segunda-feira, 23 de abril de 2012

Escrito por em 23.4.12 com 0 comentários

O Horror no Museu (II)

Hoje veremos mais oito histórias presentes no livro The Horror in the Museum and Other Revisions, dedicado a histórias nas quais Lovecraft atuou como revisor ou ghost writer. As oito de hoje estão presentes nas três edições do livro, e aparecem aqui na ordem em que foram publicadas na Primeira Edição, de 1970. Como nenhuma delas, até onde eu saiba, jamais foi publicada oficialmente em língua portuguesa, em negrito teremos o título original de cada uma, seguido de uma tradução feita por mim entre parênteses. Vamos a elas:

The Horror in the Museum (O Horror no Museu) - A história que dá título ao livro é mais uma das que Lovecraft teria escrito como ghost writer para Hazel Heald. Em uma carta para E. Hoffman Price, ele diz que teria sido contratado para escrevê-la, mas não diz por quem, e que a sinopse apresentada por quem o contratou era tão pobre que ele decidira descartá-la e começar do zero, sendo o resultado final praticamente uma história sua.

A história é narrada em terceira pessoa, e tem como protagonista Stephen Jones, um homem um tanto versado em ocultismo, que, por indicações de amigos, decide visitar um museu de cera bastante peculiar: George Rogers, o responsável pelas esculturas, além de representações extremamente realísticas de celebridades, faz também cenas de horror e monstros que parecem saídos diretamente de pesadelos - ou de obras como o Necronomicon. Curioso quanto às esculturas, Jones faz amizade com Rogers, que lhe mostra sua oficina e lhe conta histórias que vão ficando cada vez mais fantásticas conforme a amizade dos dois se fortalece, culminando com a revelação de que as esculturas não seriam meras representações, mas criaturas reais embalsamadas.

Jones, evidentemente, não acredita, e começa a achar que o amigo está louco. Rogers percebe e se ofende, e, para provar que fala a verdade, lhe revela um terrível segredo: ele teria, durante uma expedição ao Alasca, capturado uma criatura ancestral que os nativos viam como divindade. Essa criatura, chamada Rhan-Tegoth, agora estava presa em seu porão, e, conforme Rogers lhe fazia sacrifícios, seu poder aumentava. Chegaria o dia em que a criatura estaria tão poderosa, e tão grata, que dominaria o mundo, fazendo de Rogers seu sumo-sacerdote. Ele chega até a mostrar uma foto da criatura a Jones, mas este acha que se trata apenas de mais uma escultura de cera, e que Rogers está mesmo irremediavelmente louco.

Rogers, então, desafia Jones a passar uma noite no museu trancado lá dentro com as esculturas após todos terem ido embora. Se as criaturas forem mesmo apenas de cera, e não houver deus ancestral nenhum no porão, nenhum mal acontecerá a ele, e restará provado que é tudo fruto da imaginação do artista. Jones aceita, esperançoso de que, uma vez provado que tudo não passa de cera, o amigo aceite procurar tratamento médico. Como essa é uma história de Lovecraft, será uma noite que Jones jamais esquecerá.

Se Lovecraft realmente estava escrevendo como ghost writer, não fez esforço nenhum para ocultar que ele era o verdadeiro autor: praticamente todas as esculturas monstruosas são de criaturas que podem ser encontradas em suas outras histórias, referências a suas obras abundam, e até mesmo Cthulhu é uma espécie de personagem proeminente, com sua escultura sendo citada diversas vezes. De fato, apesar de ser, para todos os efeitos, uma história de Hazel Heald, The Horror in the Museum é uma das mais importantes obras do cânone lovecraftiano, e sem dúvida foi por isso que ela foi escolhida para dar nome a este livro.

Curiosamente, alguns veem a história como uma paródia, como se Lovecraft tentasse fazer graça de sua própria obra, e até alegam que Rhan-Tegoth seria, na verdade, o próprio Cthulhu. Eu, pessoalmente, vejo esse posicionamento como absurdo, e fico com os que acham que Lovecraft se aproveitou de ter sido contratado para escrever uma história que a princípio não lhe agradaria para distorcê-la e escrever uma de suas próprias histórias - algo que ele, inclusive, já havia feito pelo menos uma vez, como veremos na próxima parte desse post.

