Enfim, como sempre, digressiono. O que eu queria dizer é que eu até reconheço que alguns são bem ingênuos, alguns são meio mal feitos, mas todos têm um charme da novidade, aquela sensação de que ninguém parecia saber ao certo o que estava fazendo, que eu acho muito legal. E alguns poucos, além de ter esse cheiro de carro novo, conseguiram ser tão sensacionais que estabeleceram novos parâmetros para o que viria a seguir, definindo como seria a própria ficção científica, proeza que não se pode ignorar em qualquer obra. Dentre esses está o tema do post de hoje, um dos meus filmes preferidos, mas que infelizmente pouca gente conhece. Planeta Proibido.
Planeta Proibido foi o primeiro filme a trazer humanos viajando pelo espaço em uma nave construída por eles mesmos, e o primeiro a ser totalmente ambientado em um planeta alienígena. Lançado em 1o de abril de 1956, foi dirigido por Fred M. Wilcox (que, acreditem ou não, era conhecido na época por ter dirigido dois filmes da Lassie) e teve roteiro de Cyril Hume (conhecido na época por ter escrito dois filmes do Tarzan).
Quando Wilcox foi apresentado ao projeto, entretanto, o roteiro original era de Irving Block e Allen Adler, roteiristas do teatro que o haviam escrito baseados em uma peça de William Shakespeare, A Tempestade. Hume manteve algumas das analogias entre o enredo do filme e o da peça criados por Block e Adler, bem como a maior parte do desenvolvimento; o roteiro original, porém, trazia algumas diferenças curiosas - era ambientado em 1976 e no planeta Mercúrio, por exemplo - e contava com um final feliz que Hume achou não combinar com um filme de ficção científica. Além disso, o nome que Block e Adler criaram para o filme foi Fatal Planet; Hume o mudaria para Forbidden Planet por acreditar que esse nome teria mais apelo comercial.
Planeta Proibido é ambientado no início do século XXIII, e acompanha a tripulação do Cruzador dos Planetas Unidos C57-D em uma jornada até o planeta Altair IV, a dezesseis anos-luz da Terra. Liderada pelo comandante John J. Adams (Leslie Nielsen, que, diferentemente do que muitos acreditam, nem sempre fez comédia), a tripulação conta com o piloto Jerry Farman (Jack Kelly), o médico Doc Ostrow (Warren Stevens), o engenheiro Quinn (Richard Anderson), o contramestre Steve (George Wallace), o cozinhheiro Cookie (Earl Holliman) e doze outros membros com variados graus de destaque e participação. Sua missão é descobrir o que aconteceu com a Bellerophon, uma nave enviada pela Terra para Altair IV vinte anos antes, com o propósito de estabelecer uma colônia naquele planeta, e com a qual os Planetas Unidos perderam todo o contato.
Ao chegar a Altair IV, o C57-D consegue contato via rádio com o Dr. Edward Morbius (Walter Pidgeon), cientista da Bellerophon, que insiste que não há nada de errado no planeta e reluta em deixar a nave pousar. Como Adams não aceita não como resposta, ele acaba aceitando a contragosto, e lhe envia coordenadas para um local de pouso, no qual alguns membros da tripulação são recebidos por Robby, o Robô, e levados em um carro futurista até a residência de Morbius. Lá, Adams, Farman e Ostrow aprendem através de Morbius que uma força hostil matou todos os integrantes da tripulação da Bellerophon e vaporizou a nave, só restando o cientista, sua esposa - que, segundo ele, faleceria depois, de causas naturais - e sua filha, Altaira (Anne Francis). Morbius diz não saber por que a força não os matou também, mas que eles vieram a aprender a amar a vida em Altair IV e não desejam partir. Mais que isso, ele tem certeza de que a força hostil matará também os tripulantes do C57-D, que devem partir imediatamente. Altaira, porém, parece não compartilhar das opiniões do pai, deseja aprender mais sobre as relações humanas - não descartando a ideia de voltar para a Terra com o C57-D - e até chega a se apaixonar por Farman.
