sábado, 17 de maio de 2025

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Studio Ghibli (II)

Hoje seguiremos com a série de posts sobre o Studio Ghibli, conferindo mais três obras dos anos 1980!

Meu Amigo Totoro
Tonari no Totoro
1988

Em 1986, Isao Takahata dirigiria a série de anime Marco, dos Apeninos até os Andes, produzida pela Nippon Animation, cujo protagonista era um menino que mora na Itália, na década de 1880, filho do diretor de um pequeno hospital, cuja mãe, uma enfermeira, viaja à Argentina para trabalhar como governanta e complementar a renda da família; quando as cartas de sua mãe param de chegar, Marco supõe que ela está doente, e embarca numa aventura para ir da Itália à Argentina sozinho encontrá-la. Hayao Miyazaki seria animador de alguns episódios e, ao concluir a série, ficaria com vontade de criar algo semelhante, mas ambientado no Japão. Dez anos depois, em 1986, após escrever e dirigir dois filmes de aventura, ele acharia que o momento era propício para trabalhar em um filme delicado para toda a família, e finalmente começaria a levar a cabo esse projeto. Ele começaria criando uma protagonista baseada em sua sobrinha de 4 anos, e um grupo de animais mitológicos que seriam guardiões da natureza serenos e despreocupados, os quais ele chamaria de totoros.

Meu Amigo Totoro acompanha duas irmãs, Satuski, de 10 anos, e Mei, de 4 anos, que se mudam com o pai, o professor universitário Tatsuo, para uma casa decrépita na zona rural, para ficar mais perto do hospital onde a mãe das meninas, Yasuko, está internada há muito tempo com uma doença jamais especificada. Lá, elas fazem amizade com uma idosa chamada apenas de Vovó, que trabalha nas plantações de arroz e faz um bico como cozinheira e faxineira para Tatsuo, e cujo neto, Kanta, tem medo da casa, dizendo que ela é assombrada. De fato, logo ao chegar, Satsuki e Mei veem estranhas criaturas que fogem da luz e se escondem em frestas, que, segundo Vovó, são espíritos da natureza que vivem em casas fechadas e se escondem da luz.

Um dia, enquanto o pai está no trabalho e Satsuki não está olhando, Mei vislumbra um espírito da floresta parecido com um gato, e o segue pela mata até o interior de uma gigantesca canforeira, onde está dormindo um espírito da floresta muito maior; ao perguntar o nome dele, ele ruge, mas ela entende Totoro. A partir de então, Satsuki e Mei passam a ter a companhia de Totoro quando estão sozinhas em casa, com o espírito criando várias brincadeiras para distraí-las.

No roteiro original, a história é ambientada em 1955, mas, segundo Miyazaki, a equipe de produção não faria a pesquisa adequada, de forma que, quando a produção começou, os animadores optaram por ambientar o filme em um passado recente, mas indefinido. Miyazaki decidiria fazer a arte conceitual do filme em aquarela, e, inicialmente, faria apenas a menina mais nova - tanto que, em toda a arte de divulgação do filme, inclusive no pôster para o cinema, há apenas uma menina junto a Totoro. A necessidade de dar à menina uma irmã viria quando algumas cenas do filme - incluindo uma das mais icônicas, na qual as irmãs estão em um ponto de ônibus no meio do nada esperando o pai chegar do trabalho e Totoro aparece para elas, embarcando em um ônibus no formato de um gato com oito patas - se tornariam inverossímeis caso a menina estivesse sozinha; parte do roteiro já estava escrito quando Miyazaki decidiu que seriam duas meninas, e, segundo ele, reescrever a história para incluir uma irmã se mostraria complicado, e acabaria atrasando a produção do filme. A equipe de produção contaria com apenas oito animadores, que concluiriam todo o trabalho em oito meses.

Um dos principais responsáveis pelo sucesso do filme seria o diretor de arte Kazuo Oga, que pediria para trabalhar no projeto após ver uma aquarela de Totoro feita por Miyazaki. Oga seria o responsável por escolher a paleta de cores do desenho - definida pelo produtor Toshio Suzuki como "natureza pintada em tons translúcidos" - e seria sempre desafiado por Miyazaki a aumentar a qualidade da produção mais e mais; Miyazaki ficaria tão satisfeito com o resultado que passaria a chamar Oga para todos os seus projetos, com seu estilo se tornando uma das marcas registradas das produções do Studio Ghibli. O filme também criaria técnicas inovadoras para retratar água e chuva - com a chuva sendo rabiscada em uma segunda folha de acetato sobreposta à que trazia os personagens - que resultariam em maior realismo e acabariam sendo adotadas por diversas produções subsequentes de vários estúdios.

