Vamos, então, começar justamente pela luta que nunca esteve nos Jogos Mundiais Nômades, o silambam. O silambam é uma luta de origem indiana, e surgiu na região onde hoje está localizado o estado de Tamil Nadu, território originalmente pertencente ao povo tâmil. Segundo a lenda, o silambam surgiu por volta do ano 1000 a.C., e foi criado pelo sábio Agastya Munivar, como um treinamento para o corpo e a mente - silam significa "montanha", e bam significa "bambu", uma referência à dureza e à leveza, ao vigor da defesa e à arma usada para os ataques. A primeira menção escrita a essa luta data do século II a.C., no texto religioso Sillappadikkaram, que diz que ele já era praticado na região desde dois séculos antes. E achados arqueológicos sugerem que o silambam pode existir desde 10.000 a.C., sendo dez vezes mais velho do que a lenda de Agastya diz que ele é.
Seja como for, o silambam, assim como todas as artes marciais, passou por diversas modificações ao longo do tempo, sempre mantendo sua essência. A primeira foi na dinastia Pandya, entre os anos 560 e 590, quando o rei Kadungon determinou que a prática do silambam era obrigatória por todos os militares. A prática da luta caiu em desuso nos anos seguintes, mas teria um volta à moda a partir de 1613, no reinado de Varagunarama. Entre 1760 e 1799, o rei Kattabomman retomaria a obrigatoriedade do ensino do silambam entre os militares, que usariam a luta para expulsar de Tamil Nadu os colonizadores ingleses. No final, os ingleses venceriam e proibiriam a prática do silambam em todo o território indiano, o que quase levaria ao desaparecimento da arte marcial. Após a independência, em 1947, de forma tímida, os mestres de silambam passariam não somente a tentar trazer a luta de volta ao seu período de glória, mas também a espalhariam por todo o país - como a Índia tem muitos idiomas, é comum o silambam ser conhecido em cada estado por um nome diferente: nedu vadi em Kerala, karra saamu em Andhra Pradesh, dhanta varisai em Karnataka, lathi em Uttar Pradesh (onde fica o Taj Mahal), marithani em Maharashtra (onde fica Mumbai), dhal lakadi em Gujarat, patta pachi no Punjab e em Haryana, e kathga em Jharkhand e Bihar.
Com o silambam sendo praticado em todo o país e sendo levado por imigrantes indianos para todo o planeta, começariam os esforços para transformá-lo em um esporte, unificando suas regras e realizando campeonatos. Esses esforços culminariam, em 1994, na fundação da federação indiana de silambam (AISF), e, em 1999, da associação mundial de silambam (WSA), sediada na Malásia, que hoje conta com 25 membros dos cinco continentes, e organiza, a cada dois anos desde 2004, o Campeonato Mundial de Silambam. A WSA atualmente está testando as regras de uma versão paralímpica do silambam, e tem como ambicioso projeto a inclusão do silambam nas Olimpíadas e Paralimpíadas - o que parece improvável sem um substancial aumento no número de praticantes e de países-membros. O silambam foi esporte de demonstração nos Jogos da Commonwealth de 1998, realizados em Kuala Lumpur, capital da Malásia, o que deu um empurrão para a criação da WSA, mas não trouxe a popularização esperada para o esporte.
O silambam usa vários tipos de armas. A mais tradicional é o bam, um bastão de bambu de 2,5 cm de diâmetro, cujo comprimento deve ser suficiente para que ele, apoiado no chão, chegue à altura das sobrancelhas do lutador. Esse comprimento permite que o lutador mantenha uma certa distância do oponente, impedindo o uso contra ele de armas como facas e espadas. Outras armas além do bam são os sedikuchi, dois bastões de bambu curtos, com cerca de 1 m de comprimento cada, usados um em cada mão; a lança vel; a faca katti; a espada curva vall; o chicote savuku; a curiosa espada surul kaththi, composta por uma empunhadura e entre duas e cinco lâminas com entre 30 e 50 cm de comprimento cada ligadas por elos de correntes, o que faz com que ela seja flexível como um chicote; as aruval, duas foices de mais ou menos 1 m de comprimento, usadas uma em cada mão; o panthukol, bastão de 1,5 m de comprimento que tem em cada ponta uma corrente e uma bola penduradas, que podem ser espinhentas ou estar em chamas; o katar, adaga tradicional indiana de lâmina triangular e empunhadura em formato de H; e o maduvu, madu ou maru, curiosa arma feita com os chifres do antílope indiano, também usada uma em cada mão, difícil de manejar e de curto alcance, mas mortal nas mãos de um mestre, que, com seu uso apropriado, pode até desarmar oponentes ou impedir que eles o atinjam com qualquer arma.
