na carta do Louco do tarô (que em inglês é The Fool, "o tolo"), para ressaltar seu aspecto despreocupado e inconsequente; Deepo, seu mascote, seria uma alusão tanto ao cachorrinho que acompanha o Louco na carta quanto uma homenagem ao fato de que, em quadrinhos francófonos, frequentemente o protagonista tem um mascote - como o cachorrinho Milu, de Tintin. Outra curiosidade citada pelo próprio Moebius foi que ele se comprometeu a terminar cada página em apenas um dia; isso fez com que as primeiras páginas de O Incal Negro fossem muito mais cheias de detalhes do que as seguintes, com as últimas de O Que Está no Alto tendo praticamente somente os personagens em cenários de cor única; a riqueza de detalhes voltaria, porém, nos dois álbuns de A Quinta Essência, quando Moebius diria ter finalmente encontrado o tom que queria para a arte da história.

As cores dos quatro primeiros álbuns ficaria a cargo de Isabelle Beaumenay-Joannet. Na verdade, entretanto, quem Moebius escolheria para o trabalho seria o jovem desenhista Yves Chaland, que fazia a diagramação da Métal Hurlant, e, no futuro, publicaria os famosos álbuns Bob Fish e Jeune Albert. Quando Moebius o abordou, Chaland ficou empolgado com a possibilidade de trabalhar com ele, mas, após uma hora olhando para a primeira página, chegou à conclusão de que colorir o trabalho de outro autor não o atraía, e passou a tarefa para Isabelle, que era sua esposa. Ainda assim, Chaland foi creditado como colorista de O Incal Negro, e Isabelle como a dos três tomos seguintes, após o casal decidir contar a verdade - as cores dos dos álbuns de A Quinta Essência ficariam a cargo do sérvio Zoran Janjetov. Incal seria totalmente recolorido por computador entre 2002 e 2004, quando os seis álbuns seriam relançados, o que causaria a ira dos fãs, porque as cores eram totalmente diferentes; para o lançamento do volume único, em 2010, as cores originais de Chaland, Isabelle e Janjetov seriam restauradas digitalmente. Infelizmente, Chaland faleceria em 1990, em um acidente de carro, aos 33 anos.

Conforme conta Moebius, quando Janjetov estava colorindo os álbuns de A Quinta Essência, ele mostraria alguns de seus desenhos para Jodorowsky, que acharia sua arte parecida com a de Moebius no início da carreira, e o convidaria para ilustrar uma nova série de álbuns que contavam a história de John antes de encontrar o Incal. Antes de aceitar, Janjetov, nascido em 1961 em Subotica, na época na Iugoslávia, procuraria Moebius, lhe contaria sobre o projeto e o convite, e receberia sua bênção. Jodorowsky sempre negou essa versão, dizendo que jamais convidaria outro artista que não fosse Moebius para trabalhar no Incal, e que só recorreria a Janjetov após o próprio Moebius indicá-lo, depois de se recusar repetidas vezes a seguir na série por querer investir em projetos pessoais.

Seja como for, a série produzida por Jodorowsky e Janjetov se chamaria Antes do Incal (Avant l'Incal), e contaria com mais seis álbuns: Adeus, Pai (Adieu le Père, 1988), Detetive Particular de Classe "R" (Détective Privé de Classe "R", 1990), Croot (Croot!, 1991), Anarcopsicóticos (Anarchopsychotiques, 1992), Uísque, SPV e Homeoputas (Ouisky, SPV et Homéoputes, 1993) e Alameda do Suicídio (Suicide Allée, 1995). Como ocorreu com o primeiro Incal, os seis seriam reunidos em um tomo único, lançado em 2011; também vale citar que Janjetov não ficaria satisfeito com as primeiras oito páginas de Adeus, Pai, e as redesenharia para uma republicação do álbum em 1991; seria essa nova versão a presente no volume único.

