Publicado em 1949 com o título original de Nineteen Eighty-Four (assim mesmo, por extenso) e ambientado, evidentemente, em 1984, que, na época, devia ser um futuro longínquo, 1984 é uma das obras mais famosas de George Orwell. Nascido Eric Arthur Blair em 25 de junho de 1903 em Motihari, que hoje fica na Índia, mas na época era parte da Colônia de Bengala, Orwell cresceu no interior da Inglaterra, estudou na tradicional Eton College e, como sua família não tinha dinheiro para pagar uma universidade e suas notas não eram boas o suficientes para conseguir uma bolsa, foi ser policial na Birmânia (atual Myanmar), retornando à Inglaterra após contrair dengue, em 1927. Sua primeira experiência como escritor foi aos 11 anos, quando enviou duas poesias para um jornal local da região onde morava; seguiu escrevendo poesias durante a adolescência e, na juventude, passou para as crônicas. Ao retornar da Birmânia, decidiu se tornar escritor profissional, morando em Londres e em Paris, vivendo entre os pobres e escrevendo sobre a pobreza e suas mazelas.
Seu pseudônimo seria escolhido em 1933, quando um de seus romances, Na Pior em Paris e Londres, seria escolhido para publicação pelo editor Victor Gollancz. Orwell acharia que a publicação do livro poderia trazer vergonha à sua família, já que foi escrito a partir de experiências pessoais que ele viveu morando nas ruas das duas cidades e fingindo ser um mendigo; ele pediria para que Gollancz inventasse um pseudônimo, mas, ao invés disso, ele sugeriria quatro, com o autor escolhendo George Orwell por ser "um bom e sonoro nome inglês" - Gollancz havia criado o nome juntando o do santo padroeiro da Inglaterra, São Jorge, com o do Rio Orwell, na cidade de Suffolk, um dos locais preferidos do escritor.
Seu segundo livro, Dias na Birmânia, quase não seria publicado na Inglaterra, com Gollancz temendo ter problemas com o governo e somente aceitando após Orwell concordar em mudar nomes de locais e pessoas. Em seguida, Orwell escreveria A Filha do Reverendo (1935), romance de ficção no qual a vida de uma mulher vira de cabeça para baixo após ela acordar com amnésia; Moinhos de Vento (1936), sobre um homem que tem pavor do capitalismo e tenta viver sua vida sem se envolver com o sistema; O Caminho de Wigan (1937), obra de não-ficção que narra uma viagem que Orwell fez pelo norte da Inglaterra; Lutando na Espanha (1938), relato em primeira pessoa das experiências do autor lutando na Guerra Civil Espanhola; Coming Up for Air (1939), mais uma ficção crítica ao capitalismo, na qual um pai de família que trabalha como caixeiro viajante tenta voltar para casa, no interior da Inglaterra, no início da Segunda Guerra Mundial; e sua obra mais famosa de todas, A Revolução dos Bichos (de 1945, que, depois de cair em domínio público, também pode ser encontrado no Brasil com um título que é uma tradução literal de seu original, A Fazenda dos Animais), alegoria que usa animais de uma fazenda para criticar a União Soviética e o regime proposto por Stalin.
Enquanto escrevia seus romances, Orwell seguiria escrevendo crônicas, com mais de cem delas sendo publicadas em diversos jornais e revistas entre 1931 e 1952; durante seu tempo de vida, a maioria dessas crônicas seriam publicadas em cinco coletâneas, junto a cartas e outros textos do autor. Orwell faleceria em 21 de janeiro de 1950, aos 46 anos, do rompimento de uma artéria pulmonar, provavelmente causado por uma tuberculose mal curada.
1984 seria justamente seu último romance, publicado quatro anos após A Revolução dos Bichos. Ele é ambientado em um futuro distópico no qual só existem três nações: Oceania, Eurásia e Lestásia. Duas delas são sempre aliadas e estão em guerra contra a terceira, mas quem é amigo ou inimigo de quem muda frequentemente, porque todas as três têm governos totalitários, e a guerra é somente uma forma de manter o patriotismo da população aceso, sendo determinada mais por acordos do que por batalhas. A história se passa na Oceania, que, dentre outros territórios, abrange o que hoje é a Inglaterra; a Oceania é governada pelo Partido Socialista Inglês, cujo líder, o Grande Irmão, é uma figura messiânica cujo único objetivo é melhorar a vida do povo, sem nenhum interesse pessoal.
