domingo, 13 de fevereiro de 2022

Escrito por em 13.2.22 com 0 comentários

José Carlos Pace

O Brasil já teve seis pilotos com vitórias na Fórmula 1. Três deles foram campeões, e já ganharam posts por aqui: Emerson Fittipaldi, Nelson Piquet e Ayrton Senna. Outros dois, Rubens Barrichello e Felipe Massa, ainda estão em atividade (em outras categorias) e, embora eu de vez em quando pense em escrever sobre eles, ainda não será hoje. Hoje eu vou falar do sexto dessa lista, aquele que é o menos conhecido por quem começou a acompanhar a Fórmula 1 recentemente. Hoje é dia de José Carlos Pace no átomo.

Pace nasceu em 6 de outubro de 1944 em São Paulo. Desde criança, sempre se interessou por esportes, e praticava judô e natação. Membro da equipe juvenil do Palmeiras, poderia ter seguido carreira nas piscinas - inclusive sendo detentor durante algum tempo do recorde brasileiro dos 100 metros Livre - mas faltava constantemente aos treinos dos fins de semana da parte da manhã, não porque não conseguia acordar cedo, mas porque preferia ficar acompanhando corridas automobilísticas, no rádio ou presencialmente. Um dia, chegaria atrasado a um treino por ficar esperando a largada de uma corrida, e acabaria sendo expulso da equipe. Enquanto fazia natação, Pace ganharia o apelido que o acompanharia durante toda a vida: Moco - nome de uma pequena coruja que, segundo a crendice popular, "se faz de surda" quando não está interessada no que está acontecendo a seu redor; Pace ganharia o apelido porque, quando o treinador ou os colegas lhe perguntavam alguma coisa, ele só respondia se lhe interessasse, caso contrário, fingia que não tinha escutado.

Apaixonado pela velocidade, após sair da natação Pace tentaria começar uma carreira no kart, mas sua família era contra; dono de uma tecelagem, seu pai tinha esperança de que ele se formasse em administração e assumisse os negócios da família. Ele então começaria a disputar corridas ilegais no bairro do Pacaembu, e sua família, temerosa por sua segurança, decidiria comprar um kart e inscrevê-lo em algumas provas no estado de São Paulo.

Pace não faria carreira no kart, porém: em 1963, aos 18 anos, ele seria convidado pela equipe Willys para disputar o Campeonato Paulista de Turismo, sendo campeão na categoria 1.000 cc. No ano seguinte, ele seria convidado pela equipe DKW para participar do II Prêmio Aniversário do Automóvel Clube do Estado de São Paulo. Em 1967, a Fórmula Ford estrearia no Brasil, e ele conseguiria um convite para disputar o campeonato, correndo ao lado dos irmãos Wilson e Emerson Fittipaldi, e terminando em terceiro lugar. Piloto veloz, constante e de bons resultados, passaria a década de 1960 obtendo convites e patrocínios para as principais provas de turismo e de protótipos do país, sendo vencedor das 12 Horas de Interlagos, das 1.000 milhas de Interlagos, dos 500 km de Salvador, das 3 Horas da Guanabara, e tricampeão dos 1.000 km de Brasília, além de campeão por três anos seguidos do Brasileiro de Turismo.

Aos 25 anos, entretanto, temendo ficar velho para iniciar uma carreira internacional, Pace decidiria arriscar: venderia tudo o que tinha e viajaria para a Inglaterra, para ficar na casa de um amigo e, sem qualquer referência, entrar em contato com a equipe Russell, que buscava jovens pilotos para correr no Forward Trust Championship, uma categoria regional da Fórmula 3 Britânica que seria disputada entre 1970 e 1973. A aposta daria certo, e a Russell o contrataria para o campeonato de 1970, no qual ele, pilotando uma Lotus do ano anterior, venceria 8 das 36 provas e chegaria entre os cinco primeiros 31 vezes, se sagrando campeão já em sua primeira participação, à frente do australiano Dave Walker e do inglês Bev Bond, pilotos da Equipe Lotus e favoritos ao título. Vale dizer que, ao longo de toda sua carreira internacional, ele usaria o nome Carlos Pace, deixando de lado o José.

