domingo, 24 de novembro de 2019

Escrito por em 24.11.19 com 0 comentários

Twilight Imperium

Uma vez, uma amiga minha disse que "Carcassonne é a porta de entrada para drogas mais pesadas", querendo fazer graça e dizer que a pessoa começa jogando Carcassonne e depois passa para jogos mais complexos. Sendo fã de Carcassonne (mas não de Catan), e querendo também fazer graça, perguntei "tipo Catan?", e ela respondeu "não, tipo Twilight Imperium". Pra quê. Lá fui eu descobrir o que era um Twilight Imperium, e, quando descobri que era justamente o tipo de jogo de tabuleiro que eu mais gosto, lá fui eu me endividar e comprar um. Adorei, embora infelizmente não tenha conseguido jogar "direito" - com seis pessoas, um dia inteiro. Mesmo assim, o jogo tem uma história e um enredo interessantes, assim como as regras, apesar de complexas. Tendo gostado tanto do jogo, eu estava só esperando terminar de falar de xadrez, damas, go etc. pra poder dizer: hoje é dia de Twilight Imperium no átomo.

Twilight Imperium é um jogo de conquista de território, para de três a seis jogadores, ao estilo de War, mas muito mais complexo. Pra começar, ele é ambientado no espaço, com o tabuleiro de jogo representando uma galáxia inteira, e não em um planeta específico. Na história do jogo, após séculos de domínio sobre os outros povos da galáxia, a raça Lazax entrou em declínio, o que gerou um vácuo de poder. O antigo planeta natal dos Lazax e sede do Império, Mecatol Rex, está praticamente abandonado, sendo controlado pelos Guardiões, que tomam conta da Biblioteca Imperial e supervisionam as reuniões do Conselho Galáctico. Cada jogador controla uma das facções que fazem parte do Império e participam do Conselho, cada uma querendo sobrepujar as demais e assumir o lugar dos Lazax como governantes do Império.

A primeira coisa em uma partida de Twilight Imperium é determinar quem será o Porta-Voz, que ganha um "marcador de porta-voz" e será o primeiro a jogar quando a partida começar; isso pode ser feito por qualquer método, desde jogar um dado até votação dos jogadores. Uma vez que o Porta-Voz tenha sido definido, cada jogador escolherá uma facção, dentre as opções possíveis, e receberá várias peças relativas a essa facção: uma Ficha de Facção, que mostra os atributos, habilidades, e os pontos fortes e fracos daquela facção; uma peça inicial do tabuleiro, onde ele começará jogando; 17 Marcadores de Controle; 16 Marcadores de Comando; e duas Cartas de Tecnologia, listadas na Ficha de Facção. Após escolher uma facção, cada jogador escolherá uma cor. Estão disponíveis seis cores, que não têm nada a ver com as facções, podendo ser escolhidas de acordo com a preferência de cada jogador - um jogador pode escolher uma facção cuja Ficha de Facção seja verde e depois escolher a cor vermelha, por exemplo. Após escolher sua cor, cada jogador receberá uma Ficha de Comando, da mesma cor que escolheu, que deverá ser "encaixada" na Ficha de Facção; 59 unidades plásticas, também da mesma cor, que representam suas naves e exércitos; e 25 Cartas de Tecnologia, também da cor escolhida. As cores disponíveis são verde, vermelho, amarelo, azul, preto e roxo. Finalmente, cada jogador pega as Cartas de Planeta correspondentes aos planetas presentes na peça do tabuleiro onde iniciará o jogo, e as coloca viradas para cima, próximas à sua Ficha de Facção.

O tabuleiro de Twilight Imperium não é inteiro, e sim composto de peças hexagonais que representam as partes da galáxia, chamadas Sistemas. A peça com Mecatol Rex fica sempre no meio, e as demais vão sendo colocadas em volta para formar anéis em volta dela - quanto mais anéis, mais complicado será o jogo. Como já foi dito, cada jogador possui uma peça inicial do tabuleiro, onde começará o jogo, e que depende de qual facção ele escolheu (chamada de Sistema Natal); essas peças são sempre colocadas no anel mais exterior, cada uma em frente ao jogador que a controla. O manual vem com exemplos de galáxias para três, quatro, cinco e seis jogadores, mas, quando os jogadores já estão acostumados com o jogo, o ideal é montar o tabuleiro de forma aleatória - sempre, lembrando, com Mecatol Rex no meio. Ao todo, o jogo conta com 51 Sistemas, mas todos eles só serão usados se seis estiverem jogando.

