domingo, 9 de janeiro de 2022

Escrito por em 9.1.22 com 0 comentários

Jogos Mundiais Nômades

O post sobre as lutas de cinturão, que eu escrevi em meados de 2020, pode ser considerado um dos mais bem sucedidos da história do átomo. Sua origem remonta a 2017, quando, para terminar de falar sobre todos os esportes que então faziam parte do programa olímpico, eu resolvi falar sobre judô, e, pouco tempo depois, decidi fazer uma série mensal sobre lutas esportivas, que faziam parte das Olimpíadas ou não. Como era uma série mensal, seriam 12 posts, de forma que algumas lutas sobre as quais eu pensei em falar ficaram de fora. Uma dessas lutas foi o kurash, que eu não conhecia, e descobri justamente enquanto escrevia essa série. Quando chegou a hora de escrever sobre kurash, porém, eu acabei descobrindo que existe um monte de outras lutas parecidas, chamadas justamente lutas de cinturão, e decidi que seria legal fazer um post falando um pouquinho sobre várias delas, ao invés de um só sobre kurash.

Pois bem, pesquisando para escrever esse post, eu acabei descobrindo não só um monte de outras lutas das quais eu jamais havia ouvido falar, como o alysh e o ssireum, mas também todo um torneio multiesportivo que eu não conhecia, os Jogos Mundiais Nômades. Ao me informar sobre esse torneio - no qual o Brasil até já ganhou uma medalha, como veremos em breve - acabei descobrindo um monte de outros esportes interessantes que viriam a também ganhar posts no átomo, além de uma federação devotada apenas a esportes tradicionais da Turquia, a Federação Turca de Esportes Tradicionais (GSDF, da sigla em turco), o que me motivou a ressuscitar duas ideias que eu havia tido há anos mas abandonado, o post sobre esportes a cavalo e as continuações do post sobre tiro com arco. Assim, o post sobre as lutas de cinturão me daria assunto para mais uma dezena de posts, o que é muito bem-vindo, e todos eles sobre esportes, um dos assuntos dos quais eu gosto mais.

Evidentemente, quando tomei conhecimento da existência dos Jogos Mundiais Nômades, me deu vontade de escrever um post sobre eles também - do qual até cheguei a fazer um rascunho, em 2020. Era um post ambicioso, nos moldes dos que eu fiz sobre as Olimpíadas e os World Games, em duas partes: na primeira, eu falaria sobre as origens do torneio e sobre a primeira edição; na segunda, sobre as duas outras edições já realizadas e o que já estava decidido sobre as futuras. Acabei abandonando essa ideia por vários motivos, incluindo: o programa tem um monte de esportes dos quais pouca gente já ouviu falar, e daria um trabalhão explicar todos eles; quase não há informações sobre quais teriam sido os medalhistas da primeira edição; não consegui encontrar curiosidades suficientes que justificassem falar de cada torneio em separado; e, o mais importante, tirando o site oficial (que, felizmente, tem uma versão em inglês), praticamente não há informações relevantes sobre o torneio em lugar nenhum - quando um outro site, como o de um jornal, por exemplo, fala sobre o torneio, normalmente reproduz informações do site oficial.

Passado um ano após ter desistido de escrever o post, entretanto, ao perceber que ainda tinha o rascunho no Google Drive, e que o post 950 se avizinhava, decidi dar mais uma chance para ver o que iria sair, dessa vez tentando escrever um texto semelhante ao primeiro post da série sobre os World Games (que, durante anos, foi também o único, já que foi escrito com esse fim). O resultado vocês lerão agora, quando terão a oportunidade de conhecer um torneio muito charmoso e singular, cheio de esportes bastante exóticos para nós. Espero que gostem de descobri-lo tanto quanto eu. Hoje é dia de Jogos Mundiais Nômades no átomo.


