sábado, 26 de abril de 2025

Escrito por em 26.4.25 com 0 comentários

Studio Ghibli (I)

Até mais ou menos meus 30 anos, eu amava assistir anime. Talvez esse tempo verbal esteja errado, porque, de lá pra cá, eu não deixei de amar, o que aconteceu foi que, por razões várias, algumas delas inexplicáveis até para mim, eu parei de assistir. O resultado disso foi que, se não considerarmos o segundo post sobre Record of Lodoss War e eu ter colocado o quarto post sobre os Desenhos Marvel nessa categoria, meu último post sobre anime no átomo já tem quase dez anos, tendo sido publicado em maio de 2015. Às vezes eu até penso em escrever mais alguns, mas não quero falar sobre alguma série que nunca assisti.

Essa semana, porém, eu estava pensando sobre isso quando, de repente, percebi que todos os meus posts sobre anime são sobre séries, sendo que, ao longo da minha vida, inclusive desde que parei de assistir essas séries, eu assisti muitos filmes - ou, para deixar mais claro, longa-metragens animados. Procurando material para ver se conseguiria fazer um post sobre algum dos meus preferidos, eu acabei tendo a ideia para o que vou começar hoje: não um post, mas uma série de posts sobre as produções do Studio Ghibli, dentre as quais estão grandes clássicos do anime e alguns dos meus preferidos.

Como de costume, essa série vai falar sobre duas ou três produções em cada post, até chegar à mais recente. E, também como eu costumo fazer, eu queria começar com uma seção chamada "O Início", falando sobre as origens do Studio Ghibli. Só que, depois que eu escrevi, achei que a seção não ficou muito sobre "o início", e sim sobre a história do estúdio como um todo, de forma que substituí o subtítulo "O Início" por esse parágrafo aqui, e, nos seguintes, até o subtítulo com o nome da primeira produção, apresentarei essa história.

Tudo começou em 1972, com um grupo de animadores da Toei Animation, o maior e mais famoso estúdio de animação do Japão, subsidiário da Toei, e maior e mais famosa empresa de entretenimento daquele país e uma das maiores do mundo, responsável pela produção e distribuição de filmes para o cinema, produção de séries de TV, publicação de revistas, desenvolvimento de videogames e até mesmo gravação e distribuição de músicas. Naquele ano, um dos principais produtores da Toei Animation, Toru Hara, decidiria deixar a gigante e fundar seu próprio estúdio de animação, que chamaria de Topcraft.

Para fazer caixa e conseguir começar suas produções próprias, a Topcraft aceitaria fazer parceria com vários estúdios nacionais e internacionais, começando com uma parceria com a própria Toei, para a produção de Mazinger Z, mas também sendo parceira, por exemplo, das também japonesas Eiken, para a produção de Onbu Obake e Bouken Korobokkuru, Tatsunoko, para a produção de Gatchaman e Time Bokan, Toho, para a versão animada para o cinema de O Mágico de Oz, da holandesa Polygram, para a produção de Barbapapa, e da norte-americana Rankin/Bass, sua parceria mais bem sucedida, na qual trabalharia em desenhos como The Jackson 5ive, Thundercats e as versões animadas para o cinema de O Hobbit e O Retorno do Rei. Ao todo, a Topcraft seria parceira em 39 produções para TV e cinema, 15 delas com a Rankin/Bass, mas não teria nenhuma influência sobre o roteiro ou outras etapas de produção, apenas "emprestando" seus estúdios e animadores.

No início da década de 1980, a Topcraft finalmente decidiria trabalhar em uma produção própria para o cinema, uma adaptação do mangá Nausicaä do Vale do Vento. Não se sabe se devido à grandiosidade do projeto, ou se a empresa desde o início jamais conseguiu capital suficiente para se manter com as próprias pernas, mas, um ano depois do lançamento do filme, em 1985, a Topcraft declararia falência. Seguindo uma sugestão da editora que publicava o mangá de Nausicaä, os ativos da Topcraft seriam comprados por três membros da equipe que trabalhou no filme: Hayao Miyazaki, Isao Takahata e Toshio Suzuki. Miyazaki e Takahata já tinham longas carreiras na animação japonesa, já tendo trabalhado em vários estúdios, e Suzuki havia sido editor da revista Animage, de forma que eles imaginavam que teriam os contatos necessários para o novo estúdio ser um grande sucesso. Hara não ficaria desempregado, sendo chamado pelo trio para trabalhar com eles no novo estúdio.