Ninguém sabe ao certo quando The Horror in the Museum foi escrita, mas, de acordo com as anotações de Lovecraft, suspeita-se que foi em outubro de 1932. Sua primeira publicação foi em julho de 1933 na Weird Tales, creditada apenas a Heald.

Out of the Aeons (Vindo da Eternidade) - Sem dúvida a melhor das histórias que Lovecraft escreveu para Heald, Out of the Aeons é narrada por Richard H. Johnson, recém-falecido curador do Museu Cabot de Arqueologia, localizado na cidade de Boston - uma anotação antes de a história realmente começar diz que ela seria um manuscrito encontrado dentre seus pertences. Nela, Johnson conta como uma múmia ancestral, encontrada por acidente pela tripulação de um navio que singrava o Oceano Pacífico numa ilha que não deveria estar lá, foi parar no museu; toda a histeria resultante de uma associação feita pelos tabloides locais da aparência da múmia com uma lenda descrita no livro Unaussprechlichen Kulten de von Junzt; e um acontecimento bizarro e horripilante, do qual todos os envolvidos juraram guardar segredo até o fim de suas vidas, registrado por Johnson no manuscrito para que só viesse a público após sua morte.

Segundo as cartas de Lovecraft a seus amigos, a história seria totalmente dele, tendo apenas a ideia da múmia vindo de Heald. Escrita em agosto de 1933, a história seria publicada pela primeira vez na Weird Tales de abril de 1935, como de costume, creditada apenas a Heald, que, respondendo a uma carta de um leitor, diria que a história teve "um dedo" de Lovecraft. Revoltado, ele escreveria à revista as seguintes palavras: "Em relação a Out of the Aeons, devo dizer que realmente ela possui um dedo meu: eu escrevi a maldita história".

Out of the Aeons é considerada uma das melhores histórias escritas por Lovecraft, conseguindo unir o clima de sua fase dunsaniana do início da carreira à atmosfera de sua fase de deuses ancestrais de seu final. Além da referência ao livro de von Junzt, criado por seu amigo Robert E. Howard e presente em várias de suas obras, a história também fala da terra de Mu, lugar muito visitado por diversos escritores de ficção científica da época, menciona vários deuses da cosmologia lovecraftiana, como Shub-Niggurath e Yig - inclusive acrescentando mais um, Ghatanothoa - e conta com uma aparição especial dentre os visitantes do museu: Swami Chandraputra, de Através dos Portais da Chave de Prata.

The Diary of Alonzo Typer (O Diário de Alonzo Typer) - William Lumley, xará do famoso general britânico, era um jovem escritor amigo de Lovecraft. Em outubro de 1935, ele mostrou a Lovecraft um rascunho de uma história de horror que estava criando. Lovecraft achou o rascunho terrivelmente ruim - usaria o termo "semi-analfabeto" em uma de suas correspondências - mas gostou da ideia central, decidindo ele mesmo escrever a história para Lumley, como fazia para aqueles que o contratavam como ghost writer. Lovecraft tentaria manter o máximo de criações de Lumley na história - como as referências à cidade de Yian-Ho - mas muito pouco do rascunho sobreviveria na versão final.

A história é dividida em duas partes: a primeira é um relato de onde e em quais circunstâncias o diário foi encontrado; a segunda é o diário em si, "na íntegra e sem comentários", conforme o prefácio. Alonzo Typer, o autor do diário, era um pesquisador de assuntos relacionados ao ocultismo, que decidiu visitar uma famosa casa abandonada ao norte do Estado de Nova Iorque. Tendo pertencido a uma família de imigrantes holandeses, essa casa era temida pela população local, em sua maioria indígena, e se encontrava deserta e em estado de decrepitude há mais de trinta anos, desde que toda a família desapareceu em circunstâncias misteriosas. Typer, atualmente também desaparecido, decide investigar essas circunstâncias, e o diário é o relato do que ele encontrou durante um mês no qual morou na casa.

