terça-feira, 14 de outubro de 2008

Escrito por em 14.10.08 com 0 comentários

Corfebol

Já que semana passada eu falei sobre punhobol, hoje eu vou aproveitar para falar de um outro esporte também bastante praticado no Brasil sem que a maioria da população o conheça, embora nele nosso país não seja tão bem sucedido internacionalmente. Este esporte é o corfebol, que também pode ser encontrado por aí com a grafia korfebol.



Por mais estranha que esta frase vá soar, eu descobri o corfebol através das Olimpíadas. A história é meio comprida, mas a versão resumida é a seguinte: um dia eu estava curioso para saber quais teriam sido os esportes de demonstração das Olimpíadas anteriores a 1992, a última a tê-los, e também a única da qual eu sabia quais tinham sido. Procurando na internet, acabei encontrando um site do Comitê Olímpico Britânico, que por um acaso listava todos eles desde 1912, o primeiro ano em que uma Olimpíada teve esportes de demonstração. A lista contava com alguns nomes esquisitos, como glima, kaatsen, pesapällo e, evidentemente, "korfball". Como não adiantava muito saber os nomes sem saber como eram estes esportes, me pus a procurar sobre eles, e, ao chegar no tal korfball, acabei descobrindo que ele era praticado no Brasil, ora vejam só. A partir daí, passei a acompanhar as notícias e os torneios deste esporte bastante interessante, mais uma vítima da falta de espaço na programação de nossos canais esportivos. Mas hoje, com este post, pretendo fazer a minha parte e ajudar na divulgação.

O corfebol foi inventado em 1902 pelo professor de educação física Nico Broekhuysen, que, ao viajar para a cidade de Nääs, Suécia, conheceu um esporte local chamado ringboll, cujas regras determinavam que, para pontuar, os atletas deveriam fazer uma bola tocar um anel preso ao alto de um poste de 3 metros de altura. Ao retornar para Amsterdã, Broekhuysen decidiu utilizar este esporte em suas aulas, mas antes fez algumas modificações nas regras, principalmente por tê-las achado muito complicadas para transmitir aos estudantes sem gastar muitas aulas. Broekhuysen também substituiu o anel por uma cesta - em holandês, korf, palavra de onde o esporte tira seu nome - pela qual a bola deveria passar por dentro, ao invés de simplesmente tocar.

O corfebol deve ser o único esporte coletivo oficialmente misto do mundo. Cada time é composto de oito jogadores, sendo obrigatoriamente quatro homens e quatro mulheres. Cada time também tem quatro reservas - normalmente dois homes e duas mulheres - e até quatro substituições podem ser feitas por cada time em cada partida, sendo que jogadores já substituídos não podem voltar ao jogo, exceto no caso especial de um jogador se contundir e ficar impossibilitado de continuar jogando. Um time deve sempre ter em quadra quatro homens e quatro mulheres, o que significa que homens só podem substituir homens e mulheres só podem substituir mulheres.

O corfebol é jogado em uma quadra de 40 por 20 metros, dividida no meio por uma linha cheia. Além desta linha, as duas únicas marcações na quadra são as áreas onde ficam as cestas, uma de cada lado. Cada área é formada por dois semicírculos de 2,5 m de raio, ligados por um retângulo de 2,5 m de largura e 5 m de comprimento - ou seja, no total a área tem 5 m de largura e 7,5 m de comprimento. Cada área é posicionada a 4 metros do final da quadra, e a 7,5 m de cada lateral. A cesta fica no alto de um poste a 6,5 metros do final da quadra, e bem no centro da área; na outra ponta da área, a 2,5 m da cesta, fica uma marca utilizada na cobrança de pênaltis. O poste no qual está a cesta é feito de alumínio e, em competições oficiais, tem 3,5 m de altura, podendo ser mais baixo em partidas entre jogadores mais jovens ou iniciantes. Todos os pontos têm de ser "de chuá", pois a cesta, ao contrário da do basquete, não tem qualquer espécie de tabela. As cestas são feitas de plástico ou outro material sintético, têm 25 cm de altura e raio de 44 cm, três da borda e 41 da abertura por onde a bola deve passar, sendo que o ponto só será válido se a bola passar de cima para baixo. A bola é sempre de duas cores - normalmente branca com bolinhas pretas - tem entre 68 e 75 cm de circunferência, e peso máximo de 475 gramas. A bola é inflada, e sua pressão deve ser suficiente para quicar entre 1,1 e 1,3 m quando cair de uma altura de 1,8 m.