Assim como o wushu, o silambam possui uma categoria "artística", chamada thanithiramai, na qual o objetivo não é derrotar um oponente, e sim demonstrar a perícia do lutador com as armas ou desarmado. A WSA reconhece dez provas individuais, sendo duas para o bam, cada uma com movimentos válidos próprios (chamadas kambu veechu e alangara veechu), uma para os sedikuchi (erattai kambu veechu), uma para a vel (vel kambu veechu), duas para a vall (otrai vall veechu, com uma espada, e erattai vall veechu, com duas), duas para a surul kaththi (otrai surul vall veechu, com uma espada, e erattai surul vall veechu, com duas), uma para o maduvu (maduvu veechu) e uma desarmada (kuthu varisai). O thanithiramai também possui uma versão em duplas, chamada autha korvai jodi, na qual os competidores fingem estar enfrentando um ao outro, e uma em trios, chamada kulu ayutha veechu, na qual também são avaliados sincronismo e interação. Tanto nas duplas quanto nos trios podem ser usadas quaisquer armas da versão individual (bam, sedikuchi, vel, vall, surul kaththi ou maduvu).
O uniforme do silambam é composto por uma camisa branca de algodão de mangas curtas e gola redonda com detalhes em preto nas barras, com o único detalhe colorido permitido sendo o símbolo do clube, país ou patrocinador no peito, com as mulheres podendo usar um top esportivo branco ou preto por baixo; sapatilhas e meias também de cor branca, podendo ter detalhes em preto; e calças compridas largas de cor preta, também de algodão. Para a modalidade de luta, que se chama kambu sandai e sempre usa o bam, os lutadores também devem usar coletes protetores, protetores faciais com grade, tipo o de um catcher do beisebol, protetores de virilha e caneleiras. Assim como em outras lutas desportivas, no kambu sandai os lutadores são divididos em categorias de peso, para maior justiça. Tanto no masculino quanto no feminino são nove categorias diferentes, mas no masculino as categorias são até 50 kg, até 55 kg, até 60 kg, até 65 kg, até 70 kg, até 75 kg, até 80 kg, até 85 kg e acima de 85 kg, enquanto no feminino são até 45 kg, até 50 kg, até 55 kg, até 60 kg, até 65 kg, até 70 kg, até 75 kg, até 80 kg e acima de 80 kg.
A área de luta do silambam, usada tanto no thanithiramai quanto no kambu sandai é um quadrado de 10 x 10 m, semelhante a um tatame, preferencialmente de cor azul clara, com um dos cantos de cor vermelha e o diagonalmente à sua frente de cor azul escura; um dos lutadores sempre usará colete vermelho e o outro azul, dependendo do canto no qual começam a luta. Para o kambu sandai, dentro desse quadrado são traçados três círculos concêntricos: o mais largo tem 7,32 m de diâmetro e é de cor vermelha, o do meio tem 6,1 m de diâmetro e é de cor amarela, e o menor tem 1,83 m de diâmetro e é de cor branca. Entre o círculo vermelho e as laterais do quadrado é a zona livre, onde não pode ficar nenhum elemento; entre o vermelho e o amarelo é a zona de advertência; entre o amarelo e o branco é a zona de combate; e o círculo branco delimita a zona de início.
