domingo, 17 de outubro de 2021

Escrito por em 17.10.21 com 0 comentários

Os Livros da Selva

Quando eu decidi fazer o Mês da Índia, pensei que um dos quatro posts poderia ser sobre Os Livros da Selva; desisti porque ele não é uma obra indiana, tendo sido escrita por um inglês que nasceu na Índia na época em que eles eram colônia do Reino Unido. Acabei optando por falar de uma cantora para que os quatro posts do mês fossem realmente indianos, mas, como costuma acontecer, a vontade de escrever sobre Os Livros da Selva ficou - e, como costuma acontecer, mais cedo ou mais tarde essas minhas vontades são saciadas em forma de posts. Hoje, portanto, é dia de Os Livros da Selva no átomo!

Os Livros da Selva
, que também costumam ser chamados pelo nome no singular, O Livro da Selva, embora isso seja parcialmente incorreto, são mais conhecidos no Brasil como a história de Mogli, o menino-lobo (cujo nome original em inglês tem um w no meio, Mowgli), principalmente por causa do desenho e do filme da Disney; eles são, entretanto, duas coleções (por isso o nome no plural) de contos escritos por Rudyard Kipling, nem todos estrelados por Mogli, e nem todos ambientados na Índia. Originalmente, inclusive, esses contos não foram escritos na forma de um livro, e sim publicados em várias revistas e jornais, somente depois sendo reunidos em dois volumes - por isso o nome no plural.

Joseph Rudyard Kipling era inglês, mas nasceu em Bombaim (atual Mumbai), Índia, em 30 de dezembro de 1885, pois seu pai, John Lockwod Kipling, escultor e ceramista, havia conseguido, naquele mesmo ano, uma vaga de professor na recém-fundada Escola de Artes Sir Jamsetjee Seejebhoy, naquela cidade. A mãe de Kipling, Alice MacDonald Kipling, era uma das quatro famosas Irmãs MacDonald, filhas do reverendo escocês George Browne MacDonald, todas inteligentes, cultas, desenvoltas e casadas com artistas, o que as transformou em figuras notórias da sociedade inglesa da Era Vitoriana. John e Alice se conheceriam em 1863, nas margens do Lago Rudyard, em Staffordshire, Inglaterra, e decidiriam homenagear o momento colocando o nome do lago em seu filho. Rudyard Kipling tinha uma irmã mais nova, também chamada Alice, e os dois passariam suas infâncias viajando da Índia para a Inglaterra e de volta, com o primeiro retorno ocorrendo quando Kipling tinha apenas 5 anos, para que ele e a irmã frequentassem uma escola inglesa, não indiana.

Kipling, porém, era apaixonado pela Índia onde nasceu, e jamais se sentia confortável na Inglaterra - um dos principais motivos sendo que, como seus pais tiveram de ficar na Índia, com seu pai inclusive tendo sido promovido e diretor da escola de artes, ele e a irmã teriam de ficar com famílias especializadas em abrigar filhos de casais que morassem no estrangeiro enquanto eles estudavam, o que ele detestava. Quando Kipling tinha 16 anos, seus professores avisariam a seus pais que suas notas não seriam suficientes para que ele obtivesse uma bolsa de estudos numa universidade, e, como a família não tinha dinheiro para pagar por sua educação superior, decidiria que ele voltaria para a Índia para trabalhar com seu pai, então diretor do Mayo College of Art, na cidade de Lahore (hoje no Paquistão), e curador do museu local. Kipling não se adaptaria, porém, e, após alguns meses, seu pai usaria de alguns contatos para que ele se tornasse editor assistente do jornal local Civil and Military Gazette, voltado, principalmente, aos soldados britânicos aquartelados na Índia.

O editor do jornal, Stephen Wheeler, diria que Kipling tinha uma "necessidade irrefreável de escrever", e o colocaria para escrever matérias quase que diariamente; no início de 1883, Wheeler sairia, e Kay Robinson, que assumiria como diretor, daria mais liberdade criativa a Kipling, permitindo que ele escrevesse contos para publicação no jornal. Todos os amigos e colegas de trabalho de Kipling se espantariam com a facilidade com que ele escrevia esses contos, com um deles chegando a brincar que ele esvaziava um vidro de tinta por dia apenas escrevendo. No verão de 1883, Kipling iria com seus pais para a cidade de Simla (atual Shimla) e se apaixonaria pelo local, retornando à cidade todo verão até 1888, e usando-a como cenário da maioria de suas histórias.