Após montar o tabuleiro, o Marcador dos Guardiões deve ser colocado na peça de Mecatol Rex. Depois disso, são embaralhados cinco montes de cartas, que serão colocados próximos ao tabuleiro: o Baralho das Cartas de Ação, o Baralho de Pautas, o Baralho de Objetivos Nível I, o Baralho de Objetivos Nível II e o Baralho de Objetivos Secretos. O próximo passo é criar três Pilhas de Estoque, uma de marcadores de bens de comércio, uma de marcadores de infantaria e uma de marcadores de naves de caça, que também devem ficar próximos ao tabuleiro. Em seguida, as oito Cartas de Estratégia são colocadas, com a face para cima, próximas ao Porta-Voz. Então a Trilha de Pontos de Vitória é colocada próximo ao tabuleiro; ela tem dois lados, um que vai até 10, para um jogo mais fácil, e um que vai até 14, para um jogo mais complexo. Cada jogador coloca um Marcador de Controle na casa marcada com o número 0.

A preparação está quase acabando. O próximo passo é reunir os componentes iniciais: cada jogador pega as Cartas de Tecnologia iniciais e as unidades iniciais listadas no verso de sua Ficha de Facção, coloca as Cartas de Tecnologia viradas para cima próximas à sua ficha de personagem e as unidades nos planetas de seu Sistema Natal. Aí ele coloca três Marcadores de Comando na parte descrita como Acervo Tático, dois Marcadores de Comando na parte descrita como Acervo de Estratégias, e três Marcadores de Comando (esses com o verso para cima) na parte descrita como Acervo da Frota, na Ficha de Comando. Finalmente, cada jogador compra um Objetivo Secreto, o olha e o mantém em segredo dos outros jogadores, e o Porta-Voz compra cinco Objetivos de Nível I e cinco de Nível II, colocando os de Nível I acima da Trilha de Pontos de Vitória e os de Nível II abaixo, revelando, então, os dois primeiros de Nível I.

O jogo se desenrola em uma série de rodadas, cada uma composta por quatro fases: a Fase de Estratégia, a Fase de Ação, a Fase de Situação e a Fase de Pauta. Ao final da Fase de Pauta começa uma nova Fase de Estratégia, e assim por diante até algum jogador chegar com seu Marcador de Controle na última casa da Trilha de Pontos de Vitória. As regras de Twilight Imperium são um tantinho complicadas (o manual com a versão básica, para iniciantes, tem 23 páginas), então eu vou tentar explicar as regras de forma bem resumida, só para vocês terem uma ideia. Se alguém se animar e quiser jogar, consulte o manual.

A Fase de Estratégia é a menos complicada: começando pelo Porta-Voz e seguindo no sentido horário, cada jogador escolhe uma das Cartas de Estratégia próximas ao tabuleiro e a coloca próxima à sua Ficha de Facção. O Porta-Voz, então, coloca um marcador de bem de comércio em cada Carta de Estratégia não escolhida; na próxima Fase de Estratégia, um jogador que escolher uma dessas cartas ganhará esse bem de comércio. Cada Carta de Estratégia dará ao jogador o direito de fazer o que diz em seu texto durante a Fase de Ação; além disso, cada uma possui um número de 1 a 8, chamado Iniciativa. Durante a Fase de Ação, os jogadores não jogam em sentido horário, e sim em Ordem de Iniciativa, com o jogador que tem a Carta de Estratégia de número mais baixo jogando primeiro e os seguintes em ordem crescente.

A Fase de Ação é onde vai acontecer praticamente tudo do jogo. Cada jogador, em sua vez de jogar, em Ordem de Iniciativa, pode realizar uma única ação ou passar a vez (sendo que um jogador só pode passar a vez depois de ter esgotado sua Carta de Estratégia - veja adiante). Depois de todos terem escolhido jogar ou passar, a Fase de Ação recomeça com todos os jogadores que não tiverem passado a vez, novamente em Ordem de Iniciativa - um jogador que tenha passado a vez não poderá mais jogar até o início da Fase de Situação. A Fase de Ação só termina quando TODOS os jogadores passarem a vez, ou seja, quando nenhum mais puder jogar, quando então começa a Fase de Situação.