The Diary of Alonzo Typer é uma típica história de Lovecraft, com temas recorrentes como os imigrantes praticantes de feitiçaria, os nativos temerosos de entidades ancestrais e o famoso conhecimento proibido que, uma vez descoberto, muda para sempre a vida de quem o descobriu. Não costuma ser considerada uma das melhores, e seu final é tido como absurdo - final que Lovecraft admitiria ser de sua autoria, não constando do rascunho de Lumley.

Lovecraft não cobraria um centavo por ter escrito a história, dizendo a Lumley que ela era um incentivo para que ele melhorasse sua escrita. Talvez de forma um tanto anti-ética, assim que Lovecraft entregou a versão final da história a Lumley ele a ofereceu à Weird Tales, que a comprou por 70 dólares, mesmo valor que costumava pagar a Lovecraft por suas histórias. Ela seria separada para publicação no início de 1936, mas, por razões desconhecidas, a revista adiaria várias vezes sua publicação, o que faria com que ela só fosse publicada pela primeira vez quase um ano após a morte de Lovecraft, na edição de fevereiro de 1938 - e creditada apenas a Lumley.

The Horror in the Burying-Ground (O Horror no Cemitério) - Última das histórias que Lovecraft teria escrito para Hazel Heald, The Horror in the Burying-Ground jamais é citada por ele em nenhuma de suas correspondências, e através de suas poucas anotações sobre ela é impossível determinar quando ela teria sido escrita ou quanto do texto seria de sua autoria. Para aumentar o mistério, ela só seria publicada depois de sua morte, em maio de 1937, pela Weird Tales, e creditada apenas a Heald.

A história é narrada em um estranho formato no qual um visitante passando pela cidade de Stillwater - porque a auto-estrada para Rutland está fechada, senão, aparentemente, ninguém mais passa por lá - ouve de diversos moradores uma história de horror acontecida décadas antes, envolvendo a jovem Sophie Sprague, seu irmão briguento Tom, e o coveiro da cidade, Henry Thorndike, apaixonado por ela e desafeto de Tom. Aparentemente, Thorndike consegue desenvolver um soro que, quando injetado em um ser vivo, faz com que ele fique idêntico a um cadáver, mas ainda vivo, acordando algumas horas depois. Ele aparentemente usaria esse soro para enterrar Tom vivo, mas algo sairia errado durante o plano. Desde então, Sophie nunca mais sairia de casa, todos os que se lembram do acontecido tremeriam em lembrá-lo - mas não o suficiente para não querer contar a história a estranhos, ao que parece - e ninguém mais visitaria Stillwater, que entraria em decadência.

A falta de anotações do próprio Lovecraft sobre a história torna difícil descobrir mais detalhes sobre sua concepção, como por exemplo se Heald o teria pedido especificamente pelo desenrolar do enredo, ou se ele teria optado por fazê-la a partir de uma sinopse mais geral. Também não se sabe por que toda e qualquer referência ao relacionamento de Lovecraft e Heald cessaria a partir de 1934 - ela nunca mais o contrataria, e ele jamais a mencionaria novamente.

The Horror in the Burying-Ground traz diversos nomes que Lovecraft já tinha utilizado em outras de suas histórias, como Akeley (Um Sussurro nas Trevas), Zenas (A Cor que Caiu do Céu) e Atwood (Nas Montanhas da Loucura), o que faz com que, mais uma vez, alguns acreditem que Lovecraft estava escrevendo uma paródia de sua própria obra - alguns, inclusive, identificam traços de humor na narrativa. Ok, eu até consigo ver também, mas continuo achando que essa teoria das paródias é muito estranha.



The Last Test (O Último Teste) - O jovem Dr. Alfred Clarendon é um médico dedicado a encontrar a cura para todas as febres que assolam a humanidade. Graças a seu amigo de infância James Dalton, agora governador da Califórnia, Clarenton é empossado médico-chefe da penitenciária de San Quentin, cargo de prestígio que lhe renderá o dinheiro suficiente para sua pesquisa. Quando um surto da Febre Negra, doença exótica e até então desconhecida, irrompe na penitenciária, o Dr. Clarendon tem a oportunidade perfeita para trabalhar em sua fórmula, já que não se conhece cura para essa doença. Seus detratores, entretanto, o acusam de inocular os pacientes com a febre de propósito, e de, pior ainda, não administrar medicamentos que poderiam amenizar seu sofrimento, usando-os como cobaias para sua pesquisa.

