domingo, 26 de junho de 2022

Escrito por em 26.6.22 com 0 comentários

Fórmula Indy (0)

Lá em 2006, motivado por uma série de posts que fiz sobre a Fórmula 1, que eu acompanho desde que me entendo por gente, decidi fazer também uma série sobre a Fórmula Indy, que eu tinha acabado de voltar a acompanhar após alguns anos de desinteresse. Ao invés de fazer uma série década a década, como a da Fórmula 1, eu acabei optando por fazer apenas dois posts, um mais abrangente, falando sobre a era em que a categoria foi controlada pela CART, e outro ano a ano, falando sobre a era em que a categoria foi controlada pela IRL.

Corta pra 2018, quando eu decidi fazer um post sobre automobilismo. Eu já sabia que a Fórmula Indy era uma, digamos, evolução do campeonato norte-americano, mas, até então, não sabia como era esse campeonato norte-americano - imaginava que era igual à Fórmula Indy, mas com todos os pilotos e equipes sendo dos Estados Unidos, e todas as provas sendo disputadas lá. Quando fui escrever o trechinho sobre Fórmula Indy no post sobre automobilismo, acabei descobrindo que não, junto com um monte de outras informações que achei interessantes. No ano seguinte, quando fui escrever meu terceiro post sobre Fórmula Indy, dessa vez cobrindo os anos de 2007 a 2019, fiquei com muita vontade de escrever também um sobre esse campeonato norte-americano que deu origem à categoria, mas depois acabei desistindo.

Entretanto, a proximidade dos posts redondos - aqueles terminados em 50 ou 00 - sempre desperta em mim uma vontade de retomar assuntos que eu havia abandonado, de forma que fiquei com vontade de escrever esse post sobre o campeonato norte-americano de automobilismo que deu origem à Fórmula Indy. Após algum tempo pensando em como seria a melhor forma de fazê-lo e nomeá-lo, acabei optando pela forma que está sendo usada hoje. Porque hoje, mais uma vez, é dia de Fórmula Indy no átomo, dessa vez para falar de uma época na qual ela ainda nem tinha esse nome, quando era disputado o campeonato do USAC - em um post abrangente como o da CART, sem me deter às disputas ano a ano.

Pois bem, quando fiz o primeiro post sobre a Fórmula Indy, contei em mais detalhes a história que vou resumir em poucas linhas nesse parágrafo: tudo começou com a American Automobile Association, a Associação de Automóveis Americana, AAA para os íntimos, fundada em 1902, que, três anos depois, inspirada pelas corridas de automóveis que começavam a se popularizar na Europa, decidiria organizar várias provas de automobilismo nos Estados Unidos. A maior parte das provas organizadas pela AAA era "solta", mas havia também um campeonato, com várias provas espalhadas pelo ano que rendiam pontos aos pilotos, sendo declarado campeão quem chegasse ao fim da última com mais. Esse campeonato, após duas tentativas frustradas em 1905 e 1916, e exceto entre 1942 e 1945, por causa da Segunda Guerra Mundial, seria disputado anualmente entre 1920 e 1955, quando um terrível acidente na prova das 24 Horas de Le Mans, na França, mataria 80 pessoas e daria origem a uma campanha mundial por mais segurança nas corridas de automóveis. Temerosa de que um acidente desses pudesse ocorrer em uma de suas provas e manchar sua boa imagem, a AAA abandonaria a organização de corridas, que passaria ao USAC, ou United States Automobile Club, o Clube do Automóvel dos Estados Unidos, entidade fundada ainda em 1955 por entusiastas do automobilismo, muitos deles parte da comissão de corridas da AAA, que foi extinta. A partir de 1956, o USAC ficaria responsável pela organização das provas e do campeonato, e é aqui que começa a história que eu não contei naquele post.