Existem três tipos de ação que podem ser tomadas na Fase de Ação: a Ação Tática, a Ação Estratégica e a Ação de Componente - ao escolher realizar uma ação, um jogador deverá escolher apenas uma delas. A Ação Estratégica é a mais simples: cada Carta de Estratégia tem duas habilidades, uma primária e uma secundária. Ao realizar uma Ação Estratégica, o jogador pode executar a habilidade primária de sua própria Carta de Estratégia (seguindo o que diz seu texto); em seguida todos os outros jogadores terão a oportunidade de executarem ou não a habilidade secundária dessa carta (sendo que um jogador nunca pode executar a habilidade secundária de sua própria carta). Depois que todos os jogadores tiverem executado ou declinado da habilidade secundária, a Carta de Estratégia estará esgotada, e deverá ser virada com o verso para cima.

Uma Ação de Componente consiste em simplesmente realizar uma ação descrita em um dos componentes do jogo, como uma Carta de Ação, Carta de Planeta, Carta de Tecnologia ou até mesmo na Ficha de Facção; um jogador só pode realizar uma ação de um componente que esteja em seu poder.

Já uma Ação Tática é dividida em cinco passos: Ativação, Movimentação, Combate, Invasão e Produção. Um jogador não é obrigado a realizar todos esses passos durante uma Ação Tática, mas, uma vez que tenha decidido encerrar sua Ação Tática, não poderá mudar de ideia para realizar os que ficaram faltando.

A Ativação é bem simples: o jogador pega um Marcador de Comando de seu Acervo Tático e o coloca no Sistema no qual vai focar sua ação; esse passará a ser o Sistema Ativo até o final da Ação Tática. Um jogador não pode Ativar um Sistema no qual já esteja um Marcador de Comando seu, mas pode Ativar um no qual esteja um Marcador de Comando do oponente. Um jogador não pode Ativar um Sistema se não tiver Marcadores de Comando em seu Acervo Tático.

A Movimentação também é simples: um jogador pega uma quantidade de naves suas de um Sistema qualquer e as coloca no Sistema Ativo. Cada nave possui um valor de movimento, listado em sua Ficha de Facção; esse valor é o máximo de Sistemas que a nave pode percorrer naquele Movimento - uma nave com valor 2 pode sair de onde está, cruzar um Sistema e chegar ao Sistema Ativo, mas uma com valor 1 só pode se mover se o Sistema Ativo for adjacente ao que ela está. Todas as naves são obrigadas a terminar seu movimento no Sistema Ativo - não é possível se mover para um sistema qualquer na direção de um Ativo se ela não puder chegar lá com seu valor de movimento. Além disso, nenhuma nave pode atravessar um sistema que contenha naves oponentes (exceto naves de caça) e nenhum jogador pode mover naves para fora de um Sistema que tenha um Marcador de Comando seu. Algumas naves possuem um valor de capacidade impresso na Ficha de Facção, e podem transportar uma quantidade de naves de caça e forças terrestres junto com ela, cuja quantidade somada seja igual ou menor que seu valor de capacidade. Alguns Sistemas possuem buracos de minhoca, que são como "portais" de um sistema para outro; para efeitos de movimento, dois sistemas com um buraco de minhoca da mesma cor são considerados adjacentes.

O Combate é bastante complicado, mas é onde os jogadores atacarão uns aos outros para tomar ou defender seus territórios. O combate ocorre usando dados de dez lados (o jogo vem com oito deles). Basicamente, cada jogador joga um dado para cada unidade sua no combate, e compara o resultado com o valor de combate da unidade listado na Ficha de Facção; se o resultado for igual ou maior que o valor de combate, a jogada será um acerto. Algumas unidades possuem ícones de disparo ao lado do valor de combate; nesse caso, o jogador joga um dado para cada um desses ícones, no caso dessa unidade, ao invés de apenas um. Depois que todos os dados tiverem sido jogados, cada jogador definirá quais de suas naves foram atingidas - veja bem, cada jogador escolhe quais de suas naves foram atingidas, e não quais naves do oponente ele atingiu - devendo remover do tabuleiro uma nave para cada acerto do oponente. Logo após as naves serem removidas, se quiser, um jogador pode bater em retirada, levando todas as suas naves restantes para um Sistema adjacente. O combate continua até um dos jogadores bater em retirada, ou até que todas as unidades de um dos jogadores tenham sido destruídas.