Numa competição de kambu sandai, os lutadores começam com os pés sobre o círculo branco e, a um comando do árbitro central, iniciam o combate, que deve ocorrer dentro da zona de combate. Pisar voluntariamente na zona de advertência gera, bem, uma advertência, mas cair lá em decorrência de um movimento ou ser empurrado para lá pelo adversário não resulta em nada, a não ser uma advertência para o adversário, dependendo do caso. Um golpe que comece na zona de combate mas termine na zona de advertência pode ser considerado válido, dependendo da forma como foi executado. Uma luta de kambu sandai é oficiada por um árbitro central, que fica dentro da área de luta com os lutadores; uma mesa, posicionada à direita do canto azul, que controla o tempo e anota os pontos e faltas; e um painel de cinco jurados, dois posicionados à esquerda do canto vermelho, dois à esquerda do azul, e um à direita do vermelho, que conferem os pontos aos lutadores.
Uma luta de kambu sandai é disputada em melhor de três rounds de três minutos cada. A cada round a pontuação é zerada; se o mesmo lutador ganhar os dois primeiros rounds, ele é declarado vencedor da luta, mas, se cada lutador ganhar um round, é disputado um terceiro, com aquele que ganhar o terceiro round sendo o vencedor. Tocar o oponente sem força vale 1 ponto, golpes com força efetuados com o lutador mantendo pelo menos um pé no chão valem 2 pontos, e golpes efetuados com o lutador no ar, ou seja, com os dois pés fora do chão, valem 3 pontos. As áreas válidas para o lutador acertar com o bam são peito, ombros, braços, barriga, costelas, coxas, canelas e pés; acertar o bam do oponente não vale pontos, mas também não é falta, enquanto acertar uma área proibida, como cabeça, pescoço, costas, mãos ou virilha pode resultar em ponto para o adversário ou desclassificação - assim como usar golpes inválidos ou ter conduta antidesportiva.
Já para o thanithiramai é traçada na área de luta apenas o círculo branco, mas a área de competição efetiva tem apenas 9 x 9 m, com o 1 m restante sendo de cor vermelha e representando a zona proibida. Os competidores começam dentro do círculo branco, e devem fazer sua apresentação sem tocar a zona proibida, pois isso resulta em perda de pontos. Eles serão avaliados por um painel de cinco jurados, todos posicionados à direita do canto vermelho - de frente com a mesa, que controla o tempo e anota as pontuações dos lutadores, posicionada à direita do canto azul. Nas modalidades individuais cada competidor terá 2 minutos para se apresentar, e, nas de duplas e trios, cada conjunto terá 3 minutos, em todos os casos recebendo notas por realizar corretamente os movimentos obrigatórios, pela beleza plástica dos elementos opcionais, pela transição fluida entre um movimento e outro, e pela aplicabilidade dos movimentos apresentados em uma situação real de combate.
Vamos passar para uma luta de origem coreana, o taekkyeon, também grafado taekkyon, taekgyeon ou taekyyun. O taekkyeon é considerado a arte marcial mais antiga da Coreia, mas suas origens exatas são desconhecidas. Sua primeira referência escrita está no livro Jaemulbo, escrito entre 1776 e 1800, na Dinastia Joseon, mas estudiosos afirmam que ele pode ter sido criado no século III. Sua primeira referência no ocidente seria no livro Korean Games, do antropólogo norte-americano Stewart Cullin, publicado em 1895; segundo Cullin, durante a Dinastia Joseon o taekkyeon era amplamente praticado, e existia em duas versões, uma usada pelos militares, com aplicações práticas em combate, outra popular dentre as camadas mais pobres da população, com torneios ocorrendo durante festivais. Também vale citar o prefácio de um livro sobre o taekkyeon escrito pelo mestre Song Deok-gi, mais conhecido pelo pseudônimo Hyeonam: "não se pode precisar quando o taekkyeon surgiu, mas, até o fim do Reino da Coreia, as pessoas o praticavam".