A Russell quis renovar com Pace para 1971, mas o título lhe renderia uma oportunidade ainda maior: na época, Frank Williams ainda não era dono da Equipe Williams que ganharia vários títulos na Fórmula 1, mas estava começando no automobilismo com uma equipe menor, chamada Frank Williams Racing Cars, que começou a disputar os campeonatos de Fórmula 1 e Fórmula 2 em 1969, sempre usando carros de outras equipes do ano anterior (o que, na época, era permitido pelo regulamento). Williams ofereceria a Pace uma vaga na Fórmula 2, e, acreditando que ali estava a oportunidade para ele chegar na Fórmula 1, o piloto aceitaria. Problemas com o carro fariam com que ele só conseguisse disputar as sete últimas provas do campeonato, sem obter resultados expressivos, mas Pace ganharia muita experiência, inclusive dividindo as pistas, mais uma vez, com Wilson e Emerson Fittipaldi, que corriam pela equipe Bardahl.

Pace pode não ter tido nenhum resultado expressivo na temporada regular, mas seria vencedor de uma prova extra, que não contava para o campeonato, realizada em Ímola, na Itália; essa vitória, aliada a seu estilo de pilotagem e vontade de competir, lhe renderia um convite para correr já em 1972 na Fórmula 1 pela Williams, usando um March do ano anterior. Pace não correria na primeira corrida da temporada, o GP da Argentina, fazendo sua estreia na segunda, o GP da África do Sul, no qual chegaria em 17o; já na corrida seguinte, o GP da Espanha, ele conseguiria seus primeiros pontos, um sexto lugar no GP da Espanha. Ele pontuaria também ao chegar em quinto no GP da Bélgica, mas, das oito outras corridas da temporada, só completaria mais duas, em Mônaco (onde foi mais uma vez 17o) e no Canadá (onde foi nono). Mesmo com um carro muito fraco, ele terminaria em 18o lugar no campeonato, e teria desempenho enormemente superior ao de seu colega de equipe, o mais experiente francês Henri Pescarolo.

Simultaneamente à temporada da Fórmula 1, Pace competiria na Fórmula 2 em 1972; ele disputaria quatro corridas pela equipe Pygmée e duas pela equipe Surtees, do campeão mundial de Fórmula 1 em 1964 John Surtees, incluindo o GP da Áustria, onde conseguiria a pole position. Também pela Surtees, ele disputaria a Victory Race, uma corrida que não fazia parte de nenhum campeonato, disputada no circuito de Brands Hatch, Inglaterra, usando carros de Fórmula 1, e que só teve duas edições realizadas, em 1971 e 1972; Pace chegaria em segundo lugar, atrás apenas do francês Jean-Pierre Beltoise, da BRM.

Seu bom desempenho faria com que ele seguisse com a Surtees na Fórmula 2 em 1973, quando disputaria apenas as três primeiras provas, e se transferisse para a equipe na Fórmula 1. Infelizmente, o carro da Surtees não era muito confiável, e Pace abandonaria 8 das 15 provas; em compensação, ele conseguiria seu primeiro pódio, um terceiro lugar na Áustria, pontuando também na prova imediatamente anterior, na Alemanha, onde quebraria o recorde de volta mais rápida do perigoso circuito de Nürburgring. Pace terminaria o campeonato na 11a posição, superando mais uma vez um colega de equipe mais experiente, o inglês Mike Hailwood, que sequer pontuaria - vale citar como curiosidade que, no GP do Brasil, a Surtees inscreveria um terceiro carro, pilotado pelo também brasileiro Luiz Bueno, que chegaria em 12o lugar; esse terceiro carro, no GP da África do Sul, ficaria com o italiano Andrea de Adamich, e, na Inglaterra, Alemanha e Estados Unidos, com o alemão Jochen Mass.

Ainda em 1973, Pace receberia um convite da Ferrari para disputar as 24 Horas de Le Mans, dividindo carro com o italiano Arturo Merzario; eles conseguiriam terminar a prova na segunda colocação. A dupla também conseguiria a segunda colocação nos 1.000 km de Nürburging e a terceira nas 6 Horas de Watkins Glen - prova na qual Pace já havia sido terceiro no ano anterior, dividindo um Ford com o inglês Derek Bell. Também pela Ferrari, e também em 1973, ele disputaria o World Sportscar Championship, o campeonato de turismo da FIA, mas sem resultados expressivos.

