sábado, 29 de junho de 2024

Escrito por em 29.6.24 com 0 comentários

Ziraldo

Pode não parecer, mas eu às vezes fico procurando assuntos nacionais para abordar aqui no átomo, porque, ao contrário do que muitos de vocês imaginam, eu não me interesso só por assuntos estrangeiros. O problema é que, como eu já falei aqui algumas vezes, é bem mais difícil encontrar as informações que eu quero para esses assuntos, o que me leva, quase sempre, a desistir. Essa semana (na qual eu estou escrevendo, não na qual eu estou postando, já que escrevo com antecedência), porém, eu decidi tentar bancar esse post, porque o Ziraldo morreu, e seus livros foram uma parte indissociável da minha infância. Se tem alguém que merece um post no átomo, mas que ainda não tinha ganhado um, esse alguém é o Ziraldo. Então, hoje é dia de Ziraldo no átomo!

Ziraldo Alves Pinto nasceu em 24 de outubro de 1932 em Caratinga, Minas Gerais. Seu nome diferente foi uma ideia de seu pai, Geraldo, que decidiu trocar a primeira sílaba de seu próprio nome pela primeira do apelido de sua esposa, Zizinha - cujo nome de batismo era Eufrazina. Ziraldo foi o mais velho de sete irmãos, com o terceiro sendo o também desenhista, cartunista, jornalista e escritor Zélio Alves Pinto - vale citar como curiosidade que, entre Ziraldo e Zélio, nasceu Ziralzi, que recebeu esse nome porque, segundo o pai, "era um Zi de Zizinha e um Zi de Ziraldo". Felizmente, depois desse ele passou a escolher nomes normais.

Ziraldo viveria em Caratinga até 1949, quando iria com a avó para o Rio de Janeiro. Moraria na cidade apenas um ano, entretanto, retornando a Caratinga para cursar o Ensino Médio, na época chamado Módulo Científico. Após concluir a escola, decidiria fazer faculdade de direito na Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), em Belo Horizonte, onde se formou em 1957. Mas sua paixão sempre foram os desenhos, com os quais começou muito cedo: aos 6 anos de idade, convenceu seu pai a enviar um de seus cartuns para o jornal Folha de Minas, que gostou tanto da arte do menino que a publicou. Enquanto estava na faculdade, começou a trabalhar na revista Era Uma Vez, o que o levou, em 1954, a ser contratado pelo jornal Folha da Manhã (atual Folha de São Paulo), para escrever uma coluna semanal de humor. Esse trabalho, por sua vez, o levou a conseguir um emprego, em 1957, na prestigiada revista O Cruzeiro, para a qual escrevia charges e cartuns. Em 1960, antes dos trinta anos de idade, Ziraldo ganharia dois importantes prêmios em reconhecimento ao seu trabalho: o Nobel Internacional do Humor, do Salão Internacional de Caricaturas de Bruxelas, Bélgica, e o Prêmio Merghantealler, principal premiação da imprensa da América Latina, na categoria Melhor Cartum.

Em 1958, Ziraldo se casaria com Vilma Costa Gontijo, com quem teve três filhos: a cineasta Daniela Thomas, o compositor Antônio Pinto e a diretora de teatro Fabrízia Alves Pinto. Eles ficariam casados até a morte dela, em 2000; dois anos depois, ele se casaria pela segunda vez, com a produtora Márcia Martins, 18 anos mais jovem que ele.

Em outubro de 1960, Ziraldo lançaria a primeira revista em quadrinhos brasileira colorida e de um só autor, Pererê, na qual publicaria novas histórias e republicações de tiras originalmente publicadas, desde o ano anterior, em preto e branco, em O Cruzeiro. Ambientadas na fictícia Mata do Fundão, as histórias acompanhavam personagens genuinamente brasileiros, tendo como protagonista um saci-pererê, chamado simplesmente Pererê, e seus amigos, o índio Tininim, a onça Galileu, o tapiti (espécie brasileira de coelho) Geraldinho, o jabuti Moacir, o macaco Alan, e o tatu Pedro Vieira. Mais tarde, seriam adicionadas duas personagens femininas, a Boneca de Pixe, namorada de Pererê, e sua melhor amiga, a indiazinha Tuiuiú, apaixonada por Tininim. Os principais antagonistas eram os fazendeiros Tonico Macedo e Seu Neném, donos de terras vizinhas à Mata do Fundão que tinham o sonho de caçar Galileu e expandir suas fazendas; e os meninos Rufino e Flecha-Firme, rivais de Pererê e Tininim. Outro personagem de destaque era a coruja General (mais tarde renomeada para Professor Nogueira), que tirava dúvidas dos personagens, ensinando diversos assuntos às crianças leitoras.