Para manter a população sempre submissa e se perpetuar no poder, o Partido faz uso de três expedientes: o primeiro é o ódio a um inimigo do estado, na figura de Emmanuel Goldstein, um antigo líder do Partido que, por razões puramente egoístas, quer derrubar o Grande Irmão para assumir o governo e instaurar um reinado de terror; Goldstein fundou uma organização chamada A Irmandade, que usa textos mentirosos para arregimentar membros para a sua causa. O segundo é o Ministério da Verdade, que tem o poder de literalmente alterar a história: seus membros passam o dia inteiro alterando livros, jornais e revistas para que a história sempre relate como o mundo era ruim antes de o Partido chegar ao poder, e como ele voltará a ser ruim caso a Oceania perca a guerra - quando o aliado e o inimigo da guerra mudam, toda a história é reescrita para que, na verdade, eles não tenham mudado, tendo sido sempre os mesmos. O terceiro, e mais famoso elemento do livro, é uma vigilância universal e constante: nenhum cidadão consegue fazer nem falar nada sem que o governo fique sabendo, e comportamentos considerados subversivos são identificados pela Polícia do Pensamento e punidos pelo Ministério do Amor.
O protagonista da história é Winston Smith, um funcionário do Ministério da Verdade que, após se deparar com uma determinada informação, passa a ter curiosidade sobre como o passado realmente era antes de o Partido assumir o poder, e não consegue evitar questionar tudo o que vivencia a partir de então. Um dia ele conhece Julia, que posa como uma obediente membro do Partido, mas na verdade é uma rebelde, e os dois se envolvem em um relacionamento de amor proibido e rebelião contra o sistema. Outro personagem de destaque do livro é O'Brien, colega de trabalho de Winston que tem um importante cargo dentro do Partido, e que Winston suspeita que, na verdade, faça parte da Irmandade, com Winston e Julia tentando descobrir se podem confiar nele e planejar como fazer para que eles também se unam ao grupo.
Em cartas a amigos, Orwell diria ter tido a inspiração para o livro em 1943, e cita como principal influência a Conferência de Teerã, reunião entre Joseph Stalin, Franklin D. Roosevelt e Winston Churchill para definir os rumos do pós-guerra. Orwell se preocupava com a divisão do planeta em "zonas de influência", com algumas regiões sendo comandadas pela União Soviética e outras pelos Estados Unidos, e pensaria em escrever uma crônica sobre o que poderia ocorrer caso os governos comandando essas zonas de influência se mostrassem também totalitários.
Em janeiro de 1944, um amigo lhe conseguiria uma cópia de Nós, de Yevgeny Zamyatin, e Orwell decidiria começar também a escrever um romance ambientado em um futuro distópico. Na época, ele já conseguia sobreviver apenas com um salário de jornalista, de forma que não teria pressa em terminar o livro; pouco antes do lançamento de A Revolução dos Bichos, ele diria em uma carta a Fredric Warburg, seu editor, que seu "romance do futuro distópico" só tinha 12 páginas, e que talvez não estivesse totalmente terminado antes de 1947. Em janeiro de 1946, ele escreveria uma resenha de Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley - que havia sido seu professor de francês no colégio - para a revista Tribune, notando várias semelhanças entre o livro de Huxley e Nós e decidindo fazer o seu o mais dieferente possível, o que atrasaria ainda mais o processo.
Em maio de 1946, após ter escrito apenas 50 páginas e sofrendo de bronquiectasia, Orwell decidiria passar uma temporada na ilha escocesa de Jura, para tentar recuperar sua saúde e terminar o romance. Seu primeiro rascunho, enviado a Warburg em maio de 1947, seria descrito como "uma bagunça"; mesmo com a saúde se deteriorando cada vez mais, ele se recusaria a ver um médico enquanto não terminasse o texto, e o finalizaria na cama, após perder 12 kg, em novembro de 1947. Imediatamente após enviar essa versão a Warburg, ele seria internado em um hospital em Glasgow, onde seria diagnosticado com tuberculose. Ele receberia alta em julho de 1948, e imediatamente se colocaria a fazer no texto as alterações apontadas por Warburg; como a maioria de suas anotações estava à mão, ele pediria ao editor que fosse à Escócia datilografá-las, mas Warburg diria que isso só seria possível se Orwell estivesse presente para guiá-lo, com o texto sendo incompreensível na forma em que estava escrito. Orwell não aceitaria o arranjo, e decidiria ele mesmo fazer o trabalho a passos de tartaruga, tendo de parar por repetidas vezes por estar com febre ou tossindo tanto que não conseguia datilografar. Ele concluiria a versão final do texto em dezembro de 1948, a enviaria a Warburg em janeiro de 1949, e logo em seguida se internaria em um sanatório na cidade inglesa de Costwolds.
Pouco antes de terminar seu segundo rascunho, Orwell ouviria de Warburg que o livro precisava de um título, e daria ao editor duas opções, O Último Homem na Europa e 1984, com Warburg escolhendo a segunda por achar que era um título mais apropriado comercialmente. A história mais famosa sobre de onde Orwell tirou esse título, frequentemente citada em textos sobre o livro ou sobre o autor, é a de que 1984 é simplesmente uma inversão dos dois últimos dígitos de 1948, o ano no qual Orwell terminou de escrever o livro. Essa teoria é refutada por muitos críticos, que a consideram "uma ideia muito simples para um livro tão complexo".