Pace começaria a temporada de 1974 da Fórmula 1 ainda na Surtees, tendo Mass como colega de equipe, abandonando quatro provas e conseguindo um quarto lugar no GP do Brasil. Sua relação com o dono da equipe, entretanto, não era boa, e, após o GP da Suécia, sétima prova do campeonato, Pace decidiria deixar a equipe. Ele receberia um convite para correr pela Ferrari, mas não poderia aceitar por uma questão de patrocínio: no momento, todos os contratos de patrocínio da Ferrari já estavam fechados, e não havia como colocar no carro o logotipo da cervejaria Brahma, patrocinadora de Pace; se ele aceitasse o convite da Ferrari, deveria ficar o restante do ano sem correr, estreando pela equipe italiana apenas em 1975. Enquanto decidia qual seria o melhor curso de ação, Pace ficaria de fora do GP da Holanda, oitava etapa do campeonato.

Não querendo ficar fora das pistas pelo restante do ano, Pace conseguiria que a Brahma pagasse pela inscrição na prova seguinte, o GP da França, de um segundo carro da equipe Hexagon, que corria apenas com um, pilotado pelo irlandês John Watson, e usava carros da Brabham do ano anterior. Ele não iria bem nos treinos e não conseguiria se classificar (por causa do grande número de carros inscritos, na época nem todos largavam, apenas os que conseguissem os melhores tempos), mas chamaria a atenção de Bernie Ecclestone, o comandante da equipe Brabham, que poderia ser definida como "inconstante": apesar de ter um carro considerado forte, lutava para ter bons resultados e trocava frequentemente de piloto, com seu primeiro carro sendo do argentino Carlos Reutemann, mas o segundo tendo começado o ano com o inglês Richard Robarts, passado para o belga Teddy Pilette, e estando com Rikky von Opel, de Liechtenstein, até Ecclestone decidir que ele seria de Pace a partir da décima etapa, o GP da Inglaterra.

Nas seis corridas que disputaria pela Brabham em 1974, Pace abandonaria na Áustria, após um estouro de motor quando estava em segundo lugar; conseguiria um quinto lugar na Itália, onde quebraria o recorde de volta mais rápida da tradicional pista de Monza; e seria segundo nos Estados Unidos, em uma dobradinha da Brabham com Reutemann em primeiro, curiosamente após decidir mudar a pintura de seu capacete: até então, ele trazia uma seta amarela apontando para baixo, mas, imediatamente antes do GP dos EUA, Pace pediria para que a seta passasse a apontar para a frente. Os repórteres perceberiam a coincidência e perguntariam se a mudança teria ocorrido por algum tipo de superstição; Pace sempre negaria, e alegaria estar cansado da seta antiga, a qual achava "sem estética".

Para 1975, Reutemann e Pace seriam a dupla oficial da Brabham. Pace começaria o ano abandonando na Argentina, mas, na segunda corrida, o GP do Brasil, conseguiria sua primeira e única vitória na Fórmula 1, justamente em casa, e, ainda por cima, fazendo uma dobradinha brasileira com Emerson Fittipaldi, que na época corria pela McLaren, e chegaria em segundo. Na terceira prova do campeonato, na África do Sul, Pace conseguiria sua primeira pole position na Fórmula 1, mas, com problemas nos freios, terminaria a prova em quarto. O começo parecia animador, ainda mais quando, após abandonar na Espanha, Pace conseguiria mais um pódio, um terceiro lugar, em Mônaco, atrás de Niki Lauda, da Ferrari, que venceria a prova, e de Emerson, que chegaria em segundo. Pace ainda seria oitavo na Bélgica, pontuaria na Holanda, ao chegar em quinto, e obteria mais um pódio ao terminar em segundo na Inglaterra - mais uma vez numa dobradinha brasileira, dessa vez com Emerson em primeiro - mas, mais uma vez, o carro não se mostraria confiável o suficiente, o que o levaria a abandonar as outras seis provas - inclusive as quatro últimas, seguidas. Ainda assim, seus resultados fariam com que ele terminasse em sexto lugar no campeonato, a melhor colocação de sua carreira, e, aliados aos de Reutemann, dariam à Brabham o vice-campeonato de construtores, atrás apenas da Ferrari.