Os Jogos Mundiais Nômades foram criados em 2012 por Ashkat Akibaev, que, na época, era presidente das federações nacionais do Quirguistão de vários esportes tradicionais do país. Sabendo que esses esportes eram praticados também nos países vizinhos, e querendo promover a cultura quirguiz para o restante do planeta, Akibaev teve a ideia de criar as "Olimpíadas dos Povos Nômades", que contariam não somente com esportes que fossem populares na Ásia Central, mas também com eventos culturais, como danças típicas e visitas a verdadeiras vilas nômades. O orçamento de suas federações era incrivelmente limitado, entretanto, e ele jamais conseguiria realizar o evento por si só; acreditando que preservar a cultura quirguiz era uma obrigação do Governo do Quirguistão, ele apresentaria seu projeto ao Ministério do Esporte, que, para sua própria surpresa, se mostraria bastante empolgado com ele, aprovando-o já em sua primeira reunião para tratar do assunto.

O Quirguistão, porém, não é lá um país muito rico, e não teria como organizar um evento do porte das Olimpíadas, com locais de competição novos e acomodações próprias para os atletas. Para tentar definir qual seria a melhor forma de organizar o evento, o Ministério do Esporte entraria em contato com uma federação esportiva internacional chamada World Ethnogames Confederation (WEC). Fundada na década de 1990 na Rússia, após o fim da União Soviética, mas hoje sediada na Suíça, a WEC tem como missão preservar e promover a identidade cultural dos povos asiáticos, desenvolvendo e disseminando sua herança cultural e seus esportes tradicionais, providenciando acesso a esses esportes e ao estudo de suas culturas, valorizando-as e fazendo-as mais conhecidas da população em geral. Quando fundada, a WEC tinha como objetivo a preservação da cultura de regiões da União Soviética que, após a dissolução, se tornariam Repúblicas Autônomas da Rússia, como o Tataristão, a Cacássia, a Circássia e o Bascortostão, pois havia o temor de que, com a abertura econômica e a globalização, essa cultura seria rapidamente suplantada pela do Ocidente.

A WEC não é uma organização puramente esportiva, atuando em três frentes: o chamado etno-esporte, que consiste na preservação, regulamentação e organização de torneios de esportes tradicionais das Repúblicas Autônomas; a chamada etnocultura, que visa a preservação e difusão da cultura própria de cada República Autônoma; e a chamada etnociência, que visa usar a ciência estabelecida pelo paradigma atual para preservar e desenvolver a ciência característica de cada região, tendo como objetivo que ambas se completem e se complementem. Akibaev e a WEC teriam um caso de amor à primeira vista, pois ele veria na entidade tudo o que planejava fazer para os Jogos Mundiais Nômades, e ela receberia suas ideias com entusiasmo e ânimo para levá-las a outras partes do mundo. Ainda em 2012, Akibaev seria nomeado Secretário Geral da WEC, cargo que ocupa até hoje, e, sob sua liderança, a entidade cresceria e passaria a atuar em toda a Ásia, realizando vários eventos regionais conhecidos como World Ethno Games, que contam com competições esportivas, mostras culturais e palestras científicas, sempre valorizando a cultura do país onde estão sendo realizados; em 2019, a WEC também organizaria, na Arábia Saudita, o Nomad Universe, mais uma vez um evento esportivo, cultural e científico, esse com foco na cultura árabe. Os Jogos Mundiais Nômades, desde sua primeira edição, são organizados pela WEC em parceria com o Governo do Quirguistão.

Para que o torneio se tornasse os Jogos Mundiais Nômades, contudo, além da participação da WEC e do Governo do Quirguistão, era necessária a participação de atletas e entidades internacionais. Através do Ministério do Esporte, Akibaev conseguiria marcar, em Bishkek, capital do Quirguistão, um encontro com os presidentes do Cazaquistão, Azerbaijão e Turquia, três países que possuem em sua população um grande número de descendentes dos povos nômades, e que, assim como o Quirguistão, possuem federações nacionais voltadas a esportes tradicionais de cada um. Os presidentes desses três países também embarcaram na ideia - a Turquia sendo, desde o início, o país estrangeiro mais animado com o evento, tanto que sonha em sediá-lo desde a segunda edição - e se comprometeram a fazer tudo que lhes coubesse para que os Jogos Mundiais Nômades fossem um sucesso, inclusive assinando, junto com o presidente do Quirguistão, um documento que ficaria conhecido como a Declaração de Bishkek. Com todo esse apoio garantido, Akibaev criou um comitê na WEC e partiu para a parte prática, que incluía encontrar um local apropriado para as competições e definir o programa.

