Talvez eu não tenha tido a correta capacidade de apreciá-lo em minha infância, mas o fato é que A Princesa Prometida é um dos filmes de fantasia mais geniais que eu já assisti. Eu gosto de praticamente tudo nele, menos o fato de que ele parece ter algum problema para ficar guardado em minha memória, já que eu raramente me lembro de incluí-lo dentre meus favoritos, e, ora vejam só, já passei dos 650 posts sem tê-lo mencionado aqui uma vezinha sequer. Outro dia, entretanto, a o vi à venda, desta vez naquela versão que, ao invés de vir em um estojo de plástico, vem em um envelope de papelão para ficar mais barato, e achei isso uma injustiça. Assim como é uma injustiça o fato de que um filme tão legal é tão pouco conhecido aqui no Brasil - algo do qual eu não me dava conta, mas acabei concluindo após perceber que a maioria das pessoas para quem menciono o filme não sabe nem do que se trata.
Enfim, hoje vou fazer minha parte para corrigir essa injustiça e falar sobre A Princesa Prometida aqui no átomo. E, se você tiver oportunidade, faça a sua e o assista. Garanto que não vai se arrepender.
O filme começa nos dias atuais (bom, pelo menos eram os "dias atuais" na época) com um menino (Fred Savage, o Kevin Arnold de Anos Incríveis) que está doente, de cama, e não pode ir à escola. Seu avô (Peter Falk, de Columbo) vem para ficar com ele, já que seus pais precisam trabalhar, e traz consigo seu livro preferido, A Princesa Prometida (The Princess Bride, algo como "a princesa noiva", no original) para ler enquanto lhe faz companhia. A princípio, o menino rejeita, se dizendo pouco interessado em histórias de princesas, mas acaba cedendo quando o avô alega ter também a história lutas de espada. Em um exercício de metalinguagem, nós vemos o filme ao mesmo tempo em que o menino escuta a história do avô - com eventuais interrupções aqui e ali causadas pelo menino.
A trama central é ambientada na época medieval, e gira em torno de uma menina nobre do reino de Florin, chamada Buttercup (Robin Wright, a Claire Underwood de House of Cards), que se apaixona por seu cavalariço, Westley (Cary Elwes, de Jogos Mortais). Como Westley é pobre, porém, eles não podem se casar, e, para remediar isso, ele decide sair pelo mundo para fazer fortuna. Logo após sua partida, entretanto, seu navio é atacado pelo lendário pirata Roberts, que jamais deixa ninguém vivo nos navios que saqueia. Desiludida, Buttercup promete que nunca mais amará outro homem.
Anos se passam, e Buttercup é pedida em casamento pelo príncipe de Florin, o malvado Humperdinck (Chris Sarandon, a voz do Jack Skellington de O Estranho Mundo de Jack), que só está interessado em sua beleza e em poder herdar o trono quando seus pais morrerem. Ela também não o ama, mas, como não pretende amar novamente, acaba aceitando. Na véspera do casamento, contudo, ela é sequestrada por um trio de foras da lei que inclui o siciliano Vizzini (Wallace Shawn, o Grand Nagus Zek de Deep Space Nine), o gigantesco Fezzik (André the Giant, ex-lutador da WWE) e o espadachim Inigo Montoya (Mandy Patinkin, o Saul Berenson de Homeland), que busca vingança contra um homem de seis dedos que matou seu pai, posteriormente revelado como sendo o braço-direito de Humperdinck, o Conde Rugen (o diretor Christopher Guest).
Originalmente, o trio foi contratado para matar Buttercup e deixar seu corpo na fronteira entre Florin e o reino rival de Guilder (não por acidente, Florin e Guilder são ambos o nome, em inglês, da antiga moeda da Holanda, antes de o país adotar o Euro; oficialmente o nome era Guilder, mas o termo Florin também era aceito, e a abreviatura era ƒ), começando uma guerra entre os dois. Os três, porém, seriam seguidos por um misterioso homem mascarado de preto, que os derrotou e salvou Buttercup, se revelando como sendo Westley, que sobreviveu ao ataque do pirata Roberts e voltou para reclamar sua amada ao saber que ela iria se casar. Hupperdinck, entretanto, não estava disposto a abrir mão de sua bela princesa tão facilmente, e Westley terá de contar com a improvável ajuda de Fezzik e Montoya se quiser salvá-la de seu casamento arranjado com o maligno príncipe.