Embora, principalmente devido a Nausicaä e O Castelo no Céu, muitos críticos de fora do Japão tenham enxergado um tema ecológico em Meu Amigo Totoro, o principal tema da produção é o animismo, a crença de que todos os objetos, animais e elementos da natureza são vivos e possuem essência espiritual, com a natureza sendo vigiada por espíritos guardiões. Totoro, que é uma mistura de gato e tanuki, o guaxinim japonês, é um kami, uma divindade da natureza de poderes quase ilimitados, o que pode ser notado pelo fato de que a canforeira onde mora fica dentro do terreno de um templo xintoísta; quando Mei conta a seu pai (que jamais o vê, apenas as duas irmãs têm esse privilégio) sobre a existência de Totoro, Tatsuo acredita, leva as meninas ao templo para rezar em agradecimento, e se refere à criatura como um "mestre da floresta" - uma prática comum na religião xintoísta quando um devoto acredita ter visto um kami. Para todos os efeitos, Totoro é real e suas interações com as meninas são verdadeiras, não sendo resultado de sonhos ou da imaginação das duas por estarem sozinhas, como ficaria subentendido em uma produção ocidental.

Escrito e dirigido por Miyazaki, produzido por Toru Hara, e com trilha sonora de Joe Hisaishi, Meu Amigo Totoro estrearia em 16 de abril de 1988, distribuído pela Toho (de Godzilla), em sessão dupla com outro filme do Studio Ghibli produzido simultaneamente, Túmulo dos Vagalumes, no que a imprensa japonesa chamou de "uma das mais inesquecíveis sessões duplas da história do cinema". O orçamento do filme não seria revelado, mas sua bilheteria seria de 588 milhões de ienes, o que seria considerado satisfatório por Miyazaki. O filme estrearia na Europa, começando pela França, em 1999, e em diversos outros países a partir de 2002, com o último sendo a China, onde só estreou em 21 de dezembro de 2018. Nos Estados Unidos, ele seria lançado nos cinemas pela Troma Filmes em 1993, com uma dublagem originalmente feita pela Streamline Pictures para exibição durante voos da Japan Airlines, e pela Disney, com uma nova dublagem que trazia as irmãs Dakota e Elle Fanning como Satsuki e Mei, em 2005. A crítica mais uma vez aclamaria o filme, que seria eleito a melhor animação de todos os tempos pela revista britânica Sight & Sound e daria o quarto Prêmio Ofuji Noburo seguido para Miyazaki, além de ganhar o prêmio de Melhor Filme no festival de cinema da Mainichi Shimbun.

Para aproveitar a popularidade do filme, em maio de 1988 a Tokuma Shoten, editora dona do grupo do qual o Studio Ghibli fazia parte, publicaria uma série de quatro mangás que adaptavam a história do filme usando imagens do próprio filme - o que, no Japão, é conhecido como ani-manga. Em 2003, Miyazaki escreveria e dirigiria um curta de 13 minutos, chamado Mei to Konekobasu, que serviria como continuação de Meu Amigo Totoro, mostrando Mei em uma viagem mágica acompanhando o filho do ônibus-gato e vários outros veículos em formato de gato; esse curta é exibido regularmente no Museu Ghibli, em Tóquio, mas jamais foi lançado nos cinemas ou em home video. Mas a adaptação mais curiosa foi uma peça de teatro, montada pela Royal Shakespeare Company, que teve duas temporadas no Barbican Centre, em Londres, a primeira entre outubro de 2022 e janeiro de 2023, a segunda entre novembro de 2023 e março de 2024, ganhando seis Prêmios Olivier, o maior do teatro britânico.