A pior parte é que eles não estão de todo errados: antes de retornar a São Francisco e ser indicado para o cargo, Clarendon vagou por lugares ancestrais e esquecidos do mundo, dos quais retornou com uma escolta de monges tibetanos liderados pelo misterioso Surama, um homem de aparência esquelética que se tornaria seu assistente e confidente. Temerosa pela sanidade do médico, e incapaz de vê-lo cada vez mais ligado a Surama, sua irmã Georgina, por quem Dalton é apaixonado desde a adolescência, implora que o amigo intervenha.

The Last Test é uma revisão de uma história escrita por Adolphe de Castro, A Sacrifice to Science ("um sacrifício pela ciência"), originalmente publicada no livro de contos In the Confessional and the Following, publicado em 1893. De Castro já era um autor de renome, com vários contos e livros publicados, quando começou a se corresponder com Lovecraft, por volta de 1927. Apesar de todo o respeito ao amigo, Lovecraft considerava suas histórias monótonas e insossas. No final de 1927, de Castro o pediria, então, para "revisar" - na verdade, reescrever - uma de suas histórias, acabando com a monotonia. Lovecraft escolheria A Sacrifice to Science.

A história de de Castro não tinha nada de sobrenatural, sendo apenas um melodrama arrastado sobre um médico que busca a cura para um novo tipo de febre, e que, incapaz de conseguir novas cobaias após ganhar má fama por ser considerado um homem que se importa mais com a ciência que com os seres humanos, tenta convencer sua própria irmã a fazer um sacrifício pela ciência e ser inoculada com a nova febre. Lovecraft manteve o cenário, os personagens - embora tenha mudado os nomes - e a ideia central, mas fez a história mais a seu estilo, incluindo seus já famosos temas do conhecimento proibido e dos deuses ancestrais - por exemplo, o assistente do médico no original era uma pessoa comum e um personagem completamente apagado, enquanto o Surama de Lovecraft vem de uma civilização antiquíssima, e é um dos personagens centrais da história. Há quem diga que Lovecraft não conseguiu se livrar totalmente da monotonia e da prolixidade que permeiam a história, mas todos concordam que ele criou motivações melhores para os personagens e um andamento mais lógico para a história. A história de Lovecraft, aliás, por mais arrasatada que seja, tem a metade do tamanho da de de Castro.

De Castro pagaria 16 dólares a Lovecraft pela revisão, mas receberia 175 da Weird Tales quando a oferecesse para publicação - mais que o dobro do que a revista costumava pagar a Lovecraft. A história ficaria quase um ano na gaveta, sendo publicada pela primeira vez na edição de novembro de 1928. Como de costume, creditada apenas a de Castro.

Como curiosidade, vale citar que The Last Test traz a primeira referência à entidade Sub-Niggurath, uma das mais famosas do panteão lovecraftiano. Lovecraft confessaria a amigos em suas cartas que incluiria referências ao seu cosmos nos diálogos de Clarendon "por pura diversão".

The Electric Executioner (O Executor Elétrico) - Ou Lovecraft não soube que Adolphe de Castro lhe pagou uma mixaria e recebeu uma fortuna por The Last Test, ou não se importou. Porque, em julho de 1929, quando de Castro lhe pediu que fizesse o mesmo com outra de suas histórias - The Automatic Executioner, originalmente publicada na revista The Wave em novembro de 1891, mas também presente em In the Confessional and the Following - ele aceitou. E recebeu os mesmos 16 dólares.

