Aí, eu comecei a namorar a Cris. Incrivelmente, ela não somente era fã de jogos de tabuleiro como também tinha - justamente - um War e um Jogo da Vida. Diante disso, sopramos a poeira de nossas caixas e ressucitamos as sessões de jogatina com os amigos. O Jogo da Vida até que não jogamos muitas vezes não, mas era reconfortante saber que uma das diversões preferidas da minha infância estava novamente a meu alcance. Desde então, continuamos jogando, comprando novos jogos em parceria - cada um paga a metade - e até juntamos nossas coleções, o que, segundo alguns, é o primeiro passo para um casamento. E, finalmente, depois de tantos anos, eu tenho um Jogo da Vida na minha pilha. Que ainda não é maior que eu, mas está se esforçando.
Assim, para celebrar essa bela história, hoje é dia de Jogo da Vida no átomo.
Acreditem ou não, o Jogo da Vida é velho, muito velho. Ele foi o primeiro jogo de tabuleiro inventado pelo litógrafo Milton Bradley, que mais tarde abriria uma fábrica de jogos com seu nome. Sua primeira versão data de 1860, com o nome de The Checkered Game of Life ("o jogo quadriculado da vida"), e era bastante diferente da que conhecemos hoje: seu tabuleiro era semelhante a um tabuleiro de xadrez (daí o nome), com 64 casas alternadas entre "boas", "ruins" e "neutras". Os peões dos quatro jogadores possíveis começavam o jogo em um dos cantos do tabuleiro, chamado "infância", e caminhavam pelas casas até chegar ao outro canto, chamado "velhice feliz". O objetivo era evitar as casas "ruins", como "pobreza", "desgraça" e até "suicídio", e cair nas "boas", como "casamento", "fama" e "sucesso". Cada casa "boa" dava um valor em dinheiro (de mentira, incluído no jogo) para o jogador, e cada casa "ruim" subtraía um valor. Depois que todos os jogadores tivessem chegado na "velhice feliz", aquele que tivesse mais dinheiro seria consagrado o vencedor. É curioso notar que, para determinar quantas casas cada jogador andaria em sua vez de jogar, não era utilizados dados, associados a jogos de azar e malvistos na época, mas um pião especial de seis lados, chamado teetotum, girado pelos jogadores antes de cada jogada.
O Jogo da Vida moderno surgiu em 1960, quando, em comemoração aos 100 anos do jogo original, a Milton Bradley, então uma já famosa fábrica de jogos, lançou uma edição atualizada e com novo desenho, rebatizada simplesmente para The Game of Life. O tabuleiro, agora, era um extenso caminho, com diversas casas representando os acontecimentos da vida de uma pessoa. Os peões dos jogadores, até seis possíveis, eram carrinhos conversíveis, com espaço, inclusive, para se encaixar pininhos azuis e rosas que representavam os jogadores e suas famílias. O movimento era determinado por uma roleta, encaixada no meio do tabuleiro, com números de 1 a 10, e elementos como montanhas e prédios de plástico davam ao tabuleiro uma aparência tridimensional, alardeada como uma das principais inovações do jogo. Completavam a caixa notas de dinheiro, nos valores de 1.000, 5.000, 10.000, 20.000, 50.000 e 100.000; notas promissórias no valor de 20.000; apólices de seguros de vida e de automóvel; e certificados de ações.
No início do jogo, cada jogador escolhia um carrinho de uma cor, e encaixava nele um pino azul, se fosse menino, ou rosa, se fosse menina. Rodando a roleta, os carrinhos se locomoviam pelas casas do tabuleiro, obedecendo a algumas regras básicas: se caísse em uma casa amarela, o jogador era o brigado a fazer o determinado por ela, assim como se passasse por uma casa vermelha, mesmo que não caísse exatamente sobre ela. Se encontrasse uma casa dourada, deveria parar nela e obedecer ao que estava escrito, mesmo que o resultado da roleta permitisse que ele andasse mais. Já as casas brancas eram opcionais, e o jogador só fazia o que estivesse escrito nela se nela caísse e assim desejasse. Assim como no jogo original, as casas representavam vários acontecimentos da vida das pessoas, algumas rendendo dinheiro, outras obrigando a fazer pagamentos, e algumas afetando o desenrolar do jogo, como o Dia do Casamento, onde o jogador pegava um pininho de cor diferente do seu e colocava em seu carrinho ao lado do pininho que o representava. Quando todos tivessem chegado à casa final, quem tivesse mais dinheiro era o vencedor.