Paralelamente ao campeonato de Fórmula 1, em 1975 Pace disputaria Campeonato Brasileiro de Turismo, no qual seria o campeão do Grupo 1 - Classe C. Dividindo um Ford Maverick com Paulo Gomes, Pace também seria vencedor, no mesmo ano, das 25 Horas de Interlagos e das 12 Horas de Tarumã; esses resultados, aliados a outros que conseguiria com o mesmo carro, também dariam a Pace o título de 1975 do Torneio Sulamericano de Maverick.

Reutemann e Pace seriam mantidos para 1976, mas a Brabham teria um novo motor, trocando o Ford Cosworth V8 pelo em teoria mais poderoso Alfa Romeo de 12 cilindros. Os pilotos teriam problemas de adaptação, e Pace não conseguiria um novo pódio, tendo como melhores resultados dois quartos lugares, na França e na Alemanha; ele pontuaria também ao chegar em sexto na Espanha, e terminaria o campeonato em 14o. Após 12 provas, Reutemann seria contratado pela Ferrari para o lugar de Lauda, que havia sofrido seu famoso acidente em Nürburgring, e Pace passaria a ter como colega de equipe primeiro o alemão Rolf Stommelen - que já havia pilotado um terceiro carro da Brabham no GP da Alemanha daquele ano - e, nas duas últimas provas do campeonato, o australiano Larry Perkins.

1976 também seria o ano em que Pace, de certa forma, faria sua estreia no cinema: naquele ano, seria filmado Um Momento, Uma Vida, no qual Al Pacino interpreta Bobby Deerfield, um piloto de Fórmula 1 obcecado pela vitória, mas que, após presenciar um violento acidente fatal, passa a ter seu desempenho prejudicado pelo medo da morte. Pace seria o "dublê" de Pacino, no sentido de que, toda vez que o carro de Deerfield aparece na tela, na verdade é o Brabham de Pace.

Pace renovaria com a Brabham para 1977, e passaria a ter Watson como colega de equipe. Infelizmente, ele só participaria das três primeiras provas do ano, conseguindo mais um pódio, um segundo lugar no GP da Argentina, abandonando no Brasil, e chegando em 13o na África do Sul.

Apesar de ter nascido em uma grande metrópole e de ser apaixonado por velocidade, Pace gostava do isolamento, e, quando vinha ao Brasil, gostava de ficar em fazendas de amigos, especialmente na de Gomes, no interior do Mato Grosso. Em 1977, após o GP da África do Sul, seria disputado o GP dos Estados Unidos Oeste, e, ao retornar da África e antes de seguir para a Califórnia, Pace decidiria vir ao Brasil e se hospedar na fazenda de outro piloto, Marivaldo Fernandes, na cidade de Ribeirão Preto, interior de São Paulo. Pace havia, inclusive, sido aprovado no teste para conseguir brevê de piloto de aviação, para facilitar suas viagens pelo interior do país, e negociava a compra de um pequeno avião bimotor.

Seria Marivaldo quem estaria no comando da aeronave no dia 18 de março de 1977, porém, quando ele e Pace decolariam do pequeno aeroporto de Ribeirão Preto rumo a São Paulo, para que Marivaldo fechasse alguns negócios; o plano era ir e voltar no mesmo dia, e ambos decidiriam pela viagem subitamente no dia anterior, enquanto estavam na piscina da fazenda. Na hora estabelecida para o retorno à fazenda, o tempo estava muito instável, e, justamente quando o avião decolou do Campo de Marte, em São Paulo, começou uma tempestade. Incapaz de alcançar a altitude adequada, o bimotor se chocaria contra a Serra da Cantareira, na altura da cidade de Mariporã, matando instantaneamente seus três ocupantes - além de Marivaldo e Pace, estava no avião o piloto reserva Carlos Roberto de Oliveira. Pace tinha apenas 32 anos, e já era apontado como provável segundo brasileiro campeão da Fórmula 1, devido a seus excelentes testes no início da temporada.

Os restos mortais de Pace seriam enterrados no Cemitério do Araçá, em São Paulo. Ele deixaria sua esposa, Elda, e um casal de filhos, Rodrigo e Patrícia, que jamais se interessaram por automobilismo. Em 1985, o Autódromo de Interlagos, em São Paulo, onde Pace conseguiria sua única vitória na Fórmula 1 exatamente dez anos antes, seria renomeado para Autódromo José Carlos Pace em sua homenagem.

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