A primeira edição dos Jogos Mundiais Nômades seria realizada entre 9 e 14 de setembro de 2014, na cidade de Cholpon-Ata, em um local especialmente preparado às margens do Lago Issyk-Kul, "a Pérola do Quirguistão". Arenas temporárias seriam construídas para todos os eventos, sendo permanentes apenas o estádio onde foram realizadas as cerimônias de abertura e encerramento e uma "Vila Nômade", com acomodações para todos os atletas, jornalistas, técnicos e árbitros, além de um auditório para exposições culturais e acomodações para parte dos turistas, com os que desejassem também podendo acampar ou, evidentemente, se hospedar nos hotéis e pousadas da cidade - a intenção era que todas as edições dos Jogos Mundiais Nômades fossem realizadas em Cholpon-Ata, com a Vila Nômade e o estádio sendo reaproveitados. Quase tudo era autossustentável, com painéis de energia solar e reciclagem de lixo, dentre outras medidas que visavam proteger o local e o meio ambiente.

Ao todo, o evento esportivo contaria com 583 atletas (e 230 cavalos, pois muitos dos esportes nômades usam cavalos), vindo de 19 países, incluindo o Brasil, que, ao lado dos Estados Unidos, é o único país das Américas a ter participado de todas as três edições; outras nações que enviaram atletas, além, obviamente, de Quirguistão, Cazaquistão, Azerbaijão e Turquia, foram Rússia, Afeganistão, Mongólia, Tajiquistão, Turcomenistão, Uzbequistão, Coreia do Sul, Áustria, Belarus, Lituânia, Suécia, Alemanha e França. Mais de 250 jornalistas foram enviados para cobrir o evento, incluindo representantes da BBC, da CNN, da NBC, da Al-Jazeera, da russa ATV, e de jornais como The Washington Post, The Guardian, Corriere della Sera e La Repubblica. Muitas das competições foram transmitidas ao vivo para o Quirguistão, seus vizinhos Cazaquistão, Uzbequistão, Turcomenistão e Tajiquistão, para a Turquia, Azerbaijão, Mongólia, Rússia e até para os Estados Unidos. Estima-se que a audiência televisiva tenha sido de 230 milhões de pessoas em 40 países, e que mais de 200 mil pessoas tenham ido ao Quirguistão acompanhar o evento de perto.

O programa contaria com 30 provas de oito esportes: alysh, corrida de cavalos, er enish, kok boru, kuresi, kurosh, ordo e toguz korgool. Todos os esportes do programa seriam tradicionais do Quirguistão - a maioria deles regulados por federações das quais Akibaev já tinha sido presidente - exceto um, o kuresi, originário do Cazaquistão, mas muito popular dentre o povo quirguiz. Embora isso não tenha tido nenhum efeito prático, os esportes foram divididos em três grupos: equestres (er enish, kok boru e corrida de cavalos), lutas (kuresi, kurosh e alysh) e estratégia (ordo e toguz kargool). O ordo, único dos esportes do programa que eu ainda não abordei em um post do átomo (acreditem se quiser) é uma espécie de jogo de tabuleiro que simula uma batalha entre dois exércitos, jogado com ossos de ovelha de pé na areia, ao invés de com peças e tabuleiros sobre uma mesa. A corrida de cavalos teve apenas três provas do at chabysh, o esporte de cavalos nacional do Quirguistão: as do alaman baige, do kunan chabysh e do zhorgo salysh. Todos os esportes foram disputados apenas no masculino, com exceção do toguz korgool, que teve provas masculinas e femininas, individuais e por equipes.

