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Stan Lee, na verdade, já estava cansado de trabalhar na indústria de quadrinhos, que considerava restrita e repetitiva. Em seu tempo livre, ele escrevia artigos para propaganda em rádio, TV e jornais. Sua esposa então lhe aconselhou que, já que ele teve uma boa oportunidade, concentrasse toda sua criatividade neste novo projeto. Que criasse os novos heróis da maneira que bem entendesse, e que, se Goodman não gostasse e o demitisse, azeite, ele já estava querendo sair mesmo.
Naquele tempo, os super-heróis tinham duas características marcantes. A primeira é que eles tinham uma "função social". Supervilões existiam, é verdade, mas o super-herói típico combatia meliantes comuns, bandidos, ladrões e outras mazelas da sociedade. Super-Homem e Capitão América chegaram até a dar porrada no Hitler, durante a Segunda Guerra. Isto era importante para aproximar os heróis das "pessoas comuns", para que os leitores acreditassem que aqueles seres fantásticos viviam em nosso próprio mundo. E era necessário por causa da segunda característica dos super-heróis: eles eram inatingíveis. Como os deuses da mitologia grega, estavam muito acima dos pobres mortais. Não tinham problemas familiares, de relacionamento com os amigos, de grana, nada dessas procupações mundanas. Super-Homem e Capitão América, apenas para voltar ao exemplo, eram fortes, bonitos, bem-sucedidos em suas carreiras. Stan Lee decidiu fazer exatamente o inverso: heróis que lutassem contra ameaças cósmicas, alienígenas, vilões de grande poder - mas que tivessem problemas de família, estivessem sempre precisando de dinheiro e brigando uns com os outros pelos motivos mais bestas. Eles nem tinham identidades secretas, sendo conhecidos por todo mundo como os heróis que eram. Seu argumento para esta mudança radical foi o mais simples possível: ele queria fazer histórias que ele mesmo gostasse de ler.
Lee então chamou um amigo, o fenomenal desenhista Jack Kirby, pôs as mãos à obra, e apresentou seu trabalho a Goodman, que o publicou. Ele estava crente que iria ser despedido quando os números das vendas chegassem, mas, surpreendentemente, a revista foi um megassucesso, vendendo como nunca nenhuma história de super-heróis havia vendido. Isso teve três conseqüências: a Marvel assumiu o primeiro lugar entre as editoras de super-heróis, de onde não mais saiu; Lee continuou com seu emprego, e pôde criar muitos outros heróis, como o Homem de Ferro e o Homem Aranha; e, mais importante, o gênero de super-heróis foi totalmente redefinido, se tornando o mais popular dos quadrinhos, e criando toda uma cultura própria.
Assim como a imensa maioria dos Heróis Marvel, o Quarteto Fantástico também teve sua origem na ciência. O cientista Reed Richards, querendo estudar uma nuvem de raios cósmicos que se aproximava da Terra, criou um foguete experimental, que seria lançado ao espaço com quatro tripulantes: ele mesmo; seu melhor amigo, o piloto Ben Grimm; sua namorada, Sue Storm; e o irmão adolescente de Sue, Johnny Storm. Durante a viagem, o foguete é atingido pelos tais raios cósmicos, e ao retornar à Terra os quatro descobrem que ganharam incríveis poderes. Reed então decide usar estes poderes para o bem, transformando os quatro em uma "família de super-heróis", pronta para defender a Terra em momentos de necessidade.
