Stephen Edwin King nasceu em Portland, Maine, Estados Unidos, em 21 de setembro de 1947. Seu pai, Donald Edwin Pollock, era um vendedor de porta em porta de aspiradores de pó, que decidiu mudar seu sobrenome para King após retornar da Primeira Guerra Mundial, e abandonaria sua mãe, a dona de casa Nellie Ruth Pillsbury, quando King tinha apenas dois anos de idade, o que fez com que ela tivesse de criar a ele e a seu irmão mais velho, David, sozinha e passando por graves dificuldades financeiras, que fariam com que os três morassem em seis cidades diferentes por todos os Estados Unidos, sempre em casas de parentes, até King completar 11 anos, quando sua mãe decidiria ir morar com seus avós maternos, em Durham, Maine, onde ficaria cuidando deles até suas mortes, e trabalhando como cuidadora em uma instituição para jovens com retardo mental.
Segundo King, seu interesse por histórias de horror foi despertado quando ele e o irmão encontraram um livro que tinha histórias de H.P. Lovecraft, que teria pertencido a seu pai, no sótão da casa de seus avós. Quando criança, suas revistas em quadrinhos preferidas eram as de horror da EC Comics, especialmente Tales from the Crypt, e, na escola, ele escrevia contos de horror para serem publicados em um jornalizinho mimeografado distribuído por seu irmão. Sua primeira publicação profissional se daria quando ele tinha apenas 18 anos, a história I Was a Teenage Grave Robber ("eu era um ladrão de túmulos adolescente"), em quatro partes, das quais três foram publicadas, no fanzine Comics Review, em 1965; no ano seguinte, ela seria revisada e publicada em texto único em outro fanzine, Stories of Suspense, editado por Marv Wolfman, que viria a se tornar um dos principais roteiristas da Marvel e da DC. Em 1967, ele conseguiria vender seu primeiro conto para uma revista, The Glass Floor, publicado na Startling Mystery Stories.
King se casaria em 1971 com a também escritora Tabitha Spruce, sua colega no curso de Bacahrelado em Língua Inglesa na Universidade do Maine, um ano depois do nascimento da filha do casal, Naomi Rachel. Após se formar, King tiraria licença para lecionar no Ensino Médio, mas, sem conseguir ser contratado, sobreviveria vendendo contos para revistas masculinas como a Cavalier e a Adam. E aí chegamos ao ponto que interessa, pois todas as suas histórias tinham protagonistas homens, e, em 1972, um de seus amigos, que trabalhava na Cavalier, sugeriu que ele escrevesse um conto que tivesse uma mulher como protagonista.
King começaria a escrever a história, mas logo desanimaria, se sentiria desconfortável e desistiria, jogando no lixo as três páginas que já tinha escrito - em entrevistas, ele diria ter decidido começar pela cena na qual Carrie menstrua pela primeira vez no chuveiro da escola sem saber o que está acontecendo, mas, sendo homem, achou que jamais poderia abordar esse tema corretamente, e, sem saber para onde ir a partir dali, desistiria. Sua esposa encontraria as páginas descartadas, as leria, e adoraria o material, convencendo-o a voltar a escrever e se comprometendo a ajudá-lo a manter uma perspectiva feminina sobre a história. A partir de então, o texto deslancharia, e King decidiria transformar o conto em um romance; seria o quarto romance que ele escreveria, mas o primeiro a ser publicado.
Enquanto King estava escrevendo Carrie, ele, a esposa e seus dois filhos moravam em um trailer na cidade de Hermon, e ele dava aulas de inglês em meio período numa escola da cidade vizinha, Hampden, ambas no Maine. Ele usaria como inspiração duas alunas da escola, uma que vivia sofrendo bullying por ser pobre e ir todo dia com a mesma roupa, outra que não se socializava por ser extremamente tímida e ter uma família profundamente religiosa. King detestaria todo o processo de escrita da história, achando que ela não iria agradar a ninguém, que era tudo uma perda de tempo, e que sequer compensava oferecê-la para as editoras, já que nenhuma iria aceitá-la; ele só seguiria escrevendo para agradar sua esposa e por achar que, enquanto escrevia, poderia ter alguma outra ideia para uma história melhor.