Antes de prosseguir, vale tirar um tempinho para listar os tipos de unidades disponíveis para cada jogador. As unidades se dividem em naves, forças terrestres e estruturas; cada um deles tem um valor de produção, um valor de combate e, no caso das naves, um valor de movimento, listados na Ficha de Facção. As naves podem ser a Nave-Almirante (a principal de cada facção, que inclusive tem um nome próprio, listado na Ficha de Facção), o Sol Bélico (uma imensa nave de guerra do tamanho de um planeta, ao estilo da Estrela da Morte de Star Wars), Encouraçados, Cruzadores, Porta-Naves, Contratorpedeiros e Naves de Caça; naves se posicionam no espaço, e podem atacar qualquer outra unidade. As forças terrestres só existem de um tipo, a Infantaria; forças terrestres se posicionam nos planetas, e só podem atacar outras forças terrestres ou estruturas. Já as estruturas podem ser a Doca Espacial ou o SDP; estruturas também se posicionam nos planetas, sendo que os SDP só podem atacar naves, e as Docas não podem atacar ninguém, servindo apenas para Produção.

A Invasão é parecida com o combate, mas envolve colocar forças terrestres nos planetas do Sistema. A Invasão envolve o bombardeio, que consiste nas naves atacando forças terrestres e estruturas; a defesa de artilharia espacial, que consiste em SDP atacando naves; a alocação, que consiste em pegar forças terrestres que foram transportadas por suas naves e colocar nos planetas; o combate terrestre, que consiste em forças terrestres atacando outras forças terrestres e estruturas; e o controle - no fim da Invasão, cada jogador controla cada planeta no qual tenha pelo menos uma força terrestre, devendo receber as Cartas de Planeta correspondentes. Nem todas as fases da Invasão são usadas em cada Invasão - caso seja um planeta sem nenhuma unidade oponente, por exemplo, ocorrerão apenas a alocação e o controle.

Finalmente, a Produção é usada para gerar novas unidades. Para isso, o jogador precisa ter uma Doca Espacial no Sistema Ativo e gastar recursos. Cada Doca Espacial possui um nível de produção na Ficha de Facção, que corresponde ao máximo de unidades que ela pode produzir em uma ação; além disso, um jogador não pode produzir mais unidades que a soma dos valores de produção de todas as suas unidades no sistema ativo - sendo o valor de produção, também listado na Ficha de Facção, a quantidade de recursos que o jogador deverá gastar para produzir aquela unidade. Para gerar recursos, o jogador deve virar suas Cartas de Planeta com o verso para cima, com cada Carta de Planeta possuindo um valor de recursos gerados; um bem de comércio pode ser gasto para obter um bônus de +1 ao se virar uma Carta de Planeta. Após gerar os recursos, o jogador pega as unidades que deseja produzir e as coloca no Sistema Ativo; marcadores de infantaria e marcadores de naves de caça contam, respectivamente, como infantaria e naves de caça, mas só podem ser colocados em um Sistema no qual haja pelo menos uma peça de plástico do mesmo tipo que eles.

Após a Fase de Ação, ocorre a Fase de Situação. Nela, os jogadores que cumpriram as exigências de um objetivo (de Nível I, II ou Secreto) podem concluí-lo e ganhar pontos, sendo que, se dois ou mais jogadores cumprirem as exigências de um mesmo objetivo de Nível I ou II, quem ganha os pontos é o que tiver o menor número na Iniciativa. Caso um objetivo de Nível I ou II seja concluído, sua carta é removida do jogo, e o Porta-Voz revela o próximo; o primeiro Objetivo de Nível II é revelado depois que todos os de Nível I também já tenham sido revelados, mesmo que um deles ainda não tenha sido cumprido, pois é preciso ter sempre dois Objetivos revelados. Durante a Fase de Situação, cada jogador também compra uma Carta de Ação, remove todos os seus Marcadores de Comando do tabuleiro, ganha dois novos Marcadores de Comando, rearruma os Marcadores de Comando entre os setores de sua Ficha de Comando da forma como quiser, reativa suas Cartas de Planeta e de Tecnologia, e devolve as Cartas de Estratégia à mesa.

Passada a Fase de Situação, começa a Fase de Pauta, na qual o Conselho Galáctico se reúne para votações. Isso é feito revelando uma Carta de Pauta e seguindo as instruções presentes nela. A Fase de Pauta só entra no jogo quando um dos jogadores conseguir remover o Marcador dos Guardiões de Mecatol Rex; até que isso aconteça, cada rodada do jogo terá apenas três fases.