A primeira edição dos Jogos Mundiais Nômades também seria a única até hoje a contar com quatro esportes de demonstração - e, nesse caso, seriam esportes de demonstração mesmo, já que não haveria nenhum tipo de competição os envolvendo, apenas demonstrações de suas técnicas. Os esportes de demonstração seriam o jereed, as lutas tradicionais turcas (ambos representando a Turquia; as "lutas tradicionais" foram uma demonstração de técnicas de várias lutas diferentes, todas originárias daquele país), o taekkyeon (luta tradicional da Coreia) e o zorhana (representando o Azerbaijão). Inicialmente, os esportes de demonstração seriam apenas três, representando os três países que se uniram ao Quirguistão na assinatura da Declaração de Bishkek, mas o jereed, que fazia parte do programa principal, acabaria trocado de lugar com o kuresi, porque a organização não conseguiu um número suficiente de seleções para um torneio de jereed, e o taekkyeon seria incluído a pedido da Coreia do Sul, após ela confirmar sua participação. Todos os esportes de demonstração também só contariam com atletas homens.

Nos moldes das Olimpíadas, a organização não manteve ou divulgou um quadro oficial de medalhas - o que não impediu que a imprensa, ou até mesmo as próprias delegações, fizessem a contagem por conta própria. O Quirguistão, evidentemente, ganhou de lavada, com 16 medalhas de ouro, 20 de prata e 19 de bronze; seguido do Cazaquistão, com 10 ouros, 9 pratas e 9 bronzes; e do Turcomenistão, com 3 ouros e 3 bronzes - além desses, somente o Tajiquistão ganhou uma medalha de ouro, além de três bronzes, e somente outros três países ganharam medalhas, a Mongólia (uma prata e seis bronzes), a Rússia (cinco bronzes) e o Uzbequistão (quatro bronzes). Assim como na maioria dos torneios, as lutas deram dois bronzes, por isso o número de medalhas de bronze (49) foi maior que o de ouros e pratas (30) - ao todo, 109 medalhas foram distribuídas, além de um total de 16 milhões de soms (o dinheiro do Quiguistão) em prêmios.

Mas, como foi dito, os Jogos Mundiais Nômades não eram apenas uma competição esportiva. No vilarejo de Kyrchyn, por exemplo, no qual a população ainda vive nas moradias originais dos povos nômades, cabanas chamadas yurt, foi realizado o chamado Festival Étnico, no qual, diariamente, os visitantes poderiam acompanhar o dia a dia dos moradores, seus costumes e tradições - coincidentemente, até mesmo uma criança nasceu em Kyrrchin durante o evento, o que deu a quem estava por lá no dia a oportunidade de presenciar um autêntico parto nômade. O povo local se mostrou bastante receptivo aos visitantes, e, diariamente, organizava um espetáculo equestre para demonstrar suas proezas na condução dos cavalos. Mais de mil pessoas também estiveram envolvidas nas várias exposições e demonstrações culturais realizadas em instalações próprias na Vila Nômade, que tinham a visita de centenas de turistas todos os dias.

O evento seria considerado um imenso sucesso, e, em uma reunião realizada horas antes da cerimônia de encerramento, ficaria acertado que ele se repetiria a cada dois anos - a Turquia chegou a manifestar seu desejo de sediar a segunda edição, mas tanto Akibaev quanto o presidente do Quirguistão fincaram o pé para que a segunda edição também fosse realizada em Cholpon-Ata, sendo acompanhados pelos representantes dos demais países presentes. Com mais propaganda e um evento bem sucedido no currículo, a segunda edição seria ainda mais grandiosa que a primeira, contando com mais eventos esportivos, mais mostras culturais, mais palestras, mais participantes e, principalmente, mais visitantes. Pela primeira vez, as mostras culturais seriam abertas a países que quisessem fazer suas próprias demonstrações, com um total de 17 nações enviando equipes que iriam expor os traços e marcas de suas culturas.

