domingo, 28 de junho de 2020

Escrito por em 28.6.20 com 0 comentários

Willow na Terra da Magia

Um dos filmes que eu tenho lembranças mais nítidas da minha infância é Willow na Terra da Magia. Tive a oportunidade de assisti-lo mais uma vez recentemente, e me espantei com como me lembrava de quase tudo, como se o tivesse assistido pouco tempo antes - mais que isso, me lembro nitidamente também de uma propaganda do Toddynho, que teve uma promoção "Toddynho na Terra da Magia", ligada ao filme. Curiosamente, Willow parece ser um filme meio ignorado, tanto que não costuma ser lembrado quando se fala de filmes de fantasia ou em filmes dos anos 80 - normalmente ele só entra na conversa quando vão falar alguma coisa sobre seu protagonista, Warwick Davis - e, apesar de inicialmente fazer parte do catálogo da Fox, e mais recentemente do da Disney - que comprou a Lucasfilm, porque, para deixar seu ostracismo ainda mais incompreensível, o filme ainda foi uma produção de George Lucas - durante anos permaneceu sem ter sido lançado em DVD no Brasil, o que só aconteceu recentemente, e como parte de um box de filmes dos anos 80. Vocês já devem ter imaginado que eu comprei esse box, e que foi assim que eu assisti ao filme recentemente, e que, como costuma acontecer, depois de assisti-lo, eu fiquei com vontade de falar sobre ele. Ato contínuo, hoje é dia de Willow no átomo!


Diz uma antiga profecia que o nascimento de uma menina com uma marca de nascença específica marcará o fim do reinado da cruel Rainha-Feiticeira Bavmorda (Jean Marsh). Por causa disso, como qualquer Rei ou Rainha malvado que toma conhecimento de uma profecia dessas, Bavmorda sequestra todas as mulheres grávidas do reino, e planeja matar a tal criança assim que ela nascer. A parteira que traz a criança ao mundo, entretanto, com pena de um bebê sofrer um destino tão terrível, engana a Rainha e foge com ela do castelo. Perseguida e sabendo que não vai escapar, a parteira decide improvisar uma jangada para a menina, e, tal qual Moisés, a coloca para descer o rio. Não estando disposta a brincar com a sorte, Bavmorda envia sua filha, a guerreira Sorsha (Joanne Whalley), e o comandante de seu exército, General Kael (Pat Roach), para destruir tudo o que acharem pelo caminho até encontrarem a criança.

Acontece que a bebezinha desce o rio até chegar à Vila dos Nelwyns (o nome técnico que o filme dá para os "anõezinhos") e é encontrada pelos filhos de Willow Ufgood (Warwick Davis), fazendeiro de bom coração que é péssimo nos negócios, mas relativamente bom com magia, e planeja se tornar o próximo aprendiz do famoso feiticeiro nelwyn High Aldwyn (Billy Barty). Para desespero de Willow, sua esposa, Kiaya (Julie Peters), se afeiçoa à criança e a leva para sua casa, o que pode ser visto como um tremendo mau agouro pelos demais, já que ela é daikini (o nome técnico que o filme dá para os humanos). Durante uma feira, na qual Aldwyn escolherá seu próximo aprendiz, a vila é atacada por cães enviados pela Rainha, e a bebê é descoberta. Burglekutt (Mark Northover), o Prefeito da Vila, que deseja tomar a fazenda de Willow para si, coloca toda a culpa pelo incidente no fazendeiro, mas Aldwyn determina que um grupo de nelwyns deve levar a criança até as terras dos daikini. Willow e seu melhor amigo, Meegosh (David J. Steinberg), se voluntariam, assim como o melhor guerreiro da Vila, Vohnkar (Phil Fondacaro) - e Aldwyn determina que Burglekutt, para seu desespero, deve ir também.

