segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

Escrito por em 2.12.13 com 0 comentários

Veronica Mars

Eu não gosto de séries que retratam o dia a dia de adolescentes. Tipo Barrados no Baile ou Dawson's Creek. Já me disseram que é porque eu sou homem, e isso até faz algum sentido, embora eu tenha amigos que gostem. Na verdade, tem duas coisas nesse tipo de série que eu não gosto: primeiro, os supostos adolescentes são sempre atores bem mais velhos, então, mesmo eles estando estudando em um colégio, por exemplo, eu não consigo vê-los como adolescentes. Segundo, eu não consigo me identificar com as coisas que acontecem com eles - e aí eu acho que entra o fator de que a adolescência nos Estados Unidos é bem diferente da nossa. Eu tive uma adolescência bem movimentada, mas ela não incluiu trabalhar meio período numa lanchonete para juntar dinheiro para pagar a faculdade, tentar ser eleito Rei do Baile, dirigir pela cidade no meu próprio carro ou ir a uma festa na casa de um amigo cujos pais estavam viajando. Sem falar em fugir da máfia russa, resolver um assassinato misterioso ou descobrir que sua melhor amiga engravidou enquanto transou bêbada e não sabe quem é o pai. Todos eventos extremamente comuns em séries que retratam o dia a dia de adolescentes, e que eu acho que não devem ser tão comuns assim na vida real. Bem, talvez engravidar bêbada e não saber quem é o pai seja comum. Mas fugir da máfia russa, com certeza, não é.

Toda regra tem exceção, porém, e há pelo menos uma série de adolescentes da qual eu gosto: Veronica Mars. Que já começa não sendo uma série de adolescentes típica, já que Veronica é uma detetive amadora, mas talvez seja por isso mesmo que ela chamou minha atenção. Afinal, ela tem capacidade para tentar resolver um assassinato misterioso, diferentemente de adolescentes "comuns", que jogam no time de futebol americano, fazem parte da equipe de jornalismo do jornal da escola ou querem ser eleitos Rei e Rainha do Baile, e, ao invés de se tornarem a próxima vítima do maníaco homicida, por pura incompetência acabam é dando um golpe de sorte e descobrindo quem ele é antes que a polícia o faça. Isso quando ele não é da máfia russa. Enfim.

Veronica Mars foi criada pelo escritor Rob Thomas, que, após publicar quatro livros voltados para o público jovem, entre 1996 e 1998, teve a ideia de uma série para a TV, protagonizada por uma psicóloga que tem um paciente que acredita ser o Cupido, enviado por Júpiter para unir 100 casais com seus poderes. Essa série seria aprovada pela ABC, e, com o nome de Cupid teria uma temporada de 15 episódios, exibidos entre 1998 e 1999. Enquanto trabalhava em Cupid, Thomas também atuaria como roteirista de Dawson's Creek, escrevendo dois episódios.

Paralelamente a essa incursão pela TV, Thomas começaria a escrever seu quinto livro, um romance de detetives protagonizado por um menino adolescente, que resolveria um crime misterioso ocorrido em seu colégio - o pai de Thomas foi diretor de uma escola, e ele usou várias de suas experiências reais para criar o cenário e os personagens. Enquanto escrevia, entretanto, Thomas chegou à conclusão de que valeria muito mais a pena se sua história fosse transformada em uma nova série do que em um novo romance: um roteiro para o piloto de uma série de TV poderia ser escrito muito mais rápido do que um livro inteiro, os demais episódios poderiam ficar a cargo de outros roteiristas, apenas seguindo a espinha dorsal que ele determinasse, e o pagamento por uma série de TV era bem maior do que o que ele receberia por um romance.

Thomas passaria vários anos trabalhando em sua história, de vez em quando mudando algumas coisas aqui e ali e fazendo alguns ajustes - como ainda não a tinha oferecido a nenhuma produtora, e ninguém a tinha encomendado, também não havia pressão para que ele a finalizasse. Somente em 2003 ele chegaria à conclusão de que a história estava no ponto para ser revelada, e somente após fazer uma mudança muito importante: mudar o protagonista, de um rapaz para uma moça - Thomas chegou à conclusão de que uma história de detetives com clima noir e uma protagonista feminina era uma inovação bem vinda, e que causaria impacto dentre o público.

Thomas entraria em contato com o produtor Joel Silver (de Máquina Mortífera e Duro de Matar, dentre outros), que conheceu enquanto trabalhava em Cupid, e ambos decidiram oferecer sua nova série para a Warner Bros, com quem Silver já havia trabalhado em várias ocasiões. A Warner gostou da ideia e deu a luz verde, oferecendo-a à UPN, canal de propriedade de outro estúdio, a Paramount. Quando perguntado sobre o nome da série, Thomas optaria pelo mais simples e a batizaria com o nome de sua protagonista: Veronica Mars.