Entre 1883 e 1888, Kipling publicaria no Gazette nada menos que 39 histórias, com as 28 melhores sendo selecionadas por Robinson para serem publicadas no formato de livro, com o nome Plain Tales from the Hills (algo como "histórias planas das colinas", uma referência ao fato de que Simla ficava em uma colina no meio de uma planície), lançado em 30 de janeiro de 1888, um mês após seu aniversário de 22 anos, pela editora Thacker, Spink and Company, de Calcutá (atual Kolkata), capital da Índia Britânica. A sanha de Kipling por escrever era tão grande que ele não se contentou que o livro tivesse apenas 28 histórias e escreveu mais especialmente para a publicação, que acabou com 40. Ao longo de 1888, ele escreveria mais histórias, que seriam reunidas às que ele já tinha publicado, em nada menos que seis livros.

Em novembro de 1887, ele seria "promovido" do Gazette para o jornal The Pioneer, com sede em Allahabad, e que tinha maior circulação; atuando como repórter e como correspondente especial na região de Rajputana, ele escreveria várias crônicas e ensaios que seriam publicados em 1889 em From Sea to Sea and Other Sketches, Letters of Travel, livro que narraria, também, suas viagens à Birmânia, Cingapura, Hong Kong, Japão e Estados Unidos, que ocorreriam naquele ano, após ele ser dispensado do The Pioneer e vender por uma pequena fortuna os direitos sobre suas histórias já publicadas. Kipling gostaria imensamente de sua viagem ao Japão, descrevendo os japoneses como "um povo gracioso e de boas maneiras", e passaria quase um ano nos Estados Unidos e Canadá, passando por nada menos que 16 cidades, a primeira São Francisco e a última Nova Iorque, onde conheceria e se tornaria amigo do também escritor Mark Twain, chegando a passar uma tarde em sua casa conversando e tomando chá. Saindo de Nova Iorque, ele iria de navio a Liverpool e de lá a Londres, chegando à capital britânica dois meses antes de completar 24 anos. Kipling jamais retornaria à Índia depois disso, mas a levaria sempre em seu coração.

Ao retornar a Londres, Kipling publicaria seu primeiro romance, The Light that Failed, de 1891, e conheceria e se tornaria amigo do também escritor norte-americano Wolcott Balestier, com quem co-escreveria o romance The Naulahka, que só seria publicado em 1892, após a morte de Balestier. No final de 1891, Kipling teria um colapso nervoso, e seria aconselhado por seu médico a viajar; ele decidiria ir até a África do Sul, então Austrália, Nova Zelândia e passar o Natal com seus pais na Índia, mas essa última parte não se concretizou justamente por causa da morte de Balestier, de febre tifoide, com Kipling voltando a Londres assim que recebeu a notícia; antes de retornar, ele escreveria à irmã de Balestier, Carrie, e a pediria em casamento. Kipling e Carrie se casariam em janeiro de 1892, ele com 26 anos, ela com 29, com o escritor Henry James entrando com ela na igreja, já que seu pai já era falecido.

Os dois decidiriam passar a lua de mel nos Estados Unidos e Japão, mas, ao chegar à Terra do Sol Nascente, descobririam que o banco onde Kipling havia guardado todas as suas economias faliu. Eles, então, decidiriam retornar aos Estados Unidos e alugar uma cabana em Vermont, onde nasceria a primeira filha do casal, Josephine, em 29 de dezembro de 1892, um dia antes do aniversário de 27 anos de Kipling. Ao longo de 1892, Kipling escreveria 21 poesias, que seriam reunidas no livro Barrack-Room Ballads, e começaria a escrever os contos que dariam origem a Os Livros da Selva, tendo a ideia de um menino que havia sido criado por lobos no coração de sua Índia natal ao ver a neve caindo pela janela de sua cabana.

A primeira história que Kipling escreveria com Mogli seria In the Rukh ("Dentro do Rukh"; um rukh era uma espécie de reserva florestal da Índia Britânica, com guardas florestais britânicos e tudo), publicada em 1893 na revista Many Inventions. Curiosamente, essa história traz Mogli já adulto, e tem como protagonista o guarda florestal Gisborne, que, graças à habilidade do rapaz de conversar com animais, quer treiná-lo para também ser um guarda florestal. Apesar de ser a primeira publicada, cronologicamente essa é a última das histórias de Mogli, e, por isso, Kipling optaria por não incluí-la em nenhum dos dois volumes de Os Livros da Selva; em edições mais recentes, ela costuma ser incluída como bônus.