A primeira versão de Carrie teria apenas 98 páginas, e ficaria pronta em dezembro de 1972. King decidiria então aumentá-la com "documentos forjados", artigos fictícios escritos por ele como se tivessem sido publicados nas revistas Esquire e Reader's Digest, falando sobre os eventos da história como se eles tivessem ocorrido de verdade. Surpreendentemente, King adoraria escrever esses artigos, principalmente porque se esforçava para imitar o estilo dos artigos reais das revistas, e veria seu interesse na história renovado, incluindo também boletins médicos e policiais. Agora acreditando que pudesse ter algo de bom em mãos, ele decidiria oferecer o texto para publicação, começando pela editora Doubleday, que costumava se interessar por autores iniciantes.
Na época, romances de terror estavam em voga, principalmente devido às boas vendas de O Bebê de Rosemary, O Exorcista e O Outro, e o editor Bill Thompson, que recebeu o manuscrito, viu potencial na história de King, convencendo o editor executivo da Doubleday, Lee Barker, a comprá-lo por 2500 dólares - valor na época considerado alto para um escritor iniciante. Isso seria ótimo para King, que estava em uma situação financeira tão complicada que seu telefone havia sido cortado, com Thompson tendo de notificá-lo por telegrama. A Doubleday aceitaria publicar uma tiragem de 30 mil cópias, com a condição de que Thompson revisasse e modificasse as partes do texto que não fossem consideradas profissionais ou comerciais; King e Thompson trabalhariam juntos no texto durante quase um ano, e o editor seria responsável por pelo menos uma grande mudança: no final original, Carrie criaria chifres de demônio e lançaria um raio que derrubaria um avião dos céus, mas Thompson convenceria King de que a história precisava de um final menos fantástico.
Com o nome original simplesmente de Carrie, o livro seria lançado em 5 de abril de 1974, e logo se tornaria um grande sucesso, com a editora britânica New English Library se interessando em lançá-lo no Reino Unido apenas um mês depois, e convencendo (com suas vendas) sua matriz, a New American Library, sediada em Nova Iorque, a entrar em contato com a Doubleday para comprar os direitos sobre o livro por 400 mil dólares, dos quais 200 mil foram para King, e relançá-lo em formato brochura em todos os Estados Unidos. A edição em brochura, lançada em abril de 1975, venderia mais de um milhão de cópias em apenas um ano, que aumentariam para mais de quatro milhões após o lançamento do filme em 1976, fazendo com que o livro entrasse para a lista de best sellers do jornal The New York Times, a mais prestigiada dos Estados Unidos. Considerado um dos maiores romances de estreia de todos os tempos, Carrie alavancaria a carreira de King, que, aos 27 anos, se tornaria autor em tempo integral, lançando seu livro seguinte, A Hora do Vampiro, ainda em 1975.
Hoje, Carrie é considerado o responsável por transformar a literatura de horror em mainstream - antes dele, o único romance de horror a se tornar um best seller foi Rebeca, de Daphne du Maurier, publicado em 1938. Também é considerado o mais bem sucedido (em termos de vendas) romance epistolar polilógico, tipo de livro que é composto por textos como notícias de jornal, entradas de diário e cartas trocadas pelos personagens. Usando múltiplos narradores e diferentes pontos de vista, a história de Carrie é contada através dos depoimentos de quem a conhecia à polícia e de matérias sobre o que ocorreu com ela publicadas em revistas, com pouco ou quase nada sendo dito pela própria Carrie ou relatado de forma convencional; segundo alguns críticos, isso contribui para o clima de terror do livro, já que o leitor jamais sabe qual é a verdade nem a história completa.
Sem que ninguém saiba, porém, Carrie tem poderes telecinéticos, sendo capaz de mover objetos apenas com seu pensamento. Enquanto esconde essas habilidades, ela as treina, se tornando bastante eficiente. Conforme o baile de formatura da escola se aproxima, Carrie já se conformou que não será convidada, mas Sue convence seu próprio namorado, Tommy Ross, a convidá-la. Hargensen fica sabendo e acha isso inadmissível, tramando com seu namorado, o insuportável Billy Nolan, passar um trote durante a eleição de Rei e Rainha do Baile do qual Carrie jamais se esquecerá. Literalmente, esse será o último erro de suas vidas.