Seja como for, após o fim da Dinastia Joseon, o taekkyeon cairia em declínio, até que, no início do século XX, só seria praticado na capital (então chamada Hanyang). Durante a ocupação japonesa na Segunda Guerra Mundial, a prática do taekkyeon seria proibida, e a arte marcial quase desapareceria; seria graças a Deok-gi, considerado "o último mestre de taekkyeon vivo", que a arte marcial seria salva do esquecimento: após o final da Guerra da Coreia, Deok-gi, que havia sido aluno do grande mestre Im Ho, e permaneceu ensinando o taekkyeon em segredo durante a ocupação, conseguiria convencer o presidente Syngman Rhee da importância de sua preservação, e, após uma apresentação no aniversário do presidente, em 26 de março de 1958, receberia permissão e apoio financeiro para viajar por toda a Coreia do Sul ensinando e divulgando o taekkyeon.
A partir de então, o taekkyeon passaria a ser visto como um importante elo com a história da Coreia, até que, em 1983, graças a um movimento liderado por um aluno de Deok-gi chamado Shin Han-seung, seria declarado Patrimônio Imaterial pelo governo sul-coreano, que financiaria a abertura de escolas nas quais ele pudesse ser ensinado e estimularia sua inclusão no programa esportivo das universidades. O primeiro torneio nacional de taekkyeon ocorreria na cidade de Busan em junho de 1985, após o qual seriam fundadas duas organizações: a Widae Taekkyon, que busca preservar a pureza da arte marcial, e a federação mundial de taekkyeon (WTKF), sediada na Califórnia e fundada por pupilos de Han-seung, que foca na parte esportiva do taekkyeon, adaptando suas regras para permitir sua popularização ao redor do planeta e a organização de campeonatos - as duas organizações são rivais, com a WTKF achando que a Widae condena o taekkyeon ao atraso, enquanto a Widae considera que a WTKF deturpa a essência da arte marcial.
A principal característica do taekkyeon é o jogo de pernas, chamado pumbalki, ou "andar em triângulos". Realizado em um ritmo próprio, semelhante a uma dança, com o qual o lutador se move como se estivesse desenhando um triângulo no chão com os pés, o pumbalki tem como objetivo fortalecer a linha da cintura e harmonizar os ataques e defesas. Outro conceito característico é o hwalgaejit, movimentos feitos com os braços que visam distrair o oponente para que ele seja surpreendido pelos golpes, mas que originalmente foram criados para ajudar o lutador a manter o equilíbrio durante o pumbalki. Por causa desses dois conceitos, uma luta de taekkyeon é plasticamente muito interessante, se parecendo com uma dança. Os principais golpes usados são os chutes (baljil) e agarrões, com o objetivo do lutador sendo derrubar o oponente ou empurrá-lo para fora da área de competição, e não acertá-lo com força como no taekwondo.
Pelas regras da WTKF, o taekkyeon é disputado em um tatame quadrado, de 3 x 3 m; a área central desse quadrado, de cor verde e 2 x 2 m, é a área válida de luta, e o restante, de cor vermelha, é a zona livre, onde não pode haver nenhum elemento. Para que um golpe seja válido, ambos os lutadores têm de estar dentro da área de luta, mas uma queda é considerada válida se um golpe começar na área de luta e o oponente cair fora dela. O uniforme consiste de uma calça branca de algodão, sapatilhas brancas e uma camisa tradicional, também feita de algodão, de mangas compridas que devem ser dobradas até a altura dos cotovelos, e aberta na frente, sendo usada uma faixa amarrada na cintura para fechá-la - mulheres podem usar um top ou camiseta por baixo. A faixa normalmente é preta e a camisa pode ser de qualquer cor, mas, em competições oficiais, um dos lutadores sempre usa camisa azul e o outro vermelha.
Uma luta de taekkyeon é disputada em melhor de três rounds, sendo que cada round dura até que um dos lutadores seja derrubado, e aquele que derrubar o oponente duas vezes é declarado vencedor. A luta é oficiada por três árbitros, sendo que um fica de pé junto aos lutadores, e os outros dois ficam sentados em cantos opostos do tatame. Em torneios oficiais, o árbitro central usa o mesmo uniforme dos lutadores, mas com camisa e faixa de cor amarela, e traz um leque na mão com os quais faz os sinais de pontos e faltas. Quando um lutador comete uma falta, ele recebe uma advertência, e, dependendo da gravidade da falta ou do número de advertências, ele pode ser considerado perdedor do round ou da luta. Em torneios oficiais, os lutadores são divididos em categorias de peso, mas a WTKF não tem categorias oficiais, com a divisão normalmente ocorrendo de 5 em 5 kg (até 60 kg, até 65 kg, até 70 kg, até 75 kg, e assim por diante).