Orwell não gostaria da versão final do livro, e frequentemente diria que poderia ter feito melhor se não estivesse doente; quem conviveu com ele, porém, diz que ele falava isso de todos os seus livros, sempre arrumando um motivo para dizer que eles poderiam ter sido melhores, e em muitos casos depreciando-os até receber os números das vendas. Warburg, por outro lado, consideraria 1984 uma obra prima, e se apressaria a lançá-lo o mais rápido possível, com o livro estando nas lojas em 8 de junho de 1949, apenas seis meses após a editora Secker & Warburg receber sua versão final, um tempo considerado curtíssimo para a época. Warburg gostava tanto do livro que recusaria uma proposta do Clube do Livro para lançar uma versão mais curta, sem o apêndice e sem o capítulo com os trechos do livro escrito por Goldstein, achando que isso mataria a história; segundo a editora, essa recusa pode ter feito com que ele deixasse de ganhar cerca de 40 mil libras.
A primeira tiragem de 1984 teria 25.575 cópias, que se esgotariam antes do final de 1949; duas outras tiragens, de cinco mil cópias cada, seriam lançadas em 1950, uma em março, outra em agosto. O livro seria lançado nos Estados Unidos pela Harcourt & Brace apenas cinco dias após seu lançamento no Reino Unido, em 13 de junho de 1949, com a primeira tiragem, de vinte mil cópias, se esgotando antes do fim do mês, e duas outras tiragens, de dez mil cópias cada, sendo lançadas em julho e setembro. Em 1970, 1984 se tornaria o primeiro romance de ficção científica a ultrapassar a marca de 8 milhões de cópias vendidas nos Estados Unidos, e, ora vejam só, em 1984, ele chegaria ao topo da lista dos livros mais vendidos no país em todos os tempos.
Em junho de 1952, a viúva de Orwell, Sonia Brownell, vendeu o único manuscrito sobrevivente de 1984 em um leilão de caridade por 50 libras. Esse é o único manuscrito sobrevivente de qualquer obra de Orwell, e atualmente se encontra na Biblioteca John Hay, na Universidade de Brown, em Rhode Island, Estados Unidos. O manuscrito serviria de base para Nineteen Eighty-Four: The Facsimile of the Extant Manuscript, livro de Peter Davison publicado em 1984 que reproduz todas as páginas do manuscrito, junto à transcrição do texto e notas, tentando chegar a uma espécie de "versão do autor" do livro, sem qualquer interferência no texto do editor, revisor ou outros profissionais.
Falando nisso, originalmente a versão norte-americana do livro possuía pequenas diferenças em relação à britânica; era comum na época revisar livros britânicos que fossem ser lançados nos Estados Unidos para adequar o texto ao inglês norte-americano em questões de ortografia e pontuação, mas, no caso de 1984, o revisor da Harcourt & Brace mudaria frases inteiras sem o conhecimento de Orwell, com todas as versões publicadas até 1997 reproduzindo essas alterações. Somente por ocasião do lançamento de The Complete Works of George Orwell Davison faria uma nova revisão para o inglês norte-americano do texto original de Orwell, sem nenhuma alteração que não fosse absolutamente necessária.
1984 seria aclamado pela crítica, que o consideraria um dos melhores romances políticos de todos os tempos; como é impossível agradar a todos, alguns autores o detestaram, como C.S. Lewis, que argumentou que o relacionamento de Julia e Winston não era verossímil, e Isaac Deutscher, que reclamou que o livro era "um mais puro exemplar da propaganda anti-comunista característica da Guerra Fria", e que Orwell havia tentado fazer uma crítica ao marxismo, mas sem compreender o que era, acabou se mostrando um "anarquista simplório". Houve também quem achasse que o livro era uma alegoria crítica às reformas socialistas propostas pelo primeiro-ministro britânico da época, Clement Attlee; Orwell negaria essa versão com veemência, e, em uma carta, escreveria que a história era uma sátira, sem inspiração em nenhum evento do mundo real, e que ele mesmo não acreditava que o futuro descrito no livro fosse possível.