O primeiro dos dois volumes, chamado The Jungle Book (O Livro da Selva em português, por isso é errado usar o nome no singular para ambos), seria publicado em 1894 pela editora McMillan, e contaria com sete contos originalmente escritos e publicados em jornais e revistas em 1893 e 1894, intercalados por poemas escritos por Kipling especialmente para a edição encadernada, assim como ilustrações do pai de Kipling, John Lockwood, criadas também especialmente para essa edição.

Somente as três primeiras das sete histórias são protagonizadas por Mogli; elas introduziriam os personagens que se tornariam famosos pelas mãos da Disney, como o urso Baloo e a pantera Baghera (que é macho), responsáveis por ensinar Mogli a respeitar a Lei da Selva e agir como um verdadeiro animal; o tigre Shere Khan, que não aceita a presença do menino dentre os animais e é o principal vilão das histórias; e a cobra Kaa, que no livro é amiga de Mogli, brincando com ele e o ajudando a escapar da Cidade dos Macacos. Outros personagens importantes das histórias de Mogli são o lobo Akela, chefe da alcateia; Rama e Raksha, o casal de lobos que criou o menino; o Irmão Cinzento, filho mais velho de Rama e Raksha e irmão adotivo de Mogli; o elefante Hathi, a mais poderosa criatura da selva; e o chacal Tabaqui, em quem ninguém confia, e aparentemente é um aliado de Shere Khan. Vale dizer que Kipling não foi muito criativo ao nomear os animais, já que, em hindi, bhaaloo significa "urso", bagheera significa "pantera", kaa significa "cobra", hathi significa "elefante" e shere significa "tigre".

A primeira história do livro, Os Irmãos de Mogli, começa com os lobos encontrando o menino e depois dá um salto para quando ele já tem 11 anos, focando em seu aprendizado da Lei da Selva e convivência com os animais. Na segunda, A Caçada de Kaa, Mogli tem sete anos, é sequestrado pelos macacos e levado para sua Cidade, tendo de ser salvo por seus amigos. Na terceira, Tigre! Tigre!, Mogli, já adolescente, acha ter encontrado sua verdadeira mãe, uma mulher chamada Messua, e decide morar com ela um tempo na cidade, mas tem sua vida ameaçada por Shere Khan. O famoso desenho da Disney, de 1967, e as duas versões com atores, uma lançada em 1994 e a mais recente em 2016 (todas as três também chamadas The Jungle Book em inglês, e Mogli, o Menino-Lobo em português), usam elementos dessas três histórias, com algumas liberdades poéticas e novidades acrescentadas por seus respectivos roteiristas, assim como um outro filme chamado The Jungle Book, lançado em 1942 pela United Artists. Mogli também seria astro de três séries de TV: um anime chamado The Jungle Book, de 1989, uma série norte-americana com atores de 1998, chamada Mowgli: The New Adventures of the Jungle Book, e uma série francesa produzida em computação gráfica de 2010, também chamada The Jungle Book.

Mas uma das adaptações mais originais e curiosas seria Maugli, uma série de cinco curta-metragens de 20 minutos cada, produzidos para o cinema na União Soviética entre 1967 e 1971, em 1973 condensados como um filme de 96 minutos também lançado nos cinemas. O primeiro dos curtas foi lançado no mesmo ano que o desenho da Disney, e, embora isso tenha sido uma coincidência, o contraste entre ambos era evidente, com a produção soviética sendo muito mais fiel à obra de Kipling e bem mais adulta que a norte-americana. Vale citar que, mesmo sendo anti-comunista e considerado imperialista, Kipling era extremamente popular na União Soviética, e vários escritores e poetas, o mais notável sendo Konstantin Simonov, o citavam como sendo uma de suas principais influências. Maugli permanece até hoje como uma das mais elogiadas e populares animações produzidas pela União Soviética; em 1996, a versão condensada seria novamente editada, perdendo quatro minutos, dublada em inglês e lançada nos Estados Unidos com o nome de Adventures of Mowgli - essa versão seria dublada em outros idiomas e lançada em 16 países, mas, infelizmente, nunca no Brasil.