O quarteto então cruza o reino até a fronteira das terras daikini, onde encontra o mercenário Madmartigan (Val Kilmer, que, por ser o nome mais famoso do elenco, era considerado o protagonista do filme, e tinha bastante destaque no material de divulgação), aprisionado por um crime que pode ou não ter cometido. Burglekutt decide abandonar a criança com ele, e volta com Vohnkar para a Vila; Willow e Meegosh não têm coragem, e decidem esperar pra ver se algum outro humano passará por lá. O primeiro que passa é o General Airk Thaughbaer (Gavan O'Herlihy), que foi colega de Madmartigan no exército, e agora ruma no comando de uma tropa para enfrentar as legiões de Bavmorda. Airk não pode ficar com a criança, mas, deduzindo que Madmartigan tem bom coração por sua conversa com o General, Willow decide libertá-lo e deixar a criança com ele.

No caminho de volta, porém, Willow descobre que a criança foi sequestrada por dois brownies ("fadinhas"), Rool (Kevin Pollak) e Franjean (Rick Overton). Tentando salvá-la, ele acaba encontrando a Rainha das Fadas, Cherlindrea (Maria Holvöe), que lhe revela a verdade sobre a criança, e lhe incumbe da missão de encontrar a feiticeira Raziel (Patricia Hayes), única que pode derrotar Bavmorda e ajudar a criança a cumprir seu destino. Willow, então, parte em companhia de Rool e Franjean - e, mais tarde, de Madmartigan, após um encontro aleatório - para encontrar Raziel e derrotar Bavmorda, o que, de costume, não será tão fácil quanto parece.

Lucas teria a ideia do filme em 1972; segundo ele, a premissa de Willow (originalmente chamado Munchkins, o nome dos anõezinhos de O Mágico de Oz) era a mesma de Star Wars, ou seja, reunir vários elementos dos filmes e livros de fantasia em um mesmo cenário - dessa vez, porém, em um cenário realmente de fantasia medieval, sem a transposição ocorrida em Star Wars. Durante anos ele manteve a ideia engavetada por iniciativa própria, por acreditar que a tecnologia da época ainda não era avançada o suficiente para que o filme ficasse do jeito que ele queria. O projeto só começaria a sair do papel dez anos depois de sua concepção, em 1982, quando, durante as filmagens de O Retorno de Jedi, Lucas convidaria Davis, intérprete do Ewok Wicket, para o papel principal - um filme protagonizado por um anão era coisa raríssima em Hollywood (talvez por isso Kilmer seja considerado o protagonista no material de divulgação), e Lucas achou que o conceito de "uma pequena pessoa contra um sistema enorme" que ele utilizou em Star Wars poderia ser usado de forma mais literal nesse caso.

Três anos mais se passariam até que Lucas estivesse satisfeito o suficiente com a tecnologia de efeitos especiais para começar a produção, e escolhesse Ron Howard para ser o diretor. Howard hoje é considerado um diretor do primeiro time, tendo dirigido sucessos como No Coração do Mar, A Luta Pela Esperança e a trilogia O Código Da Vinci, mas, na época, era um estreante na direção, responsável por comédias como Turno Noturno e Splash: Uma Sereia em Minha Vida. Howard começou sua carreira como ator-mirim, na década de 1960, e teve uma até bem sucedida carreira de ator, inclusive trabalhando com Lucas em Loucuras de Verão, antes de decidir passar para a direção. Em 1985, ele estava na Industrial Light & Magic, empresa de efeitos especiais de propriedade de Lucas, acompanhando a pós-produção de Cocoon, que também dirigiu, quando recebeu o convite. Após ler a sinopse escrita por Lucas, ele recomendaria Bob Dolman para escrever o roteiro; Dolman seria extremamente perfeccionista, levando mais de um ano para chegar à versão final, escrevendo nada menos que seis rascunhos.