Como era de se esperar, o campeonato de 1956 teve muito poucas diferenças em relação ao de 1955, contando com as mesmas equipes, pilotos, e com quase todas as mesmas provas. Durante essa segunda metade da década de 1950, aliás, o USAC trouxe muito poucas inovações, com até mesmo o nome do campeonato sendo praticamente o mesmo: até 1955 ele era o AAA National Championship Trail, e, a partir de 1956, passou a ser o USAC National Championship Trail. Os carros eram as famosas "baratinhas", muito parecidas com as usadas em outras categorias do automobilismo, inclusive na Fórmula 1, e a grande estrela do campeonato, como não poderia deixar de ser, eram as 500 Milhas de Indianápolis, na época sempre disputadas no dia 30 de maio, não importando se esse dia era ou não um domingo (e que, ainda por cima, entre 1950 e 1960, além de fazerem parte do campeonato da AAA/USAC, também faziam parte do campeonato da Fórmula 1). Uma curiosidade no campeonato da AAA, que foi mantida pelo USAC, era que, além de provas em ovais pavimentados, como a de Indianápolis, eram disputadas provas em ovais de terra batida - isso mesmo, terra, imaginem a poeirada. Se isso já parece meio incrível, esperem até saber que os ovais de terra eram a maioria: o campeonato de 1956, por exemplo, teve 12 provas, sendo 8 disputadas em ovais de terra e 4 em ovais pavimentados.

Os dois principais pilotos do campeonato do USAC na década de 1950 foram Jimmy Bryan e Tony Bettenhausen. Bryan, que estreou no campeonato da AAA em 1952 e foi campeão em 1954, ganharia os dois primeiros títulos do USAC, em 1956 e 1957, além das 500 Milhas de Indianápolis de 1958 - ano do título de Bettenhausen, que estreou no campeonato da AAA bem antes, em 1941. Bettenhausen seria campeão pela AAA dez anos após sua estreia, em 1951, mas tendo disputado apenas sete temporadas, devido à paralisação por conta da Segunda Guerra Mundial; após esse título, ele decidiria se aposentar do campeonato e correr somente as 500 Milhas, que jamais conseguiu vencer, mas a aposentadoria duraria pouco, e, em 1954, ele já estaria disputando o campeonato completo novamente. Seu titulo pelo USAC em 1958 teve uma peculiaridade: apesar de ter conquistado o maior número de pontos, Bettenhausen não venceria nenhuma prova naquele ano. Infelizmente, ambos esses pilotos faleceriam nas pistas: Bryan em 1960, em um acidente na etapa do campeonato disputada no oval de terra de Langhorne, e Bettenhausen em 1961, ao se chocar violentamente contra o muro após uma quebra de eixo durante um teste em Indianápolis.

O título de 1959 ficaria com outra lenda do automobilismo norte-americano, Rodger Ward. Piloto de caça durante a Segunda Guerra Mundial, Ward começaria no automobilismo aos 14 anos de idade, após construir seu próprio carro, iniciando sua carreira profissional em 1946, após receber baixa da força aérea. Ele estrearia na AAA em 1951, se classificando para as 500 Milhas já em sua primeira tentativa. Em 1959, já no USAC, pela equipe Leader Card, ele formaria o trio que ficaria conhecido como 3W, com o estrategista Bob Wilke e o mecânico A.J. Watson, conquistando pela primeira vez as 500 Milhas e seu primeiro título. Ele voltaria a ganhar as 500 Milhas e o título dois anos depois, em 1961, e se aposentaria após as 500 Milhas de 1966, ano no qual, correndo pela equipe Mecom, ainda conseguiria um segundo lugar em Phoenix e a vitória em Trenton. Após se aposentar, ele se tornaria comentarista da ABC, e projetaria o circuito de Pocono, primeiro dos hoje chamados "tri-ovais", por terem apenas três curvas; ele se inspiraria para cada uma das três curvas nas de seus circuitos preferidos: Indianápolis, Trenton e Milwaukee. Ward faleceria em casa, aos 83 anos, em 2004.

A década de 1960 seria de grande modernização para o USAC, com os carros introduzindo várias modificações em nome da segurança e da velocidade, e copiando muitas das novidades que vinham da Europa, principalmente da Fórmula 1 - gradualmente, eles deixariam de ser "baratinhas" para ganhar o aspecto dos monopostos de corrida que conhecemos hoje. No que diz respeito ao campeonato, a década de 1960 seria um divisor de águas: como vimos, no início, os campeonatos do USAC tinham mais provas em ovais de terra batida do que em pavimentados, mas esse número se inverteria lentamente, até que, em 1963, das 12 corridas, 6 seriam em cada um dos tipos, e, em 1964, teríamos 8 corridas em ovais pavimentados e 5 em ovais de terra batida, para um total de 13. A partir de 1965, não somente os ovais pavimentados passariam a ser maioria, com cada temporada tendo mais que o dobro de pavimentados em relação aos de terra, como também, finalmente, estreariam os circuitos mistos.

