domingo, 11 de julho de 2004

Escrito por em 11.7.04 com 0 comentários

Mage: The Ascension

O primeiro RPG com o qual eu tive contato, assim como quase todos os jogadores de RPG do mundo, foi o Advanced Dungeons & Dragons, o AD&D. Mas o primeiro que eu realmente joguei, o primeiro que eu aprendi as regras e participei de uma sessão de jogo, foi um bem menos cotado, apesar de não menos famoso. Seja como for, graças a esta iniciação, desenvolvi uma grande simpatia por este RPG, que até hoje considero um dos mais bem bolados, embora um tanto mal desenvolvido. O RPG em questão se chama Mage: The Ascension.

Mage, de 1994, foi o terceiro RPG lançado pela editora norte-americana White Wolf, dentro de sua linha de jogos World of Darkness, que já contava com o famoso Vampire: The Masquerade, e seu primo mais feroz, Werewolf: The Apocalypse. Mage trazia uma nova abordagem para o Mundo das Trevas, já que nele os jogadores não eram seres sobrenaturais per se, mas sim meros humanos, mortais, sem grande resistência a dano maciço ou fraquezas esotéricas como prata e a luz do Sol. Meros humanos, como eu e você. Mas dotados de grandes poderes.

A premissa é muito interessante: A realidade, na verdade, não é uma coisa imutável, pré-definida, mas sim algo construído diariamente, de acordo com as crenças e conceitos dos seres humanos. Desta forma, não é impossível uma pessoa andar em uma parede só porque a gravidade vai puxá-la para baixo. É impossível simplesmente porque todos acreditam que isso é impossível. A partir do momento em que todos passem a acreditar que podemos andar pelas paredes, realmente poderemos andar pelas paredes, com ou sem gravidade para nos puxar para baixo.

Confuso? Outro exemplo: Até o ano de 1906, era totalmente impossível um objeto mais pesado que o ar levantar vôo. Aí, surgiu um sujeito chamado Santos Dumont e inventou um objeto mais pesado que o ar que levantou vôo. A partir de então, isto passou a ser possível, e qualquer um poderia inventar um avião. Milagre da ciência? Não, simplesmente uma quebra de paradigma. Todos acreditavam que era impossível um avião voar, então era impossível; a partir do momento em que todos começaram a acreditar que era possível, passou a ser possível. Simples assim.

Um personagem de Mage (um "mago", embora bem diferente dos magos tradicionais de RPG) é uma pessoa com uma força de vontade tão grande, mas tão grande, que ele sozinho consegue romper este paradigma, conseguindo fazer praticamente tudo que sua imaginação (e conhecimento) permitir. Se acreditar que pode voar, ele realmente sairá voando por aí. Santos Dumont, no exemplo anterior, seria um mago, por ter conseguido fazer seu avião voar.

Mas existe um preço a pagar. Ninguém pode sair por aí alterando a realidade impunemente. Toda vez que um mago tenta uma proeza considerada impossível pelo paradigma atual, ele é punido por uma energia conhecida como Paradoxo. Quanto "mais impossível" a proeza, maior o Paradoxo.

Como toda regra tem exceção, existe uma forma de anular parcialmente o Paradoxo: Basta revestir sua ação impossível com um disfarce considerado possível. Assim, se você passa anos e anos projetando e construindo um aparelho mais pesado que o ar capaz de voar, quando ele levantar vôo seu Paradoxo será menor do que se você subir em uma tampa de bueiro e sair voando por aí.

Em torno destes princípios se desenvolve a trama do jogo. Para começar, existe um grupo de magos conhecido como a Tecnocracia. Desde a Renascença, quando a razão estava começando a triunfar sobre as crendices, os Tecnocratas se especializaram em tornar seus efeitos mágicos o mais "explicáveis" possível. O trabalho da Tecnocracia foi tão bem feito que eles sequer acreditam que o que estão fazendo é magia: Para eles, tudo são milagres da ciência.