É bem verdade que Lovecraft se esforçou bem menos dessa vez, mexendo quase nada no enredo da história original, usando os mesmos nomes dos personagens, a mesma sequência de acontecimentos, e até mesmo mantendo uma reviravolta que de Castro havia criado para seu final, embora incluindo um pequeno detalhe que torna todo o episódio mais sobrenatural. Há quem justifique as poucas mudanças com o fato de que The Automatic Executioner é bem mais curta que A Sacrifice to Science, por volta de 8.000 palavras contra mais de 30.000. Mesmo assim, a revisão de Lovecraft é clara, pelo narrador sem nome, pelo discurso do antagonista e pelas citações a criaturas de sua cosmologia, como Cthulhu e Yog-Sototh, dessa vez com os nomes um pouco alterados para parecer que eles eram também deuses do panteão azteca. Lovecraft também alteraria substancialmente a aparência e o comportamento do antagonista da história - em cartas, diria que, para compor esse personagem, teria se inspirado em um alemão de comportamento estranho que conheceu em uma viagem de trem, entre Nova Iorque e Washington, pouco antes de começar a escrever a história.

O narrador de The Electric Executioner é um auditor de uma companhia de mineração, chamado ao México para ajudar na busca a um empregado de uma das minas, que teria sido pego roubando minério e fugido levando importantes documentos. Ele começa a viagem em um vagão de trem particular da companhia, mas problemas técnicos fazem com que ele tenha de fazer o trecho final da viagem em um trem comercial, durante a madrugada. Infelizmente para ele, na mesma cabine que ocupa viaja também um homem louco, que diz ter inventado um "executor elétrico", um capacete ligado a uma bateria bem mais eficiente para executar detentos condenados à morte que a cadeira elétrica, mas que teria sido desacreditado e rejeitado pelas autoridades dos Estados Unidos. Revoltado, o homem planeja usar o executor no narrador, para provar que funciona.

The Electric Executioner foi publicada pela primeira vez na Weird Tales, edição de agosto de 1930, creditada apenas a de Castro, que, novamente, receberia 175 dólares por ela. Ou dessa vez Lovecraft ficou sabendo, ou agora se importou, pois não revisaria mais nenhuma história de de Castro. Mas os dois continuariam se correspondendo, e aparentemente amigos, até meados de 1936.

The Curse of Yig (A Maldição de Yig) - Um narrador sem nome, estudioso de cobras e serpentes, visita um sanatório onde reside uma estranha criatura, meio homem, meio cobra. Curioso com a origem do monstro, ele ouve do médico-chefe uma assustadora história: tempos atrás, no Oklahoma, os índios cultuavam o deus-serpente Yig, que se vingava de quaisquer humanos que maltratassem seus filhos, as cobras, transformando-os em serpente após torturá-los. Um dia, um casal de pioneiros, recém-chegado à região, resolve se estabelecer por ali. Inadvertidamente, Audrey, a esposa, mata um ninho de cascavéis. Seu marido, Walker, que já tinha um medo irracional de cobras antes disso, fica desesperado ao saber da lenda de Yig. A vida do casal, a partir do incidente, se transforma em uma espiral de loucura, culminando em um desfecho surpreendente.

The Curse of Yig foi a primeira e mais curta de três histórias que Lovecraft escreveu como ghost writer para Zealia Bishop. Estudante de jornalismo e originalmente autora de histórias românticas, Bishop procurava um dinheiro extra para sustentar a si e a seu filho após seu divórcio, e soube que a Weird Tales estava pagando bem. Segundo ela, ela teria viajado até o sítio de sua irmã em Oklahoma, onde teria ouvido uma lenda sobre um casal de pioneiros atacado por cobras. Zealia, então, teria escrito a história, mas, não acostumada ao estilo, não teria tido segurança para oferecê-la à revista.

Através de Samuel Loveman, ela ficaria sabendo que Lovecraft revisava histórias de autores iniciantes que quisessem publicar para a Weird Tales, e o teria enviado a história, que ele teria elogiado bastante, e apenas feito algumas adequações. Ainda segundo ela, ela desejava retornar aos contos de romance, mas Lovecraft, acreditando que era melhor que ela escrevesse histórias de horror, teria tentado obrigá-la a prosseguir neste estilo, o que teria resultado no fim da parceria entre ambos após apenas três histórias.