Pererê seria um grande sucesso de vendas e conseguiria uma das maiores tiragens para revistas nacionais de sua época, mas acabaria cancelada em 1964, logo após a instauração do regime militar, quando a gráfica que a imprimia seria fechada pelo governo; ao todo, seriam publicadas 46 edições. Em 1975, a Editora Abril lançaria A Turma do Pererê, nova revista com histórias inéditas, que, devido a baixas vendas, acabaria cancelada após apenas 10 edições. Desde então, as histórias da Turma do Pererê seriam publicadas apenas em almanaques lançados ocasionalmente. A Turma do Pererê também teria três encarnações na TV, todas com atores de carne e osso: um especial de Dia das Crianças exibido pela Globo em 1983, e duas séries exibidas na TVE, a primeira com 20 episódios, entre 2002 e 2004, a segunda com 26, entre 2010 e 2012.

Um ano antes da instauração do regime militar, em 1963, Ziraldo seria contratado como cartunista pelo Jornal do Brasil, uma das mais prestigiadas publicações da época. Lá, ele criaria os personagens Supermãe, Mineirinho e Jeremias, o Bom, homem que estava sempre disposto a ajudar os outros. Em plena ditadura militar, ele usaria esses personagens para criticar os modos e costumes da época, sempre com muito humor e de forma disfarçada. Enquanto trabalhava no Jornal do Brasil, ele também seria o criador do logotipo oficial do Festival Internacional da Canção, popular competição entre cantores da época, organizada pelo governo, que mostrava um galo cantando.

Em 1967, Ziraldo seria contratado pelo Jornal dos Sports, outra prestigiada publicação da época, para criar um suplemento de humor. Chamado Cartum JS, o suplemento, semanal, revelaria vários nomes que se tornariam referência no futuro, como Henfil, Miguel Paiva e Juarez Machado. Em 1969, ele lançaria seu primeiro livro infantil, que também se tornaria um dos mais famosos: Flicts, que contava a história de uma cor diferente de todas as outras, infeliz por não encontrar mais nada no mundo igual a ela. Durante a década de 1970, ele faria vários trabalhos como ilustrador, desenhando desde peças publicitárias a capas de LPs, e criaria, para um álbum de figurinhas, versões para todos os mascotes dos times da primeira divisão do Campeonato Brasileiro de futebol.

Ziraldo também seria um dos fundadores, junto com o cartunista Jaguar e os jornalistas Tarso de Castro e Sérgio Cabral, da revista O Pasquim, lançada em 22 de junho 1969. "Pasquim", então, era uma gíria usada para se referir a jornais de pouca qualidade, que não traziam notícias relevantes, semelhantes aos tabloides dos Estados Unidos e Reino Unido; o nome seria uma sugestão de Jaguar, que diria que seus detratores teriam de inventar outro nome se quisessem xingá-los. Definindo a si mesma como "um hebdomadário", O Pasquim era publicado uma vez por semana (que é exatamente o que hebdomadário significa), e, inicialmente, era uma publicação de humor, mas, conforme o tempo passava, grandes nomes do humorismo e do jornalismo, como Millôr Fernandes, Manoel Ciribelli Braga, Miguel Paiva, Henfil, Paulo Francis e Ivan Lessa, se uniam à equipe, e a publicação passaria a ter um tom cada vez mais político, sendo considerada como a principal oposição escrita ao regime militar.

O Pasquim acabaria sendo o responsável pela instauração da censura no Brasil, com a Lei de Imprensa, que a previa, sendo publicada pelo governo após Castro e Cabral publicarem uma entrevista que fizeram com a polêmica atriz Leila Diniz. Em novembro 1970, após a publicação de uma charge de Pedro Américo que mostrava D. Pedro I às margens do Ipiranga, o governo decretaria a prisão não só do cartunista como de toda a redação, incluindo Ziraldo, com base no Ato Institucional número 5 (AI-5). A intenção do governo era que a publicação saísse de circulação, mas Millôr, que não foi preso, assumiu a editoria, e, contando com colaboradores como Chico Buarque, Antônio Callado, Rubem Fonseca, Odete Lara e Gláuber Rocha, faria com que as vendas aumentassem ainda mais. Em fevereiro de 1971, quando Ziraldo, Jaguar, Castro e Cabral foram soltos, O Pasquim já vendia cerca de 100 mil exemplares por semana, mais do que as duas principais revistas de jornalismo da época, a Veja e a Manchete, somadas.