Antes do Incal começa com John ainda adolescente, andando em más companhias e tendo relacionamentos abusivos com ambos seus pais - sua mãe é uma prostituta, e seu pai é um trambiqueiro que está sempre tentando inventar novas formas de enganar os aristos para ganhar dinheiro. Após uma reviravolta, ele adota Deepo e vai morar nos níveis mais baixos da Cidade-Poço, junto aos mutantes, liderados por Cara de Caracol. Após ser salvo da morte, ele é adotado por Kolbo-5, um antigo robô policial de modelo ultrapassado, que passa a servir de figura paterna e instiga em John um grande senso de justiça, convencendo-o a fazer a prova para Detetive Particular de Classe "R"; durante o processo, o improvável trio (John, Deepo e Kolbo-5) ganha um novo parceiro, Olhokana, uma espécie de câmera-robô flutuante que tem de filmar todo o dia a dia de John.

Em sua primeira missão como postulante a detetive, John conhece a aristo Luz de Garra, e os dois se apaixonam. Juntos, eles acidentalmente descobrem um grande segredo do governo, o que faz com que Luz evolua como pessoa, renegando seu status de aristo em nome de seu amor por John - infelizmente, a descoberta desse segredo também coloca a vida de John em perigo, fazendo dele um alvo. Personagens de Incal que retornam em papéis de importância são o Prez, o Tecnopapa e Diavaloo; o Metabarão, Animah e Tanatah fazem pequenas participações. Dentre os novos personagens de destaque temos o Cérebro Central, um enorme cérebro consciente e mal-educado que governa toda a Cidade-Poço, e o Capitão Kaiman, pirata mutante com rabo de crocodilo que também se apaixona por Luz.

Na minha humilde opinião, a história de Antes do Incal é superior à do próprio Incal, seguindo uma estrutura próxima à de um filme noir, e investindo muito mais no desenvolvimento de personagem não só de John, mas também, e principalmente, de Luz, que termina a história muito melhor do que começou - inicialmente mimada, sádica, e vendo John como uma espécie de escravo sexual, ela vai mudando conforme percebe que suas crenças estavam todas fundadas em princípios deturpados, e termina a história como uma grande heroína. Diavaloo, que, em Incal era apenas um apresentador de TV tresloucado, tem um papel muito maior, e a ligação entre Antes do Incal e Incal acontece de forma suave e ainda aproveita pra fechar uma ponta solta da primeira história.

Após o lançamento de Alameda do Suicídio, Jodorowsky começaria a negociar com Moebius a produção de uma nova série, dessa vez ambientada após os eventos de Incal, fechando uma trilogia e encerrando definitivamente a história de John e Luz - que, apesar de não constar do Incal original, logo se tornaria uma das principais personagens do Jodoverso. Jodorowsky e Moebius produziriam um álbum, chamado O Novo Sonho (Le Nouveau Rêve), lançado em 2000, que seria o primeiro de uma série de seis, chamada Depois do Incal (Après l'Incal). A série acabaria ficando com apenas esse álbum, entretanto, pois, todas as vezes que Jodorowsky procurava Moebius para fazer o seguinte, ele se recusava, dizendo estar muito ocupado.

Com o passar do tempo, Jodorowsky decidiria aproveitar as recusas de Moebius para corrigir um problema sério: O Novo Sonho começa exatamente de onde Alameda do Suicídio parou, exceto pelas duas primeiras páginas, nas quais fica subentendido que todos os eventos dos seis álbuns do Incal original foram, na verdade, apenas um sonho de John. Jodorowsky se arrependeria dessa decisão pouco após o álbum ser lançado, dizendo em entrevistas ter sentido que estava traindo os ideais do Incal ao adotar essa solução pouco criativa, que ainda por cima tornava a história original irrelevante para a trilogia. Ele decidiria, então, ignorar completamente o álbum, e procurar um novo artista que estivesse disposto a recomeçar tudo do início, refazendo O Novo Sonho, do qual seriam aproveitadas apenas as ideias principais, descartando completamente a história de que o Incal foi um sonho.