O livro seria considerado subversivo em vários países, principalmente os comunistas; um crítico polonês diria que 1984 havia se tornado no mundo real o que o livro de Goldstein era na história, "um texto proibido e perigoso de se possuir, conhecido na íntegra apenas por alguns membros do Partido". Desertores da União Soviética diriam que Orwell, mesmo sem nunca ter vivido na Rússia, havia entendido perfeitamente como funcionava o governo de lá. Aliás, na União Soviética, ele seria banido até 1988, quando uma versão traduzida para o russo seria publicada em capítulos em um jornal da Moldova, com sua primeira publicação em forma de livro no país ocorrendo apenas em 1989. Curiosamente, duas versões traduzidas para o russo haviam sido lançadas anteriormente, uma na Alemanha Ocidental em 1957, outra na Itália em 1966; ambas eram frequentemente contrabandeadas para a União Soviética e se tornariam populares dentre os dissidentes do regime; após a dissolução da União Soviética, seria revelado que, em 1959, membros do Comitê Central do Partido Soviético teriam acesso a uma tradução oficial do livro, indisponível para a população em geral, mais uma vez equiparando Orwell a Goldstein.
Na China aconteceria algo semelhante: sua primeira tradução seria publicada em 1979, em capítulos, no jornal Traduções Selecionadas de Literatura Estrangeira, disponível apenas para membros do alto escalão do governo e intelectuais considerados "confiáveis politicamente". Uma versão em livro seria publicada em 1985, mas também com venda restrita. A primeira versão com venda liberada ao grande público ocorreria em 1988. Graças a essas publicações tardias nos países nos quais o livro era proibido, em 1989 1984 alcançaria a marca de traduções para 65 idiomas, mais do que qualquer outro romance em língua inglesa na época.
1984 seria um dos romances de maior impacto cultural de todos os tempos; pra começar, ele seria responsável pela criação do termo "orwelliano", adjetivo usado para se referir a algo que seria prejudicial ao bem estar da sociedade. Termos como novalíngua (linguagem usada especificamente para defender uma ideologia), duplopensar (defender dois pontos de vista contraditórios simultaneamente), polícia do pensamento, sala 101 e as expressões 2 + 2 = 5 e nós sempre estivemos em guerra contra a Lestásia, todos presentes no texto do livro, se tornaram comuns na lingua inglesa ao criticar regimes ou posturas autoritários ou que possam levar ao autoritarismo. Mas o termo mais famoso presente no romance é Big Brother, o nome em inglês do Grande Irmão, usado para qualquer situação na qual se acredita que o governo está vigiando ou controlando a vida da população, e escolhido por Jan de Mol para dar nome a seu reality show, no qual os participantes são vigiados 24 horas por dia.
Assim como todos os grandes livros de sucesso, 1984 seria adaptado para vários outros meios. Sua primeira adaptação seria feita ainda em 1949 para uma radionovela, transmitida nos Estados Unidos pela Rádio NBC. Sua primeira adaptação para a TV também seria feita nos Estados Unidos, pelo canal CBS, como um episódio da série Studio One exibido em setembro de 1953. A primeira adaptação britânica iria ao ar na BBC em dezembro de 1954 e atrairia um público recorde de 7 milhões de espectadores, que diminuiria conforme o programa avançava, já que muitos deles ficariam horrorizados com a forma como o governo totalitário era mostrado, especialmente a cena na qual Winston (Peter Cushing) é torturado na Sala 101. Dois anos depois, em 1956, estrearia a primeira adaptação para o cinema, dirigida por Michael Anderson, com roteiro de William Templeton (que escreveu o especial da CBS), e estrelando Edmond O'Brien como Winston, Michael Redgrave como O'Connor (O'Brien no livro; diz a lenda que o nome foi mudado para que não fosse o mesmo do ator principal), e Jan Sterling como Julia. O filme não seria muito fiel ao livro, inclusive mudando o final, e seria considerado pior que o especial da BBC pela crítica da época.
A adaptação mais famosa seria lançada para o cinema em 10 de outubro de 1984, escrita e dirigida por Michael Redford, com John Hurt como Winston, Richard Burton como O'Brien, e Suzanna Hamilton como Julia. Produzido pela Virgin Films com orçamento de 5,5 milhões de libras (quase nada), o filme seria um grande sucesso de público e crítica, rendendo 6,2 milhões de libras no Reino Unido, mais cerca de 2 milhões no exterior - incluindo um recorde de 62 mil dólares na única semana em que ficou em cartaz nos Estados Unidos, onde foi exibido apenas para que pudesse concorrer ao Oscar, embora ele acabasse não sendo indicado em categoria alguma. O filme também ficaria famoso por ser o último papel de Burton, que faleceria dois meses antes da estreia, e por sua trilha sonora ter sido composta pela banda Eurythmics, sendo lançada integralmente em seu álbum 1984 (For the Love of Big Brother).