Apesar de todo o sucesso e reconhecimento que Miyazaki já havia conquistado antes, Meu Amigo Totoro seria considerado um marco em sua carreira; Totoro, hoje é um dos personagens infantis mais famosos e populares do planeta, e sua popularidade dentre as crianças japonesas é comparada à do Ursinho Pooh entre as britânicas - em uma pesquisa feita com adultos japoneses em 2018, Totoro viria em quarto lugar como mais facilmente reconhecível, atrás apenas de Mario, Sonic e Mickey Mouse. Miyazaki aproveitaria a popularidade do personagem e o transformaria no mascote do Studio Ghibli, com o Totoro de perfil com um dos espíritos da natureza na cabeça estando na tela que aparece antes de todas as produções do estúdio - assim como o planeta da Universal ou a montanha da Paramount aparecem antes dos filmes desses estúdios.

Túmulo dos Vagalumes
Hotaru no Haka
1988

Quando saiu da Topcraft para fundar o Studio Ghibli, Isao Takahata trabalhava como produtor, função que manteve em O Castelo no Céu; entretanto, ele também era um diretor e roteirista renomado, tendo inclusive ganhado um Prêmio Ofuji Noburo em 1981 por Sero Hiki no Gauche, adaptação do conto de mesmo nome, de Kenji Miyazawa, no qual um jovem violoncelista interage com animais que visitam sua casa enquanto pratica sua música - que, no filme é toda composta por Ludwig van Beethoven. Assim, após o lançamento de O Castelo no Céu, ficaria acertado que a produção seguinte do Studio Ghibli seria dirigida e escrita por Takahata.

A preferência de Takahata era uma adaptação de Hotaru no Haka, de 1967, história autobiográfica com alguns detalhes levemente alterados, escrita por Akiyuki Nosaka, que, na adolescência, sobreviveu ao bombardeio das Forças Aliadas à cidade de Kobe, em 1945. Durante anos, Nosaka seria abordado por executivos do cinema japonês que desejavam fazer uma adaptação em filme, com atores, mas sempre recusou, dizendo que seria impossível reproduzir cenograficamente a devastação criada pela guerra, e que as crianças japonesas contemporâneas não conseguiriam interpretar o sofrimento dos personagens de forma convincente. Quando Takahata abordou o autor com a proposta de uma versão em animação da história, ele ficaria bastante surpreso, e, após ver os storyboards preparados pelo roteirista, concluiria que essa seria a única forma de levar sua história com fidelidade para o cinema.

Takahata, por sua vez, argumentaria que seu desejo de filmar a história viria do fato de que seu protagonista, Seita, era um menino adolescente normal, com o qual as plateias poderiam se identificar; segundo ele, um defeito dos filmes japoneses sobre a Segunda Guerra Mundial era que os protagonistas eram sempre extremamente nobres e heroicos, a um nível que os jovens na plateia eram levados a crer que todos na época da Guerra eram melhores do que eles, o que acabava resultando em rejeição aos personagens; Takahata queria desfazer essa noção, com um filme de guerra que mostrasse os protagonistas vivendo suas vidas e até mesmo, apesar de todas as dificuldades trazidas pela guerra, se divertindo, ao invés de retratá-los como patriotas abnegados ou moralmente superiores, e a história de Nosaka fazia justamente isso. Outra característica que chamou a atenção de Takahata foi que toda a história era retratada através do ponto de vista de Seita, com até mesmo os fatos objetivos sendo filtrados por seus sentimentos.

O filme acompanha Seita, que tem por volta de 16 anos, e sua irmã, Satusko, que tem por volta de 4, indo morar com uma tia após sua casa ser destruída em um bombardeio, e tentando retomar a normalidade de suas vidas em meio à incerteza trazida pela guerra. Os vagalumes do título são usados como metáforas para o espírito das crianças mortas na guerra, o fogo que devastou as cidades japonesas nos bombardeios e a regeneração da vida através da natureza; nas décadas de 1920 e 1930, os vagalumes eram onipresentes no Japão, mas, nas de 1940 e 1950, quase desapareceram devido ao crescimento desordenado das cidades, e, nas de 1960 - quando a história original foi escrita - e 1970, voltaram a se multiplicar, principalmente graças aos esforços do Ministério do Meio Ambiente japonês. De forma interessante, Takahata escolheria escrever, no título do filme, a palavra hotaru, "vagalume" em japonês, não com o kanji que a representa, mas com três kanji separados que, lidos em sequência, formam a palavra hotaru - a parte interessante sendo que o primeiro desses kanji é o que significa "fogo", o que foi feito para enfatizar ainda mais a relação entre os insetos e os bombardeios.

