Lançado em 1994, Darkstalkers: The Night Warriors (algo como "perseguidores das trevas: os guerreiros da noite", o que parece até título daqueles filmes que passam de madrugada na Band; em japonês, o jogo possui o singelo título de Vampire) foi a primeira tentativa da Capcom de criar um jogo de luta que não pertencesse à série Street Fighter. Ao invés de criar um novo elenco de lutadores do zero, a Capcom optaria por usar caras conhecidas, dando novos nomes aos monstros clássicos do cinema e do folclore, e inventando uma razão qualquer para que eles brigassem entre si.
Como é comum nos jogos de luta, essa razão até que nem importava tanto: resumindo, os Darkstalkers não são nativos de nosso mundo, e sim de uma dimensão paralela chamada Demon World, onde todos os habitantes são monstros. O Demon World é governado há milênios por Pyron, um elemental do fogo, mas o vampiro Demitri acha que já é hora de os monstros terem um novo governante. Ao desafiar Pyron, ele o convence a colocar seu título em jogo, criando um torneio do qual o vencedor será o novo governante. Uma das condições de Pyron, porém, é que o torneio ocorra em campo neutro - no caso, o planeta Terra.
No melhor estilo Street Fighter II, cada um dos dez monstros à disposição do jogador representa um país (o que, na minha cabeça, não faz o menor sentido, já que eles não são nativos da Terra, e sim do Demon World): representando a Romênia, temos o vampiro Demitri Maximoff; representando a Inglaterra, o lobisomem Jon Talbain (cujo nome original em japonês é Gallon, e o nome em inglês é inspirado no do pai do protagonista do clássico filme de 1941 O Lobisomem, da Universal, que se chama John Talbot); representando a Alemanha, o golem (nome técnico do Monstro de Frankenstein) Victor Von Gerdenheim; representando a Austrália, o zumbi roqueiro Lord Raptor (cujo nome em japonês, bem mais legal, é Zabel Zarock); representando a Escócia, a súcubo Morrigan Aensland; representando o Egito, a múmia do faraó Anakaris (que é homem; curiosamente, todo mundo que eu conheço se refere a ele como "a Anakaris", não sei se por ser uma múmia, palavra feminina, ou pelo nome soar feminino); representando o Japão, o fantasma do samurai Bishamon; representando o Brasil, Rikuo, uma criatura inspirada no Monstro da Lagoa Negra (cujo nome em japonês é Aulbath, e o nome em inglês é em homenagem a Ricou Browning, que, como vimos semana passada, interpretava o Monstro da Lagoa Negra nas cenas subaquáticas); representando o Canadá, o pé-grande Sasquatch; e, representando os Estados Unidos, Felicia, uma nekomimi (criatura do folclore japonês que é uma mistura de uma menina adolescente e um gato, aparentemente incluída no jogo só para que o mesmo não ficasse sem nenhum representante dos Estados Unidos). O jogo também conta com dois chefes, o robô Huitzil (que em japonês se chama Phobos e luta no México) e o próprio Pyron (que, segundo o jogo, luta no planeta Hellstorm).
Usando a placa CPS-2, que mais tarde se tornaria famosa pelos crossovers, como X-Men vs Street Fighter, Darkstalkers expandiria alguns conceitos introduzidos em Super Street Fighter II Turbo, e ainda aproveitaria para trazer novidades mais tarde incluídas nos demais jogos de luta da Capcom. Foi nesse jogo, por exemplo, que estrearam o bloqueio no ar, a capacidade de se caminhar abaixado, os contra-ataques e os infames chain combos, combinações de golpes comuns e especiais que, se realizadas corretamente, impediam que o oponente se defendesse. Assim como em Super Street Fighter II Turbo, cada personagem possui uma "barra de super", que vai enchendo conforme o jogador executa golpes ou é acertado por golpes do adversário. Uma vez cheia, a barra de super permite que o jogador use versões superpoderosas dos especiais de seus personagens, chamados ES Specials, ou que use o Super Combo, um único especial que gasta toda a barra de uma só vez, mas devasta a energia do oponente se o acertar. Diferentemente do tradicional, a barra de super de Darkstalkers esvazia sozinha se o jogador não usar o Super Combo alguns segundos depois que ela se encher totalmente; a intenção era não permitir que o jogador "guardasse" o Super Combo para mais tarde.