Dois anos depois, em 1967, o campeonato do USAC ganharia suas primeiras provas fora dos Estados Unidos, em dois circuitos que abrigariam também o GP do Canadá de Fórmula 1: Mont-Tremblant, sede do GP de F1 em 1968 e 1970, e Mosport Park, sede entre 1967 e 1977, exceto nos dois anos anteriormente citados. Ambas essas provas seriam rodadas duplas (com duas provas valendo pontos no mesmo fim de semana) e retornariam ao calendário em 1968. Falando em Fórmula 1, 1960 seria o último ano no qual as 500 Milhas de Indianápolis fariam parte do calendário da principal categoria do automobilismo mundial, sendo removida pela FIA em 1961 por falta de interesse dos pilotos; entretanto, a evolução do campeonato da USAC, aliado à maior facilidade e comodidade em viagens intercontinentais, motivaria vários pilotos da Fórmula 1 a se inscrever na prova na década de 1960, com dois deles se sagrando campeões da prova, os britânicos Jim Clark, em 1965, e Graham Hill, em 1966.

Um dos maiores destaques da década de 1960 seria o piloto A.J. Foyt, que estrearia no campeonato já na segunda edição sancionada pelo USAC, em 1957. Ao longo da carreira, Foyt ganharia nada menos que sete títulos, em 1960, 1961, 1963, 1964, 1967, 1975 e 1979, que, combinados a 159 vitórias, fariam dele o maior vencedor do automobilismo norte-americano. Três desses títulos seriam combinados com a vitória nas 500 Milhas de Indianápolis, em 1961, 1964 e 1967, que, combinadas a uma quarta vitória em 1977, fariam dele também o maior vencedor da história da prova, atualmente empatado com Al Unser, Rick Mears e o brasileiro Hélio Castroneves. Foyt também competiria esporadicamente na Nascar entre 1963 e 1996, obtendo 7 vitórias, venceria as 24 Horas de Le Mans em 1967, dividindo um Ford com o também norte-americano Dan Gurney, e as 500 Milhas de Daytona em 1972. Ele sobreviveria a três acidentes gravíssimos, que quase encerrariam sua carreira, e só deixaria de pilotar pela Fórmula Indy em 1993, aos 58 anos, após não conseguir se classificar para a edição daquele ano das 500 Milhas de Indianápolis.

Em 1965, Foyt compraria a equipe Ansted-Thompson, que, por razões contratuais, fiscais e de patrocínio, seguiria com esse nome até 1967, se tornando, no ano seguinte, a Sheraton-Thompson, em 1971 passaria a ser somente Thompson, em 1973 mudaria de nome para Gilmore, e apenas em 1985 passaria a se chamar Foyt - A.J. Foyt Enterprises, para ser mais exato. A Foyt seria campeã da temporada inaugural da IRL, em 1996, com o norte-americano Scott Sharp, que, na primeira prova da temporada seguinte, obteria a primeira vitória da equipe na categoria. Em 1998, o norte-americano Billy Boat conseguiria mais uma vitória, e o sueco Kenny Bräck mais três, conquistando o segundo título da equipe - Bräck também seria o vencedor das 500 Milhas em 1999, na única vitória da equipe na prova sem o próprio Foyt ao volante. Outros pilotos a obter vitórias pela Foyt seriam o brasileiro Airton Daré em 2002 e o japonês Takuma Sato em 2013. Aos 87 anos, Foyt é até hoje o estrategista da equipe, que atualmente corre com três carros, um deles guiado pela colombiana Tatiana Calderón.

Outro destaque da década seria Mario Andretti, que conquistaria três títulos, em 1965, 1966 e 1969 - nesse último ano conquistando, também, as 500 Milhas de Indianápolis. Vale dizer que sua estreia no campeonato seria em 1964, ou seja, ele conquistaria seu primeiro título em sua segunda temporada. Na década de 1970, Andretti disputaria simultaneamente os campeonatos do USAC e da Fórmula 1, onde se sagraria campeão, pela Lotus, em 1978; na década de 1980 ele voltaria à Fórmula Indy, já controlada pela CART, conquistando mais um título em 1984, e, após se aposentar, em 1994, se tornaria o patriarca do clã Andretti de pilotos, que conta com seu filhos Michael - campeão da Indy em 1991 e atualmente dono da equipe Andretti - e Jeff, e seu neto Marco.