A equipe do Studio Ghibli teria muita dificuldade durante a pré-produção por causa de um problema inusitado: na cultura japonesa, é considerado desrespeitoso, em obras de animação, retratar o Japão de forma realística - é possível uma equipe que está trabalhando em um anime ambientado no exterior viajar para outro país para retratá-lo de forma realística, mas fazer o mesmo com o Japão, seja o contemporâneo ou o histórico, é malvisto e criticado. A equipe, portanto, lutaria para fazer a cidade de Kobe, onde o filme era ambientado, o mais parecida possível com como era em 1945, mas sem ser idêntica, para evitar a ira dos moradores locais - até porque, afinal, na época do lançamento do filme, o bombardeio havia ocorrido há apenas 40 anos, e muitos dos sobreviventes ainda poderiam ir ao cinema. Isso causaria um atraso na produção, que faria com que Túmulo dos Vagalumes fosse produzido em conjunto com Meu Amigo Totoro, e com que ambos fossem lançados nos cinemas em sessão dupla.

Takahata também consideraria usar vários métodos não-tradicionais de animação durante a produção do filme, principalmente porque era uma história difícil de ser adaptada do ponto de vista emocional - a Segunda Guerra Mundial ainda era uma ferida dolorida para os japoneses - e ele imaginava que a beleza do filme pudesse ajudar as plateias a absorver a história; por causa do atraso na produção, ele acabaria desistindo e fazendo "aquilo que eles faziam sempre e que sabiam que eram bons fazendo". A única grande inovação do filme, algo jamais tentado antes em qualquer anime, foi sugestão do diretor de arte Michiyo Yasuda: os contornos dos personagens e dos cenários, a menos que absolutamente necessário, não eram feitos com tinta preta, mas com tinta marrom, o que dava às imagens um aspecto mais leve. Pode parecer bobagem, mas essa alteração representou um grande desafio para a equipe de animadores, já que a tinta marrom não contrasta tão bem com as outras cores quanto a preta.

Para garantir que tudo sairia do jeito que ele planejava, Takahata traria para o projeto dois animadores de sua confiança, Yoshifumi Kondo e Yosiyuke Momose, que haviam trabalhado com ele quando ele trabalhava para a Nippon Animation; os dois seriam creditados como os principais responsáveis por criar as animações fluidas e realísticas do filme, e acabariam ficando no Studio Ghibli. O diretor também recorreria à sua própria experiência para retratar os bombardeios da forma mais realística possível, já que também havia sobrevivido a um, na cidade de Okayama - segundo ele, uma coisa que ele jamais gostou em filmes e programas de TV sobre a Segunda Guerra Mundial foi que os bombardeios mostravam faíscas e explosões espetaculares como as de granadas, coisas que, na realidade, não aconteciam nos bombardeios da época.

No ocidente, Túmulo dos Vagalumes costuma ser visto como uma crítica à guerra e ao nacionalismo exagerado, principalmente por mostrar as agruras pelas quais Seita passa sem nenhuma glamourização. Takahata sempre negaria essa interpretação, dizendo que não há nenhuma mensagem pacifista no filme, e que preferia que ele fosse visto como uma denúncia ao totalitarismo - segundo o diretor, as plateias de hoje conseguem simpatizar com o sofrimento de Seita, diferentemente do que ocorria na época em que o filme é ambientado, quando muitos dos comportamentos adotados pelo menino levariam à antipatia e até mesmo a ele ser considerado um traidor da pátria; Takahata também dizia ser "assustador imaginar" que algum dia o eixo moral da sociedade poderia virar novamente ao ponto de fazer com que as plateias ficassem contra Seita ao invés de torcendo por ele. Falando nisso, uma característica de Túmulo dos Vagalumes é que ele não dá qualquer contexto para a Guerra, começando com o bombardeio e seguindo Seita a partir daí sem jamais dizer por que Kobe foi bombardeada; embora isso tenha sido feito na intenção de focar ao máximo a história em Seita, Takahata, depois de ler as primeiras críticas ao filme, se diria arrependido, temeroso de que algum político pudesse usar sua obra como propaganda ou justificativa de que os japoneses precisariam lutar mais ou serem mais patrióticos para evitar que tragédias como aquela se repetissem - o que, felizmente, até hoje, nunca aconteceu.