Outra característica de Darkstalkers que mais tarde seria adotada nos demais jogos de luta da Capcom era o estilo de seus gráficos: ao invés de tentar o realismo, como em Super Street Fighter II, a Capcom optaria por gráficos grandes, exagerados e coloridos, usando um estilo de desenho animado que renderia muitos elogios. Após repeti-lo com igual sucesso em X-Men: Children of the Atom, a Capcom decidiria adotá-lo em Street Fighter Alpha, e, mais tarde, nos crossovers.
Darkstalkers seria um grande sucesso, sendo eleito segundo melhor jogo de 1994 pela revista Video Games & Computer Entertainment (atrás apenas de Tekken) e melhor jogo de luta em 2D do ano pela IGN. Em 1996, o jogo seria lançado para Playstation, sendo essa sua única versão caseira, mas, antes disso, ganharia uma sequência.
Por alguma razão, ao invés de Darkstalkers 2 ou algo do tipo, a Capcom optaria por inverter título e subtítulo e chamar o segundo jogo de Night Warriors: Darkstalkers' Revenge (no Japão, o jogo se chamaria Vampire Hunter, o "caçador de vampiros"). Lançado em 1995, o jogo também só ganharia uma única versão caseira, lançada para o Sega Saturn em 1996.
Não engolindo a derrota sofrida no último torneio, Pyron decide destruir a Terra para se vingar. Talvez se sentindo responsáveis, os Darkstalkers decidem impedi-lo. Mas, além de lidar com Pyron, os Darkstalkers também terão em seu encalço dois caçadores de monstros, Donovan Baine e Hsien-Ko, que querem aproveitar que eles vêm à Terra para destruí-los. Donovan é um dhampir, criatura do folclore do leste europeu meio-humano, meio-vampiro, fruto do relacionamento entre um pai vampiro e uma mãe humana, que possui alguns poderes misteriosos, como a capacidade de canalizar espíritos que aumentam suas habilidades. Donovan luta acompanhado de Anita, uma garotinha órfã que ele salvou de ser morta acusada de bruxaria. Já Hsien-Ko (cujo nome em japonês é Lei-Lei) é uma jiang shi (literalmente, "cadáver que pula"), espécie de zumbi do folclore chinês.
Ao todo, Night Warriors conta com 14 personagens à disposição do jogador - os 10 do jogo original, Donovan, Hsien-Ko e mais Huitzil e Pyron, que agora podem ser escolhidos normalmente, apesar de Pyron ainda ser o último chefe para todos, inclusive para ele mesmo. Os monstros já não representam um país cada um; embora Hsien-Ko seja evidentemente chinesa, não é feita qualquer menção sobre a nacionalidade de Donovan ou Anita. Dentre as novidades na jogabilidade, há a possibilidade de o jogador escolher entre bloqueio normal ou automático, e a possibilidade de se guardar a barra de super para depois - os Super Combos, aliás, agora se chamam EX Specials, e cada personagem possui dois deles. Os gráficos também tiveram algumas pequenas modificações, ficando mais nítidos e com animações mais fluidas.
Em 1997, o jogo completaria uma trilogia com o lançamento de Darkstalkers 3 (que, no Japão, se chama Vampire Savior: The Lord of Vampire, assim em inglês mesmo). Desta vez, Jedah Dohma, um demônio, acorda de um sono de mil anos e decide destruir o Demon World para reconstrui-lo, acreditando que está tudo errado e que somente ele pode consertar as coisas. Como era de se esperar, os Darkstalkers decidem impedi-lo.