O filme de 1984 também seria a última adaptação para o cinema ou TV do livro, com as subsequentes sendo todas para o teatro, ópera, balé e rádio, sendo especialmente elogiadas a de 2013, transmitida pela BBC Radio 4, com Christopher Eccleston como Winston, e a de 2024, lançada diretamente em streaming, com Andrew Garfield como Winston, Tom Hardy como o Grande Irmão, Cynthia Erivo como Julia, Andrew Scott como O'Brien, e trilha sonora de Matt Bellamy e Ilan Eshkeri executada por uma orquestra de 60 integrantes e gravada nos Abbey Road Studios. Também vale citar o livro Julia, de Sandra Newman, lançado em 2023 com autorização do espólio de Orwell, que conta a mesma história de 1984, mas sob o ponto de vista de Julia.
Na maior parte do planeta, 1984, assim como A Revolução dos Bichos e todos os demais textos de Orwell, entraria em domínio público em 1 de janeiro de 2021, o primeiro dia do ano seguinte ao aniversário de 70 anos da morte do autor. Nos Estados Unidos, onde a lei de direitos autorais é diferente e mais rígida, ele só se tornará domínio público em 2044, 95 anos após sua data de publicação original. Por mais sombrio e exagerado que seja o futuro no qual o livro é ambientado, fica difícil não imaginar, com tudo o que temos visto hoje, que Orwell não tenha tido um vislumbre do futuro ao escrever o texto, deixando-o não como um pastiche, mas como um alerta - de fato, em 2012 o governo dos Estados Unidos tentaria legalizar a vigilância através de GPS de indivíduos sem prévia autorização judicial, o que foi negado pela Suprema Corte com o argumento de que "se permitirmos isso, nada impedirá que o governo monitore 24 horas por dia todos os movimentos de todos os cidadãos dos Estados Unidos, produzindo algo que se parece muito com 1984".
Enquanto escrevia seus romances, Orwell seguiria escrevendo crônicas, com mais de cem delas sendo publicadas em diversos jornais e revistas entre 1931 e 1952; durante seu tempo de vida, a maioria dessas crônicas seriam publicadas em cinco coletâneas, junto a cartas e outros textos do autor. Orwell faleceria em 21 de janeiro de 1950, aos 46 anos, do rompimento de uma artéria pulmonar, provavelmente causado por uma tuberculose mal curada.
1984 seria justamente seu último romance, publicado quatro anos após A Revolução dos Bichos. Ele é ambientado em um futuro distópico no qual só existem três nações: Oceania, Eurásia e Lestásia. Duas delas são sempre aliadas e estão em guerra contra a terceira, mas quem é amigo ou inimigo de quem muda frequentemente, porque todas as três têm governos totalitários, e a guerra é somente uma forma de manter o patriotismo da população aceso, sendo determinada mais por acordos do que por batalhas. A história se passa na Oceania, que, dentre outros territórios, abrange o que hoje é a Inglaterra; a Oceania é governada pelo Partido Socialista Inglês, cujo líder, o Grande Irmão, é uma figura messiânica cujo único objetivo é melhorar a vida do povo, sem nenhum interesse pessoal.
Para manter a população sempre submissa e se perpetuar no poder, o Partido faz uso de três expedientes: o primeiro é o ódio a um inimigo do estado, na figura de Emmanuel Goldstein, um antigo líder do Partido que, por razões puramente egoístas, quer derrubar o Grande Irmão para assumir o governo e instaurar um reinado de terror; Goldstein fundou uma organização chamada A Irmandade, que usa textos mentirosos para arregimentar membros para a sua causa. O segundo é o Ministério da Verdade, que tem o poder de literalmente alterar a história: seus membros passam o dia inteiro alterando livros, jornais e revistas para que a história sempre relate como o mundo era ruim antes de o Partido chegar ao poder, e como ele voltará a ser ruim caso a Oceania perca a guerra - quando o aliado e o inimigo da guerra mudam, toda a história é reescrita para que, na verdade, eles não tenham mudado, tendo sido sempre os mesmos. O terceiro, e mais famoso elemento do livro, é uma vigilância universal e constante: nenhum cidadão consegue fazer nem falar nada sem que o governo fique sabendo, e comportamentos considerados subversivos são identificados pela Polícia do Pensamento e punidos pelo Ministério do Amor.
O protagonista da história é Winston Smith, um funcionário do Ministério da Verdade que, após se deparar com uma determinada informação, passa a ter curiosidade sobre como o passado realmente era antes de o Partido assumir o poder, e não consegue evitar questionar tudo o que vivencia a partir de então. Um dia ele conhece Julia, que posa como uma obediente membro do Partido, mas na verdade é uma rebelde, e os dois se envolvem em um relacionamento de amor proibido e rebelião contra o sistema. Outro personagem de destaque do livro é O'Brien, colega de trabalho de Winston que tem um importante cargo dentro do Partido, e que Winston suspeita que, na verdade, faça parte da Irmandade, com Winston e Julia tentando descobrir se podem confiar nele e planejar como fazer para que eles também se unam ao grupo.