Uma partida de corfebol dura dois tempos de 30 minutos cada, sendo que o relógio só pára em caso de substituição ou se um dos técnicos pedir tempo - cada equipe tem direito a dois pedidos de tempo em cada metade do jogo, e cada tempo dura um minuto. Tempos e substituições só podem ser pedidos quando a bola não estiver em jogo. Cada partida é oficiada por um árbitro central, que corre junto à bola e cuida para que todas as regras sejam respeitadas; um árbitro auxiliar, que carrega uma bandeira e fica sempre na metade do campo onde o árbitro central não está, para marcar faltas e irregularidades fora do lance de bola; um oficial que controla o tempo de jogo, sendo responsável também por informar ao árbitro central sobre as substituições e pedidos de tempo; e um oficial que cuida do placar.

No início de cada partida, quatro jogadores de cada time - sempre dois homens e duas mulheres - se posicionarão do lado da quadra onde fica sua própria cesta - esta será sua zona de defesa - enquanto os outros quatro se posicionarão do lado que tem a cesta do oponente, onde eles tentarão jogar a bola para fazer pontos - esta será sua zona de ataque. Após um sorteio que definirá qual time começará jogando, um dos jogadores de ataque deste time, posicionado o mais próximo possível do centro do campo, passará a bola para um de seus companheiros, sendo que a bola deve viajar pelo menos 2,5 m sem ser tocada por nenhum oponente. Os jogadores passam a bola uns para os outros com as mãos, e jamais podem atravessar o meio do campo: os quatro jogadores de defesa devem sempre ficar na zona de defesa, e os quatro de ataque sempre na zona de ataque. A cada dois pontos convertidos pelo mesmo time (ou duas cestas, já que cada cesta vale um ponto), os jogadores de defesa e ataque trocam de posição: quem estava defendendo passará a atacar, e quem estava atacando passará a defender. Após o intervalo os times trocam de lado na quadra, mas não de função, ou seja, quem era jogador de ataque no final do primeiro tempo continuará sendo de ataque no início do segundo.

Os jogadores de defesa possuem a função de tirar a bola dos oponentes e passá-la para seus companheiros de ataque, pois apenas os jogadores de ataque podem tentar fazer pontos - mesmo que um jogador de defesa tresloucado jogue a bola na direção da cesta e a acerte, o ponto não valerá. Jogadores de ataque também não podem arremessar a bola na direção da cesta se estiverem marcados, isto é, se houver um jogador de defesa do time oponente à distância de um braço deles, devendo obrigatoriamente passar a bola para um jogador desmarcado. Como homens e mulheres jogam juntos, a regra determina que homens só podem marcar homens, e mulheres só podem marcar mulheres, mas nem precisava, já que é expressamente proibido qualquer contato físico entre dois jogadores. Isso mesmo, não vale encostar, empurrar, trombar, bater na bola quando ela estiver nas mãos do oponente, tentar arrancar a bola das mãos do oponente, ou qualquer outro movimento que faça com que dois jogadores se toquem ou ambos toquem a bola simultaneamente.