Embora a popularidade do taekkyeon cresça a cada dia, ainda é difícil organizar torneios, e a WTKF ainda não conseguiu organizar um Mundial, atuando principalmente na organização de torneios nos Estados Unidos. Todos os torneios de taekkyeon são organizados a nível regional ou nacional, com os torneios na Coreia do Sul sendo de responsabilidade de três organizações, a Federação Coreana de Taekkyon (KTF), fundada em 1991 e sediada dentro do Parque Olímpico de Seul; a Associação Coreana de Taekgyeon Tradicional (KTTA), fundada em 1995 e baseada na cidade de Chungju, que segue regras ligeiramente diferentes, criadas pelo mestre Jeong Kyung-hwa, segundo ele mais próximas das usadas na Dinastia Joseon; e a Associação de Taekyyun Kyulyun (KTK), fundada em 2000, sediada em Seul, que organiza o campeonato asiático e o mais famoso torneio de taekkyeon da Coreia do Sul, o Taekyyun Battle, organizado anualmente desde 2004.
A coisa mais próxima que o taekkyeon teve de um campeonato mundial foi justamente sua inclusão como esporte de demonstração na primeira edição dos Jogos Mundiais Nômades, em 2014, no Quirguistão. Foi realizado apenas um torneio masculino, sem valer medalhas, mas com lutadores de 10 países, muitos deles na verdade lutadores de taekwondo. Vale citar também que, em 2011, o taekkyeon foi incluído na Lista do Patrimônio Cultural Imaterial da Humanidade, se tornando a primeira arte marcial a conseguir esse feito.
O terceiro esporte que veremos hoje é o bokh, que já esteve em duas edições dos Jogos Mundiais Nômades: em 2018, no Quirguistão, como parte do programa, e em 2022, na Turquia, como esporte de demonstração, sem valer medalhas. O bokh surgiu na Mongólia, também em tempos imemoriais: pinturas datadas do ano 7000 a.C. encontradas na região da província de Bayankhongor já mostram dois homens lutando com uma multidão assistindo, embora não se possa saber se eles seguiam as regras do bokh ou não; a mais antiga referência específica ao bokh está em duas placas de bronze encontradas dentre as ruínas do Império Xiongnu, que durou de 206 a.C. a 220 d.C. Como de costume, o bokh era um treinamento militar, que visava aumentar a força, o vigor e os reflexos das tropas; Genghis Khan era um entusiasta do bokh, e estabeleceu o costume, seguido por todos os imperadores posteriores, de promover a luta não somente em treinamentos, mas também em festivais, chamados Naadam. Segundo registros, os melhores lutadores também avançavam mais rapidamente no exército, conseguindo promoções e patentes melhores.
O bokh era a principal atração dos Jogos de Urga, que ocorreram entre 1778 e 1924, com seus lutadores sendo verdadeiros superastros, responsáveis por atrair multidões para assistir suas lutas; nesse período, suas regras já estavam bem estabelecidas, com as atuais sendo praticamente idênticas. Os Jogos de Urga seriam interrompidos com a Revolução Comunista, mas a prática do bokh não, com os Naadams ainda sendo realizados, e os principais lutadores sendo condecorados com a Medalha do Trabalhador. O mais famoso lutador de bokh da história foi Jambyn Sharavjamts, que, aos 18 anos, ganhou o título de avarga (titã) ao ser campeão dos Jogos de Urga de 1894; ele somente se aposentaria em 1951, aos 75 anos, e há vídeos dele competindo em um Naadam em 1945, prestes a completar 70 anos e derrotando três oponentes muito mais jovens.