Outro clã famoso do automobilismo norte-americano é o Unser, dos irmãos Bobby e Al. Bobby Unser estrearia no último campeonato do AAA, em 1955, conquistaria os títulos de 1968 e 1974, e três vitórias nas 500 Milhas, em 1968, 1975 e 1981. Al Unser, pelo USAC, onde estrearia em 1965, conquistaria apenas um título, em 1970, mas seria campeão da Indy também em 1983 e 1985, e seria um dos quatro pilotos a ter quatro vitórias nas 500 Milhas, em 1970, 1971, 1978 e 1987; seu filho, Al Unser Jr, também conquistaria dois títulos na Indy, em 1990 e 1994, e seria um dos principais rivais do brasileiro Emerson Fittipaldi na categoria. Curiosamente, ambos os irmãos faleceriam em 2021; Bobby aos 87 anos, Al aos 82.

Na segunda metade da década de 1960 as 500 Milhas de Indianápolis ganhariam uma "rival" como joia da coroa do campeonato do USAC, a tradicional prova de montanha de Pikes Peak, no Colorado. Uma prova de montanha é um pouco diferente do que estamos acostumados: nela, os carros, um por um, sobem um trecho sinuoso de uma estrada, com a linha de largada no ponto mais baixo e a de chegada no ponto mais alto, sem necessidade de múltiplas voltas, sendo vencedor aquele que fizer a subida em menos tempo. A prova de Pikes Peak, atualmente chamada Pikes Peak International Hill Climb, é disputada desde 1916, e considerada a prova de montanha mais tradicional do mundo. Pikes Peak fez parte do calendário do campeonato da AAA entre 1947 e 1955, mas quase nenhum dos pilotos que competia no restante do campeonato participava dela, então o USAC não viu sentido em mantê-la quando assumiu; em um fenômeno semelhante ao de Indianápolis, entretanto, vários pilotos que disputavam o campeonato do USAC passariam a se inscrever para correr em Pikes Peak na década de 1960, o que levaria o USAC a colocá-la novamente no calendário, valendo pontos, em 1965. Curiosamente, Pikes Peak só ficaria no calendário durante cinco temporadas, até 1969, saindo após o USAC decidir fazer uma reformulação do campeonato.

A reformulação em 1970, na verdade, seria tímida, mas, em 1971, ela seria bem radical: até 1964, o normal seria o campeonato ter 13 etapas (com somente os de 1956, 1960, 1961 e 1963 tendo 12), mas, com a inclusão dos circuitos mistos, da prova de Pikes Peak e o aumento no número de ovais pavimentados, o número de provas chegaria a 18 em 1965, baixaria para 16 em 1966, subiria para 21 em 1967, alcançaria o recorde de 28 em 1968, e então baixaria para 24 em 1969 e 18 após a reformulação de 1970. Os pilotos ficariam insatisfeitos com essa gangorra e com o número elevado de provas, e, para solucionar o problema, o USAC decidiria dividir o campeonato em três. Assim, todos os ovais de terra batida passariam a fazer parte do novo USAC National Dirt Car Championship (que mudaria de nome para USAC Silver Crown Series em 1981, e, acreditem ou não, existe até hoje), os circuitos mistos passariam a compor o calendário do USAC Road Racing Championship (que só teve uma edição, em 1971, sendo depois cancelado por falta de interesse das equipes), e o USAC National Championship Trail, que é o que estamos vendo nesse post, ficaria somente com ovais pavimentados, em todas as 12 provas. Essa regra valeria até 1976, com os circuitos mistos voltando em 1977 e 1978, mas o número de provas por ano variaria, sendo de 10 em 1972, e então 16, 14, 13, 13, 14 e 18.

Em 1971 também ocorreria a primeira prova do campeonato do USAC fora da América do Norte, uma rodada dupla em um oval na cidade de Rafaela, Argentina. Inicialmente, essa seria uma prova extra, que não valeria pontos para o campeonato, mas, no fim de semana da prova, os organizadores conseguiriam convencer o USAC a considerá-la uma etapa oficial. As únicas outras provas "internacionais" da história do campeonato do USAC ocorreriam após a volta dos circuitos mistos ao calendário, com provas em Mosport Park sendo realizadas (dessa vez como rodada simples) em 1977 e 1978, e duas provas na Inglaterra, as primeiras na Europa e fora das Américas, fazendo parte do calendário de 1978, uma em Silverstone, outra em Brands Hatch, ambos circuitos que também faziam parte do calendário da Fórmula 1.