É claro que, possuindo um poder que a maioria da população não possui, e pouco ameaçados pelo Paradoxo, o destino da Tecnocracia só poderia ser um: Eles dominaram o mundo. E consideram qualquer outro mago que não seja um Tecnocrata uma ameaça ao bem-estar social. E é aí que os jogadores entram.

Como já era de se esperar, os jogadores não são Tecnocratas (bem, com um Guide to the Technocracy você pode ser um, mas isso tira muito da graça do jogo). Desde antes do surgimento da Tecnocracia, os magos sempre se organizaram em grupos, pois é mais fácil sobreviver em um ambiente hostil com o apoio de amigos. Atualmente, a maioria dos não-Tecnocratas pertence a um de dez grupos, conhecidos como as Tradições.

Um jogador de Mage, portanto, estará no papel de um mago das Tradições, tentando livrar o mundo da Tecnocracia, enquanto usa sua magia sem ser pego por ela nem destruído pelo Paradoxo. É uma vida de fuga e sofrimento, mas alguns acham que a habilidade de moldar a realidade compensa.

Em termos de jogo, a magia está dividida em nove Esferas, cada uma para um aspecto da realidade: Correspondência, Entropia, Espírito, Forças, Matéria, Mente, Tempo, Vida e a energia do Primórdio, a própria energia da magia. O que um mago pode ou não fazer depende de seu "nível" em determinadas Esferas. Evidentemente, no início do jogo, um personagem poderá fazer muito pouca coisa, mas, combinando os níveis corretos nas Esferas adequadas, qualquer efeito é possível.

Mas a Tecnocracia e o Paradoxo não são as únicas fontes de preocupação para um mago. Existem ainda os Nefandi, magos infernalistas que venderam sua alma em troca de mais poder, e os Marauders (que foram traduzidos para "Desauridos", um termo que eu me recuso a usar), magos loucos que não sofrem os efeitos do Paradoxo, não importa o quão mirabolantes sejam seus efeitos. E não podemos esquecer os vampiros, lobisomens, espíritos, e todo o tipo de criaturta sobrenatural, que no Mundo das Trevas andam pela rua como se isto fosse normal e corriqueiro.

E, como se isso tudo já não bastasse, ainda há um problema bem maior: A magia esté morrendo. O paradigma se tornou tão forte, que até mesmo a Tecnocracia está tendo problemas para superá-lo. Avanços científicos, como a clonagem e os transgênicos, estão sendo rejeitados pela população, ao invés de aceitos e incorporados à realidade, como ocorria no passado. As Tradições estão fragmentadas, reduzidas em seu poder, e é pouco provável que um dia consigam abrir os olhos de todos, para que o povo aceite a magia como parte de suas vidas. Magia, hoje em dia, é artigo em extinção.

Como se vê, é uma história muito bem inventada, que eu desconfio tenha influenciado até mesmo os irmãos Wachovsky quando estes criaram Matrix. Infelizmente, Mage possui um problema muito sério com preconceito: Jogadores dos outros títulos da White Wolf consideram os magos "poderosos demais" se comparados com os demais seres sobrenaturais da editora, o que absolutamente não é verdade, visto que vampiros e lobisomens não têm um Paradoxo mordendo seus calcanhares para se preocupar. Além disso, existem os problemas básicos de qualquer série escrita por vários autores, como algumas regras mirabolantes da segunda edição que foram modificadas na terceira, mas caíram nas graças de alguns jogadores, que insistem em usá-las.

Mesmo com todos estes problemas, Mage merece uma olhada mais detalhada, seja você fã de RPG ou simplesmente de ficção científica. O livro básico da terceira edição e o Guia da Tecnocracia (ambos já existentes em português) são os melhores. Por alguma razão, agora a White Wolf resolveu reformular todos os seus RPGs. Vamos ver o que eles vão fazer com este.

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