Com o fim do comunismo na Mongólia, em 1992, começariam esforços para preservar a integridade do esporte, para evitar que pressões financeiras o descaracterizassem, que culminaram com a fundação da Federação Internacional de Bokh Mongol (que tem a bizarra sigla AEMWF) - na Mongólia, desde a Revolução Comunista até hoje, o bokh é regulado pelo Ministério do Esporte. O principal campeonato da AEMWF é o Campeonato de Luta para a Etnia Mongol, que tem esse nome curioso porque é aberto a lutadores de todo o planeta, mas apenas mongóis ou descendentes de mongóis podem participar. Realizado anualmente desde 2009, com a sede se alternando entre Mongólia, Rússia e China, o Campeonato possui duas categorias (inicialmente abaixo e acima de 75 kg, atualmente abaixo e acima de 85 kg) e é exclusivamente masculino; ainda assim, ele é considerado a maior vitrine para a popularização do bokh no restante do mundo.
Mas onde o bokh brilha é mesmo na Mongólia, onde são realizados centenas de torneios por ano; o maior de todos é o Naadam Nacional, realizado anualmente em julho na capital, Ulaanbaatar, com a presença de 512 lutadores - ou 1024 em edições especiais. Abaixo dele estão os Aimag Naadam, 21 torneios regionais com 128 ou 256 lutadores cada, e abaixo deles ficam os Sum Naadam, 329 torneios locais com a presença de 32 ou 64 lutadores cada. Todos os Naadam são organizados pelo Ministério do Esporte, são exclusivamente masculinos, e disputados na categoria absolutos, ou seja, sem divisão dos lutadores por peso - a média de peso dos lutadores em um Naadam fica por volta dos 115 kg, mas já ocorreu de um lutador de 70 kg ter de enfrentar um de 160 kg. Para evitar que isso aconteça, os lutadores não são sorteados, com todas as lutas sendo definidas pela organização do torneio, o que também permite que os favoritos não se enfrentem nas primeiras rodadas; sorteios só costumam ser usados no Naadam Nacional, e, mesmo assim, somente a partir das oitavas de final.
Da mesma forma que artes marciais como o judô e o caratê usam faixas coloridas para determinar a perícia dos lutadores, o bokh usa títulos. O título mais baixo é o de Falcão do Sum, conferido ao lutador que alcance a semifinal em um Sum Naadam; o vencedor de um Sum Naadam é coroado Elefante do Sum. Nos Aimag Naadam, um lutador que alcance as semifinais ganha o título de Falcão, o vice-campeão o de Elefante, e o campeão o de Leão do Aimag. No Naadam Nacional, um lutador que alcance as oitavas de final ganha o título de Falcão do Estado, as quartas de final o de Gavião, as semifinais o de Elefante, o vice-campeão ganha o título de Garuda, e o campeão o de Leão do Estado. Um lutador que ganhe 2 Naadam Nacionais é coroado Titã, um que ganhe 4 se torna Grande Titã, e um que ganhe 5 se torna Titã Gigante. À exceção do Titã, um lutador que alcance em um torneio o mesmo título que havia alcançado no anterior ganha o título de unen zorigt, que significa "verdadeiramente corajoso" - por exemplo, um lutador que seja falcão dois anos seguidos se torna um "falcão verdadeiramente corajoso".
Outros torneios além dos Naadam também são organizados anualmente na Mongólia e fora dela; os mais famosos são os chamados Danshig, torneios com 128 ou 256 lutadores organizados por prefeituras ou governos regionais para celebrar alguma ocasião, como o aniversário de uma cidade. Fora da Mongólia, o torneio mais famoso é o Altargan, realizado anualmente na República Russa da Buriácia, que tem uma grande população mongol, e conta com a presença de lutadores da Mongólia, da Buriácia e da província chinesa da Mongólia Interior. Também é muito famoso o Torneio de Ano Novo, disputado anualmente em Ulaanbaatar com a presença de 256 lutadores, e considerado o segundo torneio mais importante abaixo do Naadam Nacional - normalmente, inclusive, quem ganha o Torneio de Ano Novo ganha o Naadam Nacional do mesmo ano. Outros torneios comemorativos podem ser realizados em qualquer época, como um realizado em Ulaanbaatar em 2011 que contou com 6002 lutadores, entrando para o Livro Guinness dos Recordes.