Além de todo esse elenco que, alguns anos mais tarde, se tornou estelar (à exceção de Peter Falk, já uma grande estrela na época), o filme ainda conta com participações especiais de Billy Crystal (apresentador da cerimônia do Oscar e a voz do Mike Wazowski de Monstros S.A., contando ainda com muitas outras comédias de sucesso no currículo), no papel de um feiticeiro; Carol Kane (à época famosa por ter sido protagonista da série Taxi, posteriormente fazendo participações em dezenas de outras séries, atualmente interpretando a Gertrud Kapelput de Gotham), como sua esposa; e Peter Cook (considerado um dos principais comediantes do boom do gênero que ocorreu na Grã-Bretanha na década de 1960, e que levaria ao surgimento de grupos como o Monty Python), como o padre que realizará o casamento de Buttercup e Hupperdinck.
A trilha sonora do filme também merece destaque, já que foi inteiramente composta por Mark Knopfler, vocalista do Dire Straits. Uma das canções, Storybook Love, escrita por Knopfler e interpretada por Willy DeVille, seria indicada ao Oscar de Melhor Canção Original, mas perderia para I've Had the Time of My Life, de Dirty Dancing: Ritmo Quente.
Dirigido por Rob Reiner (que, imediatamente antes, faria Conta Comigo, e, imediatamente depois, Harry e Sally - Feitos Um para o Outro, mas hoje talvez seja mais conhecido por Antes de Partir, com Jack Nicholson e Morgan Freeman), A Princesa Prometida esteraria nos cinemas em 25 de setembro de 1987, e faria um sucesso totalmente inesperado: tendo custado 16 milhões de dólares, cifra considerada altíssima para a época, renderia quase 31 milhões apenas nos Estados Unidos - ou seja, contrariando quem apostava que o filme nem conseguiria se pagar, ele rendeu quase o dobro do que custou. Além do bom público, o filme também seria aclamado pela crítica, e, nos anos seguintes, se tornaria cult, sendo hoje considerado um dos mais memoráveis filmes de fantasia da década de 1980.
Mas nem todos os méritos do sucesso do filme podem ser atribuídos a Reiner, já que A Princesa Prometida é adaptação de um livro, de mesmo nome, publicado em 1973 e escrito por William Goldman, que também assinaria o roteiro do filme. Apesar de ser oficialmente uma história de romance e fantasia, o livro tem também muitos elementos de comédia, a começar por sua apresentação: logo na capa, ele alega ser uma "versão resumida" contendo "apenas as partes boas" de um livro de mesmo nome escrito por S. Morgenstern. Morgenstern, evidentemente, é um nome fictício, tal livro não existe, e todo o texto foi escrito por Goldman - incluindo aquela parte normalmente publicada nas "orelhas" da capa, que fala um pouco sobre a vida do autor, e que, em A Princesa Prometida, também é completamente fictícia, sem nenhum detalhe real da vida de Goldman.
Vale citar como curiosidade que essa história de "versão resumida" seria levada tão a sério pelo autor que ele até escreveria nos "comentários ao texto", presentes no fim do livro, que não mudou absolutamente nada do texto "original", mas que tentou incluir um novo capítulo, com a inclusão do qual a editora não concordou, ainda por cima conclamando os leitores a escreverem cartas para a editora pedindo para que esse capítulo lhes fosse enviado - e os que o fizessem receberiam de volta uma carta em papel timbrado na qual a editora alegava que não podiam fazê-lo por determinação dos herdeiros e do advogado de Morgenstern, carta essa evidentemente também criada por Goldman.