Os Irmãos de Mogli seria adaptada para um desenho animado para a TV dirigido por Chuck Jones em 1976. Jones também transformaria em desenhos para a TV duas outras histórias do livro, Rikki-Tikki-Tavi, sobre um mangusto que salva uma família de uma cobra, e A Foca Branca, sobre uma jovem foca que quer encontrar uma nova morada para seu grupo, longe dos caçadores (sendo essa a única história do livro que não é ambientada na Índia, e sim no Ártico). As duas últimas histórias do livro são Toomai dos Elefantes, sobre um menino que deseja ser treinador de elefantes como seu pai, e Servidores de Sua Majestade, um diálogo entre vários animais que servem ao exército britânico na Índia, como cavalos, camelos, bois e elefantes, discutindo seu papel na guerra e como eles se sentem em relação a isso, na noite anterior a um desfile militar em homenagem ao Emir do Afeganistão - que realmente ocorreu, com Kipling na plateia.

Há uma certa controvérsia sobre em que local exatamente ficaria a selva de Mogli; o livro cita diversas vezes a cidade de Seonee (atual Seoni), mas não há próxima à cidade uma selva com as características presentes nas histórias. Muitos estudiosos consideram Mogli um personagem autobiográfico, que refletiria o fato de Kipling se sentir mais parte da Índia que da Inglaterra, assim como Mogli se sente mais parte da selva que da cidade; embora suas histórias sejam vistas como fábulas que ensinam valores morais, alguns estudiosos acreditam que elas são alegorias à política vigente no Império Britânico à época. Seja como for, graças à narrativa de Kipling, que se inspiraria em várias lendas da Índia para escrever as histórias, mas daria a elas seu toque pessoal, O Livro da Selva se tornaria rapidamente uma das obras mais famosas da literatura, sendo traduzida para mais de vinte idiomas antes de completados dez anos de sua publicação. Vale citar como curiosidade que a primeira edição brasileira, publicada pela Companhia Editora Nacional em 1933, teria tradução de Monteiro Lobato, que decidiria traduzir o título para O Livro da Jângal - aparentemente por achar que a selva indiana tinha características próprias suficientes para ganhar um nome diferente de uma selva comum.

O sucesso imediato de O Livro da Selva levaria a McMillan a selecionar mais cinco histórias com Mogli, publicadas entre 1893 e 1894, reuni-las a outras três e lançar um segundo volume, chamado The Second Jungle Book (O Segundo Livro da Selva, em português), em 1895. Mais uma vez, Kipling escreveria poemas especialmente para essa edição, que seriam intercalados com os contos, e John Lockwood criaria ilustrações especialmente para essa edição. O Segundo Livro da Selva ganharia uma adaptação para o cinema, produzida pela Tri-Star Pictures e lançada em 1997 com o nome de The Second Jungle Book: Mowgli & Baloo, e daria origem a um filme da Disney com atores lançado diretamente em vídeo em 1998, The Jungle Book: Mowgli's Story. As histórias de Mogli em sua totalidade serviriam de inspiração para a mais recente adaptação, Mogli: Entre Dois Mundos (Mowgli: Legend of the Jungle no original), dirigido por Andy Serkis e lançado pela Netflix em 2018.

As cinco histórias de Mogli não estão em ordem cronológica nem em relação umas às outras, nem em relação às de O Livro da Selva. Em Como Surgiu o Medo, Hathi conta para Mogli como o primeiro tigre ganhou suas listras; em O Avanço da Selva, Mogli, já morando na cidade com Messua, é expulso acusado de bruxaria (já que fala com os animais) e tem de salvar sua suposta mãe da ira dos demais moradores; em O Aguilhão do Rei, enquanto está brincando com Kaa, Mogli encontra um antigo artefato, que, segundo seu guardião, uma cobra albina, faz com que os homens matem uns aos outros por sua posse; em Cão Vermelho, a alcateia de Mogli é ameaçada por um grupo de dholes (espécie de cachorro selvagem da Índia) e o menino pede ajuda a Kaa para detê-los; e em A Corrida da Primavera, Mogli, já com 17 anos, se vê dividido entre continuar morando na selva com seus amigos animais e assumir que é um homem e fazer sua vida na cidade.