O bokh é disputado em uma área que pode ser um quadrado de 20 x 20 m ou um círculo de 20 m de diâmetro; a superfície pode ser um tatame, um gramado, ou de areia, desde que não tenha nenhum traço de cascalho. A mais famosa arena de bokh do mundo é a Bökhiin Örgöö em Ulaanbaatar, onde são disputados o Torneio de Inverno e o Naadam Nacional, mas, na maioria dos torneios, incluindo os Sum Naadam, a luta é disputada ao ar livre. A área de luta não conta com nenhuma marcação, mas o oponente deve ser derrubado dentro da área válida para que a vitória possa ser contabilizada. Há apenas um árbitro, que acompanha os lutadores, e cada lutador tem direito a um zasuul, que não é um treinador, mas uma espécie de amigo que o incentiva durante a luta, podendo até mesmo entrar na área de luta e dar tapinhas em seu corpo.
As regras do bokh são as mais simples possível: basta fazer com que qualquer parte do corpo do oponente acima dos joelhos (exceto as mãos) encoste no chão e você será o vencedor - não há rounds, quem cair perde e é eliminado do torneio. Também não há limite de tempo, mas, se o árbitro decidir que a luta está demorando demais, pode exigir que os lutadores parem a luta e recomecem em uma posição que facilite que eles sejam derrubados. Nos Sum Naadam é comum os lutadores começarem já agarrados, mas o normal é eles começarem sem contato físico. As regras da AEMWF permitem que os lutadores agarrem as pernas dos oponentes, mas, na Mongólia, só é permitido agarrar da cintura para cima. Nas regras usadas na China, é permitido contato entre as pernas dos lutadores - como em uma rasteira - mas, no restante do mundo, os lutadores só podem usar as mãos. Lutadores que demonstrem conduta antidesportiva ou usem movimentos proibidos - como agarrar o oponente pela roupa - podem ser desclassificados pelo árbitro.
Mas o mais interessante do bokh eu deixei para o final: o uniforme. Adaptado das roupas tradicionalmente usadas pelos soldados mongóis, ele é composto por três peças: o zodog, um colete de mangas compridas feito de lã, algodão ou seda, que deixa a barriga de fora e ainda por cima é totalmente aberto na frente, sendo amarrado, para não cair, por uma fita na altura do umbigo, segundo a lenda, para que nenhuma mulher possa se fingir de homem e disputar um torneio; o shuudag, que se parece com uma sunga de algodão; e os gutal, botas de couro que devem cobrir até metade das panturrilhas. Também é obrigatório que os lutadores entrem e saiam da área de competição realizando uma dança; normalmente são danças tradicionais, mas os lutadores mais famosos ou mais vitoriosos costumam criar suas próprias danças, pelas quais são reconhecidos pelos fãs.
Para terminar, vamos ver o gyulesh, também grafado gülesh. O gyulesh é uma luta de submissão que surgiu no Azerbaijão, e já fez parte dos Jogos Mundiais Nômades três vezes: em 2016 e 2018 como parte do programa, e em 2022 como esporte de demonstração. É uma luta exclusivamente masculina, e, como qualquer luta de submissão, tem como objetivo derrubar o oponente no chão, sendo vencedor quem conseguir fazer com que o oponente encoste as duas omoplatas no solo. Uma de suas principais características, entretanto, é que, antes da luta, os lutadores devem fazer uma apresentação coreográfica parecida com uma dança, chamada meydan gazmek, que deve ter duração máxima de um minuto, e ser realizada ao som de uma música típica chamada dzanghi. Os lutadores, conhecidos como pekhlevans se apresentam juntos, cada um com sua própria coreografia, mas devendo apresentar movimentos obrigatórios, que incluem levantar as mãos enquanto se aproximam do oponente, tocar as mãos do oponente e saltar para longe do oponente.
