Enfim, o primeiro anime que eu me lembro de ter gostado foi Zillion, que passava na Globo aos domingos. Algum tempo depois, vieram os Cavaleiros do Zodíaco, que trouxeram consigo uma nova onda de desenhos japoneses, e acho que somente aí eu fui definitivamente conquistado - nem tanto pelos que passavam na televisão, mas pelos que acabei vendo em convenções e eventos, como Lodoss e Miyu. Desde então, eu sempre lamento que os grandes clássicos da minha infância jamais tenham sido relançados, nem na TV, nem em DVD, nem em lugar algum.
Mas, como sempre, há de ter uma exceção. Existe um anime clássico, que passava quando eu era criança, mas que, diferentemente dos demais, não somente foi ressucitado na onda dos Cavaleiros como também foi lançado, completo, em DVD, o que felizmente me deu a oportunidade de assisti-lo por inteiro depois de velho, algo que eu jamais havia cogitado fazer quando pequeno. Este anime, pelo simples motivo de que eu gosto de fazer posts sobre anime, e já não faço um há algum tempo, é o tema do post de hoje. E se chama Speed Racer.
Além de ser um dos clássicos do gênero, Speed Racer é considerado por muitos o anime mais famoso do mundo - e talvez isso não seja nenhum exagero. Lançado na década de 1960, ele não somente abriu as portas do mercado norte-americano para as animações japonesas, como também ajudou a espalhá-las pelo mundo, já que a versão dublada em inglês acabou vendida para vários países - inclusive para o Brasil - como se fosse um desenho norte-americano qualquer. É graças a isso, aliás, que o conhecemos por seu nome "traduzido" - sim, "Speed Racer" foi o nome que deram a ele nos EUA, seu nome original no Japão era Mach Go Go Go.
Assim como vários anime de sucesso, Speed Racer (ou Mach Go Go Go, tanto faz) foi criado originalmente para ser um mangá, por um dos pioneiros da animação japonesa, Tatsuo Yoshida, fundador da Tatsunoko, um dos mais famosos estúdios de anime do Japão. Na época, Tatsuo já escrevia um outro mangá de sucesso sobre corridas de automóveis, chamado Pilot Ace, e acabou tendo a inspiração para um novo título após assistir a dois filmes norte-americanos que faziam muito sucesso no Japão de então, Amor a Toda Velocidade e 007 contra Goldfinger. Unindo o estilo e as roupas de Elvis Presley no primeiro filme a um carro cheio de armas secretas como o Aston Martin de James Bond, Tatsuo acabou criando não somente um novo mangá de corridas, mas também de espionagem, romance e comédia familiar, em uma mistura um tanto ousada para aqueles tempos.
Publicado entre junho de 1966 e maio de 1968, Mach Go Go Go contava as aventuras de Go Mifune - cujo nome não só era uma homenagem ao famoso ator japonês Toshiro Mifune, mas também fazia um trocadilho com a palavra go, "vai" em inglês; na versão traduzida, ele acabou virando Speed Racer, o "corredor veloz", mantendo o trocadilho mas descartando a homenagem - um jovem que sonha se tornar um corredor profissional, mas não conta com o apoio de seu pai, Daisuke Mifune (Pops Racer na versão norte-americana; "pops" é um termo carinhoso para pai, algo como "papi"), um ex-campeão mundial de luta livre, atualmente mecânico e projetista de motores, que acha que ele não está pronto para correr profissionalmente. Speed vê sua grande chance quando Pops pede demissão da fábrica de automóveis onde trabalhava, insatisfeito com sua decisão de não fabricarem um novo e revolucionário motor criado por ele, e decide fundar sua própria fábrica de motores, a Mifune Motors (Racer Motors na versão norte-americana). Para conseguir o dinheiro necessário para realizar o sonho de seu pai, Speed decide pedir ajuda ao seu amigo e também mecânico Sabu (ou Sparky, na versão norte-americana), e se inscrever, sem ninguém saber, em uma corrida, utilizando um carro-protótipo criado por Pops, o Mach 5.
Sem que Speed soubesse, porém, Pops escondera os planos secretos de seu novo motor no para-brisa do Mach 5 - que Speed e Sparky trocam antes da corrida. Sem saber da troca, uma organização criminosa que planeja roubar os planos ataca Speed durante a corrida, mas ele, usando de muita habilidade e inteligência, consegue derrotá-los. Depois disso, não há como ninguém dizer que Speed não está pronto para correr, e, enquanto seu pai trabalha nos novos carros da Racer Motors, ele se inscreve em novas e emocionantes corridas, sempre vivendo aventuras incríveis em cada uma delas.