O jogo trazia 15 personagens à disposição do jogador: Demitri, Talbain, Victor, Raptor, Morrigan, Anakaris, Bishamon, Rikuo, Sasquatch, Felicia, Hsien-Ko e quatro novos: Jedah; Q-Bee, rainha de uma raça de monstros que se parecem com abelhas humanoides; Lilith, a irmã pré-adolescente de Morrigan; e B.B. Hood (cujo bizarro nome em japonês é Buletta), uma caçadora de monstros que se parece com a Chapeuzinho Vermelho e esconde todo tipo de armas em sua cestinha. Pela primeira vez, o jogo também trouxe personagens secretos: Dark Talbain, a versão maligna de Jon Talbain (e, obviamente, chamado Dark Gallon em japonês), e Oboro Bishamon (chamado Shin Bishamon em japonês), uma versão mais poderosa de Bishamon. Ambos podem ser apenas enfrentados, não escolhidos. Donovan, Huitzil e Pyron ficaram de fora, não aparecendo no jogo.
Mais uma vez, o jogo introduziu uma novidade que acabaria sendo usada em diversos outros jogos de luta: ao invés de as lutas serem disputadas em melhor de três rounds, sendo vencedor o lutador que primeiro ganhar dois, cada personagem possui duas barras de energia. Quando a primeira barra de um lutador se esgota, a luta faz uma pausa e recomeça, mas a energia do outro lutador não recarrega; o primeiro lutador cujas duas barras se esgotarem perde a luta. Outra novidade do jogo era a Dark Force, um estado que, quando ativado, conferia mais força nos ataques, ou até mesmo novos ataques, durante 6 segundos.
Depois do terceiro jogo, a Capcom, curiosamente, optaria por lançar não um quarto jogo, e sim sequências para o segundo e o terceiro jogos. Ambas as sequências seriam lançadas em 1997, ambas exclusivamente para arcades, e ambas exclusivamente no Japão. A primeira dessas sequências seria Vampire Hunter 2, que tem os mesmos personagens e cenários de Night Warriors, mas a mesma jogabilidade de Darkstalkers 3, com duas barras de energia e Dark Force, mais Dark Talbain e Oboro Bishamon como personagens secretos.
A segunda sequência foi Vampire Savior 2, uma nova versão de Darkstalkers 3 que contava com a presença de Donovan, Huitzil e Pyron no lugar de Talbain, Rikuo e Sasquatch. Como o jogo não tinha Talbain, também não tinha Dark Talbain, mas, em compensação, tinha dois personagens secretos novos, que podiam ser selecionados pelo jogador, chamados Marionette e Shadow. Ambos possuíam mecânicas de jogo curiosas: Marionette, que, como o nome sugere, é uma marionete possuída por um espírito, transforma o jogo em uma série de Mirror Matches - ao invés de escolher um personagem e enfrentar todos os demais com ele, você deverá jogar sempre com o mesmo personagem que o oponente, ou seja, se a primeira luta é contra Victor, você joga com Victor, se a segunda é contra Q-Bee, você joga com Q-Bee, e assim sucessivamente. Já se escolher o espectro Shadow (cujo nome em japonês é Shadow Soul), o jogador poderá escolher um personagem, mas deverá sempre usar na luta seguinte sempre o personagem que acabou de derrotar - se a primeira luta for contra Victor, na segunda luta jogará com Victor, se essa segunda for contra Q-Bee, na terceira jogará com Q-Bee, e assim por diante.
Darkstalkers 3 seria lançado para Playstation e Saturn em 1998. Curiosamente, essa versão era na verdade, uma mistura do Darkstalkers 3 dos arcades e Vampire Savior 2: todos os 18 personagens estavam à disposição do jogador (Demitri, Talbain, Victor, Raptor, Morrigan, Anakaris, Bishamon, Rikuo, Sasquatch, Felicia, Huitzil, Pyron, Donovan, Hsien-Ko, Jedah, Q-Bee, Lilith e B.B. Hood) e Dark Talbain, Oboro Bishamon, Shadow e Marionette apareciam como secretos, podendo, os quatro, serem escolhidos.