Dentre os que leram o livro e foram cativados por sua história estava o diretor de cinema Brian de Palma, que imediatamente pediu para seu agente descobrir quem é que tinha os direitos de adaptação, ficando surpreso ao descobrir que a resposta era ninguém. De Palma tinha interesse em conseguir os direitos o mais rápido possível, para que ele mesmo dirigisse o filme, mas, mesmo assim, levaria seis meses para convencer a United Artists de que o projeto valia a pena - mesmo com todo o sucesso dos filmes de terror da época, o estúdio tinha ressalvas porque King era um autor iniciante, e, a princípio, estava disposto a reservar um orçamento de 1,5 milhão de dólares para o filme, o que de Palma considerava insuficiente. Após a UA comprar os direitos diretamente de King, por um valor não divulgado, ela contrataria o roteirista Lawrence D. Cohen para transformar um livro narrado através de relatos em uma história tradicional de cinema.
A atriz preferida do diretor para o papel principal era Betsy Slade, mas Melanie Griffith, em início de carreira, também faria o teste. O papel acabaria indo para Sissy Spacek, que teria sua carreira alavancada pela atuação, sendo inclusive indicada ao Oscar de Melhor Atriz (perdendo para Faye Dunaway em Rede de Intrigas). Curiosamente, nem a própria Spacek queria inicialmente fazer o teste, nem de Palma queria testar mais atrizes após se decidir por Slade; foi o marido da atriz, Jack Fisk, quem convenceu o diretor a testá-la e Spacek a desistir de um comercial de TV que iria gravar no mesmo dia do teste. Spacek apareceria para o teste sem maquiagem, com vaselina nos cabelos e usando um vestido que sua mãe havia feito para ela na sétima série, ganhando o papel após poucos minutos de interpretação. O elenco também contaria com Nancy Allen (que se casaria com de Palma em 1979) como Hargensen, Piper Laurie (indicada ao Oscar de Melhor Atriz Coadjuvante) como Margaret, John Travolta (no terceiro papel de sua carreira) como Billy, Amy Irving como Sue, William Katt como Tommy, e Betty Buckley como a professora de educação física, renomeada para Srta. Collins.
Durante as filmagens, a UA aceitaria aumentar o orçamento para 1,8 milhão de dólares; ainda assim, muitas das cenas do livro tiveram de ficar de fora do filme por restrições orçamentárias, em especial uma na qual a casa de Carrie é atingida por pedras flamejantes que caem do céu; o final também teve de ser alterado por falta de dinheiro, mas King ficou satisfeito com o novo, declarando que o final do filme era melhor que o do livro. Numa época em que a computação gráfica era praticamente inexistente, todos os efeitos especiais tinham de ser feitos com cabos e aparatos mecânicos, o que fez com que a cena do baile de formatura entrasse para a história como uma das mais impressionantes do cinema em todos os tempos - um dos momentos mais tensos foi quando a atriz P.J. Soles, que interpretava uma das meninas populares que andavam sempre com Hargensen, teve seu tímpano perfurado pelo jato d'água de uma mangueira de incêndio, que, no filme, estava sendo controlada telecineticamente por Carrie.
Em inglês, o nome do filme seria apenas Carrie, como o do livro, mas, em português, a menina ganharia um aposto, se tornando Carrie, a Estranha. O filme teria uma distribuição extremamente limitada, estreando em 3 de novembro de 1976 em apenas 17 salas, passando para 95 salas na segunda semana - e apenas em quatro cidades: Washington, Chicago, Nova Iorque e Los Angeles. Conforme o filme fazia sucesso, porém, o número de salas aumentava, e, no final, ele renderia nada menos que 33,8 milhões de dólares, se tornando um dos mais rentáveis da história do cinema quando comparados o custo com o retorno. A crítica também ficaria encantada, elegendo Carrie um dos melhores filmes do ano e um dos melhores filmes de horror de todos os tempos. Carrie é até hoje considerado como uma das melhores adaptações de um texto de King - sendo que foi o primeiro de mais de cem que o seguiram - e muitas de suas cenas são extremamente icônicas, frequentemente homenageadas e parodiadas, em especial a do trote que Hargensen e Billy pregam em Carrie. Carrie também é um dos pouquíssimos filmes de horror selecionados para preservação na Biblioteca do Congresso dos Estados Unidos, por ser considerado cultural, historica ou esteticamente relevante.