Uma das principais características de Twilight Imperium é que a negociação entre os jogadores é livre, podendo alianças serem formadas e dissolvidas conforme seus interesses. Jogadores experientes podem incluir no jogo o Baralho de Notas Promissórias, cartas que ajudam nas negociações; se isso for feito, cada jogador começa o jogo com cinco Notas Promissórias, uma que depende de sua Facção e quatro que dependem de qual cor ele escolheu.


Twilight Imperium foi uma criação do game designer Christian T. Petersen, que nasceu em 1973 nos Estados Unidos, mas foi ainda criança para a Dinamarca, onde morou até 1991. Apaixonado por jogos de tabuleiro, ainda no ensino médio ele e um grupo de amigos fundaram a Pegasus Spil Import, empresa que importava jogos da Avalon Hill para os países escandinavos, e criaram a Games Weekend, uma convenção de jogos que ocorria anualmente na Dinamarca. Petersen voltaria aos EUA para cursar faculdade de economia, e, em 1995, logo após se formar, fundaria a editora Fantasy Flight Publishing - a princípio, Petersen pensaria em chamar sua nova empresa também de Pegasus Publishing, mas, após pesquisar e descobrir que já existiam centenas de empresas chamadas Pegasus nos EUA, decidiu criar um nome inspirado no animal mitológico, o "voo da fantasia".

Petersen teria a ideia de criar a Fantasy Flight porque, tendo crescido na Europa, era fã de quadrinhos europeus, que, na época, eram extremamente difíceis de encontrar nos Estados Unidos; através da Fantasy Flight, ele negociaria os direitos, traduziria e publicaria quadrinhos europeus nos EUA, sem praticamente concorrente nenhum. Ele começaria com a licença de três títulos, Lucky Luke, Spirou & Fantasio e Percevan, mas venderia tão bem e tão rápido que logo conseguiria a licença dos dois quadrinhos europeus de maior prestígio no mundo, Astérix e Tintin. Em pouco mais de um ano, a Fantasy Flight estava vendendo tantos quadrinhos que Petersen teve de criar uma distribuidora própria, a Downtown Distribution, pois as distribuidoras contratadas não estavam dando conta do recado.

No final de 1996, lendo um exemplar do Comics & Games Retailer, publicação destinada a revendedores de quadrinhos, card games e jogos de RPG, o que fazia para se manter sempre antenado com os rumos do mercado, Petersen percebeu que o mercado dos jogos de tabuleiro, após alguns anos de baixa, estava tendo uma retomada, devido, principalmente, aos jogos europeus. Lembrando-se da época em que fazia o inverso - importar jogos dos Estados Unidos para a Europa - ele pensou que talvez fosse uma boa ideia usar a Fantasy Flight para trazer alguns jogos europeus para os EUA. Ao contrário do que acontecia com os quadrinhos, entretanto, obter as licenças dos jogos europeus se mostrou extremamente difícil. Petersen, então, aproveitando sua própria experiência, decidiu ele mesmo criar um jogo ao estilo europeu.

Foi assim que surgiu Twilight Imperium, 100% criado por Petersen sem a ajuda de ninguém - ele sozinho criou as regras e as peças, imprimiu tudo na gráfica da Fantasy Flight e distribuiu através da Downtown; somente as ilustrações ficariam a cargo de um artista contratado, Bill Heagy. O lançamento oficial do jogo foi na Origins Game Fair de 1997, na cidade de Columbus, Ohio; para chamar atenção sobre o jogo, Petersen colocou um grupo de amigos seus para jogá-lo em uma mesa no meio de um dos corredores mais movimentados da feira. Deu tão certo que ele vendeu todas as cópias que tinha produzido do jogo em apenas dois dias. Twilight Imperium foi um sucesso tão grande que fez com que Petersen desistisse de publicar quadrinhos, vendesse a Downtwon, e mudasse o nome de sua empresa para Fantasy Flight Games (FFG); hoje, a FFG é considerada uma das maiores empresas do ramo nos Estados Unidos, com mais de 400 títulos publicados, dentre jogos de tabuleiro, card games e RPGs, incluindo jogos inspirados nas franquias Star Wars, Game of Thrones, World of Warcraft e nas obras de H.P. Lovecraft.