Apólices de seguro podiam ser compradas opcionalmente ao se cair em certas casas, e evitavam efeitos negativos de outras caso o jogador as possuísse. Ações permitiam que o jogador escolhesse um número quando as comprasse, e recebesse 1.000 do banco toda vez que um outro jogador tirasse esse número na roleta. E as notas promissórias eram usadas quando o jogador precisasse de mais dinheiro do que tinha, da seguinte forma: ele pegava com o banco uma ou mais promissórias, junto com 20.000. A qualquer momento que quisesse (e pudesse), ele poderia pagá-la, bastando, para isso, devolvê-la ao banco e pagar 20.000. Caso um jogador chegasse na última casa do tabuleiro com notas promissõrias em seu poder, porém, deveria descontar 25.000 de seu total em dinheiro para cada promissória.
Esta primeira versão do jogo foi relançada em 1963, com um novo tabuleiro que permitia duas regras extras: primeiro, após começar o jogo, cada jogador podia escolher entre dos caminhos, o da universidade ou o dos negócios. Escolhendo o caminho dos negócios, seu salário seria sempre de 5.000 a cada vez que seu carro passasse pelo dia do pagamento (a única opção disponível na versão de 1960); se escolhesse o caminho da universidade, porém, o jogador podia cair em uma casa com uma profissão, como médico, advogado, jornalista ou professor, e conseguir um salário entre 6.000 e 20.000, ou passar direto e obter um diploma universitário "genérico", com salário de 5.000 (a mesma coisa dos negócios). A outra mudança dizia respeito ao final do jogo: ao chegar à última casa, conhecida como Dia do Juízo, o jogador podia optar se aposentar ou tentar se tornar um magnata. Para se tornar um magnata, o jogador escolhia um número, e girava a roleta. Se saísse o número que ele escolheu, ele se tornaria um magnata, e automaticamente ganharia o jogo, não importando quanto dinheiro os demais tivessem ou onde eles estavam no tabuleiro; se não conseguisse, porém, ele iria à falência e perderia todo o seu dinheiro - e o jogo - instantaneamente. Se nenhum jogador conseguisse se tornar um magnata, depois que todos se aposentassem (ou fossem à falência) o dinheiro era contado (menos o de quem foi à falência) e o jogador com mais dinheiro era declarado vencedor.
Uma nova versão do Jogo da Vida, sem os elementos tridimensionais, com uma roleta que não era fixa no tabuleiro e com algumas mudanças nas regras seria lançada em 1978 - sendo esta a versão lançada pela Estrela no Brasil, que eu jogava quando pequeno e que a minha namorada tem até hoje. Além do fim das montanhas e prédios de plástico, as mudanças cosméticas incluíam a possibilidade de até oito jogadores (com a adição de mais dois carrinhos) e o aumento de todos os valores, talvez para representar a inflação - alguém que escolhesse o mundo dos negócios ganhava salário de 12.000, um jornalista, de 24.000, e um médico, de 50.000, por exemplo. O diploma genérico também passou a ser mais vantajoso, oferecendo salário de 16.000, e uma nova casa vermelha obrigava aos jogadores a comprar uma casa, por 40.000 - e por isso foi incluída também a apólice de seguro de casa, que funcionava da mesma maneira que as outras duas. As casas amarelas, vermelhas e brancas continuavam com as mesmas funções, mas as casas laranja (douradas) agora tinham a mesma função das amarelas, e os locais onde o jogador deveria parar mesmo que tirasse um número mais alto na roleta eram sinalizados com a palavra "pare". Eventos como o casamento e nascimento de filhos também valiam "presentes" dos outros jogadores, que deveriam pagar dinheiro a quem passasse por essas casas.
O jogo trazia, ainda, uma faixa colorida numerada de 1 a 10, utilzada em momentos específicos do jogo (por exemplo, a qualquer momento em que um jogador (exceto você) fosse girar a roleta, você poderia colocar até 24.000 sobre um número, e, se o jogador tirasse esse número, você ganharia do banco 10 vezes o que apostou, perdendo o dinheiro se o número não saísse) e os novos Cartões de Riqueza, que podiam ser de três tipos: Dividindo os Lucros (jogue quando um oponente parar em um espaço onde receba 16.000 ou mais; ele deverá dar a metade para você), Dividindo a Despesa (jogue quando você parar em um espaço onde teria de pagar ao banco 10.000 ou mais, e escolha um oponente que deverá pagar a metade) e Isenção (jogue quando um oponente jogar um dos outros dois cartões contra você; você não precisará dividir os lucros nem a despesa). Cada jogador recebe um Cartão no início do jogo e um a cada vez que parar exatamente sobre uma casa do Dia do Pagamento. Cada jogador só podia jogar um Cartão de cada vez, e dois ou mais jogadores não podiam jogar Cartões contra um mesmo oponente de uma vez só, devendo desempatar girando a roleta caso isso acontecesse.