As outras três histórias são O Milagre de Purun Bhagat, na qual um homem rico e poderoso decide largar tudo e se tornar um andarilho mendicante, fazendo amizade com os animais nos locais por onde passa; Os Agentes Funerários, na qual um enorme crocodilo, já velho, compartilha, à beira do rio, com um chacal e uma cegonha, histórias de sua juventude; e Quiquern, a única que não é ambientada na Índia, mas na Groenlândia, na qual um jovem casal inuit decide cruzar um deserto de gelo em busca de alimento para sua tribo, que está passando fome após uma nevasca. Apesar de ter mais histórias de Mogli, O Segundo Livro da Selva não seria um sucesso tão grande quanto o primeiro (talvez por não ser mais novidade), mas mesmo assim teria boa vendagem; depois da Segunda Guerra Mundial, os dois volumes passariam a ser encontrados mais facilmente em um volume único, com o nome de Os Livros da Selva.

Após o nascimento de Josephine, o casal decidiria comprar um terreno e construir sua própria casa, onde seriam frequentemente visitados pelo pai de Kipling, já aposentado, e pelo escritor britânico Arthur Conan Doyle, criador de Sherlock Holmes, que se tornaria parceiro de Kipling no golfe. A segunda filha do casal, Elsie, nasceria em fevereiro de 1896, mesmo ano no qual Kipling publicaria mais um romance, Captains Courageous, mais uma coleção de poemas, The Seven Seas, e decidiria retornar à Inglaterra, principalmente devido a problemas com o outro irmão de Carrie, Beatty, que vivia pedindo dinheiro emprestado para sanar dívidas de jogo; um dia, bêbado, Beatty ameaçou a vida de Kipling e foi preso, mas o juiz conduziu o caso de forma desastrosa, expondo a privacidade do escritor, que, se dizendo "miserável e exausto" e com seu casamento em crise, decidiria deixar os Estados Unidos uma semana antes da audiência que poderia absolver ou condenar o cunhado. O primeiro filho do casal, John, nasceria quase um ano depois, em agosto de 1897. Também em 1897, a família Kipling se mudaria para Sussex, onde o escritor viveria até o fim de sua vida.

No início de 1898, a família Kipling decidiria trocar o verão europeu pelo inverno sul-africano, se hospedando em uma casa de propriedade do ex-primeiro ministro do país, Cecil Rhodes, amigo do pai de Kipling; eles acabariam transformando isso em uma tradição, viajando à África do Sul todo início de ano até 1908. Kipling, então, já era um escritor famoso, conhecido como "O Poeta do Império", e decidiria não somente apoiar o lado britânico na Guerra dos Bôeres, como também atuar como correspondente jornalístico do evento, escrevendo matérias para o jornal The Friend, de Bloemfontein. Também seria de autoria de Kipling o texto do memorial em homenagem às vítimas do conflito, erigido na cidade de Kimberley.

Em 1899, a família Kipling visitaria os Estados Unidos e, durante a viagem, Kipling e Josephine contrairiam pneumonia; ele se recuperaria, mas ela acabaria falecendo. Para lidar com seu luto, ele escreveria aquela que é sua segunda obra mais popular, o livro de histórias infantis Just So Stories. O título do livro tem origem no hábito que Kipling tinha de contar histórias para Josephine quando a menina ia dormir; ele tinha de contá-las sempre da forma como ela estava acostumada (just so significa algo como "bem assim"), ou ela reclamava e não aceitava a história. Três das 13 histórias do livro foram criadas por Kipling para contar para Josephine na hora de dormir, as outras dez foram criadas especificamente para o livro; a maioria delas explica de forma fantasiosa alguma característica dos animais, como por que o leopardo tem manchas, por que o elefante tem tromba ou como surgiram os tatus, mas também há uma história sobre a primeira carta que foi escrita e uma sobre o surgimento do alfabeto. Just So Stories foi publicado pela primeira vez em 1902 (com o título de Just So Stories for Little Children) pela editora McMillan, e hoje é considerado um dos maiores clássicos da literatura infantil. Todas as ilustrações do livro original eram do próprio Kipling, mas edições mais recentes costumam usar outras ilustrações; algumas das histórias também foram publicadas separadamente em vários países na forma de livros infantis, com pouco texto e enormes ilustrações a cada página.

