domingo, 12 de fevereiro de 2006

Escrito por em 12.2.06 com 0 comentários

Tetris

De todos os fenômenos sociais, talvez o mais intrigante seja o sucesso, já que não existe uma fórmula para alcançá-lo. Por mais que se lancem blockbusters, sempre haverá um pequeno filme independente que renderá milhões na bilheteria. Por mais que as rádios toquem as músicas "da moda", sempre vai aparecer uma desconhecida que vai grudar na cabeça das pessoas e virar um fenômeno. Por mais que os desenvolvedores de games gastem bilhões em pesquisa para inovações, sempre vai acabar surgindo um bem mais simples que vai arrebatar milhares de gamemaníacos. E aí sempre vai ter aquele que pensou "mas é tão simples, como eu não pensei nisso antes?".

Um bom exemplo deste último caso é o jogo Tetris. Tetris não tem gráficos de ultimíssima geração, cut scenes cinematográficas, vozes digitalizadas, sangue, sexo, violência, nem ocupa quatro CDs. Ainda assim, é praticamente impossível encontrar um indivíduo que não conheça Tetris, já que é um dos jogos mais vendidos do mundo, e com certeza o mais copiado. Bem, talvez não se você considerar que todos os jogos de luta são cópia de Street Fighter, ou que todos os de ação em primeira pessoa são cópia de Doom. Mesmo assim, devem existir umas seis milhões de versões de Tetris, sendo que umas mil delas vêm no mesmo Brick Game vendido em camelôs.

A história de Tetris é talvez tão simples quanto a mecânica do jogo: O ano era 1985, e seu criador, Alexei Pazhitnov, trabalhava na Academia de Ciências de Moscou, à época na União Soviética. Pazhitnov gostava muito de um passatempo de jornal não muito popular no Brasil, mas bastante difundido por lá, chamado Pentominó, um jogo simples, mas que exige muito raciocínio: É apresentado um diagrama quadriculado, e um determinado número de peças, compostas de cinco quadrados cada (daí o nome Pentominó, já que pente, em grego, significa "cinco"). O objetivo é encaixar todos os Pentominós apresentados dentro do diagrama proposto, sem sobrar nenhum quadrado em branco, nem nenhuma "perninha para fora".

Pazhitnov pensou em criar um jogo de Pentominós para computadores, mas depois acabou desenvolvendo esta idéia, e chegou à conclusão que seria muito mais desafiador se os Pentominós caíssem do alto da tela e fossem se agrupando no fundo, e o jogador tivesse como girá-los para que se encaixassem. Quanto mais peças se encaixassem perfeitamente, mais pontos o jogador faria. Só havia um problema nesta brilhante idéia: O número de Pentominós diferentes - 18, se você contar que alguns deles podem ser "espelhados" - era muito grande, o que resultava em um algoritmo enorme e complicadíssimo. Pazhitnov decidiu, então, não utilizar Pentominós, mas sim Tetrominós, seus "primos" compostos de apenas quatro blocos cada (pois tetra significa "quatro"). Como o número de Tetrominós era de apenas 7, o jogo se tornou possível. Em "homenagem" às pecinhas, Pazhitnov escolheu o nome Tetris para sua criação. Tivesse ele usado os Pentominós, talvez o jogo se chamasse Pentis.

Aqui eu gostaria de abrir um parêntese para um dado curioso: Pentominós e Tetrominós fazem parte de um grupo de elementos utilizados em quebra-cabeças e jogos chamados Poliominós, do qual também faz parte... o Dominó. Que tem esse nome porque é composto de dois blocos. Quanto mais blocos o Poliominó tiver, maior será o número de peças diferentes. Assim, só existe um tipo de Dominó (se você não considerar os pontinhos pintados neles, óbvio), mas três de Trominós, sete Tetrominós, 18 Pentominós, 52 Hexominós, 162 Heptominós, 553 Octominós, e por aí vai.

Mas voltando ao que interessa, Tetris estava criado, e recebeu sua primeira versão comercial ainda em 1985, adaptada para o PC por Vadim Gerasimov. A mecânica do jogo é bastante simples: Do alto da tela "caem", em ordem aleatória, sete tipos diferentes de blocos, apelidados de I, T, O, L, J, S e Z, de acordo com suas formas. Na verdade, apenas cinco deles são "diferentes", já que L é um "espelho" de J, e S é um espelho de Z. Cada bloco, além de um formato, tem uma cor diferente, para facilitar a visualização. Estas cores mudam de acordo com a versão, mas na original eram vermelho, cinza, ciano, amarelo, magenta, azul e verde, respectivamente. O jogador só tem quatro teclas à sua disposição: Duas delas movem as peças para a esquerda e para a direita, uma que acelera a queda das peças, e uma que gira as peças no sentido horário.