Algumas casas do tabuleiro agora representavam o "Dia da Sorte", que funcionava da seguinte forma: toda vez que um jogador para em um Dia da Sorte, ele recebe duas notas de 10.000 do banco. Ele pode, então, guardar o dinheiro ou apostá-lo, colocando cada nota sobre um número da faixa e girando a roleta. Você perde os 20.000 de qualquer jeito, mas, se um dos números sair, você ganha 300.000. Nenhum outro jogador pode apostar na roleta quando você estiver apostando no Dia da Sorte. Outras casas do jogo eram marcadas como "Vingança", e davam a um jogador que parasse sobre ela o direito de exigir pagamento de 200.000 de um oponente (exceto um que já tivesse terminado o jogo), ou obrigá-lo a voltar 10 espaços no tabuleiro (obrigatório se ele não tivesse os 200.000), ignorando as instruções das casas. E o primeiro jogador a passar pela Ponte do Pedágio ganhava o direito de cobrar 24.000 de pedágio de cada um que passasse por ela depois dele.
A mecânica das ações foi alterada, ficando mais realista: agora algumas casas permitiam que um jogador "Jogasse na Bolsa", rodando a roleta e ganhando dinheiro ou tendo de pagar ao banco de acordo com o resultado. A das apólices continuou a mesma, mas agora era possível perder uma apólice ao se cair em uma determianda casa. A das promissórias também continuou a mesma, mas era proibido pegar promissórias para Jogar na Bolsa ou apostar no Dia da Sorte. Finalmente, o primeiro jogador a se tornar um milionário ganhava um bônus de 240.000 e tinha direito a escolher um número da sorte, com cada jogador que o tirasse na roleta desde então tendo que pagá-lo 24.000. A opção do magnata, porém, continuava existindo, o que significava que ser o primeiro a chegar ao fim do jogo não era garantia de vencê-lo.
Essa versão do Jogo da Vida foi relançada em 1985, mas as únicas mudanças foram no formato dos carrinhos, que deixaram de ser conversíveis e se transformaram em minivans, e na redução do número máximo de jogadores novamente para seis. Uma nova versão do jogo, porém, seria lançada em 1991, novamente com os elementos tridimensionais e com mais novidades nas regras, a principal delas as cartas LIFE. Toda vez que um jogador cai em uma casa marcada com o logotipo do jogo, ele tem o direito de pegar uma dessas cartas, mas não de ver seu texto. Cada carta LIFE traz uma certa realização do jogador, como escalar o monte Everest ou descobrir a cura para o resfriado, e um valor em dinheiro. Somente após todos os jogadores terminarem o jogo é que as cartas LIFE são reveladas, e seu valor adicionado à fortuna dos jogadores para se determinar o vencedor. Caso a pilha de cartas LIFE se esgote, a regra permite que os jogadores peguem cartas de outros jogadores ao parar nas casas marcadas com o logotipo, inclusive de jogadores que já tenham terminado o jogo.
As profissões disponíveis ao jogador agora também são representadas por cartas. Ao invés de negócios e universidade, os caminhos possíveis agora são carreira e universidade. Escolhendo carreira, o jogador sorteia uma carta de carreira, com sua profissão, e uma carta de salário, com o salário que receberá no Dia do Pagamento; escolhendo universidade, você já começa o jogo endividado, com duas promissórias, mas tem o direito de sortear três cartas de carreira e três de salário, e ficar com as que gostar mais (uma de cada), devolvendo as demais. Algumas cartas de carreira são exclusivas de quem escolhe a universidade, e, se forem sorteadas por quem escolheu carreira, devem ser reembaralhadas. Alguns dos espaços que obrigam o jogador a pagar alguma quantia ao banco também possuem um símbolo relacionado a uma carreira; se algum dos outros jogadores tiver aquela carreira, você deverá pagar a ele ao invés de ao banco. Algumas casas também permitem que o jogador troque de carreira ou de salário, algumas de forma opcional, outras obrigatoriamente. E o policial ainda tem uma habilidade especial: toda vez que outro jogador tirar um 10 na roleta, será multado por excesso de velocidade, e deverá lhe pagar 5.000.