A segunda edição dos Jogos Mundiais Nômades seria realizada entre 3 e 8 de setembro de 2016, e contaria com a participação de 813 atletas de 62 países - embora, dentre esse número, constassem algumas Repúblicas Autônomas da Rússia, competindo em separado por motivos que veremos em breve. O programa seria muito maior que o da edição anterior, contando com nada menos que 81 provas de 16 esportes; 300 medalhas seriam distribuídas, sendo 81 de ouro, 81 de prata e 138 de bronze, além de 28 milhões de soms em prêmios. Mais de 650 representantes de todos os tipos de mídia, incluindo TV, jornais, rádio e blogs, seriam credenciados, representando 91 países, com os representantes estrangeiros somando quase a metade do total; dentre as mídias estrangeiras mais famosas a cobrir pela primeira vez o evento nessa edição estariam a China TV, a japonesa NHK e a alemã Deutsche Welle; a revista National Geographic também lançaria uma edição especial dedicada ao evento. A cerimônia de abertura, que contaria com 10 mil pessoas presentes, seria transmitida ao vivo para o Quirguistão, Cazaquistão, Turcomenistão, Azerbaijão, Rússia e Turquia, com uma estimativa de 800 milhões de espectadores, e as competições seriam exibidas em mais de 90 países, com cerca de vinte deles exibindo pelo menos uma prova ao vivo.

O programa contaria com todos os esportes da edição anterior, mais o jereed, promovido a esporte de competição, e mais alguns esportes tradicionais não só do Quirguistão e Cazaquistão, mas também da Turquia, Azerbaijão, Turcomenistão, Coreia do Sul e Rússia. O mais procurado seria o kurosh, que, de tantos ingressos vendidos, seria realocado da arena temporária originalmente construída para um ginásio na cidade de Cholpon-Ata com capacidade para 7 mil pessoas - e que encheu durante todos os dias de competição. O recorde de público ocorreria na final do kok boru, entre Quirguistão e Cazaquistão, quando a arena ficaria lotada com mais de 10 mil pessoas, muitas delas de países sem tradição no esporte, mas querendo participar do clima festivo criado por ambas as equipes, rivais amistosos nesse esporte. Falando em falta de tradição, duas das maiores curiosidades do torneio foram a equipe de kok boru dos Estados Unidos e a equipe de ordo da Rússia, que perderam todas as suas partidas, mas sempre tinham bom público os incentivando.

Ao invés de levar os turistas para um vilarejo real, a organização decidiria construir uma "Vila Quirguiz", composta de nove "bairros", representando as sete regiões do Quirguistão e suas duas maiores cidades, Bishkek e Osh. Lá, os visitantes poderiam conhecer um pouco mais da cultura de cada região, inclusive almoçando suas comidas típicas e participando de atividades do dia a dia; a cada noite, um grande festival era realizado na praça central da Vila, com 40 mil pessoas tendo participado apenas no primeiro dia. Um outro grande festival, chamado Nomad Fest, seria realizado no hipódromo de Cholpon-Ata, e, durante três dias, contaria com a participação de cantores e bandas do Quirguistão, Cazaquistão, Azerbaijão, Turquia e Rússia, além do dançarino norte-americano Cjaiilon Andrade, vencedor do programa de TV America's Got Talent, que se apresentaria com o quirguiz Jan Voinov.

Os esportes do programa seriam alysh, ashyrtmaly aba gureshi, corrida de cavalos, er enish, goresh, gyulesh, jereed, kok boru, kuresi, kurosh, mangala, mas-wrestling, ordo, salbuurun, tiro com arco e toguz korgool. O número de lutas dobraria com a entrada do ashyrtmaly aba gureshi, luta tradicional turca na qual os lutadores usam uma espécie de roupa de couro; do goresh, luta de cinturão tradicional do Turcomenistão; e do gyulesh, luta de submissão tradicional do Azerbaijão. Também seria acrescentado nessa edição um dos esportes "estrangeiros" que teria mais procura de ingressos, o mas-wrestling, originário da região da Iacútia, na Rússia. Além das três provas de at chabysh da edição passada, o programa das corridas de cavalo contaria com uma prova de endurance de 80 km, organizada segundo as regras da Federação Equestre Internacional, classe CEI 1. O programa do tiro com arco contaria com provas de tiro com arco tradicional nômade, tiro com arco montado nômade, do coreano gungdo e do turco okçuluk, além de demonstrações de perícia e habilidade que não valiam medalhas, como disparar o arco com os pés ou vendado. E, no meio de tantos esportes exóticos, talvez o mais curioso fosse o salbuurun, que representa uma caçada dos povos nômades, contando com provas nas quais os participantes têm de provar sua perícia no adestramento e comando de águias, falcões e cachorros. Assim como na edição anterior, quase todas as competições foram exclusivamente masculinas, com somente cinco esportes contando com provas femininas: alysh, mas-wrestling, tiro com arco, toguz korgool e mangala - um jogo de mancala originário da Turquia.