Veronica (Kristen Bell) é uma adolescente da fictícia cidade de Neptune, Califórnia, cuja maior parte da população é de classe alta, milionários ligados principalmente à indústria do cinema e da computação. Veronica não pertence a uma dessas famílias abastadas, mas sempre teve trânsito livre dentre eles, já que seu pai, Keith Mars (Enrico Colantoni), o xerife da cidade, sempre foi respeitado por todos. O namorado de Veronica, Duncan Kane (Teddy Dunn), é filho de um dos homens mais ricos da cidade, Jake Kane (Kyle Secor), dono de uma bilionária indústria de software, e a irmã de Duncan, Lilly (Amanda Seyfried), é a melhor amiga de Veronica. O namorado de Lilly, Logan Echolls (Jason Dohring), é filho de um dos maiores astros dos filmes de ação da atualidade, Aaron Echolls (Harry Hamlin). Nesse cenário, Veronica tem a vida dos sonhos de qualquer adolescente norte-americana, sendo bonita, popular, tendo uma família feliz e boas notas na escola.

Infelizmente, a vida perfeita de Veronica começa a ruir um ano antes do início da série, quando Lilly é assassinada em circunstâncias misteriosas. Ao longo da investigação, o xerife Mars chega à conclusão de que o principal suspeito é o próprio pai de Lilly, graças a fatos na história contada por ele que não batem com suas investigações. Praticamente toda a população de Neptune fica contra o xerife, achando essa suposição absurda, o que leva a sua destituição do cargo. As coisas só pioram quando o novo xerife, Don Lamb (Michael Muhney), encontra provas irrefutáveis de que Lilly teria sido assassinada por um ex-funcionário da Kane Software, Abel Koontz (Christian Clemenson). A família Mars cai em desgraça, a mãe de Veronica, Lianne (Corinne Bohrer), decide abandonar o marido e sumir no mundo, e Keith Mars decide abrir uma firma de investigações particulares.

Quando a série começa, Veronica, outrora uma menina meiga e ingênua, já é casca-grossa, trabalhando como secretária do pai e, nas horas vagas, resolvendo pequenos mistérios envolvendo seus colegas e os assuntos da escola, enquanto tenta descobrir quem seria o real assassino de sua melhor amiga. Como ela foi a única que apoiou o pai na acusação a Jake Kane, acabou se tornando uma pária no Neptune High, escola que a maioria dos adolescentes da cidade frequenta, perdendo o namorado Duncan, a amizade de Logan e o respeito de todos os alunos ricos que antes eram seus amigos e agora a tratam como a escória do colégio. Praticamente apenas os alunos das classes mais pobres ainda a tratam bem, e seu melhor amigo passa a ser Wallace Fennel (Percy Daggs III), menino que vem com a mãe de outra cidade, é salvo por Veronica de uma enrascada no episódio piloto e não liga para o que os outros dizem, já que, por seus atos, não acredita que ela seja tão ruim quanto as fofocas comentam. Outros amigos de Veronica incluem Eli "Weevil" Navarro (Francis Capra), motoqueiro latino encrenqueiro e visto como delinquente, mas de bom coração, frequentemente usado como bode expiatório sempre que algo sai errado no colégio, e Cindy "Mac" Mackenzie (Tina Majorino), menina expert em computadores e internet, filha de uma família natureba que não tem nada a ver com ela.

Completam o elenco da primeira temporada o diretor do Neptune High, Van Clemons (Duane Daniels), que não vai com a cara de Veronica e está sempre em seu encalço buscando pegá-la em alguma atividade ilegal; Trina Echolls (Allyson Hannigan, de Buffy: A Caça-Vampiros), meia-irmã de Logan; Lynn Echolls (Lisa Rinna), mãe de Logan; Celeste Kane (Lisa Thornhill), mãe de Duncan e Lilly; Dick Casablancas (Ryan Hansen), amigo de Logan que adora fazer bullying com os outros alunos, principalmente seu próprio irmão, Cassidy "Beaver" Casablancas (Kyle Gallner); e Mallory Dent (Sydney Tamiia Poitier, filha do ator Sidney Poitier), jovem professora de jornalismo que gosta de Veronica e decide ajudá-la. Poitier, aliás, tem uma história curiosa: ela não aparece no piloto, mas, entre os episódios 2 e 8, era creditada na abertura como sendo do elenco principal (junto com Bell, Dunn, Dohring, Daggs, Capra e Colantoni; todos os demais eram creditados apenas nos episódios em que apareciam, como "participação especial"); apesar disso, ela só apareceria em quatro desses episódios, sumiria misteriosamente, e, lá pro final da temporada, seria revelado que a Srta. Dent engravidou e teve de se afastar do colégio. O real motivo para o afastamento de Poitier jamais foi revelado, e a versão oficial foi corte de despesas.