O diretor também ficaria desapontado ao ouvir as pessoas dizendo que o filme era muito triste, e que muitos haviam saído do cinema chorando, já que sua intenção não era fazer um melodrama; ele chegaria a declarar ter se arrependido por ter retratado Seita como um adolescente da época, achando que as plateias entenderiam melhor o personagem caso ele fosse um adolescente da época atual que viajou no tempo e foi parar no meio do bombardeio. Por outro lado, a sequência inicial, que não está presente na história original, tendo sido criada por Takahata - e que eu não vou descrever para evitar spoilers - foi acusada pelos críticos de ter potencial para estragar a experiência de assistir o filme, mas defendida com unhas e dentes pelo diretor, que argumentava justamente o contrário, que as plateias estariam mais bem preparadas para o que viria a seguir após assisti-la.

Túmulo dos Vagalumes estrearia nos cinemas japoneses em 16 de abril de 1988, em sessão dupla com Meu Amigo Totoro; seu orçamento não seria revelado, mas sua bilheteria seria de 588 milhões de ienes, o que seria considerado muito decepcionante por Takahata. A intenção da Toho, que distribuiu os dois filmes, era que as crianças e seus pais assistissem ambos juntos, mas a avaliação do Studio Ghibli foi que, após as críticas detalharem que Túmulo dos Vagalumes era muito triste, a maioria dos pais desistiu de levar seus filhos para ver o Totoro - e é impossível saber se teve gente que comprou o ingresso e assistiu a apenas um dos filmes, já que todos os ingressos eram contabilizados para ambos. A crítica, por outro lado, aclamaria o filme, considerado um dos melhores filmes de guerra da história do cinema japonês - o famoso diretor Akira Kurosawa declararia que Túmulo dos Vagalumes era um de seus filmes favoritos de todos os tempos, e, acreditando erroneamente que Miyazaki era seu diretor, escreveria uma carta para ele parabenizando-o. Apesar de todo o sucesso dentre a crítica, o filme acabaria eclipsado por Meu Amigo Totoro, e ficaria de fora das principais premiações japonesas.

Túmulo dos Vagalumes é o único filme do Studio Ghibli do qual a Disney nunca teve os direitos de distribuição internacional, já que não foi financiado pela Tokuma Shoten, e sim pela Shinchosa, editora que publicou a história original de Nosaka. Isso faria com que ele também nunca fosse lançado nos cinemas dos Estados Unidos, e com que as duas únicas versões dubladas em inglês tenham sido feitas para lançamento em home video, uma em 1998, pela Skypilot Entertainment, e uma em 2012, pela Seraphim. Por sua vez, isso fez com que o filme fosse muito menos conhecido no ocidente do que outras produções do Studio Ghibli - até mesmo na Europa ele seria lançado diretamente em home video, exceto na França, onde seria lançado nos cinemas pela Les Films du Paradoxe, mas apenas em Paris e com público modesto. Isso é considerado imperdoável pela maioria dos críticos de cinema, que acreditam que Túmulo dos Vagalumes é uma obra-prima que deveria ser mais conhecida - até mesmo o jornal USA Today o colocou na primeira posição de uma lista dos 100 melhores filmes de animação de todos os tempos, feita em 2018.

Em 2005, o canal de televisão NTV faria uma versão em filme, com atores, de Túmulo dos Vagalumes, mas com a história contada pelo ponto de vista da prima de Seita; uma nova versão, também com atores, mais fiel à história original do que ao anime, seria lançada nos cinemas japoneses em 2008. Takahata chegaria a escrever uma "sequência espiritual" para o filme, baseada no livro Kokkyo, de Shin Shikatra, ambientada em 1939 e criticando o imperialismo japonês, protagonizado por um adolescente japonês que vive em Seul (na época ocupada pelo Japão) e viaja até a Mongólia para se unir a um grupo de resistência que luta contra o exército japonês. Chamado Border 1939, o filme, que já tinha um roteiro completo, foi engavetado por causa dos protestos na Praça da Paz Celestial em 1989, quando a opinião pública japonesa passou a ser desfavorável à China, o que faria com que o Studio Ghibli não conseguisse encontrar um patrocinador.