Com roteiro, diretor e protagonista, Lucas começou a procurar um estúdio, e teve quase tanta dificuldade quanto quando decidiu fazer Star Wars: basicamente, todos os estúdios achavam que o cinema já estava saturado de filmes de fantasia, pois, nos anos anteriores, haviam estreado Krull, A Lenda, O Dragão e o Feiticeiro e Labirinto: A Magia do Tempo, todos hoje considerados grandes clássicos, mas que, na época, foram caríssimos e não tiveram o desempenho esperado nas bilheterias. O único estúdio que aceitou foi a MGM, e, assim mesmo, porque seu presidente era Alan Ladd, Jr., o mesmo que era presidente da Fox e deu a luz verde para Star Wars. A MGM, porém, estava passando por graves dificuldades financeiras, e só poderia financiar o filme mediante um acordo nada vantajoso para Lucas: a MGM ficaria com todo o retorno das bilheterias e da exibição em TV, enquanto a Lucasfilm ficaria com todo o retorno dos lançamentos em vídeo e da TV a cabo - na época, substancialmente menores que os do cinema. Lucas aceitaria, mas somente após conseguir um contrato com a RCA, que lhe adiantou uma vultosa soma em dinheiro em troca da totalidade dos rendimentos do lançamento em vídeo.

Lucas pretendia filmar somente na Califórnia, mas foi convencido por Howard a encontrar locações internacionais que se assemelhassem mais a um mundo de fantasia medieval típico. Apenas algumas poucas cenas filmadas no Rancho Skywalker, de propriedade do cineasta, e em Burney Falls, próximo ao Monte Shasta, seriam filmadas na Califórnia, com o restante do filme usando locações no País de Gales e na Nova Zelândia, com as cenas de estúdio sendo filmadas em Hertfordshire, na Inglaterra. Enquanto escolhia as locações, Lucas encontrou uma no sul da China que achou perfeita, mas o governo chinês não deu autorização para que eles filmassem lá, então a solução foi enviar uma equipe escondida para realizar as filmagens, e depois inserir os atores digitalmente nesses cenários usando um chroma key.

Os efeitos especiais do filme, considerados de última geração, ficariam a cargo da Industrial Light & Magic de Lucas; a cena mais comentada seria aquela na qual Willow tem de retornar Raziel, que está transformada em uma cabra, à sua forma original humana, mas, não sabendo realizar corretamente o feitiço, acaba transformando-a primeiro numa avestruz, num pavão, numa tartaruga e num tigre. Inicialmente, Dennis Muren, o responsável pelos efeitos especiais, pensaria em usar stop motion - técnica que filma movimentos quadro a quadro, usada, por exemplo, na cena do monstro de duas cabeças - mas, considerando que o efeito final poderia ficar estranho, pensou em usar a técnica do optical dissolve, na qual uma cena é filmada usando um filme já usado, combinando as duas filmagens, mas também desistiu, pois o processo seria extremamente trabalhoso devido ao grande número de transformações. Muren, então, decidiria ousar e tentar uma técnica que estava em seu início na época, o digital morphing, na qual uma imagem se transforma progressivamente em outra, e para a qual a ILM já tinha um software, embora ainda em estágios iniciais e incapaz de fazer a cena do jeito que Lucas queria. O responsável pelo software, Doug Smythe, começaria a trabalhar em um update em setembro de 1987, e, em março de 1988, finalmente conseguiria fazer a cena de forma satisfatória - ou melhor, de forma que impressionasse Muren e o designer de produção David Allen, que praticamente não acreditavam no que estavam vendo. Foi graças a Willow que o digital morphing se tornaria uma realidade no cinema; nos anos seguintes, o programa de Smythe ainda seria usado, com poucas modificações, em Indiana Jones e a Última Cruzada, Jornada nas Estrelas VI: A Terra Desconhecida e O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final.

Willow
estrearia em 20 de maio de 1988; Lucas tinha a esperança de que ele rendesse tanto quanto E.T. - O Extraterrestre (uma estimativa absurdamente otimista para qualquer filme), mas não contava que Willow teria a concorrência de três filmes super aguardados pelo público, que estrearam praticamente junto com ele: Crocodilo Dundee 2, Quero Ser Grande e Rambo 3. O resultado foi que, com orçamento de 35 milhões de dólares, Willow renderia 57,3 milhões nos Estados Unidos, sendo considerado um sucesso marginal; felizmente, somando as bilheterias internacionais, ele renderia 137,6 milhões, o suficiente para não ser incluído na lista de filmes de fantasia dos anos 1980 que não renderam tanto quanto seus estúdios gostariam. Mas talvez o dado mais interessante seja que, no home video, mercado que a MGM achou que faturaria menos e deixou os rendimentos para Lucas (que, como vimos, os vendeu para a RCA), Willow seria um enorme sucesso, com seu VHS figurando na lista dos mais vendidos de 1988 e 1989.