Uma vez que a peça alcance a parte de baixo da tela, ela fica lá. O objetivo é encaixar as peças umas nas outras, para que elas formem linhas horizontais completas, sem nenhum "buraco". Cada vez que uma linha destas é completada, ela some da tela, fazendo com que todas as peças acima dela "caiam" um nível, e o jogador ganhe um determinado número de pontos. É possível formar duas, três, ou até quatro linhas de cada vez, que valem muito mais pontos. No Tetris original, quando as peças caem após uma linha sumir, elas não se encaixam em eventuais buracos da linha de baixo, o que causa uma incongruência gravitacional. Em algumas versões, peças das linhas de cima preenchem buracos das de baixo quando uma linha some, possibilitando "reações em cadeia", que valem muitos pontos.

Uma partida de Tetris acaba quando alguma peça alcança o topo da tela, de onde as peças caem. Para um jogador experiente, isto pode demorar horas, e teoricamente seria até possível ficar jogando para sempre. Para impedir isso, a cada determinado número de linhas removidas, a velocidade da queda das peças aumenta, o que torna mais difícil encontrar um lugar apropriado para encaixá-las.

Ao contrário do que muita gente pensa, Tetris não é um jogo de domínio público. Por outro lado, Pazhitnov também não ficou biliardário com sua criação. Isto porque, desde sua criação, o jogo esteve envolvido em várias pendengas judiciais. Depois que Gerasimov adaptou o jogo para PC, ele se espalhou pela Rússia e por alguns outros países da URSS, se tornou uma verdadeira febre, e acabou chegando à Hungria, onde foi "descoberto" pela softhouse britânica Andromeda. A Andromeda tentou comprar os direitos do jogo de Pazhitnov, mas, devido a um prazo contratual, vendeu-os à americana Spectrum Holobyte antes mesmo de comprá-los. A Spectrum lançou o jogo nos EUA em 1986, onde vendeu milhões, e se tornou um sucesso instantâneo. Como não conseguiu os direitos de Pazhitnov, a Andromeda acabou comprando-os dos húngaros que estavam distribuindo o jogo na Hungria - que não tinham capacidade para vendê-los - e registrou o jogo em 1987.

O jogo agora estava vendendo que nem água nos EUA e Europa, e Pazhitnov ainda não havia visto um centavo. Então o governo soviético, em 1988, fundou a empresa Elektronorgtechnica (ou Elorg), que tentaria reaver os direitos do jogo, e devolvê-los a seu criador. Mesmo após a criação da Elorg, a Andromeda continuava vendendo e distribuindo os direitos como bem entendia. Em 1989, um total de seis softhouses diferentes já desenvolviam o jogo para diferentes computadores e consoles. Para não ficar só lutando contra elas, a Elorg decidiu criar uma versão do jogo para arcades, e licenciou a mesma para a Atari. Além disso, a Elorg deu permissão à Nintendo para adaptar o jogo para NES e Game Boy. Finalmente Pazhitnov começaria a ver algum dinheirinho entrando.

A softhouse Tengen, porém, ignorando qualquer direito autoral, criou sua própria versão do jogo, a qual chamou picaretamente de TETЯIS (e essa letra Я nem tem som de R, mas de "ya"). A Nintendo acabou processando a Tengen, e em 1993 a justiça dos EUA determinou que TETЯIS fosse tirado do mercado. Ainda assim algum estrago foi causado por esta história, já que até hoje muita gente pensa que a grafia correta do nome do jogo original é TETЯIS.

Apesar das versões da Nintendo terem vendido mais de três milhões de cópias, Pazhitnov ganhou pouco dinheiro, já que os direitos foram licenciados à Nintendo pela Elorg, que por sua vez os repassava a Pazhitnov. Cansado desta situação, em 1996 ele e um amigo americano, Henk Rogers, fundaram a Tetris Company LLC. Eles conseguiram o registro do nome "Tetris", e desde então lutam para impedir que "clones" do jogo sejam lançados por outra softhouse que não a Blue Planet, também de propriedade dos dois. O principal obstáculo a isso é que, segundo as leis dos EUA, games não são passíveis de copyright, apenas de patente. Em outras palavras, ninguém pode fazer um jogo idêntico ao Tetris, mas um parecido não pode ser proibido pela Tetris Company LLC.

Aparentemente, o sucesso não pode ser previsto. Mas alguém ganhar milhões em cima de uma idéia sua enquanto você não vê um centavo é quase certo.

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