Após muito procurar, Jodrowsky acabaria optando por Ladrönn. Nascido José Omar Ladrón, em 1967, na cidade de Minatitlán, México, Ladrönn já havia trabalhado para a Marvel e para a DC, era grande fã de Moebius e do Incal, e não pensou duas vezes quando recebeu o convite de Jodorowsky, com quem já tinha trabalhado em 2004 em uma história para a Métal Hurlant, chamada Les Larmes d'Or ("as lágrimas de ouro"). Juntos, Jodorowsky e Ladrönn produziriam Os Quatro John Difool (Les Quatre John Difool), lançado em 2008, uma versão alterada e estendida de O Novo Sonho; a ele se seguiriam Luz de Garra (Louz de Garra), de 2011, e Gorgo, o Sujo (Gorgo le Sale), de 2014, que encerraria definitivamente a história. Jodorowsky decidiria chamar esses três álbuns, coletivamente, de Incal Final (Final Incal), para não haver confusão com Depois do Incal e para deixar claro que a história havia terminado ali.

Na história de Incal Final, o Vírus Biófago 13-X, capaz de destruir toda a vida biológica, está se espalhando pela Terra-2014. Para escapar dele, o Prez transfere sua consciência para um androide, ao invés de para um corpo clonado - mas tudo isso foi planejado por uma entidade alienígena, o Benthacodon, que planeja substituir toda a matéria orgânica do universo por seres robóticos. Enquanto o Prez e Diavaloo convencem a população a se transformarem em androides, John, por seu contato prévio com o Incal, é escolhido por outra entidade alienígena, o Elohim, rival do Benthacodon, para frustrar os planos da criatura. Acompanhado por Deepo, ele acaba se reencontrando com Luz, e ambos partem por uma jornada pelo universo para tentar frustrar os planos do Benthacodon. Outros personagens que retornam com papéis de destaque são Kill Cara-de-Cão, o Capitão Kaiman e Gorgo, o Sujo.

Em 2016, seria lançada uma edição revista e ampliada de Os Mistérios do Incal, cujos textos também comentavam e faziam referências aos elementos de Antes do Incal, Depois do Incal e Incal Final. Em 2019, os três álbuns de Incal Final, mais O Novo Sonho e a nova versão de Os Mistérios do Incal seriam lançados em um volume único, com o nome de Incal Final. Os três volumes únicos (Incal, Antes do Incal e Incal Final) seriam lançados no Brasil em 2021 pela editora Pipoca & Nanquim, podendo ser comprados separadamente ou em uma caixa especial para acomodá-los, com o nome de Todo Incal.

Para além do Incal, o Jodoverso seguiria com a história da família do Metabarão, em uma série de oito álbuns publicados entre 1992 e 2003, com texto de Jodorowsky e arte do argentino Juan Giménez, abrangendo cinco gerações de Metabarões, chamada A Casta dos Metabarões (La Caste des Méta-Barons). Essa série ganharia uma "prequência" de dois álbuns, lançados em 2007 e 2013, com texto de Jodrowsky e arte de Das Pastoras, conhecidos coletivamente como Castaka, e um volume especial chamado La Maison des Ancêtres ("a casa dos antepassados"), lançado em 2000, com textos, entrevistas, rascunhos e duas histórias curtas inéditas. A partir de 2008, seriam lanaçados spin offs, o primeiro sendo Les Armes du Méta-Baron ("as armas do Metabarão"), com texto de Travis Charest e arte de Janjetov; entre 2013 e 2022, seriam lançados mais oito álbuns, com texto de Jerry Frissen e arte de Valentin Secher, Niko Henrichon e Pete Woods, conhecidos coletivamente apenas como Méta-Baron, e, em 2018, mais dois, centrados em um dos personagens criados por Frissen, Simak, com texto de Frissen e arte de Jean-Michel Ponzio.

Além da série dos Metabarões, o Jodoverso conta com Les Technopères, série de oito álbuns lançados entre 1998 e 2006 com texto de Jodorowsky e arte de Janjetov, cujos protagonistas são diversos tecnopapas ao longo da História; e Megalex, série de três albuns lançados em 1999, 2002 e 2008, com texto de Jodorowsky e arte de Fred Beltran, ambientado em um planeta totalitário e protagonizado por um grupo de ambientalistas - e que seria a primeira série sem nenhum elemento de Incal, sendo apenas ambientada no mesmo universo no qual a história de John Difool se desenrola.

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