Já com sete romances no currículo, mas mais conhecido por seus roteiros de cinema - tendo ganhado, inclusive, dois Oscars de Melhor Roteiro Original, por Butch Cassidy, em 1969, e por Todos os Homens do Presidente, em 1976 - Goldman tiraria inspiração para escrever A Princesa Prometida de histórias que inventava para suas duas filhas quando elas eram pequenas, com uma inclusive sempre pedindo histórias de princesas e de "noivas". A maioria dos nomes, como Buttercup, Hupperdinck, Florin e Guilder, também faziam parte dessas histórias, e acabaram reutilizados. Ao decidir transformar essas histórias em um livro, Goldman começaria escrevendo um capítulo de 20 páginas sobre Buttercup; ao terminá-lo, ele começaria um capítulo sobre seu noivo, mas conseguiria escrever apenas quatro páginas antes de ter um bloqueio criativo. Então, de repente, ele teria a ideia de escrever o livro como se fosse "uma versão resumida". A partir daí, tudo fluiria perfeitamente, e o trabalho final seria o maior sucesso literário de sua carreira - nenhum outro livro que ele escrevesse antes ou depois se tornaria tão famoso e comentado quanto A Princesa Prometida.
Em 1988, um ano após o lançamento do filme, seria lançada uma edição especial de 25º aniversário do livro, que incluiria, em suas páginas finais, um "preview" de uma sequência escrita por Goldman, chamada Buttercup's Baby ("o bebê de Buttercup"). Antes do preview - um "capítulo inteiro" do "novo livro" - há um comentário do autor de que a sequência já estaria pronta, mas que a editora estaria "enfrentando dificuldades" com os herdeiros de Morgenstern, que não aceitariam que "outro autor" utilizasse os mesmos personagens. Na verdade, tudo o que Goldman escreveu da sequência foi esse capítulo, e, embora ele tenha declarado em entrevistas que realmente deseja escrever uma sequência, não se sabe se ele realmente ainda teria planos de fazê-lo. Para somar argumentos aos que acham que tudo não passa de mais uma brincadeira, a edição de 30º aniversário do livro, lançada em 2003, inclui, ao final do preview, a "promessa" de que a sequência será lançada junto com a edição do 50º aniversário, em 2023.
Assim como o filme, o livro, nos Estados Unidos, é considerado cult, e suas vendas foram extremamente boas desde o lançamento - tanto que, ainda em 1973, a Fox ofereceria meio milhão de dólares a Goldman pelos direitos de adaptação. Richard Lester (de A Hard Day's Night e Help!, ambos estrelando os Beatles) seria convidado para dirigir, mas, após uma mudança de comando na presidência do estúdio, o projeto seria engavetado. Após cinco anos sem que o filme saísse do papel, Goldman pagaria à Fox uma quantia não divulgada (provavelmente mais do que recebeu) para comprar os direitos de volta, e começaria a negociar com outros estúdios. Muitas propostas seriam feitas, inclusive uma de Christopher Reeve (também conhecido como Super-Homem), em 1980, que desejava interpretar Westley, mas somente em 1987 é que Reiner, financiado pelo produtor de TV Norman Lear, apresentaria um projeto realmente viável, e o filme entraria em pré-produção. Por causa disso, A Princesa Prometida seria produzido pela ACT III Communications, de propriedade de Lear, e apenas distribuída nos cinemas pela Fox.
Em 2006, o compositor vencedor do prêmio Tony (o "Oscar da Broadway") Adam Guettel procurou Goldman para negociar uma adaptação de A Princesa Prometida para um musical. Em fevereiro de 2007, porém, esse projeto seria abandonado, com Guettel alegando que, mesmo com ele próprio sendo responsável por escrever e compor as músicas, Goldman estaria exigindo 75% da renda como direitos de autor. Goldman nunca confirmou nem desmentiu o fato.
O que mais me espanta, porém, é que, nessa época de tantos reboots, remakes e "prequências", ninguém ainda tenha procurado Goldman para fazer um novo A Princesa Prometida. Não que eu esteja reclamando. Por mim, vocês sabem, melhor que exista só o original.
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