Miyazaki decidiria chamar o novo estúdio de Studio Ghibli, sendo ghibli o nome em italiano do siroco, um vento quente que sopra do Saara em direção ao Mediterrâneo - essa palavra, aliás, deriva do árabe qibliyy, que significa "vento quente do deserto". Miyazaki, entretanto, não pensaria no vento ao escolher o nome: fanático por aviação, ele sabia que ghibli era o apelido do avião militar italiano Caproni Ca.309, que o ganharia por ter sido usado em missões na Líbia entre 1937 e 1943. O diretor sempre gostou da sonoridade da palavra, e, para convencer os outros dois a aceitá-la, usou a justificativa de que o estúdio "sopraria um novo vento na indústria do anime". Curiosamente, em italiano, a palavra é pronunciada com o G forte ("guíbli"), que é a forma como costumamos falar o nome do estúdio aqui no Brasil, mas, oficialmente, o nome é falado com G fraco ("jíbli"), tanto que, em japonês, é escrito como Jiburi.

Miyasaki e Takahata usariam o estúdio para desenvolver vários projetos pessoais, de forma que, das seis primeiras produções do Studio Ghibli, quatro eram escritas e dirigidas por Miyasaki, duas por Takahata. Para conseguir o capital necessário à produção, Suzuki conseguiria dois importantes acordos, um segundo o qual a Animage teria exclusividade na divulgação das novas produções, em vigência até hoje, e um segundo o qual o Studio Ghibli seria uma subsidiária da editora Tokuma Shoten. Esse acordo possibilitaria que, em 1996, a Disney assinasse um contrato de exclusividade de distribuição das produções do Studio Ghibli no ocidente, que também previa que eles financiassem 10% de cada produção. Para tentar evitar interferência estrangeira, e insatisfeito com o fato de Nausicaä do Vale do Vento ter sido praticamente mutilado para ser lançado nos Estados Unidos, Miyasaki conseguiria fazer com que o contrato tivesse uma "cláusula de não-edição", que proíbe que as produções do Studio Ghibli sejam editadas para serem exibidas fora do Japão.

Em 1999, a Tokuma Shoten decidiria fundir suas três subsidiárias, o Studio Ghibli, a Tokuma Shoten Intermedia e a Tokuma Shoten International, em uma única empresa, o que desagradaria Miyasaki. Ele e Takahata, então, começariam a negociar a independência do estúdio, que ocorreria em 2005, quando o Studio Ghibli se desligaria totalmente da Tokuma Shoten. Em 2008, Suzuki decidiria deixar a presidência do Studio Ghibli, sendo substituído por Koji Hoshino, presidente da Walt Disney Japan quando o acordo foi firmado em 1996. Em 2013, aos 72 anos, seria a vez de Miyasaki deixar o estúdio, anunciando sua aposentadoria. Isso levaria a um hiato de seis anos durante os quais o Studio Ghibli estaria "se reestruturando", com muitos diretores e roteiristas que estavam aguardando para ter suas histórias avaliadas indo procurar outros estúdios, e muitos fãs imaginando que o Studio Ghibli jamais produziria outro filme.

Durante o hiato, o Studio Ghibli faria sua primeira produção em parceria, A Tartaruga Vermelha, com o estúdio alemão Wild Bunch, e produziria sua primeira série de TV, Sanzoku no Musume Ronya, exibida pela NHK; também durante o hiato, Takahata faleceria, de câncer de pulmão, aos 82 anos. O hiato terminaria com a primeira produção do Studio Ghibli para o cinema feito em computação gráfica, Aya e a Bruxa, lançada em 2020; pouco depois disso, Hata também faleceria, aos 85 anos. Em 2023, o Studio Ghibli voltaria a ser uma subsidiária, dessa vez do canal de televisão japonês NTV; segundo Suzuki, essa decisão seria motivada pelas idades avançadas dele mesmo, atualmente com 77 anos, e de Miyazaki, atualmente com 84. Miyasaki, aliás, deixaria temporariamente a aposentadoria para dirigir O Menino e a Garça, lançado em 2024, anunciando que aquele seria seu último filme. Os próximos passos do estúdio ainda são incertos.