Uma curiosidade sobre a década de 1970 é que, exceto por Al Unser em 1970, nenhum piloto conseguiu conquistar o título e ganhar as 500 Milhas no mesmo ano. Em 1971 e 1972, o campeão seria Joe Leonard, colega de Al Unser na equipe Parnelli. Tom Sneva, da Penske, também conseguiria dois títulos, em 1977 e 1978, sendo que o de 1978 viria, como o de Bettenhausen vinte anos antes, sem nenhuma vitória. O título de 1973 seria de Roger McCluskey, e as 500 Milhas daquele ano seriam vencidas por Gordon Johncock, que seria campeão em 1976. Johnny Rutherford, ao volante de uma McLaren, venceria as 500 Milhas de 1974 e 1976, mas não teria título no campeonato do USAC - seu primeiro viria em 1980, já na CART, quando também ganharia as 500 Milhas, mas pela equipe Chaparral.

Também vale acrescentar que, na década de 1970, mais precisamente entre 1971 e 1978, o calendário do USAC contaria com uma Tríplice Coroa, composta por três provas de 500 Milhas, disputadas em Indianápolis, Pocono e Ontário (não a província do Canadá, mas uma cidade do estado da Califórnia). O único piloto a ganhar as três no mesmo ano foi Al Unser, em 1978, com Rutherford, vencedor em Indianápolis e Pocono em 1974, e Foyt, vencedor em Pocono e na Califórnia em 1975, batendo na trave. Em 1973, 1974 e 1975, a classificação para as 500 Milhas da Califórnia também valeu pontos para o campeonato, mais ou menos como ocorreu com as 500 Milhas de Indianápolis entre 2010 e 2017.

No final da década de 1970, o campeonato do USAC também contaria com a presença de uma mulher, Janet Guthrie. Primeira mulher a disputar uma temporada completa da Nascar, em 1976, Guthrie seria convidada para correr algumas provas do USAC naquele ano pela dona de equipe Rolla Vollstedt, que planejava criar uma equipe 100% feminina. O projeto não daria certo, mas Guthrie participaria de um total de 12 provas entre 1976 e 1979, por várias equipes, incluindo três edições das 500 Milhas de Indianápolis, em 1977, 1978 e 1979. Guthrie também seria a primeira mulher a correr nas 500 Milhas de Indianápolis e nas 500 Milhas de Daytona, e seu nono lugar em Indianápolis em 1978 seria a melhor posição de uma mulher na prova até ser superada por Danica Patrick em 2009 - Guthrie e Patrick, aliás, são as duas únicas mulheres a conseguir terminar entre os 10 primeiros na história das 500 Milhas. Ao longo de sua carreira, Guthrie sofreria muito preconceito de seus colegas pilotos, de donos de equipe e de jornalistas; um de seus maiores apoiadores seria Foyt, que chegaria a emprestar um carro de sua equipe após ela não conseguir se classificar para Indianápolis em 1976, para que ela pudesse dar algumas voltas na pista e mostrar que poderia ter se classificado se tivesse um bom carro. No final de 1979, Guthrie perderia seu principal patrocinador, e, em 1980, decidiria tentar correr apenas em Daytona e Indianápolis, chegando em 11o na prova da Nascar mas não conseguindo se classificar na Indy; ela ainda receberia um convite de uma equipe pequena para correr pela Nascar em Pocono, mas, após chegar em último, decidiria se aposentar do automobilismo, após 17 anos de carreira. Desde então, ela luta pelo fim do sexismo no esporte a motor, tendo sido incluída no Hall da Fama do Automobilismo por seu pioneirismo e talento.