Adams não leva os conselhos do Dr. Morbius a sério, e decide passar a noite no planeta, para tentar convencer o cientista a partir no dia seguinte. Durante a noite, entretanto, um equipamento vital do C57-D é sabotado, sem que os sentinelas tenham visto qualquer um se aproximar da nave. Ao interrogar e pressionar Morbius sobre os eventos, ele acaba revelando que, quando a Bellerophon chegou ao planeta, descobiru que, há muitos anos, ele havia sido habitado por uma civilização hoje extinta, os Krell, que deixaram para trás grande parte de sua tecnologia, incluindo Robby, que o cientista adaptou para ser uma espécie de mordomo/empregado/secretário. Morbius não deseja partir justamente porque está estudando a ciência dos Krell, e a força misteriosa que matou os integrantes da Bellerophon e agora ameaça a do C57-D parece estar tentando proteger essa ciência, embora isso não explique por que Morbius e Altaira são imunes a ela - fato que Adams se torna disposto a descobrir.
Produzido pela MGM, Planeta Proibido foi totalmente filmado em estúdio, com as paisagens de Altair IV sendo criadas com efeitos visuais, pinturas e objetos de cena. Além de uma maquete do C57-D, para as cenas no espaço e de pouso, foi construída uma versão em madeira com 51 metros de diâmetro, para que as cenas dos tripulantes próximos a ele fossem as mais realísticas possível. Somente o cenário do C57-D pousado em Altair IV, com a pintura de um céu ao fundo e areia e pedras para compor o chão desértico ocupou um estúdio inteiro. Para aproveitar o trabalho, a MGM reutilizaria esse cenário e as maquetes do C57-D em vários episódios da série Além da Imaginação.
O mais caro item de todo o filme foi Robby, o Robô. Operado por Frankie Darro e dublado por Marvin Miller, Robby teria um mecanismo em sua cabeça que se movia ininterruptamente, além de luzes e painéis móveis incomuns para a época, mesmo em filmes de ficção científica. No total, Robby custaria 125 mil dólares, um absurdo para a época. Assim como Robby e a maquete do C57-D, o carro futurista pilotado pelo robô e um guindaste usado pela tripulação da nave também seriam criados em tamanho real e especificamente para o filme.
Os efeitos especiais do filme ficariam a cargo de Joshua Meador, "emprestado" pela Disney para a MGM. A maior parte dos efeitos são simplesmente animações incorporadas ao filme, mas Meador conseguiu desenvolver uma técnica com a qual o espectador raramente nota que está diante de desenhos animados. Efeitos comuns da época, como maquetes e sobreposição de imagens, também seriam largamente utilizados. Planeta Proibido também entraria para a história como o primeiro filme a ter uma trilha sonora inteiramente composta de músicas eletrônicas, criada por Louis e Bebe Barron, DJs que o produtor Dore Schary conheceria por acaso ao frequentar um clube noturno durante uma visita de Natal que fazia à sua família em Nova Iorque. Além do pioneirismo, a escolha pela trilha eletrônica acabou ocorrendo porque o orçamento do filme já estava estratosférico, e, não pertencendo os Barrons à Film Industry Music Guild - espécie de sindicato dos compositores de trilhas sonoras - os produtores poderiam negociar com eles valores fora da tabela e não precisariam pagar taxas pelo uso das músicas. O efeito colateral foi que a trilha do filme não pôde ser indicada para nenhum prêmio, o que, por conseguinte, fez com que a MGM desistisse de lançar um álbum com a trilha sonora, mesmo após o sucesso do filme. Somente em 1976, quando o filme comemoraria 20 anos de lançamento, é que os Barrons lançariam sua trilha sonora, através de uma gravadora independente.
Quando de seu lançamento, Planeta Proibido seria um imenso sucesso - apesar do orçamento absurdo para a época, de 4,9 milhões de dólares, o filme renderia 23,5 milhões apenas nos Estados Unidos, além de ser ovacionado pela crítica. Em 1972 ele seria relançado editado, com seis minutos a menos, para que fosse considerado Livre e pudesse passar em matinês. Praticamente desde seu lançamento original, o filme é considerado um marco da ficção científica tendo inspirado e influenciado diversas outras obras do gênero - até mesmo Gene Roddenberry diria em uma entrevista que Planeta Proibido foi uma de suas principais inspirações quando decidiu criar Jornada nas Estrelas.