O Serviço de Entregas da Kiki
Majo no Takkyuubin
1989

Em 1987, o Grupo Fudosha, deslumbrado com a qualidade de O Castelo no Céu, entraria em contato com a editora Fukuikan Shoten, que, dois anos antes, em 1985, havia publicado o livro infantil de grande sucesso Majo no Takkyuubin, de Eiko Kadono. A intenção do Grupo Fudosha era contratar o Studio Ghibli para fazer uma versão animada do livro, dirigida por Miyazaki ou Takahada, financiando-a e repartindo os lucros. Na época, entretanto, ambos os profissionais já estavam envolvidos com outros projetos - Miyazaki com Meu Amigo Totoro, Takahata com Túmulo dos Vagalumes - de forma que o Studio Ghibli avisou que aceitaria a tarefa, mas apenas se o filme fosse dirigido por Sunao Katabuchi e escrito por Nobuyuki Isshiki, com Miyazaki atuando como produtor. O Grupo Fudosha aceitou, e o projeto entrou em pré-produção.

Miyazaki contudo, não gostaria do roteiro de Isshiki, decidiria ler o livro e se apaixonaria pela história, começando a escrever um rascunho para um novo roteiro alterando alguns detalhes da história. O livro é ambientado em um país não especificado da Escandinávia, mas Miyazaki decidiria combinar características arquitetônicas de Estocolmo, Amsterdã, Paris e San Francisco - com as placas e nomes de lojas sendo escritas em um idioma inventado que lembra o sueco - para criar uma cidade na qual a população tem características típicas da sociedade japonesa, o que permitiria que ele abordasse temas sensíveis para as adolescentes japonesas, como independência, confiança e o aumento da responsabilidade conforme chega a vida adulta. Quando viu, Miyazaki tinha um roteiro completo e muita vontade de dirigir o filme, pedindo para que a pré-produção fosse colocada em suspenso até que ele terminasse Meu Amigo Totoro, e liberando Isshiki e Katabuchi de suas funções.

No mundo em que o filme é ambientado, existem bruxas, mulheres com poderes mágicos capazes de voar em vassouras, preparar poções, falar com animais e prever o futuro, dentre outras habilidades; ao contrário do imaginário popular, porém, elas não são malignas, e são vistas como membros importantes da sociedade. Como bruxas são muito raras - somente filhas de bruxas também nascem bruxas - cada cidade só pode ter uma delas, e, segundo a tradição, quando uma bruxa completa 13 anos, precisa deixar a cidade onde mora com a mãe e procurar uma cidade que não tenha nenhuma bruxa, onde se estabelecerá, concluirá seu treinamento e residirá pelo resto de sua vida.

O filme começa, portanto, quando a bruxinha Kiki completa 13 anos, tendo que deixar a pequena cidade onde sempre morou com seus pais e escolher uma nova onde será a bruxa local. Voando em sua vassoura em companhia de seu gato preto Jiji, ela decide se estabelecer em uma cidade próxima ao oceano, pois sempre teve o sonho de viver perto do mar, mas acaba escolhendo uma grande demais, completamente diferente do que estava acostumada. Ao chegar lá, ela faz amizade com a padeira Osono, que lhe aluga um quarto, e com o menino Tombo, que faz parte de um clube de aviação e se apaixona por ela, e, seguindo a tradição de que o treinamento da bruxa deve começar por sua principal habilidade, decide criar um serviço de entregas expressas, já que sua principal habilidade é voar. Voando pela cidade para entregar suas encomendas, ela conhece a jovem artista Ursula, que vive numa choupana no meio da floresta e se torna sua melhor amiga. Mas o principal desafio de Kiki será convencer o povo da cidade grande de que uma bruxa não é apenas uma curiosidade bizarra, e fazer com que seu negócio dê certo sem perder a fé em suas habilidades.