Em outubro de 1977, Tony Hulman, dono do autódromo de Indianápolis e presidente do USAC desde sua fundação, faleceria repentinamente após um ataque cardíaco; seis meses depois, oito dos dez membros do Conselho do USAC, incluindo o presidente do comitê de regulamento técnico, o diretor de provas e o médico-assistente, morreriam quando o pequeno avião onde estavam cairia durante uma tempestade enquanto retornava de Trenton, onde havia ocorrido uma prova, para Indianápolis, onde ficava a sede do USAC. A substituição de todo esse pessoal seria a gota d'água para muitos chefes de equipe, que, ao longo da década de 1970, se mostravam cada vez mais insatisfeitos com a forma como o USAC administrava o campeonato, que vinha perdendo público e pagando prêmios cada vez menores aos vencedores de suas provas - uma de suas principais reclamações era a de que, enquanto quase todas as provas da Fórmula 1 eram transmitidas ao vivo pela televisão para vários países, a única prova do campeonato do USAC a ser televisionada era as 500 Milhas de Indianápolis, e, assim mesmo, apenas para os Estados Unidos e nunca ao vivo, sempre em uma versão editada, à noite, pelo canal ABC. Após todas essas mortes, a preocupação dos chefes de equipe era a de que a situação piorasse ainda mais, pois, segundo eles, todos os substitutos seriam burocratas que jamais haviam participado diretamente de uma corrida.

Assim, em 1978, inspirado na FOCA, a entidade criada alguns anos antes para congregar os chefes de equipe da Fórmula 1 e aumentar seu poder nas negociações com a FIA, o ex-piloto Dan Gurney, chefe da equipe All American, criaria a CART (Championship Auto Racing Teams, algo como Equipes de Automóveis de Corrida para Campeonatos), e, com o apoio dos dois principais chefes de equipe do campeonato, Roger Penske e Pat Patrick, propôs ao USAC que a CART ficasse responsável pela organização das corridas, negociação para a transmissão pela TV das provas e divisão dos prêmios entre os participantes, enquanto o USAC ficaria apenas com a parte do regulamento. O novo Conselho do USAC rejeitou a proposta, e, após descobrirem que a maioria dos donos dos autódromos também estava insatisfeita com o USAC, os três acabaram optando por uma solução ousada: romper com o USAC e organizar um campeonato da CART a partir de 1979, chamado CART PPG Indy Car World Series (sendo PPG o nome do patrocinador), que ficaria conhecido no Brasil como Fórmula Indy, e cuja história vocês podem ver no primeiro post dessa série.

Nem todos os donos de equipes e autódromos decidiram acompanhar a CART, sendo as mais notáveis exceções Foyt e Indianápolis, mas, mesmo assim, o calendário do USAC para 1979 acabaria ficando com apenas sete provas, disputadas em cinco autódromos diferentes, com Milwaukee e Texas recebendo duas provas cada, e sem Tríplice Coroa, já que o autódromo de Ontário iria para a CART. Praticamente sem concorrência, Foyt ganharia seu sétimo título sem nenhuma dificuldade, vencendo cinco provas, sendo as exceções a última do calendário, a segunda em Milwaukee, vencida por Roger McCluskey, na qual ele teria um problema mecânico, e as 500 Milhas de Indianápolis. O USAC, aliás, tentaria impedir as equipes da CART de participar das 500 Milhas, decretando que apenas as equipes que disputavam o USAC National Championship Trail de 1979 poderiam se inscrever; a CART recorreria à justiça, alegando que as 500 Milhas sempre foram uma prova de inscrição aberta a qualquer um que tivesse um carro de acordo com o regulamento, e ganharia o direito a inscrever seus carros na prova - aproveitando para fazer com que, mesmo a prova sendo organizada pelo USAC, ela valesse pontos também para o seu campeonato. O vencedor da prova acabaria sendo Rick Mears, da Penske, que corria pela CART, no primeiro de seus quatro triunfos nessa prova, com Foyt chegando em segundo.

O campeonato de 1979 do USAC seria um imenso fracasso de público, enquanto o da CART seria um grande sucesso - inclusive tendo a maior parte de suas provas televisionada ao vivo, o que atrairia muitos patrocinadores - o que faria com que o USAC mudasse de ideia e procurasse a CART para firmar um acordo para a organização do campeonato de 1980. O acordo demoraria para sair, e o USAC chegaria a anunciar um calendário provisório de dez provas, incluindo três que estreariam naquele ano, sendo duas em circuitos da NASCAR. Quando o acordo finalmente saísse, o calendário provisório do USAC seria abandonado - para desespero do dono do autódromo do Texas, que não interessava à CART e se veria sem nenhum contrato - e o calendário anteriormente anunciado pela CART passaria a ser válido também pelo USAC. Na prática, todas as equipes e pilotos da CART e do USAC participariam do mesmo campeonato em 1980, que seria co-organizado por ambas as entidades, e, ao invés de se chamar USAC National Championship Trail ou CART PPG Indy Car World Series, teria o nome de Championship Racing League (CRL).