Neste momento, vocês devem estar se perguntando: se os jogadores carregam a bola com as mãos, e é expressamente proibido tirar a bola das mãos do oponente, como o time que está defendendo vai evitar que o que está atacando faça suas cestas? Bem, aí entra uma característica muito curiosa do corfebol: é absolutamente proibido andar com a bola nas mãos. Nem um passinho. Nem se quicá-la. Nem se jogar para cima, andar e pegar de novo. O máximo que o jogador que tem a bola pode fazer é manter o pé de apoio no chão e tirar o outro para girar. O jogador que tem a bola também pode pular para arremessar na direção da cesta, mas, se não arremessar a bola, deverá cair no mesmo lugar de onde pulou. Se o jogador receber a bola enquanto estava parado, basta que ele permaneça parado; se recebê-la enquanto estava em movimento, deverá parar imediatamente; e se recebê-la enquanto estava no ar, depois que tocar o chão deverá ficar naquela posição, até que não tenha mais a bola. Um jogador no ar ou em movimento pode receber a bola e passá-la para um companheiro imediatamente, sem que precise parar para isso, mas deverá fazê-lo entre o momento em que seus dois pés saem do chão e o que um dos pés o toca de volta. Graças a esta regra, quem tem a posse de bola não vai conseguir levá-la até próximo da cesta, e, como o poste é muito alto, arremessar de longe quase nunca é uma boa opção, de onde se conclui que o corfebol é um esporte onde o trabalho de equipe é fundamental. E, respondendo à pergunta do início deste parágrafo, o momento de roubar a bola é quando ela estiver sendo passada de um jogador para outro.

As regras do corfebol prevêem três tipos de infrações, as leves, as graves, e as gravíssimas. As infrações leves são punidas com um "reinício" - um jogador do time que não cometeu a falta recebe a bola no local onde a falta foi cometida, e deve passá-la para um companheiro, sendo que nenhum oponente poderá tocá-la até que ela tenha viajado pelo menos 2,5 metros. Infrações leves incluem tocar a bola com as pernas ou pés, tocar na bola sem que seus dois pés estejam tocando o chão, tirar o pé de apoio do chão enquanto estiver com a posse de bola, cair em local distante do que estava quando pulou tendo a posse de bola, passar a bola para si mesmo (jogá-la, correr e pegá-la de novo), entregar a bola nas mãos de um companheiro ao invés de jogá-la para ele, retardar o jogo intencionalmente, e pisar fora de sua zona. Também é infração leve se um atacante socar a bola, tentar tirar uma bola que estiver na posse de um defensor oponente batendo nela ou agarrando-a e puxando-a, bloquear um passe feito por um oponente para outro sem intenção de roubar a bola, bloquear um passe feito por um oponente do sexo oposto, bloquear um passe para um oponente que já está sendo marcado por um de seus companheiros, arremessar em direção à cesta enquanto estiver sendo marcado, segurar no poste da cesta enquanto estiver correndo ou no ar, atrapalhar um reinício, free pass (veja adiante) ou pênalti, demorar mais de 25 segundos para arremessar a bola na direção da cesta, arremessar após usar o companheiro de ataque para atrapalhar um defensor que o estava marcando, ou agir de forma potencialmente perigosa ao defensor que o estiver marcando. Finalmente, é infração leve se um defensor arremessar a bola na direção da cesta, ou se qualquer jogador arremessar direto para a cesta quando deveria fazer um reinício ou free pass - neste caso, o reinício é cobrado de debaixo da cesta onde o time que não cometeu a falta faz pontos, e não do local onde a falta ocorreu. Se a bola sair de quadra, não será considerado infração, mas o time que não colocou a bola para fora também terá direito a um reinício, do local onde a bola saiu. Se dois oponentes agarrarem a bola de forma que não se saiba quem tinha o controle dela primeiro, o árbitro poderá jogar a bola para o alto, ficando a bola com quem conseguir pegá-la primeiro.

As infrações graves são punidas com o free pass, que é basicamente a mesma coisa de um reinício, mas todos os jogadores têm de ficar a no mínimo 2,5 m de distância do jogador que está cobrando o free pass até que ele mova um braço ou uma perna. O free pass não pode ser cobrado da área entre a marca do pênalti e a cesta, e todos os jogadores do mesmo time do que está cobrando o free pass, além de ficar a 2,5 m dele, têm de ficar a 2,5 m uns dos outros. Será considerada infração grave se um defensor chutar ou socar a bola, tentar tirar uma bola que estiver na posse de um atacante oponente batendo nela ou agarrando-a e puxando-a, bloquear um passe feito por um oponente para outro sem intenção de roubar a bola, bloquear um passe feito por um oponente do sexo oposto, bloquear um passe para um oponente que já está sendo marcado por um de seus companheiros, segurar no poste da cesta enquanto estiver correndo ou no ar, ou atrapalhar um reinício ou free pass.