Além de Speed, Pops e Sparky (e, evidentemente, dos vilóes), o mangá ainda contava com a participação do restante da família de Speed, que o acompanhava a cada corrida: seu irmão mais novo, Kurio Mifune (Spritle Racer em ingês, Gorducho na versão exibida no Brasil), que, acompanhado de seu chimpanzé de estimação, Sanpei (Chim-Chim nos EUA, Zequinha no Brasil), insiste em "ajudar" Speed nas corridas, sempre se metendo em muita confusão; sua namorada, Michi Shimura (Trixie na versão em inglês), filha do presidente de uma companhia de aviação, que acompanha as corridas em um helicóptero, dando dicas a Speed, e eventualmente serve como donzela em perigo para Speed salvar; e sua mãe, Aya Mifune (Mom Racer, a "Mamãe Racer", em inglês), que na verdade aparece pouco e pouco fala. Além desses, há um outro personagem recorrente, talvez tão famoso quanto Speed: o Corredor X (Fukumen Racer, o "corredor encapuzado", no original japonês, Racer X na versão em inglês). Misterioso, charmoso, destemido e evitado pelos outros corredores por ser associado a acidentes terríveis, o Corredor X parece não se importar com as vitórias ou os prêmios, se inscrevendo nas corridas por motivos que só ele mesmo conhece, e sempre utilizando uma máscara para que ninguém veja seu rosto. Na verdade, o Corredor X é Kenichi Mifune (Rex Racer nos Estados Unidos), irmão mais velho de Speed, que saiu de casa para nunca mais voltar após uma discussão com Pops, que o culpou por destruir um carro e arriscar sua vida em uma difícil corrida para a qual seu pai achava que ele não estava preparado mas ele se inscreveu mesmo assim. Após ganhar fama e fortuna correndo com outra identidade, Rex decidiu voltar para sua família, mas, ao ver que seu irmão corria perigo, decidiu correr junto a ele para protegê-lo, mantendo seu segredo por mais algum tempo. Sem saber disso, Speed vê o Corredor X como seu maior rival, e tem como sonho derrotá-lo em uma corrida limpa.
Sendo um mangá de corridas, em Mach Go Go Go os carros eram personagens tão importantes quanto as pessoas; por isso, Tatsuo se esforçou para fazer cada um deles tão único e interessante quanto possível. Os carros de cada vilão, por exemplo, refletiam suas personalidades, não só na aparência como nos acessórios que eles usavam a cada corrida. Desnecessário dizer, os dois carros mais famosos eram o do Corredor X, o Estrela Cadente (Shooting Star, tanto em inglês quanto em japonês), o mais moderno disponível, modificado pelo próprio Rex com algumas engenhocas de alta tecnologia, e o de Speed, o Mach 5, protótipo criado por seu pai, que também carregava alguns acessórios bizarros para que o piloto pudesse se defender dos vilões nas corridas, acionados por botões com as letras de A a G no volante. Dentre os acessõrios famosos do Mach 5 podemos citar o pneu que se troca sozinho, um teto a prova de balas, um dispositivo que faz o carro saltar, e um pássaro-robô usado para espionagem.
O nome Mach Go Go Go, apesar de soar meio estranho a nós ocidentais, era cheio de referências em japonês. Para começar, go, além de ser o primeiro nome do protagonista, e, como já foi dito, "vai" em inglês, também significa "cinco", o número, em japonês - portanto, o Mach 5, no Japão, é o Mach Go. Assim, o nome poderia ser traduzido para algo como "Mach 5, vai Go (Mifune)". Além disso, o próprio nome do carro pode ser visto como um trocadilho, já que Mach é uma unidade de medida de velocidade, e Mach 5 é exatamente o limite entre a velocidade supersônica e a hipersônica. E, como se isso já não fosse o suficiente, gogogo ainda é uma onomatopeia em japonês, usada para representar o barulho de um motor ligado. Ou seja, se Testuo não pensou em tudo isso ao batizar seu mangá, acabou topando com uma coincidência e tanto.
Contando histórias em arcos, o mangá de Speed Racer foi um grande sucesso, e logo Tatsuo decidiu transformá-lo em anime. Como o mangá continuaria vendendo, porém, ele optou por fazer histórias diferentes em cada um, como se um completasse o outro. Até aí, nada de mais. O curioso nesta história foi que, em busca de um novo sucesso para lançar nos Estados Unidos, e ciente da popularidade do mangá, a norte-americana Trans-Lux comprou os direitos do anime imediatamente após ele começar a ir ao ar, o que fez com que a versão norte-americana estreasse apenas cinco meses depois da japonesa, algo raríssimo na época.