A Primeira Edição de Twilight Imperium, lançada em 1997, não tinha nenhuma peça plástica; como foi impressa na gráfica da Fantasy Flight, todas as suas peças, incluindo as naves, eram de papelão. Seis facções estão à disposição dos jogadores, o que significa que, se seis estiverem jogando, só tem uma possibilidade pra cada um: A Federação de Sol é o nome que o jogo dá para os humanos, a raça mais populosa e variada da galáxia, e a que se expande com a maior velocidade e voracidade, mesmo sem ter sido a primeira a alcançar as estrelas; humanos são facilmente adaptáveis e adoram guerra, e suas habilidades refletem essas duas características. A Baronia de Letnev habita um planeta que já não comporta sua civilização, cujos habitantes vivem em cidades subterrâneas, e, por estarem acostumados à escuridão, se incomodam com a claridade; são extremamente arrogantes e militarizados. Os Emirados de Hacan, cuja espécie se parece com leões antropomórficos, ocupam três planetas praticamente desertos, raramente se aventuram fora deles, mas são detentores das maiores riquezas da galáxia, graças a seu avançado sistema de comércio e a seus antiquíssimos clãs nômades; são tradicionalistas, dão extremo valor à justiça e possuem uma paciência quase infinita. Os Sardakk N'orrs são uma raça insetoide com uma sede de sangue infinita; todos os Sardakk N'orrs nascem da mesma Rainha Mãe, e seu único objetivo na vida é dominar tudo o que encontram pela frente em seu nome; são avessos a tecnologia, mas implacáveis e não conhecem o medo. As Universidades de Jol-Nar são o lar de um povo que evoluiu de uma espécie aquática, e só consegue sobreviver fora da água com armaduras especiais; são a mais fraca fisicamente das facções, mas sua genialidade não tem igual, bem como seu raciocínio analítico e sua avançada tecnologia. Finalmente, O Reino Xxcha (que minha esposa carinhosamente chama de Xaxá) é o lar de uma raça que lembra tartarugas, não só na aparência mas no comportamento, já que fazem tudo de forma calma e lenta; pacifistas, os xxcha preferem a diplomacia à guerra, mas suas armas estão dentre as mais poderosas da galáxia.

Como era comum em jogos de tabuleiro europeus, Twilight Imperium teve expansões. A primeira delas, Twilight Imperium: Borderlands, foi lançada ainda em 1997, e, além de novas regras, como as usadas para Naves-Almirantes e para assassinos infiltrados, trouxe duas novas facções. As Tribos Yssaril são atrasadas tecnologicamente, mas mestres do disfarce, especialistas em infiltração, e controlam a Guilda de Espiões; são engenhosos, orgulhosos e não confiam em outras facções. Já A Aliança Mentak (minha preferida) evoluiu através da população carcerária deixada para trás pelos Lazax há séculos, quando um planeta-prisão nos limites da galáxia foi desativado; os Mentak são a segunda raça com habilidades mais variadas depois dos humanos, e atuam como piratas, tomando o que querem e atacando sem pestanejar aqueles a quem consideram inimigos; apesar do que possa parecer, possuem um código de honra extremamente rígido, e perder a honra, para eles, é pior do que perder a vida.

A segunda expansão seria Twilight Imperium: Distant Suns, lançada em 1998, que trouxe várias novas regras opcionais, como a dos planetas neutros, propaganda para incitar rebelião, regras avançadas de comércio, as novas cartas de Eventos, que modificavam as regras no meio do jogo, duas novas peças para o tabuleiro, o Campo de Asteroides e a Supernova, que não podiam ser atravessados pelas naves, e as regras oficiais para torneios, já que, em 1998, seria disputado o primeiro torneio oficial de Twilight Imperium, organizado pela própria FFG. Também em 1998 seria lançada a terceira expansão, Twilight Imperium: Twilight Armada. Essa expansão seria composta apenas por 300 miniaturas plásticas das naves, que serviam para substituir os marcadores de papelão que vieram na caixa da Primeira Edição. Não havia novas regras ou outros elementos.