A versão de 1991 também trouxe mudanças em algumas casas do tebuleiro, recompensando os jogadores por ações como ajudar desabrigados e proteger o meio ambiente. As cores das casas também foram alteradas: agora as casas laranja obrigam o jogador a fazer o que está escrito se ele parar nelas, as azuis são opcionais se o jogador parar nelas, os Dias do Pagamento são verdes e fazem com que o jogador receba o salário mesmo que passe direto, e as casas vermelhas obrigam o jogador a parar nelas, mesmo que tenha tirado um número maior, seguir suas instruções e então girar a roleta e andar novamente. Ninguém dá mais dinheiro aos outros jogadores em decorrência de eventos (como o casamento), não existe mais o Dia da Sorte, e, na hora de comprar a casa, esta deve ser sorteada, podendo variar em valor de um barraco de 40.000 a uma mansão vitoriana de 200.000. A apólice de seguro de vida foi removida, assim como os Cartões de Riqueza, e as regras das ações voltaram a ser as mesmas da versão de 1960, mas agora cada jogador paga 10.000 quando tira o número da sorte, impresso na carta de ação, de outro.
Finalmente, o Dia do Juízo virou a Aposentadoria. Quando um jogador chega a este espaço, ele pode se candidatar a milionário ou se aposentar. Quem se aposenta ganha uma carta LIFE, e não pode ter suas cartas LIFE roubadas por outros jogadores. No final do jogo, os jogadores que preferiram se candidatar a milionários contam seu dinheiro, e o que tiver mais ganha 4 cartas LIFE separadas previamente. Então, todos, mesmo os aposentados, revelam suas cartas LIFE e somam seu valor ao seu dinheiro, sendo vencedor o que tiver mais.
Essa versão de 1991 recebeu algumas mudanças ao longo do tempo, em três relançamentos: em 2000, na edição especial de quadragésimo aniversário, a única mudança foi na carreira do agente de viagens, que virou consultor de informática. Já a versão de 2005 foi mais radical: jogadores que escolhessem o caminho da universidade recebiam cinco promissórias (e ficavam devendo 100.000 ao banco, ao invés de 40.000), mas, em compensação, todas as carreiras, e não só o policial, tinham habilidades especiais - o vendedor de seguros, por exemplo, recebia 5.000 do banco toda vez que um jogador comprasse uma apólice ou uma ação. Além disso, uma das casas permitia que o jogador vendesse sua casa, e o valor das cartas LIFE foi reduzido, para que elas não fossem o fator principal na hora de se determinar o vencedor.
Nem todas essas mudanças foram bem recebidas pelos jogadores e, em 2007, uma nova versão, a mais recente, foi lançada para tentar remediar o mal feito. Nessa nova versão novamente apenas o policial tem habilidade especial, e os Cartões de Riqueza e Dias da Sorte foram reintroduzidos. Eu não tenho certeza porque nunca vi o jogo da Hasbro brasileira, mas imagino que ele seja baseado nessa versão.
Assim como todos os jogos da Hasbro, o Jogo da Vida pode ser encontrado em duas versões, a da Estrela, com seu nome em português e regras semelhantes à da versão de 1978, e a da Hasbro, chamado The Game of LIFE e, supostamente, com as regras mais recentes. O da Hasbro também pode ser encontrado em versões temáticas, como a dos Simpsons e a do Bob Esponja.
Este ano, a Estrela lançou uma nova versão, chamado Jogo da Vida Feliz, no qual ganha não o jogador que acumula mais dinheiro, mas o mais feliz. Para isso, os jogadores contam com fichas de felicidade, que podem ser ganhadas ou perdidas de acordo com as casas onde eles param. O Jogo da Vida Feliz também tem elementos, como cartas de namorado e de dilema, que influenciam na felicidade dos jogadores, mas sua essência é a mesma do Jogo da Vida normal, com os carrinhos e pininhos andando pelo caminho do tabuleiro e seguindo as instruções das casas.
Por ser mais baseado em sorte que em habilidade e seguir um caminho linear, o Jogo da Vida é considerado um jogo de crianças, não tendo muitos fãs dentre os adultos. Talvez por isso nós não o tenhamos jogado muito ultimamente. Mas valor afetivo é uma coisa que não se descarta assim de uma hora para outra, então eu e minha namorada ainda olhamos com bastante carinho para aqueles carrinhos, aquela roleta e aquela caixa um tanto baleada pelo uso que agora descansam na minha estante em meio a seus colegas mais lembrados na hora de se jogar uma partida.
o jogo da vida sempre foi um dos meus preferidos e eu nunca tive também. um das minhas frustrações de criança junto com o lego. War eu acabei ganhando e nunca joguei porque nunca tinha pessoas suficiente com quem jogar. É sempre bom ter com quem compartilhar essas coisas.
ResponderExcluirLego.. rapaz, também nunca tive hehe.
ResponderExcluirLego eu tive um monte. Playmobil também.
ResponderExcluirAcho que, se tivesse de eleger minha maior frustração da infância, seria nunca ter tido um Traço Mágico :)