Todo o elenco da série seria escolhido através de testes. Mais de 500 jovens atrizes se candidataram ao papel de Veronica, com Kristen Bell levando a melhor por ter, segundo ela, "aparência de líder de torcida e atitude de pária"; até Bell ser escolhida, a mais provável candidata para o papel era Alona Tal, que acabaria ficando com uma personagem menor recorrente, a líder de torcida Meg Manning. Inicialmente, os dois protagonistas masculinos seriam trocados, com Teddy Dunn interpretando Logan e Jason Dohring interpretando Duncan, mas os produtores não gostaram muito do teste de Dohring para Duncan e pediram que ele fizesse o de Logan. Dohring se saiu tão bem no teste que Logan, que inicialmente seria um personagem recorrente, acabou se tornando um dos principais. Outra que chamou muita atenção da produção, especialmente de Thomas, foi Amanda Seyfried: como Lilly Kane só iria aparecer em poucos capítulos, e apenas em flashbacks, não houve tantas candidatas interessadas no papel, e os testes foram bem fracos; Seyfried, porém, se entregou com uma intensidade que não se viu nem nos testes para Veronica. Thomas a contratou no ato, e acabou reescrevendo alguns episódios para que Lilly pudesse aparecer mais. De fato, Seyfried chamaria tanta atenção na série, mesmo em um papel pequeno, que logo seria convidada para a série da HBO Big Love: Amor Imenso, e hoje é uma das mais respeitadas atrizes jovens de Hollywood, atuando em produções de destaque como Os Miseráveis e Lovelace.

A primeira temporada de Veronica Mars estrearia em 22 de setembro de 2004, e teria 22 episódios. A série foi aclamada pela crítica, sendo considerada uma das seis melhores produções no ar à época e ganhando prêmios como o American Film Institute Award e o Television Critics Association Award. A audiência também foi excelente, com uma média de 2,5 milhões de espectadores por episódio, passando de três milhões em pelo menos três deles.

Com tanto sucesso, uma segunda temporada estava garantida. O único problema era que, até por uma questão de respeito ao público, o assassinato de Lilly Kane teve de ser solucionado no último episódio. Thomas teria que criar um novo mistério para ocupar a vida de Veronica.

Para a segunda temporada, Thomas criaria não um, mas dois mistérios: um acidente de ônibus que matou seis alunos e um professor do Neptune High, e a morte de um motoqueiro da gangue de Weevil, da qual Logan é o principal suspeito. Veronica não acredita que o que ocorreu com o ônibus foi acidental, e decide se dedicar a solucionar mais esse caso, enquanto Weevil acredita na inocência de Logan e decide ajudá-lo a prová-la. A vida de Veronica começa a voltar ao normal, com ela voltando a ser aceita pelos colegas ricos após o esclarecimento sobre a morte de Lilly, mas ela continua com sua natureza desconfiada e defensiva.

Personagens novos da segunda temporada incluem Jackie Cook (Tessa Thompson), aluna nova e interesse amoroso de Wallace, e Kendall Casablancas (Charisma Carpenter), jovem madrasta de Dick e Beaver, que eles consideram uma golpista, mas com quem ficam sozinhos e dividindo a casa depois que seu pai foge do país para não responder a uma investigação de evasão fiscal. Os Casablancas, aliás, ganhariam mais destaque na segunda temporada, em detrimento dos Kane e dos Echolls; segundo Thomas, não faria sentido criar um novo enredo envolvendo as mesmas famílias da primeira temporada, já que existiam tantas outras em Neptune. Em meio à segunda temporada, Teddy Dunn deixaria a série, já que Duncan Kane diminuiria gradativamente de importância, se tornando praticamente um personagem recorrente; Dunn ainda seria creditado na abertura até o fim da temporada, contudo.

A segunda temporada, que estreou em 28 de setembro de 2005 e teve mais 22 episódios, foi novamente um grande sucesso junto à crítica, que elogiou principalmente o enredo central, as atuações de Bell e sua química com Colantoni. A audiência também se manteve alta, com média de 2,3 milhões de espectadores por episódio.

O sucesso da segunda temporada levou à produção da terceira. mas aí a Warner teve de lidar com um problema inesperado: em 15 de setembro de 2006, a UPN encerraria suas atividades. Como vários episódios já haviam sido produzidos, e a série era mesmo um sucesso, a Warner optaria por exibir a terceira temporada no canal The CW, do qual era uma das donas, junto com a CBS.