O anime de Speed Racer seria exibido no Japão, pela TV Fuji, entre 2 de abril de 1967 e 31 de março de 1968, enquanto nos Estados Unidos ele seria exibido em syndication - por várias emissoras simultaneamente - entre 14 de setembro de 1967 e 2 de setembro de 1968, sem considerar as incontáveis reprises. Ao todo, o anime teve 51 episódios no Japão e 52 nos Estados Unidos, já que seu episódio de estreia, um especial de 45 minutos, foi dividido em duas partes pela Trans-Lux. A Trans-Lux, aliás, não simplesmente dublou os episódios, fazendo várias adaptações nos diálogos, e até mesmo editando alguns epísódios, mudando a ordem das cenas. Na maioria das vezes, isso era feito para que o desenho ficasse mais ao gosto do público norte-americano, ainda não acostumado ao ritmo próprio dos animes, mas algumas adaptações e edições acabaram ocorrendo porque a Trans-Lux se deparou com um problema inesperado: na hora de traduzir as falas, o diálogo em inglês ficava muito maior que o em japonês, tornando impossível a sincronia entre os lábios dos personagens e as vozes dubladas. Para piorar, muitas vezes estas falas não podiam ser editadas, pois eram cruciais para a compreensão do enredo. A solução encontrada pela Trans-Lux foi fazer com que os dubladores falassem bem rápido, tentando terminar suas falas antes que seus personagens parassem de mexer os lábios. Esta acabou se mostrando até uma boa solução, já que as falas velozes acabaram se tornando uma espécie de marca registrada de Speed Racer. Aliás, falando em dublagem, como não tinha orçamento para contratar um elenco inteiro de dubladores, a Trans-Lux teve de pedir que alguns deles dublassem mais de um personagem; curiosamente, os dois principais da série, Speed Racer e o Corredor X, acabaram ficando a cargo do mesmo dublador, Peter Fernandez, que também era o responsável pela edição dos episódios.
Mesmo com a edição, alguns episódios de Speed Racer se tornaram conhecidos por sua violência ou pela complexidade de seus enredos - fossem eles produzidos na América, jamais teriam sido feitos desta forma. Nos anos seguintes, este fato levou a um grande debate sobre quanto dos episódios originais japoneses teria sido "censurado" antes da exibição nos Estados Unidos, motivado pelo fato de que, há trinta e tantos anos, não era tão fácil para um norte-americano ter acesso a um episódio de um anime original em japonês. Este debate, de certa forma, contribuiu para aumentar ainda mais a popularidade do anime, que rapidamente começou a ser vendido pela Trans-Lux para outros países, onde era redublado para exibição local. Como Speed Racer também fazia sucesso nesses novos mercados, e a Trans-Lux não tinha lá muitos anime para comercializar com eles, muitas produtoras passaram a negociar diretamente com os estúdios japoneses, o que, por sua vez, ajudou a popularizar os anime, transformando-os em sucessos também fora do Japão - e em concorrentes dos cartoons norte-americanos, que até então reinavam absolutos.
Os anime possuíam, porém, uma espécie de desvantagem em relação aos desenhos norte-americanos: eram séries fechadas, com início, meio e fim. Enquanto um desenho como o dos Super Amigos contava com centenas de episódios, Speed Racer parou nos 52, e quem quisesse mais, que assistisse a uma reprise. Graças a isso, e às frequentes estreias de novos desenhos na TV americana, o interesse por Speed foi diminuindo, até ele se tornar apenas um desenho clássico da década de 1960.
Speed Racer só voltaria aos holofotes em 1985, com o lançamento de uma revista em quadrinhos norte-americana, pela NOW Comics. Com boas vendas, a revista teve teve quase 40 edições, e ainda gerou um spin-off, que trazia aventuras solo do Corredor X. Animada com esse sucesso, uma nova empresa, que decidiu se entitular Speed Racer Enterprises, comprou os episódios originais da Trans-Lux, e, após algumas modificações - todas as referências à Trans-Lux foram removidas, e nova arte foi criada para o título, créditos e nomes dos episódios - a ofereceu para os canais dos Estados Unidos. Apenas a Mtv, que imaginava conseguir ganhar algum dinheiro na onda da Invasão Anime que chegava aos Estados Unidos na época, se animou a comprá-los, e os exibiu em um horário não muito comum para desenhos, de segunda a sexta de manhã. Ainda assim, a audiência foi boa, o que despertou o interesse de mais canais pela série, e colocou Speed Racer mais uma vez em syndication, sendo exibido em mais de vinte canais de todos os Estados Unidos, até ir parar com exclusividade no Cartoon Network, e, mais tarde, em DVDs.
Na carona da ressurreição da série original, Speed Racer também ganhou uma nova série animada, The New Adventures of Speed Racer, produzida nos Estados Unidos pela Fred Wolf Films. Esta nova série, porém, não foi autorizada pela Tatsunoko, e, portanto, era pirata. De qualquer forma, ela não fez muito sucesso, e foi cancelada depois de apenas 13 episódios.