A crítica ficaria dividida, elogiando os efeitos especiais e a atuação de Davis, mas considerando o roteiro fraco, Kilmer caricato e a direção de Howard ruim. O filme seria considerado complexo demais para crianças e bobo demais para adultos, e Lucas acabaria criticado por tabela, por "se esquecer de como se faz entretenimento de qualidade". O filme seria indicado a dois Oscars técnicos, Melhor Edição de Som e Melhores Efeitos Visuais, mas perderia ambos para Uma Cilada para Roger Rabbit.

O sucesso do filme dentre o público levaria ao lançamento de um livro, escrito por Wayland Drew, com a mesma história central, mas com muito mais informação sobre os personagens e novas cenas que não estiveram presentes no filme - incluindo uma na qual Willow enfrenta um monstro marinho, que chegou a ser filmada na época, mas, descartada, não passou pela pós-produção. Alguns críticos achariam o livro até melhor do que o filme, e declarariam que ele era um verdadeiro exemplo da literatura de fantasia. Além do livro, Willow daria origem a um jogo de tabuleiro e a três games; um deles seria criado pela Mindscape e lançado para os computadores Amiga, Atari ST, Commodore 64 e para DOS, mas os outros dois seriam lançados pela Capcom. Ambos chamados Willow e lançados em 1989, um deles seria um jogo de plataforma para arcades, usando a placa CPS-1, com o jogador controlando Willow em algumas fases e Madmartigan em outras, e se tornaria um grande sucesso, com lindos gráficos e boa jogabilidade; o outro seria lançado para o NES, parecido com The Legend of Zelda, no qual Willow é o único personagem à disposição do jogador, e não seria tão bem recebido, vendendo pouco.

Durante muito tempo, Lucas teve o sonho de produzir uma série de televisão que serviria de continuação para o filme, mas sempre esbarrou em problemas técnicos ou financeiros; até recentemente, o ano no qual eles chegaram mais perto foi 2005, quando Davis chegou a dar entrevistas sobre o assunto se dizendo disposto a repetir o papel. Em maio de 2018, Howard confirmou que um segundo filme, temporariamente chamado Willow 2, estava em produção, mas, em 2019, revelou que na verdade seria uma série, com roteiros de Jonathan Kasdan, que estrearia no canal de streaming da Disney, o Disney+. Kasdan já confirmou que a série está em desenvolvimento, embora não tenha ainda data para as filmagens começarem, e que Davis repetiria o papel de Willow - e, antes que alguém pense que ele já deve estar muito velho pra isso, vale dizer que Davis nasceu em 1970, ou seja, tinha apenas 18 anos quando interpretou Willow (e 12 quando interpretou Wickett), e, atualmente, ainda está com 50 e em plena forma para o papel.

Curiosamente, ao ver que talvez não conseguisse realizar a série, Lucas decidiria fazer uma sinopse de como pensava que seria a continuação do filme, e a entregaria para o roteirista de quadrinhos Chris Claremont, famoso por sua época à frente dos X-Men, que escreveu três livros, lançados em 1995, 1996 e 2000. Esses livros são protagonizados pela criança da profecia (que, antes que eu me esqueça, se chama Elora Danan), que neles já é uma adolescente, pois a história dos livros se passa quinze anos após o final do filme. De forma bizarra, Madmartigan e Sorsha são mortos logo nas primeiras páginas do primeiro livro, e Willow mal aparece; eu não consegui descobrir se isso foi ideia de Lucas, mas confesso que não duvido nada.

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