Ziraldo fez de tudo no Pasquim: desenhou, escreveu, entrevistou, diagramou, fez capas, inventou seções etc. Chegaria até mesmo a inventar uma palavra: dica, que ele usava no lugar de "indicação", que achava muito comprida, e acabaria entrando para o vernáculo, sendo hoje uma palavra usada por todos, em várias ocasiões. Também seriam criações suas as expressões "pô", "é duca", "ih, cacilda" e "é ford", que ele usava no lugar de palavrões, para que seus textos não fossem censurados; somente a última não passaria a ser de uso geral da população. Um de seus trabalhos mais memoráveis foi a homenagem feita ao ex-presidente Juscelino Kubitschek, que faleceria em um misterioso acidente de automóvel em 1976, para muitos obra do governo militar; caberia a Ziraldo criar a capa da edição que noticiava a morte, que trazia um alfabeto no qual as letras J e K eram destacadas, e o texto que cobria o ocorrido.

Ziraldo deixaria O Pasquim em 1982, após uma briga com Jaguar - diz a lenda que, na disputa pelo Governo do Rio de Janeiro, Jaguar apoiava o candidato Leonel Brizola, enquanto Ziraldo apoiava Miro Teixeira, e os dois apostaram que quem perdesse pediria demissão. O Pasquim ainda seria publicado até 11 de novembro de 1991; mais de seis anos após o fim da ditadura, ele já não se sustentava como publicação política, e, em suas últimas tiragens, já daria prejuízo, o que motivaria Jaguar, o único da equipe original ainda na redação, a decidir encerrá-lo.

Na década de 1980, Ziraldo começaria uma gloriosa carreira como autor de livros infantis, se tornando talvez o principal nome brasileiro nessa área durante mais de vinte anos. O primeiro dessa empreitada seria O Planeta Lilás, de 1979, no qual um extraterrestre de um planeta pequenino constrói uma espaçonave para conhecer o universo. Então, no ano seguinte, ele lançaria aquele que se tornaria seu livro mais famoso: O Menino Maluquinho, que contava a história de um menino um tanto levado, um tanto doidinho, mas de bom coração - o qual o autor diria ter criado por acaso, enquanto conversava consigo mesmo ao fazer a barba diante do espelho.

O livro daria origem a histórias em quadrinhos, peças de teatro, filmes para o cinema, uma série de TV, desenhos animados e até mesmo uma ópera; além do protagonista, conhecido apenas como "Maluquinho", a chamada Turma do Maluquinho conta hoje, dentre outros, com Julieta, apelido Juju, menina alegre, energética e decidida, namorada oficial do Maluquinho; o ingênuo Bocão, melhor amigo do menino; o pessimista e mal-humorado Junim; a idealista Carol, melhor amiga de Juju, que está sempre preocupada com a natureza e lutando pela ecologia; o valentão Herman, às vezes amigo, às vezes rival de Maluquinho; Nina, a irmã mais nova de Bocão, que, apesar de ter apenas cinco anos, é mais madura que ele; o intelectual Lúcio; Sugiro Fernando, entusiasta da informática; e Shirley Valéria, a menina mais bonita da turma. Com mais de três milhões de exemplares vendidos até hoje, vencedor do Prêmio Jabuti, o mais importante da literatura brasileira, e já traduzido para mais de 20 idiomas, sendo um sucesso no mundo inteiro, O Menino Maluquinho seria lançado no dia do aniversário de 48 anos do autor, 24 de outubro de 1980.

Em 1982, Ziraldo publicaria mais um grande sucesso, O Bichinho da Maçã, cujo protagonista era uma minhoquinha que morava dentro de uma fruta. No ano seguinte, ele lançaria Pelegrino & Petrônio, cujos protagonistas eram dois pés, primeiro de uma série sobre partes do corpo humano, que contaria, também, com Os Dez Amigos (dedos das mãos), Um Sorriso Chamado Luiz, Rolim (um cabelinho encaracolado), Dodó (um bumbum), O Joelho Juvenal e O Calcanhar de Aquiles. Em 1985, seria a vez de O Pequeno Planeta Perdido, no qual um astronauta é enviado a um planeta tão distante que o combustível acaba antes de ele chegar lá, e, em 1986, de O Menino Marrom, cujo protagonista é um menino negro que tem como melhor amigo um menino branco (o Menino Cor-de-Rosa). Ele encerraria a década com O Menino Quadradinho, de 1989, sobre um menino viciado em histórias em quadrinhos.

Também na década de 1980, Ziraldo começaria a se envolver ativamente com política, se tornando militante e fazendo campanha para vários candidatos, principalmente em Minas Gerais; ele também seria o criador do logotipo de dois partidos políticos: o PMDB, principal partido de oposição ao regime militar, e o PSOL, fundado em 2004 por dissidentes do PT, ao qual se filiou em 2005. Durante a ditadura, ele seria filiado ao Partido Comunista do Brasil, o PCB, do qual saiu em 1989 após o partido se renomear para PPS.