Além de ser obrigatória, a apresentação influencia na luta: a seu final, os árbitros decidirão qual dos dois pekhlevans se apresentou melhor, e esse será avaliado como plus, enquanto o outro será avaliado como minus. Caso a luta termine empatada, a vitória será do pekhlevan avaliado como plus, o que faz com que o minus tenha de se empenhar mais durante a luta. Depois do fim da apresentação e da escolha do plus, os pekhlevans se cumprimentam com um aperto de mão, e depois realizam um ritual durante o qual eles irão, de frente um para o outro e em posição de luta, andar como se estivessem desenhando um círculo, chocando-se três vezes de forma que seus ombros se toquem e eles façam um movimento como se tivessem sido repelidos a cada vez. Após a terceira vez, eles pulam para trás, o árbitro principal apita, e a luta começa. Uma luta de gyulesh tem duração de cinco minutos.
Atualmente, para ajudar na popularização do esporte, o gyulesh é disputado no mesmo mat da luta olímpica; o uniforme consiste de uma calça de algodão amarrada na cintura com um cordão, cujas pernas terminam logo abaixo dos joelhos, também sendo amarradas com cordões, para ficarem justas, mais meias e sapatilhas de luta. Tradicionalmente, ambos os lutadores usavam calças de cor preta, mas atualmente, em torneios, um usa calça vermelha e o outro, azul. Os principais golpes usados são agarrões e arremessos, e os lutadores são especialistas em rolar e se levantar de novo quando derrubados - porque simplesmente tocar as omoplatas no solo não caracteriza derrota, com o contato devendo ser de no mínimo 1 segundo. A luta é oficiada por três árbitros, sendo um central, que a acompanha junto aos pekhlevans no mat; um juiz de linha, que fica fora do mat mas pode apontar faltas, irregularidades, ou até mesmo a vitória, caso o árbitro central não a veja; e um chefe de arbitragem, que controla o tempo da luta e os pontos.
Além de vencer a luta fazendo com que o oponente toque as omoplatas no solo, um pekhlevan pode vencer por pontos: se ele conseguir fazer com que o oponente caia no chão de barriga para baixo, ganhará 1 ponto; conseguir fazer com que ele toque a cabeça ou os ombros no solo vale 2 pontos; fazer com que ele caia de costas no solo, sem tocar as omoplatas, vale 3 pontos; e conseguir levantar o oponente e jogá-lo no solo com força e amplitude vale 5 pontos. Da mesma forma, faltas e irregularidades durante a luta podem fazer com que os pekhlevans percam pontos. Outra forma de ganhar a luta é através de touché: se um dos lutadores tocar o solo com as duas mãos, e o outro conseguir segurá-lo de forma que o árbitro determine que é impossível para ele se levantar, a luta termina com vitória por touché para o que está segurando. Da mesma forma, se um lutador toca as omoplatas no solo durante menos de um segundo, mas, com o mesmo movimento, o oponente consegue fazer com que ele toque uma segunda vez, mesmo que também por menos de um segundo, o lutador perde por touché.
Como de costume, o gyulesh é uma luta antiquíssima, sendo praticada no Azerbaijão há séculos, e originalmente usada no treinamento de militares. Durante a época da União Soviética ele teve uma queda de popularidade, mas, desde a década de 1990, vem tendo um renascimento, graças aos esforços da Federação de Luta do Azerbaijão (AGF), que organiza vários torneios locais e regionais no país, bem como o campeonato nacional, disputado anualmente sempre nas cidades de Baku, Ganja ou Ordubad, que possuem arenas exclusivas para a sua prática. As categorias de peso no campeonato nacional são até 60 kg, até 70 kg, até 80 kg, até 90 kg, e acima de 90 kg, mas outros torneios podem ter categorias diferentes. Ainda não existe uma federação internacional ou um campeonato mundial, e, quando ocorre um torneio internacional, como os Jogos Mundiais Nômades, os lutadores de fora do Azerbaijão costumam ser originários de outras lutas, como o pahlavani ou até mesmo a luta olímpica.
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