A quarta e última expansão da Primeira Edição se chamaria Twilight Imperium: The Outer Rim, seria lançada em 1999, e, além de novas regras, como a das tropas de choque e a dos líderes de facção, trazia novas peças para o tabuleiro, para formar um "anel exterior" (outer rim, em inglês) quando incorporadas às peças da Primeira Edição, e duas novas facções. A Cooperativa Naalu é formada por um povo reptiliano que tem um rabo de cobra da cintura para baixo e possui imensos poderes mentais, sendo capazes de se comunicar por telepatia e até mesmo a forçar sua vontade sobre aqueles de mente mais fraca. A Rede Mental L1Z1X é formada por ciborgues, que vieram de um local desconhecido, fora da galáxia, e se instalaram em um planeta desabitado que eles rebatizaram para 0.0.0 (conhecido como Nulo pelas outras facções); suas mentes conseguem processar informações mais rápido que qualquer computador, e seus bombardeiros são os mais letais da galáxia; os L1Z1X alegam ser descendentes dos últimos Lazax, que retornaram para tomar o que é seu por direito, mas não há como comprovar essa afirmação.

Em 2000, ao invés de lançar uma nova expansão, Petersen decidiria reunir tudo o que já tinha até então, fazer algumas revisões e modificações, e lançar uma Segunda Edição do jogo. A Segunda Edição traz peças plásticas para as naves, incorpora várias das regras das expansões, e traz regras novas, como as Cartas de Tecnologia, as habilidades raciais e novas condições de vitória; apesar disso, ela só traz as seis facções básicas (as que estava presentes na Primeira Edição), não sendo possível jogar com as quatro novas (de Borderlands e The Outer Rim) - os L1Z1X estavam presentes, mas como invasores que não podiam ser controlados pelos jogadores. As ilustrações da Segunda Edição eram muito mais bonitas do que as da Primeira, tendo sido feitas pelos irmãos Scott e Brian Schomburg, que permanecem como ilustradores oficiais de Twilight Imperium até hoje.

A Segunda Edição também teria uma expansão, Twilight Imperium: Hope's End, lançada em 2001, que, na verdade, era um "apanhadão" de boa parte do que ficou de fora, trazendo para a Segunda Edição regras como a dos líderes de facção, das tropas de choque e a possibilidade de se jogar com os yssaril e com os mentak. A maior novidade da expansão - que também trazia novas cartas de política e de ação - eram duas peças especiais para o tabuleiro, a Nebulosa e a Fissura de Gravidade. Uma nave não pode se mover através de uma Nebulosa, mas pode se mover para dentro de uma; uma nave de um defensor dentro de uma Nebulosa soma +1 ao resultado de cada uma de suas rolagens de combate, e uma nave que esteja saindo de uma Nebulosa tem movimento sempre igual a 1. Já uma nave que esteja se movendo através ou para fora de uma Fissura de Gravidade adiciona +1 ao seu valor de movimento e joga um dado; se o resultado for 1, 2 ou 3, ela é destruída.

Em 2004, Petersen decidiria lançar uma Terceira Edição do jogo. Dessa vez, entretanto, ele optaria por fazer uma mega revisão das regras, inspirado em jogos de sucesso da época como Colonizadores de Catan e Puerto Rico - o próprio manual do jogo trazia "designer notes", que explicavam aos jogadores em qual jogo cada nova mecânica havia sido inspirada e por que. Petersen fez um trabalho primoroso, pois, ao mesmo tempo em que as novas regras deixavam o jogo mais dinâmico e mais divertido, elas eram parecidas o suficiente com as antigas para que os jogadores antigos não precisassem aprender tudo de novo, se adaptando rapidamente. Uma das maiores novidades da Terceira Edição foram os objetivos que eram sorteados pelos jogadores no início da partida (os atuais Objetivos Secretos), o que fazia com que cada jogador tivesse de traçar estratégias diferentes a cada jogo, ao invés de todos lutarem pelos mesmos objetivos como ocorria até então. Outro grande chamariz da Terceira Edição foi que todas as dez facções existentes até então estavam presentes já na caixa básica, todas também com mecânicas revisadas e atualizadas. A Terceira Edição também vinha com peças de papelão mais resistentes para o tabuleiro, peças de plástico de melhor qualidade para as naves - incluindo dois novos tipos de naves, os destróieres e os sóis bélicos - e ilustrações totalmente novas, feitas pelos irmãos Schoomberg e Tyler Walpole. Além do manual de regras, o jogo acompanhava também um livreto apenas com contexto histórico, tipo "a história desde o domínio da galáxia pelos Latax até aqui". A Terceira Edição tinha tantos componentes que sua caixa era bem maior que a dos demais jogos de tabuleiro, o que fez com que os revendedores que enviavam pelo correio tivessem de comprar caixas especiais para conseguir acomodá-la.