Em cartas a amigos, Orwell diria ter tido a inspiração para o livro em 1943, e cita como principal influência a Conferência de Teerã, reunião entre Joseph Stalin, Franklin D. Roosevelt e Winston Churchill para definir os rumos do pós-guerra. Orwell se preocupava com a divisão do planeta em "zonas de influência", com algumas regiões sendo comandadas pela União Soviética e outras pelos Estados Unidos, e pensaria em escrever uma crônica sobre o que poderia ocorrer caso os governos comandando essas zonas de influência se mostrassem também totalitários.
Em janeiro de 1944, um amigo lhe conseguiria uma cópia de Nós, de Yevgeny Zamyatin, e Orwell decidiria começar também a escrever um romance ambientado em um futuro distópico. Na época, ele já conseguia sobreviver apenas com um salário de jornalista, de forma que não teria pressa em terminar o livro; pouco antes do lançamento de A Revolução dos Bichos, ele diria em uma carta a Fredric Warburg, seu editor, que seu "romance do futuro distópico" só tinha 12 páginas, e que talvez não estivesse totalmente terminado antes de 1947. Em janeiro de 1946, ele escreveria uma resenha de Admirável Mundo Novo, de Aldous Huxley - que havia sido seu professor de francês no colégio - para a revista Tribune, notando várias semelhanças entre o livro de Huxley e Nós e decidindo fazer o seu o mais dieferente possível, o que atrasaria ainda mais o processo.
Em maio de 1946, após ter escrito apenas 50 páginas e sofrendo de bronquiectasia, Orwell decidiria passar uma temporada na ilha escocesa de Jura, para tentar recuperar sua saúde e terminar o romance. Seu primeiro rascunho, enviado a Warburg em maio de 1947, seria descrito como "uma bagunça"; mesmo com a saúde se deteriorando cada vez mais, ele se recusaria a ver um médico enquanto não terminasse o texto, e o finalizaria na cama, após perder 12 kg, em novembro de 1947. Imediatamente após enviar essa versão a Warburg, ele seria internado em um hospital em Glasgow, onde seria diagnosticado com tuberculose. Ele receberia alta em julho de 1948, e imediatamente se colocaria a fazer no texto as alterações apontadas por Warburg; como a maioria de suas anotações estava à mão, ele pediria ao editor que fosse à Escócia datilografá-las, mas Warburg diria que isso só seria possível se Orwell estivesse presente para guiá-lo, com o texto sendo incompreensível na forma em que estava escrito. Orwell não aceitaria o arranjo, e decidiria ele mesmo fazer o trabalho a passos de tartaruga, tendo de parar por repetidas vezes por estar com febre ou tossindo tanto que não conseguia datilografar. Ele concluiria a versão final do texto em dezembro de 1948, a enviaria a Warburg em janeiro de 1949, e logo em seguida se internaria em um sanatório na cidade inglesa de Costwolds.
Pouco antes de terminar seu segundo rascunho, Orwell ouviria de Warburg que o livro precisava de um título, e daria ao editor duas opções, O Último Homem na Europa e 1984, com Warburg escolhendo a segunda por achar que era um título mais apropriado comercialmente. A história mais famosa sobre de onde Orwell tirou esse título, frequentemente citada em textos sobre o livro ou sobre o autor, é a de que 1984 é simplesmente uma inversão dos dois últimos dígitos de 1948, o ano no qual Orwell terminou de escrever o livro. Essa teoria é refutada por muitos críticos, que a consideram "uma ideia muito simples para um livro tão complexo".
Orwell não gostaria da versão final do livro, e frequentemente diria que poderia ter feito melhor se não estivesse doente; quem conviveu com ele, porém, diz que ele falava isso de todos os seus livros, sempre arrumando um motivo para dizer que eles poderiam ter sido melhores, e em muitos casos depreciando-os até receber os números das vendas. Warburg, por outro lado, consideraria 1984 uma obra prima, e se apressaria a lançá-lo o mais rápido possível, com o livro estando nas lojas em 8 de junho de 1949, apenas seis meses após a editora Secker & Warburg receber sua versão final, um tempo considerado curtíssimo para a época. Warburg gostava tanto do livro que recusaria uma proposta do Clube do Livro para lançar uma versão mais curta, sem o apêndice e sem o capítulo com os trechos do livro escrito por Goldstein, achando que isso mataria a história; segundo a editora, essa recusa pode ter feito com que ele deixasse de ganhar cerca de 40 mil libras.