Entre 1898 e 1910, Kipling publicaria mais uma coletânea de contos (A Day's Work), dois romances (Stalky & Co. e o autobiográfico Kim), uma antologia de poemas (The Five Nations), uma coletânea de contos de fantasia ambientados em diferentes períodos da história da Inglaterra (Puck of Pook's Hill), e uma coletânea de contos de ficção fantástica histórica (Rewards and Fairies). Nesse período, ele também escreveria uma série de artigos de não-ficção comentando o Plano Tirpitz, desenvolvido pela Alemanha para que sua marinha rivalizasse com a do Reino Unido; esses artigos seriam reunidos em The Fringes of the Fleet, publicado em 1915. No início do século XX, Kipling também decidiria escrever histórias de ficção científica, ambientadas no século XXI, em um universo que ficaria conhecido como Aerial Board of Control, o nome do órgão que controla todo o planeta na maioria delas; Kipling é creditado como sendo o autor que introduziu na ficção científica a técnica da exposição indireta, com a qual informações sobre o cenário são apresentadas como parte de cenas e diálogos ao invés de com descrições, mais tarde popularizada por Robert Henlein e hoje usada pela maioria dos autores do gênero.

Kipling ganharia o Prêmio Nobel de Literatura em 1907, se tornando o primeiro autor de língua inglesa a receber a honraria, criada em 1901. Em 1914, ele seria contratado pelo governo do Reino Unido para escrever propaganda de guerra, e decidiria fazê-lo de graça. No mesmo ano, ao lado de H. G. Wells, Arthur Conan Doyle e Thomas Hardy, dentre outros, ele assinaria o famoso Manifesto dos Autores, condenando a invasão da Bélgica pela Alemanha - um dos motivos que levariam o Reino Unido a declarar guerra contra os alemães. A Primeira Guerra cobraria um alto preço de Kipling, pois seu filho John morreria em combate, em 1915, aos 18 anos; vários dos poemas que ele escreveria na época são vistos por estudiosos como homenagens ao filho. Uma história curiosa de Kipling da época da Guerra é que o soldado francês Maurice Hammoneau seria salvo da morte por uma cópia do livro Kim, que estava no bolso de seu casaco e parou uma bala disparada contra seu peito; Kipling e Hammoneau se tornariam amigos, e trocariam correspondências até o fim da vida.

Em 1918, um poema atribuído a Kipling, The Old Volunteer, seria publicado pelo jornal The Times; Kipling entraria em contato com o jornal e negaria ser o autor do poema, pedindo uma retratação. O jornal contrataria um detetive particular para descobrir quem teria sido o autor do texto, que concluiria que foi mesmo Kipling, que, depois da publicação, se arrependeu. Em 1922, ele aceitaria o cargo de reitor da Universidade de Saint Andrew, na Escócia, o qual ocuparia por três anos. Após a morte de John, ele escreveria cada vez menos, mas ainda publicaria duas coletâneas de contos, Debits and Credits, de 1926, e Limits and Renewals, de 1932. Em 1933, seria lançada a coletânea All the Mowgli Stories, que continha todas as nove histórias de Mogli (três de O Livro da Selva, cinco de O Segundo Livro da Selva e In the Rukh), mais seis poemas que citavam o menino-lobo escritos por Kipling para Os Livros da Selva.

Kipling tinha uma espécie de logotipo, presente na capa ou na parte interna das capas de seus livros, que consistia em um elefante segurando com a tromba uma flor de lótus sob uma suástica. A suástica é um símbolo indiano, que representa o sol, boa sorte e prosperidade, e a escolha dos três elementos, feita pelo próprio Kipling, visava refletir seu amor pela Índia. Após Hitler e os nazistas se apropriarem da suástica, Kipling pediria que as editoras parassem de imprimir o logotipo em seus livros, e, em 1930, criaria um novo, uma espécie de moeda com a efígie de um elefante. Crítico das mudanças sociais que ocorriam no mundo no começo do século XX, Kipling escreveria vários textos reclamando da revolução russa, do fascismo e do nazismo, fazendo, em 1935, um discurso na Royal Society of St. George no qual apontava a Alemanha nazista como uma grande ameaça ao Reino Unido.

Em 12 de janeiro de 1936, Kipling teria um sangramento abdominal, e seria operado no Hospital de Middlesex; várias publicações chegariam a noticiar sua morte, e ele responderia com uma carta bem humorada pedindo para removê-lo de sua lista de assinantes. Infelizmente, menos de uma semana após a cirurgia, em 18 de janeiro, Kipling não resistiria e faleceria, de úlcera duodenal perfurante, aos 70 anos. Hoje, ele é considerado um dos maiores autores da língua inglesa, mas, na Índia que tanto amava, é visto com controvérsia, considerado por muitos como um imperialista incapaz de compreender as nuances da cultura indiana; mesmo assim, a casa onde ele nasceu foi transformada em um museu em 2007, e atrai visitantes do mundo inteiro.

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