Na década de 1990, Ziraldo seguiria investindo em sua carreira de autor infantil, expandindo as séries do Bichinho da Maçã, do Menino Maluquinho e Corpim. Em 1990, O Menino Maluquinho ganharia o Prêmio Angelo Agostini de Melhor Lançamento, e Ziraldo o de Mestre do Quadrinho Nacional; em 1993, ele ganharia o Troféu HQ Mix de Grande Mestre. Seu principal destaque dessa década seria Uma Professora Muito Maluquinha, de 1995, sobre uma professora que cativava sua turma com seus métodos diferentes e seu jeito de ser despreocupado, com a história sendo contada do ponto de vista de seus alunos, que se lembravam dela com carinho; o livro seria adaptado para um filme, em 2011, estrelado por Paolla Oliveira. Dois anos depois, em 1997, Ziraldo se envolveria em uma polêmica ao lançar Vovó Delícia, que mostrava que as avós do final do milênio não ficavam só na cadeira de balanço fazendo crochê, mas frequentando academias e praias e sofrendo por amor; houve quem achasse que o livro não era apropriado para crianças, e que a avó seria um mau exemplo.

Em 1999, Ziraldo lançaria mais duas revistas, a humorística Bundas, paródia da revista de celebridades Caras, extremamente popular na época, e a mais séria A Palavra; devido a mudanças nos gostos dos leitores e a um grande número de concorrentes nas bancas, nenhuma das duas teria boas vendas, e ambas acabariam canceladas em pouco tempo. Em 2001, Ziraldo e seu irmão Zélio fariam uma tentativa de ressuscitar O Pasquim, com o nome de OPasquim21; mais uma vez, a publicação teve vida curta, se encerrando em 2004. A partir do ano 2000, ele participaria da Oficina do Texto, projeto que reunia textos escritos por alunos de escolas de todo o Brasil, que eram então ilustrados por Ziraldo para serem lançados em coletâneas. Em 2003, ele seria homenageado no Carnaval de São Paulo pela escola de samba Nenê de Vila Matilde, que teria sua vida como enredo. Em 2004, ele ganharia o prêmio Andersen, na Itália, pela publicação naquele país de Flicts; em 2005, receberia a Ordem do Mérito Cultural, por sua contribuição para a cultura brasileira; e, em 2008, receberia o Prêmio Ibero-Americano de Humor Gráfico.

Na primeira década dos anos 2000, Ziraldo publicaria três livros de grande sucesso voltados para meninas: Menina Nina: Duas Razões para não Chorar (2002), que lidava com o tema da perda e do luto, inspirado pela reação de sua própria neta ao falecimento da avó; Menina das Estrelas (2007), segundo de uma série que começou com O Menino da Lua, do ano anterior, sobre uma menina neta de um escritor, que questiona o avô sobre o porquê de ele só escrever livros protagonizados por meninos; e Uma Menina Chamada Julieta, protagonizado pela namorada de Maluquinho. Também são destaques dessa década Os Meninos Morenos (2004), inspirado na infância do poeta guatemalteco Humberto Ak'abal, e O Menino e Seu Amigo (2003), sobre a amizade de um menino com seu avô.

O Menino da Lua daria origem a uma série com um total de 11 livros, nove deles dedicados a meninos oriundos de diferentes planetas do sistema solar: O Namorado da Fada ou Menino de Urano; O Menino da Terra; O Capetinha do Espaço ou o Menino de Mercúrio; Os Meninos de Marte; O Menino Que Veio de Vênus; Nino, o Menino de Saturno; O Menino d'Água e o Planeta Netuno; Ju, o Menino de Júpiter: O Maior Menino do Mundo; e As Cores do Escuro e os Meninos de Plutão. Conhecida como Os Meninos dos Planetas, essa série seria indicada ao Prêmio Jabuti em 2012, mas não ganharia. O último livro de Ziraldo seria Meninas, de 2016, que abordava a infância de garotas de 7 a 11 anos, e era, segundo o próprio autor, sua versão de Alice no País das Maravilhas.

Em 2013, durante uma viagem à Alemanha, Ziraldo teve um infarto leve, e precisou fazer um cateterismo. Em 2018, teve um AVC, e ficou internado em estado grave. Se recuperou e foi para casa, mas, nos quatro anos seguintes, sofreu outros dois AVCs, que fizeram com que ele ficasse com a saúde debilitada e limitasse suas aparições em público. Nos últimos meses de vida, passaria a maior parte do tempo acamado. Faleceria aos 91 anos, em 6 de abril de 2024, dormindo, em sua casa, no bairro da Lagoa, no Rio de Janeiro.

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