A primeira tiragem de 1984 teria 25.575 cópias, que se esgotariam antes do final de 1949; duas outras tiragens, de cinco mil cópias cada, seriam lançadas em 1950, uma em março, outra em agosto. O livro seria lançado nos Estados Unidos pela Harcourt & Brace apenas cinco dias após seu lançamento no Reino Unido, em 13 de junho de 1949, com a primeira tiragem, de vinte mil cópias, se esgotando antes do fim do mês, e duas outras tiragens, de dez mil cópias cada, sendo lançadas em julho e setembro. Em 1970, 1984 se tornaria o primeiro romance de ficção científica a ultrapassar a marca de 8 milhões de cópias vendidas nos Estados Unidos, e, ora vejam só, em 1984, ele chegaria ao topo da lista dos livros mais vendidos no país em todos os tempos.
Em junho de 1952, a viúva de Orwell, Sonia Brownell, vendeu o único manuscrito sobrevivente de 1984 em um leilão de caridade por 50 libras. Esse é o único manuscrito sobrevivente de qualquer obra de Orwell, e atualmente se encontra na Biblioteca John Hay, na Universidade de Brown, em Rhode Island, Estados Unidos. O manuscrito serviria de base para Nineteen Eighty-Four: The Facsimile of the Extant Manuscript, livro de Peter Davison publicado em 1984 que reproduz todas as páginas do manuscrito, junto à transcrição do texto e notas, tentando chegar a uma espécie de "versão do autor" do livro, sem qualquer interferência no texto do editor, revisor ou outros profissionais.
Falando nisso, originalmente a versão norte-americana do livro possuía pequenas diferenças em relação à britânica; era comum na época revisar livros britânicos que fossem ser lançados nos Estados Unidos para adequar o texto ao inglês norte-americano em questões de ortografia e pontuação, mas, no caso de 1984, o revisor da Harcourt & Brace mudaria frases inteiras sem o conhecimento de Orwell, com todas as versões publicadas até 1997 reproduzindo essas alterações. Somente por ocasião do lançamento de The Complete Works of George Orwell Davison faria uma nova revisão para o inglês norte-americano do texto original de Orwell, sem nenhuma alteração que não fosse absolutamente necessária.
1984 seria aclamado pela crítica, que o consideraria um dos melhores romances políticos de todos os tempos; como é impossível agradar a todos, alguns autores o detestaram, como C.S. Lewis, que argumentou que o relacionamento de Julia e Winston não era verossímil, e Isaac Deutscher, que reclamou que o livro era "um mais puro exemplar da propaganda anti-comunista característica da Guerra Fria", e que Orwell havia tentado fazer uma crítica ao marxismo, mas sem compreender o que era, acabou se mostrando um "anarquista simplório". Houve também quem achasse que o livro era uma alegoria crítica às reformas socialistas propostas pelo primeiro-ministro britânico da época, Clement Attlee; Orwell negaria essa versão com veemência, e, em uma carta, escreveria que a história era uma sátira, sem inspiração em nenhum evento do mundo real, e que ele mesmo não acreditava que o futuro descrito no livro fosse possível.
O livro seria considerado subversivo em vários países, principalmente os comunistas; um crítico polonês diria que 1984 havia se tornado no mundo real o que o livro de Goldstein era na história, "um texto proibido e perigoso de se possuir, conhecido na íntegra apenas por alguns membros do Partido". Desertores da União Soviética diriam que Orwell, mesmo sem nunca ter vivido na Rússia, havia entendido perfeitamente como funcionava o governo de lá. Aliás, na União Soviética, ele seria banido até 1988, quando uma versão traduzida para o russo seria publicada em capítulos em um jornal da Moldova, com sua primeira publicação em forma de livro no país ocorrendo apenas em 1989. Curiosamente, duas versões traduzidas para o russo haviam sido lançadas anteriormente, uma na Alemanha Ocidental em 1957, outra na Itália em 1966; ambas eram frequentemente contrabandeadas para a União Soviética e se tornariam populares dentre os dissidentes do regime; após a dissolução da União Soviética, seria revelado que, em 1959, membros do Comitê Central do Partido Soviético teriam acesso a uma tradução oficial do livro, indisponível para a população em geral, mais uma vez equiparando Orwell a Goldstein.
Na China aconteceria algo semelhante: sua primeira tradução seria publicada em 1979, em capítulos, no jornal Traduções Selecionadas de Literatura Estrangeira, disponível apenas para membros do alto escalão do governo e intelectuais considerados "confiáveis politicamente". Uma versão em livro seria publicada em 1985, mas também com venda restrita. A primeira versão com venda liberada ao grande público ocorreria em 1988. Graças a essas publicações tardias nos países nos quais o livro era proibido, em 1989 1984 alcançaria a marca de traduções para 65 idiomas, mais do que qualquer outro romance em língua inglesa na época.
