domingo, 3 de abril de 2022

Escrito por em 3.4.22 com 0 comentários

Diana

Hoje, na série de contos que estou republicando do Crônicas de Categoria, o meu preferido de todos. Espero que vocês gostem tanto dele quanto eu.





Diana

Diana nasceu em 1943. Em meio à Segunda Guerra Mundial. Seu pai estava na Europa. Sua mãe, preocupada se ele voltaria ou não. Voltou. Mas, quando Diana tinha nove anos, algo muito estranho aconteceu.

Diana nasceu em 1973. Em meio à Guerra do Vietnã. Seu pai estava no Sudeste Asiático. Sua mãe, preocupada se ele voltaria ou não. Voltou. Mas, quando Diana tinha nove anos, algo muito estranho aconteceu.

Diana nasceu em 2003. Em meio à Guerra do Afeganistão. Seu pai estava na Ásia Central. Sua mãe, preocupada se ele voltaria ou não. Voltou. Mas, quando Diana tinha nove anos, algo muito estranho aconteceu.

Trinta anos separavam cada Diana da Diana seguinte. E, quando cada Diana tinha nove anos, descobriu que tinha todas as memórias das outras duas Dianas.

Quando a Diana de 1943 começou a falar em internet e telefones celulares, seu pai começou a usar suas ideias, e se tornou um escritor de ficção científica de sucesso. A de 1973 não teve tanta sorte: seus pais acharam que ela era louca, e ela passaria boa parte da vida em instituições psiquiátricas. A de 2003 se lembrava de brinquedos que nunca teve e de coisas que ela era jovem demais para saber, mas seus pais achavam que era imaginação de criança, ou que ela havia visto no YouTube.

É importante dizer que, ao completar nove anos de idade, cada Diana se lembrou automaticamente de tudo o que as outras duas viveram – mas essas memórias só abrangiam os primeiros nove anos de vida de cada uma. As Dianas de 1943 e de 2003, por exemplo, não se lembravam dos anos em que a Diana de 1973 passou sendo tratada de uma loucura que nunca teve.

A Diana de 2003, que foi a que talvez teve mais sorte, cresceu espantada com essas estranhas memórias, mas também nunca deu muita bola pra elas. Até que, aos 15 anos, se mudou de cidade. Por obra do acaso, ela foi ser vizinha de uma senhora também chamada Diana, bem velhinha, e se espantou com certas coisas que ela contava de sua infância – e que correspondiam exatamente às memórias que Diana tinha. As duas perceberam que compartilhavam as mesmas memórias, e logo começaram a tentar descobrir por onde andava a terceira Diana, aquela cujas memórias incluíam jogos de Atari, Led Zeppelin e o Ursinho Misha.

Quando finalmente a encontraram, a Diana de 1973 foi às lágrimas. Não era louca, afinal. As três se tornaram grandes amigas, e conversavam com frequência. Jamais descobriram como poderiam ter as memórias umas das outras, mas acabaram chegando à conclusão de que havia uma quarta Diana, pois algumas das memórias não pertenciam a nenhuma das três. Memórias de frio e de fome, de noites escuras e de medo, de um mundo totalmente diferente do que elas estavam acostumadas. Memórias que o pai da Diana de 1943 usou em algumas de suas histórias, que a Diana de 1973 contou aos médicos que a acompanharam, e que a Diana de 2003 não mencionava com frequência, pois lhe causavam grande tristeza.

A conclusão óbvia a que as três Dianas chegaram foi a de que a quarta Diana havia nascido em 1913. Infelizmente, com mais de cem anos tendo se passado, a chance de que ela ainda estivesse viva e lúcida para confirmar serem suas aquelas memórias era pequena. De fato, por mais que elas procurassem, jamais encontraram essa quarta Diana, e, alguns anos depois, acabaram desistindo.

Acontece que as três não sabiam, mas estavam equivocadas. As memórias de dor e sofrimento não pertenciam a uma Diana de 1913, que talvez estivesse velhinha, e sim a uma Diana que nasceria apenas em 2033, e que, por causa disso, elas jamais poderiam encontrar.

Assim como as outras três, a Diana de 2033 nasceu em meio a uma guerra. Seu pai estava longe. Sua mãe, preocupada se ele voltaria ou não. Voltou. E, quando Diana tinha nove anos, algo muito estranho aconteceu.

Mas as memórias que ela recebeu das outras três eram tão diferentes de tudo o que ela conhecia que ela sequer conseguiu identificá-las como memórias.

Sempre achou que eram sonhos.

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