A mutação de Reed fez com que ele ficasse com o corpo maleável, como que de borracha. Este poder foi inspirado em um antigo herói da Timely, chamado Thin Man, embora Reed tenha ficado muito mais parecido com o Homem-Borracha da DC. Como líder do Quarteto Fantástico, Reed escolheu o nome Sr. Fantástico. Sue ganhou o poder de ficar invisível quando quisesse, e, por isso mesmo, adotou o codinome de Mulher Invisível (Garota Invisível, Invisible Girl, no original). Johnny, com o poder de transformar seu corpo em chamas, lançar bolas de fogo e voar, decidiu se chamar o Tocha Humana - na verdade, uma "reinvenção" de Lee de um antigo herói da Timely, que também se chamava Tocha Humana e tinha os mesmos poderes, mas era um andróide. Finalmente, o pobre Ben foi o que, de certa forma, ficou com o pior poder: ele se transformou em um monstro de pedra, de enorme força e praticamente invulnerável, mas proporcionalemente pesado, e grande demais para vestir roupas - e o que é pior, o único que não conseguia voltar à sua forma original quando quisesse. Por esta estranha condição, Ben decidiu se chamar simplesmente de Coisa. Curiosamente, há quem encontre um paralelo entre o Quarteto Fantástico e os Quatro Elementos, sendo o Tocha evidentemente ligado ao Fogo, o Coisa à Terra, Sue ao Ar, e Reed, por sua maleabilidade e mutatividade, à Água. Muitos também acreditam que o Quarteto como um todo tenha sido inspirado em um trabalho anterior de Kirby, os Challengers of the Unknown (algo como "Desafiadores do Desconhecido") da DC, que também eram quatro e viajavam pelo planeta resolvendo mistérios ligados à ciência e paranormalidade.
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Ao longo do tempo, o Quarteto passou por muitas aventuras, sempre tendo a ciência como foco. Stan Lee e Jack Kirby criaram conceitos como a Zona Negativa, as moléculas instáveis e o Microverso, que seriam reaproveitados em muitos outros títulos da Marvel. A exploração espacial também era constante, com o surgimento de raças alienígenas como os Inumanos, os metamorfos Skrull, e seus eternos inimigos, os Kree, raça da qual fazia parte o Capitão Marvel. Uma das mais famosas histórias do Quarteto envolvia justamente dois seres do espaço: Galactus, o Devorador de Mundos, e seu arauto, o Surfista Prateado, que fez tanto sucesso que acabou se tornando mais um super-herói.
Mesmo com tantos problemas de ordem cósmica, as iterações familiares do grupo jamais foram deixadas de lado. O Coisa começou a namorar a escultora cega Alicia Masters, Reed e Sue se tornaram o primeiro casal de super-heróis a se casar, e Sue foi a primeira heroína a dar a luz, quando teve Franklin Richards em 1968. Sue, aliás, aprendeu a controlar melhor seus poderes, usando-os para criar campos de força e tornar outros objetos invisíveis, e após algum tempo mudou seu nome de Invisible Girl para Invisible Woman (embora aqui no Brasil a mudança não tenha tido muito efeito, já que elea era Mulher Invisível desde o início). Esta fase foi escrita e desenhada por John Byrne, que começou sua carreira no Quarteto, e depois se tornou um dos mais respeitados artistas do ramo. Além de mudar o comportamento de Sue, Byrne deu uma sacudida em seu casamento, e fez com que Johnny se casasse com Alicia, o que levou o Coisa a deixar a equipe, sendo substituído pela Mulher-Hulk. A equipe mudaria novamente quando Byrne foi substituído por Steve Englehart, que trouxe o Coisa de volta, mas tirou Reed e Sue do grupo, sob o argumento de que eles queriam criar Franklin como uma criança normal, e os substituiu pela nova namorada do Coisa, Sharon Ventura, e pela Inumana Cristalys, ex-namorada de Johnny. Após algum tempo, Ventura se tornou uma versão feminina do Coisa, e o próprio Coisa sofreu uma mutação, ficando com uma aparência espinhenta. Englehart foi sucedido por Walt Simonson, que trouxe Reed e Sue de volta, e fez com que o Coisa perdesse seus poderes, voltando a ser apenas Ben Grimm.
Tentando arrumar essa bagunça, o roteirista seguinte, Tom DeFalco, inventou que Johnny não havia se casado com Alicia, mas com uma Skrull de nome Lyja, que assumira sua forma. O Quarteto então partiu em uma aventura para salvar a verdadeira Alicia, que estava captiva dos Skrulls. Depois disso, Ben voltou a ser o Coisa, Ventura deixou o grupo, e começou uma Era de Confusões que eu acho que só perde para a Saga dos Clones do Homem-Aranha. Até Reed e Doom foram mortos e depois ressucitados.