Nausicaä do Vale do Vento
Kaze no Tani no Nausicaä
1984

Hayao Miyazaki começaria sua carreira como animador na Toei em 1963, no cargo de inbetweener, a pessoa que faz os desenhos entre o inicial e o final, criando a impressão de movimento; seu sonho, entretanto, não era ser animador, e sim mangaka, o nome que se dá a quem é roteirista e desenhista de mangá. Em 1969, enquanto trabalhava, já como animador principal, no anime Nagagutsu o Haita Neko (conhecido no Brasil como O Gato de Botas; o protagonista desse desenho se tornaria mais tarde o mascote da Toei Animation), ele receberia a oportunidade de desenhar o mangá que adaptava a história, o que, por sua vez, levaria a um convite para escrever e desenhar a tira semanal Sabaku no Tami ("o povo do deserto"), entre setembro de 1969 e março de 1970, na revista Shonen Shojo Shinbun, publicada pelo Partido Comunista Japonês, o que ele faria sob o pseudônimo Akitsu Saburo. Nenhuma das duas obras seria exatamente um sucesso, e Miyazaki só conseguiria mais um convite para escrever e desenhar mangá, para fazer, em 1971, a adaptação de Dobutsu Takarajima, também da Toei, uma versão de A Ilha do Tesouro, de Robert Louis Stevenson, mas com animais antropomórficos.

Miyazaki seguiria trabalhando com anime e, ainda na década de 1970, faria sua estreia como diretor, co-dirigindo alguns episódios da série Lupin The Third, o que o levaria a ser escolhido pelo estúdio TMS para dirigir a animação para o cinema Lupin III: O Castelo de Cagliostro, lançada em 1979. Embora não tenha sido um sucesso de público, o filme ganharia o Prêmio Ofuji Noburo, um dos mais importantes da indústria do anime. Miyazaki, então, decidiria usar de seu prestígio para convencer a TMS a adaptar para um anime a história em quadrinhos Rowlf, de Richard Corben; o estúdio aceitaria a proposta, e começaria a negociar os direitos de adaptação em novembro de 1980.

Também em 1980, Miyazaki seria abordado pela revista Animage, que procurava novos talentos para suas histórias de mangá. Miyazaki conversaria com Toshio Suzuki e Osamu Kameyama, e apresentaria duas ideias: uma adaptação de Rowlf e uma história ambientada na era Sengoku, do Japão feudal. Ambas seriam estudadas, mas acabariam rejeitadas, em julho de 1981, porque a TMS, sabendo das conversas de Miyazaki com a Animage, tentaria fazer um acordo para que o mangá que Miyazaki criasse também ganhasse uma versão em anime, algo com o que a Tokuma Shoten, que publicava a Animage não concordou, e porque nem a TMS, nem a Tokuma Shoten conseguiriam os direitos para adaptar Rowlf.

Suzuki veria muito potencial nas ideias de Miyazaki, entretanto, e, após essa rejeição inicial, começaria a negociar com ele um contrato segundo o qual ele criaria uma história para a revista, com previsão contratual de que ela jamais poderia ser adaptada para um anime. Miyazaki aceitaria e, em dezembro de 1981, começaria a escrever Nausicaä do Vale do Vento, que seria publicada na Animage ao longo de nada menos que 12 anos - com algumas interrupções no caminho, ou seja, não de forma contínua - entre fevereiro de 1982 e março de 1994. Miyazaki basearia muito da história do manga em elementos que já havia criado para Sabaku no Tami, e tiraria o nome da protagonista (que, em japonês, é pronunciado "nóshika") de uma princesa da Odisseia, de Homero, cujo nome, em grego, significa "queimadora de navios".