Darkstalkers 3 ainda ganharia uma nova versão em 2004, lançada para PSP e Dreamcast - a versão PSP se chamaria Darkstalkers Chronicle: The Chaos Tower (Vampire Chronicle: The Chaos Tower no Japão), enquanto a do Dreamcast, lançada exclusivamente no Japão, tinha o nome esquisito de Vampire Chronicle for Matching Service. Nessa nova versão estão presentes todos os personagens, cenários e golpes de todos os jogos da série, com o jogador, ao escolher um personagem, podendo escolher com qual de suas versões irá jogar - Demitri, por exemplo, tem três versões, a de Darkstalkers, a de Night Warriors e a de Darkstalkers 3, enquanto Donovan só tem duas, a de Night Warriors e a de Vampire Savior 2. Todos os finais, entretanto, são idênticos aos de Darkstalkers 3, não importando qual versão do personagem você escolha.
No ano seguinte, 2005, seria lançada uma coletânea para o Playstation 2, exclusivamente no Japão. Vampire: Darkstalkers Collection era uma reunião de cinco jogos: Vampire, Vampire Hunter, Vampire Hunter 2, Vampire Savior (a versão dos arcades) e Vampire Savior 2. Se o jogador cumprir certas condições ao terminar os jogos, poderia ainda liberar "Arranged Versions" dos jogos Vampire Savior, Vampire Hunter 2 e Vampire Savior 2, que traziam personagens extras - a versão Arranged de Vampire Savior 2, por exemplo, é igual à versão Playstation/Saturn de Darkstalkers 3 - e um novo personagem secreto, Dee, uma versão maligna e com amnésia de Donovan.
Nesse ano de 2013 seria lançada mais uma coletânea e mais recente título da série, Darkstalkers Resurrection (Vampire Resurrection no Japão), para Playstation 3 e Xbox 360. Essa coletânea é uma reunião de Night Warriors e Darkstalkers 3, que conta com novos gráficos em alta definição e widescreen, músicas remasterizadas, um modo para jogar online e vários itens, como arte exclusiva, que podem ser liberados de acordo com o desempenho do jogador. A característica mais bizarra do jogo, porém, é o spectator mode, no qual o jogador joga como se estivesse em frente a uma máquina de arcades, com o gabinete e parte dos botões aparecendo na tela da TV.
Darkstalkers ainda é um jogo bastante popular; apesar disso, as tentativas de sua equipe em produzir um quarto jogo para a série têm sido infrutíferas. Desde 2010, o produtor Yoshinori Ono tenta convencer a Capcom a deixá-lo produzir um quarto Darkstalkers, mas sempre ouve desculpas do tipo "somente quando um milhão de fãs pedirem" ou "somente se você provar que teremos retorno". Ono tentou até mesmo usar o sucesso do relançamento da franquia Street Fighter, que começou com Street Fighter IV, como argumento de que um relançamento de Darkstalkers seria igualmente bem sucedido, mas o máximo que conseguiu foi autorização para produzir e lançar Darkstalkers Resurrection. As baixas vendas da coletânea deram ainda mais munição para a Capcom em suas negativas de um título inédito.
Enquanto esperam por seu novo título, que aparentemente nunca virá, os Darkstalkers - especialmente Morrigan e Felicia - fazem participações em jogos da Capcom que contem com personagens de mais de um universo, como SNK vs Capcom e Marvel vs Capcom 3.
Gostei muito deste texto, entro em seu blog e admiro a forma que você escreve. Darkstalkers é meu jogo de luta favorito, por lembrar muito a minha infância.
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