1984 seria um dos romances de maior impacto cultural de todos os tempos; pra começar, ele seria responsável pela criação do termo "orwelliano", adjetivo usado para se referir a algo que seria prejudicial ao bem estar da sociedade. Termos como novalíngua (linguagem usada especificamente para defender uma ideologia), duplopensar (defender dois pontos de vista contraditórios simultaneamente), polícia do pensamento, sala 101 e as expressões 2 + 2 = 5 e nós sempre estivemos em guerra contra a Lestásia, todos presentes no texto do livro, se tornaram comuns na lingua inglesa ao criticar regimes ou posturas autoritários ou que possam levar ao autoritarismo. Mas o termo mais famoso presente no romance é Big Brother, o nome em inglês do Grande Irmão, usado para qualquer situação na qual se acredita que o governo está vigiando ou controlando a vida da população, e escolhido por Jan de Mol para dar nome a seu reality show, no qual os participantes são vigiados 24 horas por dia.
Assim como todos os grandes livros de sucesso, 1984 seria adaptado para vários outros meios. Sua primeira adaptação seria feita ainda em 1949 para uma radionovela, transmitida nos Estados Unidos pela Rádio NBC. Sua primeira adaptação para a TV também seria feita nos Estados Unidos, pelo canal CBS, como um episódio da série Studio One exibido em setembro de 1953. A primeira adaptação britânica iria ao ar na BBC em dezembro de 1954 e atrairia um público recorde de 7 milhões de espectadores, que diminuiria conforme o programa avançava, já que muitos deles ficariam horrorizados com a forma como o governo totalitário era mostrado, especialmente a cena na qual Winston (Peter Cushing) é torturado na Sala 101. Dois anos depois, em 1956, estrearia a primeira adaptação para o cinema, dirigida por Michael Anderson, com roteiro de William Templeton (que escreveu o especial da CBS), e estrelando Edmond O'Brien como Winston, Michael Redgrave como O'Connor (O'Brien no livro; diz a lenda que o nome foi mudado para que não fosse o mesmo do ator principal), e Jan Sterling como Julia. O filme não seria muito fiel ao livro, inclusive mudando o final, e seria considerado pior que o especial da BBC pela crítica da época.
A adaptação mais famosa seria lançada para o cinema em 10 de outubro de 1984, escrita e dirigida por Michael Redford, com John Hurt como Winston, Richard Burton como O'Brien, e Suzanna Hamilton como Julia. Produzido pela Virgin Films com orçamento de 5,5 milhões de libras (quase nada), o filme seria um grande sucesso de público e crítica, rendendo 6,2 milhões de libras no Reino Unido, mais cerca de 2 milhões no exterior - incluindo um recorde de 62 mil dólares na única semana em que ficou em cartaz nos Estados Unidos, onde foi exibido apenas para que pudesse concorrer ao Oscar, embora ele acabasse não sendo indicado em categoria alguma. O filme também ficaria famoso por ser o último papel de Burton, que faleceria dois meses antes da estreia, e por sua trilha sonora ter sido composta pela banda Eurythmics, sendo lançada integralmente em seu álbum 1984 (For the Love of Big Brother).
O filme de 1984 também seria a última adaptação para o cinema ou TV do livro, com as subsequentes sendo todas para o teatro, ópera, balé e rádio, sendo especialmente elogiadas a de 2013, transmitida pela BBC Radio 4, com Christopher Eccleston como Winston, e a de 2024, lançada diretamente em streaming, com Andrew Garfield como Winston, Tom Hardy como o Grande Irmão, Cynthia Erivo como Julia, Andrew Scott como O'Brien, e trilha sonora de Matt Bellamy e Ilan Eshkeri executada por uma orquestra de 60 integrantes e gravada nos Abbey Road Studios. Também vale citar o livro Julia, de Sandra Newman, lançado em 2023 com autorização do espólio de Orwell, que conta a mesma história de 1984, mas sob o ponto de vista de Julia.
Na maior parte do planeta, 1984, assim como A Revolução dos Bichos e todos os demais textos de Orwell, entraria em domínio público em 1 de janeiro de 2021, o primeiro dia do ano seguinte ao aniversário de 70 anos da morte do autor. Nos Estados Unidos, onde a lei de direitos autorais é diferente e mais rígida, ele só se tornará domínio público em 2044, 95 anos após sua data de publicação original. Por mais sombrio e exagerado que seja o futuro no qual o livro é ambientado, fica difícil não imaginar, com tudo o que temos visto hoje, que Orwell não tenha tido um vislumbre do futuro ao escrever o texto, deixando-o não como um pastiche, mas como um alerta - de fato, em 2012 o governo dos Estados Unidos tentaria legalizar a vigilância através de GPS de indivíduos sem prévia autorização judicial, o que foi negado pela Suprema Corte com o argumento de que "se permitirmos isso, nada impedirá que o governo monitore 24 horas por dia todos os movimentos de todos os cidadãos dos Estados Unidos, produzindo algo que se parece muito com 1984".


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