A verdade é que, no auge da popularidade de outros Heróis Marvel, como o Homem Aranha e os X-Men, o Quarteto não estava vendendo bem. Por isso a Marvel selecionou o título para fazer parte de sua linha Heroes Reborn, lançada em 1996, que mostrava como os heróis seriam se tivessem ganho seus poderes nos dias de hoje. O Quarteto ficou a cargo de Jim Lee, um dos mais badalados desenhistas da época. A própria série Heroes Reborn não fez muito sucesso, porém, e acabou cancelada no final de 1997, com o Quarteto voltando à cronologia normal. Depois disso, famosos roteiristas como Scott Lobdell, Chris Claremont, Mark Waid e J. Michael Straczynski (de Babylon 5) levaram o título até um relativo sucesso, embora ainda longe do que os heróis desfrutaram quando de seu lançamento.
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No meio dos anos 90, quando os novos desenhos do Homem Aranha e dos X-Men, produzidos pela própria Marvel, estavam fazendo sucesso, também foi lançada uma nova série do Quarteto, que dividia um bloco de uma hora chamado The Marvel Action Hour com o do Homem de Ferro. Este foi o mais bem sucedido desenho do grupo, com duas temporadas de 13 episódios cada, exibida aqui na falecida Fox Kids, e que hoje podem ser encontrados inclusive em DVD. Uma nova série já está em produção, desta vez pela MoonScoop (de Code Lyoko), e deve estrear ainda esse mês nos EUA.
Além dos desenhos, o Quarteto também teve dois filmes. Isso mesmo, dois. O primeiro foi completado em 1994, dirigido por Roger Corman, o mestre dos filmes B, e jamais viu a luz do Sol. Além de um elenco sofrível, o filme tinha efeitos especiais paupérrimos, com o Tocha Humana se transformando em um desenho animado toda vez que ficava em chamas. De tão ruim, o filme teve sua distribuição proibida pelo próprio Stan Lee, mas apesar de nunca ter passado nos cinemas nem lançado em video, pode ser encontrado perdido por aí na internet, em uma versão pirateada por alguém que tinha acesso aos rolos.
O segundo filme foi lançado em 2005, dentro da onda de novos filmes Marvel para o cinema. A princípio, houve algum descontentamento dos fãs pela escolha do diretor Tim Story, que só tinha feito quatro filmes até então, sendo que um deles foi o Taxi de Gisele Bündchen; e por Jessica Alba ter sido escolhida para interpretar Sue Storm. Apesar disso e das críticas extremamente desfavoráveis, o filme foi extremamente bem sucedido, e já tem uma continuação prevista para o ano que vem, Fantastic Four and the Rise of Silver Surfer. Além de Alba, fazem parte do elenco Ioan Gruffud como Sr. Fantástico, Chris Evans como o Tocha Humana, Michael Chiklis (da série The Shield) como o Coisa, e Julian McMahon (de Nip/Tuck) como o Dr. Destino.
E, para finalizar este post, como já é quase de hábito, uma curiosidade: ao criar o Quarteto, Lee e Kirby queriam que os heróis ficassem o mais próximos possível das pessoas comuns. Um ponto chave neste projeto foi ambientar suas histórias em Nova Iorque, e não em uma cidade fictícia como Metrópolis ou Gotham City. Ambientação feita, eles decidiram ir ainda mais longe: nas primeiras histórias, ficava subentendido que o Quarteto realmente existia no mundo real, e havia "licenciado" os direitos sobre suas aventuras, para a Marvel, que as retratava em quadrinhos! Acreditem ou não, em várias edições os personagens compravam o último número do Quarteto Fantástico nas bancas, e em uma delas o Homem Impossível chegou a invadir o prédio da Marvel para obrigar a editora a fazer uma revista contando suas aventuras. No final da década de 60 essa idéia foi abandonada, sendo ressucitada em 1984 por John Byrne, que desenhou uma história onde ele mesmo era cobrado pelo editor quanto a uma edição atrasada, e argumentava que não pôde terminá-la porque não teve como contactar o Quarteto Fantástico. Depois disso, alguém deve ter achado que essa idéia era meio ridícula, e o conceito foi abandonado.
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