O Quirguistão mais uma vez terminaria a competição no topo do quadro não-oficial de medalhas, com 25 de ouro, 25 de prata e 29 de bronze, com Turcomenistão e Cazaquistão mais uma vez fechando o Top 3, mas dessa vez na ordem invertida - Turcomenistão em segundo com 15 de ouro, 3 de prata e 6 de bronze, Cazaquistão em terceiro com 12 de ouro, 13 de prata e 13 de bronze. A Rússia veio na quarta colocação com 12 de ouro, 5 de prata e 10 de bronze, mas, se não fosse um acordo firmado com os organizadores, talvez seu desempenho tivesse sido melhor: para aumentar o número de seleções nos torneios de jereed e kok boru, a Rússia permitiu que algumas de suas Repúblicas Autônomas competissem separadamente, o que elas fizeram também nas lutas e no tiro com arco, com duas delas não somente ganhando medalhas, mas se saindo muito bem - o Bascortostão, que terminou em nono lugar no quadro, com um ouro, três pratas e seis bronzes, e o Tataristão, que terminou em décimo, com um ouro, duas pratas e dois bronzes.

O número de países que ganhou pelo menos uma medalha saltou de 7 para 32, e o número dos que conseguiu pelo menos um ouro quadruplicou, de 4 para 16 - além dos citados no parágrafo anterior, conseguiram pelo menos um ouro Azerbaijão (4), Irã, Geórgia (2 cada), Uzbequistão, Eslováquia, Mongólia, Sérvia, Hungria, Moldova e Turquia. Dentre os medalhistas surpreendentes estariam os Estados Unidos, com duas pratas e dois bronzes, o Equador, com uma prata e um bronze, a Argentina, com dois bronzes, e a Índia, com um bronze; nessa edição, o Brasil também ganharia sua primeira e única medalha na história do torneio, um bronze no alysh, categoria até 90 kg, com Gabriel Oliveira.

Seguindo o cronograma, a terceira edição dos Jogos Mundiais Nômades seria realizada entre 2 e 8 de setembro de 2018, mais uma vez em Cholpon-Ata. Essa seria a edição mais grandiosa de todas, com a participação de 1976 atletas de 74 países, contando pela primeira vez com países dos cinco continentes, graças à primeira participação da Austrália e de 13 países africanos - a maioria deles competindo no oware, um jogo de mancala originário do oeste da África. Essa também seria a primeira edição a ter um mascote, um leopardo da neve sem nome, presente em campanhas que visavam ressaltar o lado ecológico do evento e estimular a população quirguiz e os visitantes a investir em reciclagem e fontes de energia renováveis. Mais de 700 representantes de todos os tipos de mídia, vindos de 96 países, estiveram no Quirguistão para cobrir o evento, transmitidos para mais de 100 países ao redor do mundo, com 25 deles podendo assistir a pelo menos uma prova ao vivo.

O programa contaria com 118 provas de 25 esportes: alysh, ashyrtmaly aba gureshi, bokh, cabo de guerra, corrida de cavalos, er enish, goresh, gushtini milli kamarbandi, gyulesh, kok boru, kurash, kuresi, kurosh, mangala, mas-wrestling, ordo, oware, pahlavani, queda de braço, salbuurun, sambô, ssireum, sumô, tiro com arco e toguz korgool. Dentre as novas lutas teríamos finalmente o o kurash, do Uzbequistão, que me levou a escrever o post sobre as lutas de cinturão; o bohk, originário da Mongólia; o gushtini milli kamarbandi, luta tradicional do Tajiquistão; a luta persa pahlavani; o sambô, criado na União Soviética; o japonês sumô, disputado pelas regras da Federação Internacinal de Sumô, que regula sua versão amadora; e o sul-coreano ssireum. Dois esportes de força bem menos exóticos que o restante do programa se uniriam ao mas-wrestling, o cabo de guerra e a queda de braço, também conhecida no Brasil como braço de ferro. O programa das corridas de cavalos, com a adição do byshty zhorgo, passaria a contar com as quatro provas do at chabysh, e, além da prova de endurance pelas regras da FEI, contaria com três provas de turfe, nas distâncias de 1.600, 2.400 e 3.200 m. A participação feminina seria ampliada, já que, além de no alysh, mas-wrestling, tiro com arco, toguz korgool e mangala, as mulheres competiriam pela primeira vez no kuresi, além de no kurash, sambô, ssireum e oware, para um total de dez esportes.