A Tatsunoko, contudo, deve ter percebido que talvez tivesse mercado para uma nova série de Speed, e começou ela mesma a produzir uma. Ao invés de uma continuação, porém, ela optou por um remake, com inclusive o mesmo nome, Mach Go Go Go. Esta "nova" série teria 24 episódios, exibidos no Japão pela TV Tokyo entre 9 de janeiro e 10 de setembro de 1997. Alguns anos depois, a DiC Entertainment comprou, editou e dublou a série, que começou a ser exibida nos Estados Unidos no canal Nickelodeon, com o nome de Speed Racer X, em 25 de agosto de 2002. A DiC, porém, foi processada pela Speed Racer Enterprises, que possuía exclusividade sobre os produtos de Speed no mercado norte-americano, e, por causa disso, Speed Racer X só teve seus primeiros onze episódios televisionados.
Apesar de ser um remake - ou talvez por causa disso - Speed Racer X possui algumas diferenças em relação à série original. Para começar, Speed se chama Go Hibiki, e não Mifune, o que, evidentemente, muda o nome da companhia para Hibiki Motors, e o do seu pai para Daisuke Hibiki. Sua mãe, além de um novo sobrenome, ganhou também um novo nome, Misuzu Hibiki. Trixie também tem um novo nome, Mai Kazami, e, ao invés de uma herdeira, é uma repórter que cobre as corridas de Speed e acaba se apaixonando por ele; e Gorducho, que agora se chama Wataru, é o irmão mais novo de Trixie, não de Speed. Finalmente, Rex não simplesmente sai de casa, ele é dado como morto em um terrível acidente, antes de ressurgir como o Corredor X. Fora isso, a temática é a mesma, com Speed se envolvendo com criminosos enquanto participa de incríveis corridas.
Speed passaria mais um tempo longe dos holofotes, até retornar em 2008, desta vez nas telas dos cinemas, não com um longa animado, mas com atores de carne e osso. Escrito e dirigido pelos Irmãos Wachowski, de Matrix, o filme é repleto de efeitos especiais, e não poupa esforços para reconstruir nas telas o mundo característico dos anime, com corridas ainda mais fantásticas, impossíveis na vida real. Graças a isso, ele teve um orçamento absurdo de 120 milhões de dólares, rendendo apenas 95 milhões em sua passagem pelos cinemas dos Estados Unidos. Além do fracasso nas bilheterias, o filme também foi um fracasso de crítica, com os principais argumentos sendo de que a história era confusa e os efeitos especiais alucinados demais para que alguém conseguisse sair do cinema sem dor de cabeça.
Eu, pessoalmente, tendo a discordar. Os efeitos especiais são exagerados, sim, mas até aí nada que não se esperasse dos Wachowski. Para mim, entretanto, o roteiro não tem nada de confuso, a história é redonda do início ao fim, e o filme ainda faz referências a diversos episódios do anime, desde as mais óbvias, como a presença dos vilões Snake Oiler e Flying Fox, até as mais sutis, como o anel de campeão de luta greco-romana de Pops. No filme, Speed é confrontado com uma proposta de abandonar a equipe de sua família para correr pelas Indústrias Royalton, e ainda se envolve, junto com o Corredor X, em uma trama para desmascarar E. P. Arnold Royalton, seu presidente, como armador de resultados de corridas. O elenco traz Emile Hirsch como Speed, Christina Ricci como Trixie, John Goodman como Pops, Susan Sarandon como Mom, Paulie Litt como Gorducho, Kick Gurry como Sparky, Matthew Fox como o Corredor X, e Roger Allam como Royalton.
Para promover o lançamento do filme, a Nickelodeon produziu uma nova série animada, chamada Speed Racer: The Next Generation (Speed Racer Nova Geração no Brasil). Ambientada décadas após a série original, ela conta as aventuras de um novo personagem também chamado Speed, um órfão que treina na Academia Racer, fundada pela família do Speed original, e sonha se tornar o maior corredor de todos os tempos. O Speed original desapareceu misteriosamente há anos, mas deixou um filho, X, que também estuda na Academia, e acaba se tornando rival do órfão Speed. Speed e X treinam em várias pistas com a sanção da Academia, enquanto tentam solucionar o mistério por trás do desaparecimento do Speed original, e construir o Mach 6, a nova versão do Mach 5. O único personagem da série original que participa de The Next Generation é Gorducho, já crescido e reitor da Academia.
Até agora, The Next Generation teve 26 episódios, exibidos entre 2 de maio de 2008 e 5 de julho desse ano, com uma segunda temporada já em produção. Ela é, por enquanto, a última encarnação de Speed Racer, que, como todos os clássicos, parece se recusar a morrer, sempre retornando para uma nova corrida quando menos se espera.
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