Uma modificação importante na Terceira Edição foi que o jogo passou a ser para de três a seis jogadores, ao invés de para de dois a seis como nas duas primeiras edições. A primeira expansão da Terceira Edição, Twilight Imperium 3rd Edition: Shattered Empire, lançada em 2006, trazia naves de mais duas cores, o que fazia com que o jogo passasse a poder ser disputado por de três a oito jogadores. Shattered Empire também trazia novas e revisadas regras, incluindo novas regras opcionais, obtidas através do feedback dos jogadores da terceira edição. Mas a maior novidade de Shattered Empire foi que essa expansão introduziu nada menos que quatro novas facções. As Brasas de Muaat são um povo cujo corpo é lentamente consumido por um fogo eterno, e têm se usar uma vestimenta especial para sobreviver; são excelentes para forjar armas e naves, e possuem invulnerabilidade ao calor extremo. O Clá dos Saars é uma raça brutal que vive em asteroides e sempre foi explorada pelas raças mais avançadas tecnologicamente; são nômades, têm facilidade para vasculhar grandes áreas em pouco tempo e possuem uma alta resiliência. A Irmandade Yin é composta inteiramente por clones, e organizada como um culto religioso; são todos do sexo masculino, possuem uma devoção inabalável aos seus princípios e têm por objetivo catequizar todos os demais povos da galáxia. E Os Winnus foram o primeiro povo a jurar lealdade aos Lazax, são extremamente tradicionalistas, arrogantes, ambiciosos, e acreditam que o trono da galáxia é deles por direito.

A Terceira Edição ainda ganharia uma segunda expansão, Twilight Imperium 3rd Edition: Shards of the Throne, lançada em 2011. Essa expansão trouxe peças plásticas próprias para as Naves-Almirantes, regras para mercenários, para unidades de combate mecanizadas e tecnologias específicas de cada facção, dentre outras novidades, além de quatro novas facções - uma delas os Lazax, que podem ser controlados pelos jogadores em ocasiões específicas. As outras três eram talvez as mais bizarras de todas: Os Arborecs são um povo vegetal, que possui uma mente coletiva, se reproduz por mitose, não compreendem o conceito de sociedade, e ninguém sabe quais seriam seus objetivos ao viajar pela galáxia. Os Nekro Vírus não são uma raça, e sim uma infecção tecno-orgânica cujo objetivo é erradicar toda a vida da galáxia; eles não produzem nada, mas podem infectar as naves, armas e planetas das outras facções. E Os Espectros de Creuss são uma raça incorpórea, que usa uma armadura especial para poder interagir com as demais raças, vêm de outra galáxia (seu ponto de partida no tabuleiro não é um planeta, e sim um buraco de minhoca) e possuem um objetivo secreto que não revelam a ninguém.

Durante algum tempo, a Terceira Edição foi considerada pelos jogadores como a versão definitiva de Twilight Imperium; em 2015, entretanto, visto que o aniversário de 20 anos do lançamento do jogo original se avizinhava, Petersen decidiu criar uma campanha no site de arrecadação de fundos Kickstarter para a criação de uma Edição Especial do jogo. No planejamento inicial, essa edição teria apenas as seis facções básicas, mas com naves de formatos diferentes para cada uma delas, e a peça de Mecatol Rex seria um globo de plástico ao invés de um hexágono de papelão; por razões orçamentárias, essas ideias foram abandonadas, e a Edição Especial acabaria se tornando a Quarta Edição, lançada em 2017. A Quarta Edição, novamente para de três a seis jogadores, tem regras revisadas - as que eu descrevi no começo desse post, aliás - baseadas nas da Terceira Edição com as alterações de Shattered Empire, com as regras para comércio e tecnologia tendo sido simplificadas, e que incluem um novo Modo Básico para iniciantes. 17 facções (sendo a única exceção os Lazax) estão disponíveis para os jogadores, o que, aliado ao modo aleatório de construção do tabuleiro, permite que cada partida seja totalmente diferente, o que aumenta muito o valor do jogo.

A Quarta Edição é a que pode atualmente ser encontrada à venda no Brasil, produzida pela Galápagos Jogos. Sua caixa também é enorme - é a maior caixa de um jogo de tabuleiro que eu já vi - e seu preço é um tanto salgado, mas, se você é fã de jogos de tabuleiro e tem com quem jogar, vale a pena fazer um sacrifício.

0 Comentários:

Postar um comentário