Nausicaä seria considerado extremamente inovador porque Miyazaki finalizava seus desenhos a lápis, e não a nanquim, e porque a Animage era em formato grande, de revista, e não no formatinho tradicional dos mangás, o que faria com que a obra ficasse muito mais parecida com os quadrinhos franceses do que com os mangás originais japoneses, com alguns críticos até mesmo comparando o estilo de Miyazaki ao de Moebius. Os temas da história também eram considerados avançados para a época e diferentes do que normalmente era encontrado em um mangá, e Miyazaki diria em entrevistas que escrever Nausicaä mudaria muito de sua visão de mundo e de suas perspectivas políticas.

O mangá faria um sucesso tão grande que a própria Tokuma Shoten voltaria atrás em suas convicções e pediria para que Suzuki convencesse Miyazaki a aceitar que ele fosse adaptado para um anime. A primeira proposta, porém, era de um episódio de 15 minutos para uma série de antologia, o que Miyazaki recusaria, fazendo como contra-proposta um filme de 60 minutos no formato OVA - lançado exclusivamente em home video, sem exibição nos cinemas ou TV, formato muito popular de anime nos anos 1980 e 1990 - que ele mesmo escreveria e dirigiria. A Tokuma Shoten aceitaria, e começaria a procurar um estúdio de animação, já que não tinha um próprio, contratando o produtor Isao Takahata, que se uniria ao projeto relutantemente, recebendo a incumbência de encontrar o estúdio perfeito. Miyazaki e Takahata acabariam negociando com a Topcraft, que, até então, só havia feito colaborações, sem nenhuma produção solo, mas que a dupla considerava como sendo o único estúdio cuja equipe de animadores conseguiria transpor para o anime a mesma atmosfera do mangá. A trilha sonora ficaria a cargo de Joe Hisaishi, também escolhido pessoalmente por Miyazaki, por seu estilo experimental e minimalista.

A pré-produção começaria em maio de 1983 e, de olho em uma renda maior, a Topcraft convenceria a Tokuma Shoten a financiar não um OVA, mas um filme para o cinema; a essa altura, o mangá já era um sucesso tão grande que a editora aceitou, também acreditando que o filme seria capaz de repeti-lo. Miyazaki, entretanto, só havia escrito até então 16 edições do mangá, e teria muita dificuldade para criar uma história com início, meio e fim que adaptasse com fidelidade a já publicada, sem dar spoilers do que estava por vir nem deixando a história original amarrada ao ponto que ele não pudesse fazer algo diferente do visto no filme; ele acabaria optando por basear o filme em uma das subtramas do mangá, e terminá-lo com um final aberto, que dava margem para novas aventuras. A animação em si começaria em agosto de 1983, levaria nove meses e consumiria 75 milhões de ienes, o equivalente na época a 1 milhão de dólares; dentre os animadores estava Hideaki Anno, que, anos mais tarde, fundaria a Gainax, e seria roteirista e diretor de Neon Genesis Evangelion.

Nausicaä é um filme pós-apocalíptico, ambientado mil anos após os Sete Dias de Fogo, uma guerra que devastou a maior parte de humanidade e tornou grande parte do planeta inabitável, tomada por uma floresta cujo ar é tóxico, habitada por agressivos insetos gigantes. A menina chamada Nausicaä é a princesa do Vale do Vento, uma comunidade que vive isolada entre as montanhas, sobrevivendo de suas próprias plantações, cuja vida muda radicalmente quando uma nave do militarista Império de Tolmekia cai em suas imediações, levando Lastelle, a Princesa da pacífica nação de Pejite, e uma arma secreta que planeja usar para destruir a floresta e tornar a maior parte do planeta habitável novamente. A Princesa Kushana, de Tolmekia, é enviada para recuperar a arma, e, para garantir a cooperação dos habitantes do Vale do Vento, pega Nausicaä como refém. Na viagem de volta para Tolmekia, Nausicaä conhece Asbel, irmão de Lastelle, e decide encontrar uma forma de evitar que os tolmekianos usem a arma, o que poderia destruir todo o planeta.