Miyazaki mexeria tanto no roteiro que o filme acabaria quase que completamente diferente do livro, que é composto por vários episódios, cada um deles envolvendo uma das entregas de Kiki, que sempre encontra um obstáculo mas o supera com seu bom coração, a cada episódio expandindo seu círculo de amizades. Miyazaki acharia que os obstáculos representados no livro não ofereciam desafios de verdade a Kiki, e os modificaria para explorar os temas da solidão, da perda de confiança em si mesmo e da superação da desconfiança alheia, o que, segundo ele, tornaria o filme mais realístico e possibilitaria que as plateias se identificassem com Kiki. Kadono ficaria extremamente insatisfeita com as alterações, e, após ler o roteiro, ameaçaria proibir a realização do filme; Miyazaki e Suzuki a convidariam para visitar o estúdio e a assegurariam que, apesar das mudanças, a mensagem central e a personalidade de Kiki não seriam alteradas, com ela decidindo autorizar a produção depois dessa visita.

O Serviço de Entregas da Kiki estrearia nos cinemas japoneses em 29 de julho de 1989, distribuído pela Toei. Com orçamento de 800 milhões de ienes, seria o anime mais caro da história, empatado com Akira (1988) e Oritsu Uchugun: Oneamisu no Tsubasa (1987); felizmente para o Studio Ghibli, ele renderia nas bilheterias nada menos que 4,3 bilhões de ienes, sendo o filme mais rentável do ano no Japão e um dos mais rentáveis da história do cinema japonês - seria também o primeiro filme do Studio Ghibli a ter lucro em seu lançamento, sem precisar das vendas de home video e de merchandising associado para se pagar. A crítica receberia o filme extremamente bem, elogiando o realismo de Kiki - como adolescente, não como bruxa - e a simplicidade da história, que passa sua mensagem sem rodeios, o que renderia o prêmio de Melhor Filme de Animação no festival de cinema da Mainichi Shimbun.

O Serviço de Entregas da Kiki seria o segundo filme do Studio Ghibli a estrear no Brasil, em 27 de julho de 1990. Assim como Meu Amigo Totoro, o filme seria dublado em inglês pela Streamline Pictures para exibição durante os voos da Japan Airlines, mas, dessa vez, a Tokuma Shoten não autorizaria a exibição dessa versão nos cinemas dos Estados Unidos; ele seria, porém, o primeiro filme do Studio Ghibli a ser dublado em inglês e exibido nos cinemas dos Estados Unidos como parte do acordo entre a Tokuma Shoten e a Disney, com a estreia oficial ocorrendo durante o Festival Internacional de Cinema de Seattle de 1998. Os nomes mais famosos da dublagem da Disney são Kirsten Dunst como Kiki e Janeane Garofalo como Ursula. Na Europa, o filme seria distribuído nos cinemas e em home video pela StudioCanal, mas apenas a partir de 2013. No ocidente, O Serviço de Entregas da Kiki costuma ser considerado um dos melhores filmes infantis de todos os tempos, figurando nas primeiras posições de várias listas do gênero.

O sucesso de O Serviço de Entregas da Kiki nos cinemas do Reino Unido seria tamanho que ele acabaria adaptado para um musical, que teria duas temporadas, a primeira entre dezembro de 2016 e janeiro de 2017 e a segunda entre agosto e setembro de 2017, na Southwark Playhouse; esse musical acabaria adaptado para o japonês e encenado em Tóquio, Nagoya e Osaka, em três temporadas, em 2017, 2018 e 2021. Assim como fez com Meu Amigo Totoro, a Tokuma Shoten lançaria uma adaptação em ani-manga em quatro volumes, além de um livro de 208 páginas com arte conceitual e final do filme, ambos em 1989.

Para terminar, uma curiosidade: a palavra takkyuubin, que significa algo como "correio rápido residencial", é uma marca registrada da empresa de entregas Yamato Transport, sendo estilizada em países onde o serviço existe, mas que não usam o sistema de escrita japonês, como TA-Q-BIN. Kadono havia usado o nome do serviço sem autorização, tanto no título de seu livro quanto no nome do serviço de entregas de Kiki, o que gerou um mal-estar entre a autora e a empresa. Para não correr o risco de ter de mudar o nome do filme, o Studio Ghibli convidaria a Yamato para ser um de seus patrocinadores, o que tornaria o nome do serviço de Kiki "oficial", e garantiria à empresa parte da bilheteria. A Yamato ficaria tão satisfeita com o sucesso do filme que decidiria desistir do processo contra Kadano, deixando pra lá a história do uso não-autorizado.

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