Todo esse sucesso costuma levar a uma sequência, e, embora isso pareça estranho (sem trocadilho) no caso de Carrie, não foi diferente - pelo menos a sequência não foi imediata, tendo sido lançada apenas em 1999, com o título de A Maldição de Carrie (The Rage: Carrie 2 no original). Eu só vou falar sobre esse filme porque ele existe, porque, sinceramente, era melhor que nem existisse. Dirigido por Katt Shea com roteiro de Rafael Moreu, ele é ambientado 23 anos após o original, e protagonizado pela meia-irmã de Carrie por parte de pai, Rachel Lang (Emily Bergl), que também sofre bullying e também tem poderes. O filme toca em temas como assédio sexual, esquizofrenia e famílias adotivas, e o único personagem que esteve no primeiro filme é Sue (ainda interpretada por Irving), agora conselheira da escola. O filme foi um gigantesco fracasso de crítica e público - com orçamento de 21 milhões, rendeu apenas 17 - apesar de a atuação de Bergl, que depois conseguiu construir uma sólida carreira na TV, ter sido bastante elogiada.
Mas pior que essa sequência foi a tentativa, em 1988, de se produzir um musical da Broadway, com músicas de Michael Gore, letras de Dean Pitchford e livreto (o equivalente ao roteiro para um musical) de Cohen, com Linzi Hateley como Carrie, Betty Buckley como Margaret, Sally Ann Triplett como Sue, e Charlotte d'Amboise como Hargensen. O musical faria apenas 21 apresentações, e seria um fracasso tão grande que viraria título de um livro escrito por Ken Mandelbaum sobre musicais da Bradway malsucedidos, Not Since Carrie: Forty Years of Broadway Musical Flops.
Carrie parece atrair todo tipo de ideias estranhas (sem trocadilho), e, em 2002, o canal de TV NBC achou que seria uma boa ideia fazer uma série protagonizada pela personagem, que percorreria os Estados Unidos de carona, usando seus poderes para fazer o bem - tipo punindo criminosos e ajudando os necessitados. Na época, os direitos sobre o filme pertenciam à MGM, com a NBC procurando a MGM Television e pedindo um piloto, que acabaria sendo uma co-produção entre Estados Unidos e Canadá, feito em parceria entre a MGM e a Trilogy Entertainment Group. Felizmente, a série jamais foi produzida, mas o piloto foi, e acabou se tornando um filme para a TV de nada menos que 132 minutos de duração (o filme original, de 1976, tem 98 minutos), que, se não é tão bom quanto o original, é um bom filme por seus próprios méritos, incluindo várias cenas do livro que ficaram de fora da primeira produção, renomeando a professora de educação física para Srta. Desjardin, trazendo a lindíssima Kandyse McClure como Sue Snell, e contando com uma atuação inspirada de Angela Bettis (a Janet Webber de Garota, Interrompida) como Carrie.
Dirigido por David Carson, com roteiro de Bryan Fuller (ambos conhecidos por seu trabalho em Star Trek: Deep Space Nine; Carson também dirigiu Stra Trek: Generations), o filme trazia ainda Patricia Clarkson como Margaret, Rena Sofer como a Srta. Desjardin, Emilie de Ravin como Hargensen, Jesse Cadotte como Billy e Tobias Mehler como Tommy, e estrearia em 4 de novembro de 2002 na NBC. Em um esforço de fidelidade, o filme é recontado como flashbacks a partir dos depoimentos de Sue e Desjardin ao policial John Mulcahey (David Keith), que está investigando o ocorrido no baile de formatura. A ambientação do filme foi mudada para a "época atual", e o final foi alterado, para que Carrie pudesse sair viajando pelo país na série. A crítica recebeu mal o filme, ainda sob o efeito negativo de A Maldição de Carrie e considerando que um remake de um filme tão clássico era desnecessário, embora a maior fidelidade ao livro, a estrutura em flashbacks e o novo final tenham sido elogiados, assim como a atuação de Bettis. A audiência, por outro lado, foi boa, com a NBC estimando que cerca de 12 milhões de espectadores assistiram ao filme em sua estreia.
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