Miyazaki declararia ter se inspirado em várias obras ocidentais para criar o mundo de Nausicaä, especialmente O Feiticeiro de Terramar, de Ursula K. Le Guin, O Cair da Noite, de Isaac Asimov, A Longa Tarde da Terra, de Brian Aldiss, e Duna, de Frank Herbert, mas que sua principal motivação para escrever a história seria o envenenamento por mercúrio da baía de Minamata nas décadas de 1950 e 1960, que levaria a natureza a se adaptar para continuar existindo e ao local se tornar inabitável para humanos, com a Doença de Minamata acometendo quem tenta viver lá ou consumir os peixes da baía. O filme tem uma forte mensagem ecológica antes mesmo de a ecologia ser considerada um assunto sério - recebendo, inclusive, elogios da organização ecológica WWF - mas sua principal mensagem é anti-guerra, mostrando que todos os que tentam usar a guerra para alcançar seus propósitos tornam as coisas ainda piores. O filme também ficaria famoso por não ter um vilão, ao invés disso mostrando que o medo, a ganância e o ressentimento levam as pessoas a cometer atos de maldade que prejudicam a todos, incluindo elas próprias.

Nausicaä estrearia nos cinemas japoneses em 11 de março de 1984, distribuído pela Toei, e seria um gigantesco sucesso, rendendo, somente no Japão, 1,48 bilhão de ienes, mais de seis vezes seu orçamento. Apesar de ter sido lançado em home video em diversos países, sua exibição nos cinemas (com uma exceção, que veremos em breve) ficaria restrita ao Japão até os filmes do Studio Ghibli começarem a fazer sucesso internacional, sendo relançado nos cinemas da França, Itália, Finlândia, Espanha, Noruega, Rússia, Austrália, Turquia e Suécia entre 2006 e 2017 e rendendo mais 1,7 milhão de dólares, sendo 1,5 milhão apenas na França. Nausicaä renderia a Miyazaki seu segundo Prêmio Ofuji Noburo, e seria aclamado pela crítica, que elogiaria os personagens, os temas, a direção e a trilha sonora. Hironobu Sakaguchi citaria Nausicaä como uma das principais influências para seu Final Fantasy, inclusive admitindo ter se inspirado nas aves usadas como montaria pelo personagem Lorde Yupa para criar os chocobos. Um dos insetos gigantes do filme, chamado Ohm, também seria bastante copiado, digo, homenageado, com criaturas parecidas com ele sendo encontradas em vários games.

Enquanto o filme estava em produção, a Tokuma Shoten venderia os direitos de distribuição internacional para a World Film Corporation, que, por sua vez, venderia os direitos de distribuição nos Estados Unidos para a Manson International. Ao invés de simplesmente dublar ou legendar o filme, a Manson contrataria o produtor Riley Jackson e o roteirista David Schmoeller para editá-lo e transformá-lo em uma versão "mais ao agrado do público norte-americano", lançada nos cinemas dos Estados Unidos em junho de 1985 com o nome de Warriors of the Wind. Essa versão teria 22 minutos a menos, deixaria de lado os temas ecológicos, transformaria Kushana, renomeada para Rainha Selena, em uma vilã, e mudaria parte da história de Nausicaä, renomeada para Princesa Zandra, o que afetaria o final do filme. Essa versão seria lançada em home video no Reino Unido, Espanha e Alemanha, e revoltaria tanto Miyazaki que, ao fundar o Studio Ghibli, ele estabeleceria uma política de que o licenciamento internacional só é permitido se o filme for exibido na íntegra, sem cortes. Em 2003, após lançar outras duas produções do Studio Ghibli, A Viagem de Chihiro e Porco Rosso, nos cinemas dos Estados Unidos com grande sucesso, a Disney negociaria um relançamento de Nausicaä, em versão integral, sem cortes nem edição e com uma dublagem totalmente nova, que trazia Alison Lohman como Nausicaä (originalmente seria Natalie Portman, que teve de recusar por conflitos de agenda), Uma Thurman como Kushana, e Patrick Stewart como Lorde Yupa. Essa versão seria lançada exclusivamente em home video, em fevereiro de 2005.