Uma curiosidade dessa edição foi a Grande Luta Nômade, um torneio com regras híbridas disputado pelos medalhistas de ouro das categorias mais pesadas do alysh, ashyrtmaly aba guresh, bohk, goresh, gushtini milli kamarbandi, gyulesh, kurash, kuresi, kurosh, pahlavani, sambô, sumô e ssireum. Todos os medalhistas de ouro das três edições realizadas também seriam, numa cerimônia, registrados no Livro dos Grandes Vencedores, um livro feito de couro e pele de animais no estilo dos que registravam a história dos povos nômades na antiguidade. Também houve a demonstração de esportes como kok boru em iaques, corrida de camelos, kyz kuumai (no qual um homem a cavalo persegue uma mulher também a cavalo tentando dar-lhe um beijo), e tyiyn enmei (esporte a cavalo no qual o objetivo é jogar uma moeda pra cima e pegar de volta), mas, diferentemente do que ocorreu na primeira edição, esses esportes não foram considerados parte do programa como esportes de demonstração, e sim parte das atividades culturais.

A parte cultural, falando nisso, foi mais uma vez dividida em duas partes. Uma delas seria o festival Nomad Universe, realizado em instalações montadas junto à Vila Nômade em Issyk-Kul, que contou com espetáculos de música moderna e folclórica, dança moderna e tradicional, desfiles de moda tradicional, exposições de artesanato tradicional e até recitais de poemas épicos e lendas dos povos nômades. A segunda foi a Vila Quirguiz, montada junto à aldeia de Kyrchyn, nos mesmos moldes da Vila da edição anterior, com nove setores dedicados às sete províncias e às duas cidades mais importantes do Quirguistão. Palestras e seminários científicos também seriam realizados em conjunto com o evento, inclusive na Universidade de Bishkek.

O Quirguistão mais uma vez ficaria no topo do quadro de medalhas, com 40 ouros, 32 pratas e 31 bronzes, seguido do Cazaquistão, com 18 ouros, 24 pratas e 30 bronzes, e da Rússia, com 17 ouros, 12 pratas e 27 bronzes - as Repúblicas Autônomas puderam competir separadamente mais uma vez, mas apenas no kok boru, o que ajudou a Rússia a ganhar mais medalhas. Mais uma vez, 32 países ganharam pelo menos uma medalha, mas, dessa vez, pelo menos 20 países ganharam pelo menos um ouro, com os demais sendo Turcomenistão (10), Uzbequistão (7), Hungria, Irã (4 cada), Ucrânia (3), Mongólia, Turquia, Antígua e Barbuda (2 cada), Azerbaijão, Tajiquistão, China, Bulgária, Alemanha, Sérvia, Emirados Árabes Unidos, Letônia e Lituânia (1 cada). Curiosamente, o site oficial diz que foram distribuídas 407 medalhas, sendo 118 de ouro, 113 de prata e 176 de bronze, mas eu não consegui descobrir o que teria causado essa diferença entre os ouros e as pratas. O valor total dos prêmios seria de 35 milhões de soms.