O primeiro campeonato da CRL já começaria com uma prova cancelada, em Phoenix, devido a fortes chuvas, o que o deixaria com 12. As cinco primeiras, em Ontário, Indianápolis, Milwaukee, Pocono e Mid-Ohio, seriam dominadas por Rutherford, cujo carro, da equipe Chaparral, era revolucionário e bem à frente dos rivais; com ele, Rutherford ganharia três dessas cinco provas, incluindo Indianápolis, chegaria em segundo nas outras duas (vencidas por Bobby Unser, da Penske), e abriria uma vantagem em pontos que lhe permitiria administrar o restante da temporada, chegando a seu primeiro campeonato com outros três pódios: duas vitórias, em Michigan (a sexta prova do calendário) e numa segunda prova em Milwaukee (a oitava), e um segundo lugar nas 500 Milhas da Califórnia (a nona).

Entre Mid-Ohio (em 13 de julho) e Michigan (na semana seguinte, 20 de julho), contudo, algo aconteceu: o novo dono do autódromo de Indianápolis, John Cooper, principal responsável pelo acordo que criaria a CRL, alegaria que os pilotos do USAC estavam sendo prejudicados, com os da CART recebendo vantagens (que jamais foram provadas), e forçaria o USAC a dissolver o acordo. O resultado disso foi que as sete provas restantes (a partir de Michigan) valeram apenas para o campeonato da CART, que voltou a se chamar CART PPG Indy Car World Series. Sem conseguir - ou talvez querer - recuperar as provas que havia cancelado antes do acordo, o USAC decidiria encerrar o campeonato ali mesmo, com apenas cinco provas, e declararia Rutherford também campeão da CRL - já que não tinha como atribuir pontos apenas aos pilotos do USAC, já que nenhum deles, nem mesmo Foyt, pontuou nessas cinco corridas.

O episódio faria com que uma nova leva de equipes e pilotos do USAC, incluindo Foyt e sua Gilmore, decidissem se filiar à CART, passando a disputar o CART PPG Indy Car World Series a partir de 1981. Para poder continuar tendo um campeonato, o USAC teve de fazer sérias modificações: primeiro, como os dois únicos autódromos com os quais ela ainda tinha contrato eram Indianápolis e Pocono, ela tentaria preencher as datas restantes com ovais de terra batida, que não apareciam no calendário desde 1970. Como ela só conseguiria datas em três desses ovais - todos os três também parte do então USAC National Dirt Car Championship - ela decidiria fazer uma "temporada de dois anos", que começaria com as 500 Milhas de Indianápolis de 1981 e terminaria com as de 1982 - ela também chegaria a um novo acordo com a CART, segundo o qual, nesses dois anos, seus pilotos poderiam se inscrever nas 500 Milhas, mas deveriam pontuar apenas pelo campeonato do USAC, o que fez com que, em 1981 e 1982, as 500 Milhas não fizessem parte do calendário da CART. Finalmente, para dar uma nova cara àqueles que seriam seus dois campeonatos principais, ela mudaria o nome do USAC National Dirt Car Championship para USAC Silver Crown Series, e o do USAC National Championship Trail para USAC Gold Crown Championship.

O 1981-82 USAC Gold Crown Championship contaria apenas com seis provas, sendo duas edições das 500 Milhas de Indianápolis, uma prova que deveria ter sido de 500 milhas em Pocono, mas acabou com 305 milhas por causa da chuva (vencida por Foyt, que conquistaria nela sua última vitória pelo USAC), e três em ovais de terra batida, em Springfield, Du Quoin e Indianápolis (evidentemente em outro circuito que não o das 500 Milhas). O campeão seria George Snider, da equipe Parnelli, que, já em 1982, se transferiria para a CART, para correr na Gilmore de Foyt. Assim como ele, Pocono, em 1982, assinaria contrato com a CART, o que deixaria o campeonato do USAC de 1982-83 com apenas quatro provas, sendo três em ovais de terra (em Springfield, Du Qoin e Nazareth) e as 500 Milhas (que encerrariam o campeonato).