Hoje, Nausicaä é considerado um dos melhores filmes de animação de todos os tempos - figurando no Top 3 de uma lista criada por profissionais da indústria, atrás apenas de Pinóquio, da Disney, e do soviético Ouriço na Neblina - e um dos principais responsáveis pela revolução pela qual o anime no Japão passou nas décadas de 1980 e 1990, com vários estúdios tendo sido fundados por causa de seu sucesso. Apesar de não ser, a rigor, uma produção do Studio Ghibli, que nem existia na época em que foi lançado, Nausicaä costuma ser incluído na filmografia oficial do estúdio e em lançamentos das obras completas deles em home video; a razão principal para isso é que toda a equipe principal do filme - Miyazaki, Takahata, Suzuki e Hisaishi - fundaria o Studio Ghibli no ano seguinte, o que faz com que a produção, se não for um Ghibli de nome, é um de alma.

O Castelo no Céu
Tenku no Shiro Laputa
1986

Após o sucesso de Nausicaä, Miyazaki quis fazer um filme clássico de aventura, e começou a pesquisar sobre a cidade de Yanagawa, que, assim como Veneza, possui uma rede de canais que a cortam, para ambientar sua história lá. Esse projeto jamais sairia do papel, mas motivaria Takahata a dirigir um documentário sobre como a poluição das indústrias locais estava afetando os canais de Yanagawa, lançado em 1987. Enquanto o documentário estava sendo filmado, a Topcraft iria à falência, e Miyazaki, Takahata e Suzuki decidiriam comprar seus ativos e fundar o Studio Ghibli. Precisando de dinheiro por causa do financiamento do documentário e da compra do estúdio, Miyazaki aceitaria uma sugestão de Suzuki e começaria a escrever um roteiro baseado em uma ideia que ele teve na adolescência, sobre aventureiros que tentam encontrar uma cidade voadora cheia de tesouros.

Sendo praticamente o dono do estúdio, Miyazaki decidiria que ele mesmo iria escrever e dirigir o filme, com Takahata mais uma vez atuando como produtor e Hisaishi novamente compondo a trilha sonora. Para encontrar inspiração para a ambientação do filme, ele visitaria, em 1985, o País de Gales, chegando lá bem em meio a uma greve dos mineradores, em protesto contra o governo britânico querer fechar suas minas; isso lhe causaria um grande impacto, e ele decidiria que um dos temas do filme seria os trabalhadores lutando contra poderosos que querem alterar seu estilo de vida. Ele basearia a principal cidade do filme em uma cidade galesa que cresceu e se desenvolveu em torno da mineração, e faria da cidade no céu um castelo, ao estilo dos que ele viu em Gales.

O filme começa com uma garotinha chamada Sheeta, sendo transportada em um airship (um gigantesco navio voador) por um agente do governo chamado Muska. Quando a embarcação é atacada pelos piratas da gangue da Mamãe Dola, ela aproveita a oportunidade para fugir, indo parar em uma pequena cidade, na qual conhece o menino Pazu, mais ou menos de sua idade. Pazu conta a ela a lenda da cidade voadora de Laputa, onde haveria incríveis tesouros, e os dois acabam descobrindo que não somente tanto Muska quanto Dola estão tentando encontrar a cidade, mas também que Sheeta possui uma ligação com Laputa, com o governo e os piratas estando atrás dela para tentar localizar a cidade.

Desde o início, Miyazaki deixaria claro que o objetivo do Studio Ghibli seria levar a animação de volta a um patamar de excelência que havia ficado no passado, já que, na década de 1980, a ordem mundial era cortar custos mesmo que isso comprometesse a qualidade das obras - o que afetaria até mesmo a Disney, que, no período, lançaria desenhos que seriam criticados por sua baixa qualidade e falhariam em cativar as plateias, como O Caldeirão Mágico e As Peripécias do Ratinho Detetive. Concordando com ele, Takahata ordenaria que a qualidade da produção deveria ser a mais alta possível, sem levar o custo em consideração. Com isso, O Castelo no Céu combinaria animação tradicional em folhas de acetato com pinturas a óleo, aquarelas e técnicas de rotoscopia, nas quais o desenho é pintado sobre cenas filmadas. O resultado final seria belíssimo, mas também caríssimo, com o custo total de produção ficando em 500 milhões de ienes, quase oito vezes mais do que custou Nausicaä.