A mudança de canal não seria o único problema abordado pela produção: Veronica e seus amigos não poderiam continuar no colégio para sempre, e, de acordo com a cronologia da série, os personagens principais que não repetissem de ano teriam de deixá-lo ao final da segunda temporada. Thomas, então, optou por transferir as histórias do Neptune High para uma universidade, a Hearst College, também localizada em Neptune, aproveitando para fazer algumas mudanças no elenco.

Ao todo, cinco alunos do Neptune High passariam a estudar na Hearst College: Veronica, Wallace, Logan, Mac e Dick. Além de Duncan, Jackie e Beaver também deixariam a série; Weevil continuaria, mas sem estudar na universidade, assim como Keith Mars, único adulto do elenco principal, ao qual se uniriam dois personagens novos: Stosh "Piz" Piznarski (Chris Lowell), colega de quarto de Wallace que tem um programa na rádio da universidade, e Parker Lee (Julie Gonzalo), colega de quarto de Mac, extrovertida e festeira.

Assim como a segunda temporada, a terceira também teria dois mistérios, mas o segundo só seria apresentado quando o primeiro estivesse quase se concluindo: no início da temporada, Parker se torna a mais recente vítima do "estuprador da Hearst", de quem Veronica decide descobrir a identidade; quando consegue, o reitor da universidade é assassinado. Ao invés de interligar todos os episódios da temporada com a investigação de Veronica, como das duas primeiras vezes, Thomas optaria por dois arcos de história, com a única ligação entre eles sendo que ambos envolveriam a universidade. Por alguma razão, isso acabou não sendo bem aceito pelos fãs, que aparentemente preferiam um único longo mistério durante toda a temporada.

Seja pela mudança de canal ou pela mudança de estilo, o fato é que a terceira temporada não foi tão bem sucedida quanto as duas primeiras, dividindo a crítica. A audiência começaria bem alta, mas cairia no decorrer da temporada, se encerrando com as médias mais baixas da série. Com isso, após estrear em 3 de outubro de 2006, a terceira temporada acabaria apenas com 20 episódios, o último sendo exibido em 22 de maio de 2007 - e sofrendo muitas críticas, já que deixava a série em aberto, com várias histórias secundárias sem resolução.

Após o cancelamento, vários fãs escreveram para o CW pedindo por uma nova temporada, mas sem sucesso. Thomas chegou a começar a escrever um roteiro de um filme que encerraria definitivamente a série, mas, em 2009, decidiria se dedicar a um remake de Cupid (também exibido pela ABC e que também acabou cancelado após apenas uma temporada, dessa vez de apenas 7 episódios) e a uma nova série, chamada Party Down, deixando o roteiro de lado.

Somente em 2012 Thomas decidiria finalizar o roteiro, e começaria a tentar convencer a Warner a produzir o filme - para apoiá-lo, Silver garantiu que atuaria como produtor assim que a luz verde fosse dada. A Warner, porém, não parecia muito entusiasmada com o projeto, e sempre dizia que não tinha dinheiro para investir nele. Thomas, então, fez como um amigo chato que quer nos convencer a ajudá-lo com algum negócio e propôs, "se eu conseguir o dinheiro, vocês fazem o filme?". Talvez não acreditando que ele conseguiria, a Warner topou.

Para conseguir o dinheiro, Thomas recorreria a uma das invenções mais criativas da internet, o Kickstarter - site no qual você expõe sua ideia e pede doações para conseguir realizá-la. Aparentemente, Veronica Mars ainda tem muitos fãs, porque o kickstarter do filme atingiu sua meta em menos de dez horas no ar, e finalizou sua campanha com quase o triplo do dinheiro que planejava arrecadar, quebrando os recordes do site de maior quantia levantada em menos tempo e de projeto de filme mais bem sucedido.

Ambientado um período de tempo não especificado após o final da terceira temporada, o filme começa com Veronica morando em Nova Iorque e querendo distância de Neptune. Ela se vê moralmente obrigada a voltar à sua cidade natal, porém, quando Logan é mais uma vez acusado de assassinato, e ela é a única que pode inocentá-lo. Além de Veronica e Logan, o filme conta com a presença de Keith Mars, Wallace, Weevil, Dick, Mac, Piz e Van Clemmons, todos interpretados pelos mesmos atores da série. As filmagens já estão rolando e a previsão de lançamento é para o início do ano que vem.

Eu torço para que seja um sucesso. Não somente porque eu gosto da série, mas porque talvez esse método de financiamento possa possibilitar o surgimento de novos filmes alternativos de qualidade com o apoio dos grandes estúdios - que, temerosos de fracassos, atualmente insistem em só querer fazer continuações e adaptações.

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