Uma das principais reclamações dos chefes das equipes que migrariam para a CART em relação ao regulamento do USAC era que a pontuação de cada prova dependia da distância prevista, com uma prova de 500 milhas valendo cinco vezes mais pontos aos pilotos que a completassem do que uma de 100 milhas, e as demais distâncias sendo ajustadas de acordo - o vencedor em Indianápolis, por exemplo, ganhava 1000 pontos, enquanto o vencedor em Trenton, que era uma prova de 200 milhas, ganhava 250 pontos. Foi graças a isso, inclusive, que Bettenhausen, em 1958, e Sneva, em 1978, conseguiram ser campeões mesmo sem ganhar nenhuma prova, pois pontuaram melhor nas provas mais compridas. No campeonato de 1982-83, isso seria mais uma vez determinante para o título, e curiosamente mais uma vez em favor de Sneva, que corria pela CART, na equipe Bignotti-Cotter, não correu nos ovais de terra, e só conquistou o título porque ganhou as 500 Milhas, enquanto cada uma das outras três provas teve um vencedor diferente. Para piorar a situação, a CART consideraria que o acordo para que as 500 Milhas não pontuassem em seu campeonato só valeria para 1981 e 1982, e a pontuaria normalmente em 1983, o que seria determinante para o título de Al Unser, que foi o segundo colocado na prova.

Para 1983-84, o USAC só conseguiria colocar no calendário a prova de Du Quoin, o que faria com que ele ficasse com apenas duas, essa, disputada em setembro de 1983, e a das 500 Milhas, disputada em maio de 1984. No início de 1984, o USAC chutaria o balde de vez e determinaria duas coisas: primeiro, que, apesar da numeração do campeonato continuar de dois em dois anos (1984-85, 1985-86 etc.) cada "campeonato" seria apenas a prova das 500 Milhas do segundo ano - ou seja, o campeonato 1984-85 seria composto apenas pelas 500 Milhas de Indianápolis de 1985. Isso efetivamente enterraria o campeonato do USAC, já que, sem nenhuma outra prova para disputar, todas as equipes que ainda não eram da CART ou foram pra lá, ou fecharam as portas - algumas, antes de 1983, já tinham até ido para o USAC Silver Crown Series correr nos ovais de terra, como a Parnelli.

Segundo, como apenas um piloto (Snider) participou das duas provas em 1983-84, e como as 500 Milhas valiam muito mais pontos, a partir de 1983-84 o campeão do USAC Gold Crown Championship seria o campeão das 500 Milhas. Assim, de 1983-84 a 1994-95, os campeões do USAC Gold Crown Championship foram os norte-americanos Rick Mears (em 1983-84, 1987-88 e 1990-91), Danny Sullivan (1984-85), Bobby Rahal (1985-86), Al Unser (1986-87) e Al Unser, Jr. (1991-92 e 1993-94), o brasileiro Emerson Fittipaldi (1988-89 e 1992-93), o holandês Arye Luyendyk (1989-90) e o canadense Jacques Villeneuve (1994-95). Desses, Bobby Rahal em 1986, Emerson Fittipaldi em 1989, Al Unser, Jr. em 1994 e Jacques Villeneuve em 1995 também seriam campeões pela CART.

Em 1996, ocorreria o racha que levaria à criação da IRL, que, sem experiência em organizar corridas, procuraria o USAC, que ficaria responsável por organizar suas provas. Após confusões de cronometragem e pontuação em 1997 nas provas das 500 Milhas e do Texas, que, nessa última, resultaram no norte-americano Billy Boat ser erradamente declarado vencedor, e Luyendyk, o verdadeiro vencedor, só ser anunciado quando Boat já estava no pódio, a IRL decidiria ela mesma assumir a organização das provas já a partir da prova seguinte, em Pikes Peak (num oval, não na montanha). O USAC ainda existe até hoje, mas organiza principalmente campeonatos de midget cars, voltados para pilotos iniciantes; seu principal campeonato atualmente é o USAC Silver Crown Series, disputado por sprint cars (versões maiores e mais velozes dos midget cars) em ovais de terra batida.

Em 2008, quando houve a unificação da IndyCar com a Champ Cars, a IndyCar passou a considerar todos os títulos do AAA National Championship Trail e do USAC National Championship Trail como títulos da Fórmula Indy, mas não o de Rutherford pela CRL, nem os do USAC Gold Crown Championship - ou seja, no caso do USAC, valem apenas os conquistados entre 1956 e 1979. Assim, todos os pilotos da tabelinha que ilustra esse post são considerados, também, campeões da Fórmula Indy, o que faz de A.J. Foyt o maior campeão da categoria, com 7 títulos.

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