Assim como Nausicaä, O Castelo no Céu tem uma mensagem ecológica muito forte, questionando a relação do homem com a natureza e o uso desmedido da tecnologia; a árvore gigante encontrada em Laputa, segundo Miyazaki, é uma metáfora para o poder da natureza. Outro tema claro do filme é que a tecnologia não é boa ou ruim, apenas correspondendo ao uso que os homens fazem dela. Laputa seria uma utopia onde a tecnologia e a natureza conseguem viver em harmonia, mas tem sua existência ameaçada pela ganância e pela violência. O nome da ilha (que os japoneses chamam de "rapiúta") seria tirado de As Viagens de Gulliver, de Jonathan Swift, que também tem uma ilha voadora com esse nome, o que faria com que, na época do lançamento nos Estados Unidos, alguns imaginassem que o filme era inspirado nesse livro.

O Castelo no Céu é repleto de máquinas voadoras, uma paixão de Miyazaki - as naves futuristas e planadores de Nausicaä aqui dão lugar a aviões, airships e ornitópteros quase vitorianos, o que deixa o filme com um aspecto retrofuturista, impossível de determinar se ele ocorreria no futuro ou em algum passado alternativo; Miyazaki comentaria não gostar dos animes de mecha, extremamente populares na década de 1980, argumentando que neles as máquinas não têm alma, nunca sendo construídas ou consertadas por ninguém, e tendo formatos que tornariam impossível que elas voassem no mundo real - ele preferiria criar máquinas voadoras com uma aparência quase como se elas fossem feitas à mão, que respeitassem ao máximo as leis da física na hora de voar. Apesar de alguns argumentarem que o filme pertence ao subgênero da ficção científica dieselpunk, é consenso que O Castelo no Céu teria grande influência sobre obras subsequentes de outro estilo, o steampunk, no qual as histórias são ambientadas em uma época semelhante à vitoriana, na qual existem máquinas futuristas movidas a vapor.

O Castelo no Céu seria lançado em 2 de agosto de 1986, mais uma vez distribuído nos cinemas japoneses pela Toei. Infelizmente, em seu lançamento, não seria um sucesso, rendendo pouco mais de 1,1 bilhão de ienes, cerca de 3/4 do que rendeu Nausicaä, mas proporcionalmente bem menos, já que o orçamento foi bem maior. Miyazaki e Suzuki se diriam desapontados com a bilheteria, e temeriam que o filme fosse esquecido; nos anos seguintes, porém, graças principalmente a seu lançamento na Europa e às vendas do home video, o filme se tornaria cult, e hoje é considerado pelos fãs como um dos melhores da história da animação japonesa. Nos Estados Unidos, ele seria lançado nos cinemas pela primeira vez pela Streamline Pictures em 1989, e posteriormente pela Disney em 2000, em uma dublagem que trazia, dentre outros, Anna Paquin como Sheeta, James Van Der Beek como Pazu, e Mark Hamill como Muska. O Castelo no Céu também estrearia no Brasil, em 14 de julho de 1989, de forma discreta.

A crítica também aclamaria o filme, considerando-o uma estreia bombástica para o Studio Ghibli, um dos maiores filmes de aventura da história do cinema japonês, e o mais divertido da carreira de Miyazaki. O Castelo no Céu renderia o terceiro Prêmio Ofuji Noburo do diretor, e receberia um prêmio especial no Festival de Cinema de Osaka. Diversos diretores, como Mamoru Oshii, de Ghost in the Shell, e John Lasseter, da Disney/Pixar, o citam como um de seus filmes preferidos e uma de suas principais inspirações. Sakaguchi também cita O Castelo no Céu como uma das inspirações para a criação de Final Fantasy, principalmente seus airships, que hoje são encontrados em vários games de fantasia, mas eram praticamente inexistentes na cultura japonesa antes de Miyazaki introduzi-los.

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