Em uma carta para August Derleth, datada do final de 1929, Lovecraft apresenta uma outra versão, bem diferente: segundo ele, Bishop realmente o teria conhecido através de Loveman, e o teria contratado, por 17,50 dólares, para escrever uma história, da qual ela teria fornecido apenas a sinopse - um casal de pioneiros é atacado por cobras em sua casa, e a esposa enlouquece ao ver o marido ser morto. Segundo ele, não havia enredo, motivação, prólogo ou final para a história, apenas isso. Todo o resto - o deus Yig, as cenas no sanatório, e até o desfecho - teria sido de autoria de Lovecraft, que só teria usado de Bishop a sinopse e informações sobre o Oklahoma, que ela conhecia bem - e, ainda assim, Lovecraft não teria aproveitado quase nada do que Bishop lhe disse, tirando quase tudo o que precisava de livros sobre a região. Dada a natureza da história, e levando-se em conta que Lovecraft não costumava mentir, estudiosos concordam que The Curse of Yig é mesmo de autoria de Lovecraft, tendo Bishop apenas recebido o crédito.

The Curse of Yig foi escrita em meados de 1928, e publicada pela primeira vez na Weird Tales de novembro de 1929, creditada apenas a Zealia Brown Reed - nome de solteira de Bishop - que recebeu 45 dólares por ela.

Medusa's Coil (O Cacho da Medusa) - O tradicional narrador sem nome está viajando através do campo, tentando chegar à cidade de Cape Girardeau, quando anoitece. Em busca de abrigo, ele encontra uma antiga fazenda, aparentemente abandonada, e decide entrar no casarão. Lá, ele decobre que a casa, apesar de decrépita, não está abandonada, e que seu dono original, Antoine de Russy, ainda reside lá.

Quando o narrador pede para passar a noite na casa, e indaga por que de Russy ainda vive em um local tão abandonado, começa uma história dentro da história, com de Russy contando como seu filho, Denis, ao viajar para estudar na França, conheceu o artista Frank Marsh, natural de Nova Orleans, e a belíssima Marceline Bedard, francesa suposta sacerdotisa de um culto secreto. Denis se apaixona por Marceline e a leva para viver na fazenda do pai. Quando Frank decide voltar da Europa e pede para também se hospedar lá, começa um suposto triângulo amoroso, calcado no desejo de Frank de pintar um retrato de Marceline. Essa relação trará consequências perturbadoras, que se refletirão não somente nas vidas de Denis, Frank e Marceline, mas também de de Russy e até mesmo do narrador.

Medusa's Coil foi a segunda das três histórias que Lovecraft escreveu como ghost writer para Zealia Bishop. Em suas anotações, ele deixou bem identificados um esboço do enredo e uma "maneira narrativa" - uma sequência de eventos presentes na narrativa. Lovecraft também menciona um "rascunho original", que seria o texto enviado a ele por Bishop, mas que não teria sobrevivido.

Escrita em meados de 1930, a história é até hoje considerada uma das piores de Lovecraft, principalmente devido a um final controverso. Quando Bishop a ofereceu à Weird Tales, ela foi rejeitada. Bishop não a ofereceria mais a nenhuma revista, mas Lovecraft, em uma carta a Frank Belknap Long, discute a possibilidade de oferecê-la a outra revista, a Ghost Stories - embora não haja registros sobre se a história foi oferecida e novamente rejeitada ou se jamais chegou a ser oferecida.

Após a morte de Lovecraft, Derleth "revisaria" a história - praticamente reescrevendo-a, mas mantendo a mesma linha central e o mesmo final - e a ofereceria novamente à Weird Tales, que a publicaria em sua edição de janeiro de 1939, creditada apenas a "Z.B. Bishop". A versão "revisada" por Derleth continuaria sendo republicada como se fosse a original em livros e revistas - incluindo a primeira edição de The Horror in the Museum and Other Revisions. Somente em 1989, com o lançamento da segunda edição do livro, é que a história original de Lovecraft seria pela primeira vez publicada, passando a ser republicada no lugar da versão de Derleth desde então.

Série Lovecraft

O Horror no Museu - Parte 2

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