Finalmente, as infrações gravíssimas são punidas com um pênalti. Um pênalti só pode ser cobrado por um jogador de ataque, que se posicionará dentro da área, atrás da marca do pênalti, e, quando autorizado, arremessará a bola na direção da cesta. Todos os jogadores que não estiverem cobrando o pênalti devem ficar a pelo menos 2,5 m de distância do cobrador. Será considerada infração gravíssima sempre que um defensor impedir uma chance clara de ponto do oponente, se utilizar de repetidas faltas para impedir que o outro time pontue, atrapalhar um pênalti, ou mover o poste enquanto a bola estiver no ar, para evitar que ela passe por dentro da cesta.

A principal competição internacional do corfebol, como não poderia deixar de ser, é o Campeonato Mundial, disputado a cada quatro anos desde 1987, mas que também teve edições em 1984 e 1978. Em todas as oito edições, a final foi disputada entre Holanda e Bélgica, e a Holanda ganhou todas, menos a de 1991, disputada, não por acaso, na Bélgica. O corfebol também faz parte dos World Games desde 1985, e lá o domínio holandês é absoluto: todas as seis edições foram vencidas pela Holanda, sempre derrotando a Bélgica na final. A Federação Internacional de Corfebol (IKF) é filiada ao Comitê Olímpico Internacional, e tem pretensões de tornar o corfebol esporte olímpico no futuro; no passado, como já se disse, ele foi esporte de demonstração, e em duas ocasiões, nas Olimpíadas de 1920, disputadas em Antuérpia, Bélgica, e nas de 1928, disputadas em Amsterdã, Holanda. Em ambas as ocasiões, apenas dois times do país anfitrião disputaram um único jogo, levando talvez o termo "esporte de demonstração" a um extremo.

O domínio holandês e belga nas quadras do corfebol até tem uma explicação: após sua criação, o esporte ficou durante muito tempo restrito à sua Holanda natal e à vizinha Bélgica, cujas associações de corfebol decidiram se unir em 1924 e criar o International Korfball Bureau, que em 1933 mudaria de nome para Federação Internacional de Corfebol. Somente após a Segunda Guerra Mundial, graças aos esforços da IKF, o esporte começaria a se espalhar pela Europa, chegando à Grã-Bretanha, Alemanha, França, Dinamarca, Irlanda, Suécia e até mesmo à Rússia. Através de imigrantes, chegou também aos Estados Unidos, África do Sul, Austrália, Nova Zelândia, Índia e Taiwan, onde é especialmente popular. Hoje, a IKF conta com 54 membros, dentre eles o Brasil, membro desde 2003.

O desenvolvimento do corfebol em nosso país se deve ao professor Marcello Soares, que, ao conhecer o esporte enquanto ainda era estudante de educação física, entrou em contato com a IKF, e hoje atua como seu maior divulgador no Brasil, através de seminários, cursos e da busca de parcerias para fortalecer o corfebol nacional, sempre tentando realizar mais e mais jogos em clubes e universidades, principalmente no Rio de Janeiro. O professor Marcello é considerado pela IKF como o representante oficial do corfebol na América do Sul, e atualmente luta pelo que considera seu maior sonho após a aceitação do Brasil como membro da IKF: classificar o país para o Mundial de 2011, que será realizado na China. Não é tarefa fácil, pois existe apenas uma vaga para as Américas, e, para tomá-la, precisamos derrotar os Estados Unidos.

Eu desejo toda a sorte do mundo ao professor Marcello e a todos os praticantes do corfebol no país, e estendo neste post o pedido que fiz semana passada, para que algum canal esportivo aproveite que ano que vem tem World Games e resolva transmitir alguns joguinhos de corfebol. Mal não ia fazer.

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