Apesar da coragem do Comandante Adams, do intelecto do Dr. Morbius e da beleza de Altaira, o personagem mais carismático, popular e simbólico do filme acabaria sendo Robby. Primeiro robô do cinema com personalidade - até então eles eram apenas latas com rodas e braços que se operavam sozinhas - e primeiro a ser efetivamente um personagem, ao invés de figurante ou elemento de cenário, Robby se beneficiaria de uma bem bolada campanha de marketing: nem Darro, nem Miller seriam creditados no filme, mas "Robby the Robot", sim, como se ele realmente fosse um robô e realmente estivesse atuando ali. A aparência humanoide - criada por Robert Kinoshita, que mais tarde também criaria o robô de Perdidos no Espaço - de Robby também contribuiria para seu sucesso, já que a plateia podia vê-lo como parte do elenco, e não como um objeto. Robby receberia os espectadores durante a pré-estreia do filme, no Teatro Chinês de Hollywod, e até chegaria a ter uma carreira própria, estrelando vários filmes nos anos seguintes.
O mais famoso filme com a participação de Robby é The Invisible Boy, de 1957. Dirigido por Herman Hoffmann e filmado em preto e branco, o filme conta a história de Timmie Merinoe (Richard Eyer), menino tímido que não tem amigos. Um dia, misteriosamente, Timmie é investido de uma inteligência fora do normal, e a usa para remontar um robô (Robby), que seu pai, um cientista, iria descartar - o filme deixa subentendido que Robby é o mesmo robô de Planeta Proibido, que teria vindo parar em 1957 após uma viagem acidental no tempo, sendo desmontado pelo pai de Timmie. Com a ajuda de um supercomputador, Robby realiza o desejo de Timmie e o deixa invisível. A princípio, Timmie usa sua invisibilidade para pregar pequenas peças nos conhecidos, mas, conforme se dá conta do que sua habilidade representa, começa a usá-la para cometer crimes. Enquanto isso, Robby e o supercomputador planejam dominar o mundo, controlando um satélite militar. O filme fez um sucesso moderado, e não se tornou muito conhecido.
Robby, entretanto, seguiu em sua carreira. Em 1958 ele faria sua estreia na TV, em um episódio da série policial The Thin Man. Até 1979, ele ainda participaria de episódios das séries A Família Addams, O Agente de U.N.C.L.E., Perdidos no Espaço, Os Monkees, Columbo, Hollywood Boulevard, Ark II, Projeto UFO, Mulher Maravilha e Mork & Mindy, além de em três episódios de Além da Imaginação. Depois disso ele ainda faria participações especiais em filmes, como Gremlins, Cherry 2000 e Os Looney Tunes de Volta à Ação. Sua ultima participação foi em um comercial de TV da operadora de telefonia AT&T, ao lado de outros robôs famosos como o computador WOPR (de Jogos de Guerra), o carro KITT (de A Super Máquina) e a faxineira Rosie, dos Jetsons.
Na onda de remakes que atualmente assola Hollywood, é até de se estranhar que ninguém tenha resolvido refilmar Planeta Proibido. Na verdade, a ideia até surgiu: em meados de 2005, a New Line Cinema adquiriu os direitos para refilmagem, e chegou a anunciar James Cameron como seu diretor. Em 2007, os direitos passaram para a Dreamworks, que anunciou David Twohy (de Eclipse Mortal) na direção. No ano seguinte, foi a vez de a Warner adquirir os direitos, e contratar J. Michael Straczynski (de Babylon 5) para escrever o roteiro. Straczynski chegou a anunciar que o filme "não seria um remake, nem uma re-imaginação, e nem exatamente uma prequência", seja lá o que isso quis dizer. Straczynski se reuniu com astrofísicos, exogeólogos e especialistas em inteligência artificial, e até anunciou que seu filme seria o primeiro de uma trilogia. Em 2011, entretanto, o projeto foi engavetado, e atualmente não há planos para que ele entre em produção.
Para terminar, vale citar que Planeta Proibido também deu origem a um musical, Return to the Forbidden Planet, em cartaz na Inglaterra em 1989, 1990, entre 1999 e 2002 e em 2006, e nos Estados Unidos em 1991 e 1992 - na versão norte-americana, o narrador era James Doohan, o Scotty de Jornada nas Estrelas, enquanto na mais recente versão britânica, o narrador era Brian May, guitarrista do Queen. Usando canções famosas dos anos 1950 e 1960 (como Johnny B. Goode e Gloria), o musical segue mais ou menos o mesmo enredo do filme, mas é ambientado principalmente dentro da nave, e muda o nome de alguns personagens: o comandante de nave é o Capitão Tempest (em referência à peça de Shakespeare), o cientista é o Dr. Prospero, e sua filha se chama Miranda. Mas a modificação mais violenta é que o musical não tem Robby, e sim uma robô feminina chamada Ariel.
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