Penélope e o Escritor
Penélope viu o anúncio de emprego na internet: precisa-se de pessoa para cuidar de idosa, poucas horas por dia, trabalho fácil, um salário mínimo. Reconheceu o nome de quem anunciava: um escritor de meia-idade que havia conhecido alguns anos antes, na Bienal do Livro, durante uma sessão de autógrafos. Estudante de Letras, Penélope havia se interessado pelo tema do livro e, ao conhecer o autor, se surpreendeu com como ele era bonito e simpático, e até sentiu por ele uma certa atração, apesar de ele ter idade para ser seu pai. Agora já formada, pensou que talvez tivesse a oportunidade de ficar próxima ao escritor se conseguisse o emprego, e resolveu ir até lá se candidatar.
O escritor morava em uma casa afastada, em um dos últimos bairros da cidade, praticamente na zona rural. Segundo ele, era o melhor para se concentrar em seus livros, mas trazia algumas dificuldades, principalmente com sua mãe idosa. Ele abriu a porta para Penélope, mas não a reconheceu, e, após passar brevemente o que esperava que ela fizesse no trabalho, a levou até o quarto de Dona Dulce, sua mãe, de quem Penélope deveria cuidar.
Após uma rápida apresentação, o escritor disse que precisava voltar a seu estúdio, o cômodo da casa no qual escrevia seus livros, e deixou Penélope sozinha com Dona Dulce. A idosa senhora fez imediatamente uma expressão de comiseração, e, com uma voz sussurrante, pediu a Penélope que não aceitasse o emprego. Compadecida da fragilidade da velhinha, e animada por estar tão perto do escritor, Penélope apenas abriu um sorriso, pegou na mão de Dona Dulce e garantiu que tudo iria dar certo.
Os dias se passaram, e o trabalho de Penélope correu sem percalços. Dona Dulce era um amor de pessoa e não dava trabalho, apesar de, vez por outra, insistir que Penélope não deveria estar ali, e praticamente implorar para que ela deixasse o emprego. A jovem sempre a confortava, entretanto, e garantia que sabia o que estava fazendo.
Aos poucos, Penélope aproveitava sua presença na casa para se aproximar do escritor. Levava um café para seu estúdio no meio do expediente, passava por lá no fim do dia para se despedir, perguntava coisas das quais já sabia a resposta, só para falar com ele. Aos poucos, foi ganhando sua confiança, conversando cada vez mais com ele, até que ele passou a permitir sua presença no estúdio durante todo o tempo em que ela não estava atendendo às necessidades de Dona Dulce, até mesmo mostrando para ela alguns trechos do livro no qual ele trabalhava e pedindo sua opinião.
Penélope passaria a chegar mais cedo para tomar café da manhã com o escritor, a almoçar com ele, e a jantar com ele antes de ir embora. Logo os dois ficariam extremamente próximos, e, apesar da diferença de idade, um romance começaria a se desenhar. Dona Dulce, sempre em seu quarto, praticamente acamada, não acompanharia, mas sempre insistiria que Penélope deveria deixar o emprego, sempre sendo reconfortada pela jovem, que lhe dava um beijo na testa ou nas mãos, e afirmava que ela não precisava se preocupar.
Apesar da grande confiança que começava a se construir entre Penélope e o escritor, alguns assuntos eram proibidos. Como, por exemplo, por que ele nunca se casou. Ou o que aconteceu com a moça que tomava conta de Dona Dulce antes da chegada de Penélope, da qual a jovem ficou sabendo quando, em um raro momento de lucidez, a idosa havia mencionado, apenas para ser calada pelo filho antes mesmo que pudesse dizer seu nome. Para não estressar Dona Dulce, Penélope nunca conversava sobre esses assuntos com ela, e, sempre que tentava abordá-los com o escritor, percebia o quão desconfortável ele ficava, mudando logo de assunto. A conclusão lógica era que o desespero de Dona Dulce em fazer Penélope deixar o emprego tinha a ver com o destino dessa moça anterior, mas, aparentemente apaixonada, Penélope parecia não se importar que sua vida também poderia estar em risco.
Um dia, quando foi levar o lanche da tarde ao estúdio, Penélope encontrou o escritor meio transtornado. Após beber o café, ele começou a falar qualquer coisa sobre todas as mulheres serem interesseiras, todas apenas estarem de olho no dinheiro dele. Disse também que ela não deveria tê-lo provocado, ele sabia que aquilo não iria acabar bem, mas ele era fraco e não conseguia resistir aos avanços da jovem. Enquanto se encaminhava para pegar um abridor de cartas semelhante a um punhal, confessou que drogava a mãe para que ela não pudesse delatá-lo, pois havia matado não somente a moça que tomava conta de Dona Dulce antes de Penélope, mas também a anterior a ela, enterrado ambas no quintal, e que agora Penélope teria o mesmo destino.
Entretanto, conforme ele se aproximava, punhal na mão, para tirar a vida de Penélope, sentiu uma vertigem e teve de se apoiar na cadeira. Se aproximando, a jovem revelou que também tinha uma confissão a fazer: durante todo esse tempo, estava envenenando seu café, e naquele dia, ao ver que Dona Dulce estava especialmente agitada, havia colocado uma dose extra. Perguntou se ele não se lembrava daquele dia na Bienal do Livro, quando estavam ela e sua melhor amiga, ela havia se interessado por ele, mas foi a amiga quem chamou sua atenção. O escritor e a amiga de Penélope tiveram um breve romance, que resultou em uma gravidez, com o escritor abandonando-a assim que soube, e a amiga morrendo ao tentar fazer um aborto clandestino. Penélope havia jurado vingar a amiga, mas jamais imaginaria que o escritor também seria responsável por duas outras mortes.
Conforme o corpo sem vida do escritor desabava ao chão, Penélope sentia-se triplamente vingada.
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