O desejo de Akibaev era que todas as edições dos Jogos Mundiais Nômades fossem realizadas em Cholpon-Ata, mas, quanto mais o evento crescia, mais a Turquia pressionava, e, após a edição de 2016, conseguiu o apoio dos demais países signatários da Declaração de Bishkek. Em uma reunião em 2017, portanto, ficaria decidido que a edição de 2018 ainda seria realizada no Quirguistão, mas que a de 2020 seria realizada na Turquia, e que o Azerbaijão e o Cazaquistão também teriam suas oportunidades em 2022 e 2024 se desejassem. Na cerimônia de encerramento dos Jogos de 2018, de forma simbólica, um recipiente tradicional para guardar líquidos dentre os povos nômades, chamado kokoor, cheio de água glacial das montanhas da região de Cholpon-Ata, foi entregue por Kubatbek Boronov, vice-Primeiro Ministro do Quirguistão, para o Presidente da Turquia, Tayyip Erdogan, junto com o Livro dos Grandes Vencedores; a ideia do kokoor seria de Boronov, que, em seu discurso, ressaltaria a importância da preservação da água potável para as gerações futuras, e, em entrevistas posteriores, declararia seu desejo de transformar a "água nômade" em um símbolo tão forte quanto o Fogo Olímpico.

Falando nisso, vale citar como curiosidade que o símbolo dos Jogos Mundiais Nômades, que se parece com um cavalo, é uma marca registrada do governo do Quirguistão, e, para que pudesse ser utilizado pelo Comitê Organizador dos Jogos de 2020, foi feita uma cessão temporária de direitos; também foi assinado um documento no qual a Turquia se comprometia a manter os "esportes principais" dos Jogos (que eu não sei quais são, talvez os da primeira edição) no programa, mesmo que eles não fossem especialmente populares naquele país, recebendo autorização para adicionar quaisquer esportes que julgue de relevância para os povos nômades e de interesse do povo turco.

A intenção do governo turco era construir na cidade de Iznik uma Vila Nômade e instalações esportivas temporárias, nos moldes da de Cholpon-Ata, às margens do Lago Iznik, que dá nome à cidade, e aproveitar algumas instalações esportivas já presentes na cidade de Bursa, a quarta mais populosa da Turquia, a 80 km de Iznik, bem como realizar as mostras culturais em parques e praças de Iznik e as palestras e seminários científicos nas três universidades situadas em Bursa. A princípio, a Vila Nômade e as instalações temporárias também seriam construídas em Bursa, mas Iznik seria escolhida não somente por permitir que mais uma vez os Jogos Mundiais Nômades fossem realizados à beira de um lago como em Cholpon-Ata, mas também pelos estreitos laços entre a cidade e o Quirguistão - Iznik possui um monumento e um memorial em homenagem a guerreiros do Quirguistão que ajudaram os bizantinos que viviam no local a defender a cidade dos otomanos, que a invadiram e tomaram em 1331. Akibaev ficaria satisfeito com a mudança para uma cidade menor, pois, quando a Turquia anunciou sua intenção de realizar os Jogos em Bursa, ficou preocupado que o gigantismo da cidade não possibilitasse o clima de amizade entre os povos que sempre permeou o evento.

No início de 2020, entretanto, todas as obras referentes aos Jogos Mundiais Nômades tiveram de ser interrompidas quando a pandemia chegou à Turquia. Inicialmente, a WEC manteve a data de setembro de 2020 para os Jogos, mas, após os Jogos Olímpicos serem adiados, ela decidiu seguir o mesmo caminho, remarcando os Jogos da Turquia para 2021, mas mantendo a edição seguinte, que seria realizada no Azerbaijão, em uma cidade ainda não escolhida, em 2022. No final de 2020, vendo que a situação não se resolveria tão cedo, a WEC anunciaria o cancelamento da edição de 2020 e o retorno dos Jogos Mundiais Nômades a seu cronograma original, a cada dois anos nos anos pares, em 2022. Nesse mesmo anúncio, ficaria determinado que a Turquia sediaria a edição de 2022, enquanto o Azerbaijão sediaria a de 2024; o Cazaquistão ainda tem direito a sediar a de 2026, mas ainda não se pronunciou.

Uma das principais diferenças entre os Jogos Mundiais Nômades e outros torneios, como as Olimpíadas, é a participação ativa do público; mais que uma competição esportiva, o evento é um grande festival, no qual os visitantes trocam experiências com a população local e aprendem mais sobre as tradições e costumes nômades. Vamos torcer para que, até setembro, a pandemia já esteja controlada, e a quarta edição dos Jogos Mundiais Nômades possa ser um evento ainda mais empolgante que as três anteriores.

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