domingo, 9 de maio de 2004

Escrito por em 9.5.04 com 0 comentários

RPG (II)

Para quem chegou agora, semana passada eu fiz um post sobre o aniversário do RPG, que está fazendo 30 anos. O post iria incluir uma "história do RPG", assim como todos os meus posts aqui incluem uma pequena história da coisa sobre a qual eu estou falando. Só que ficou um post do tamanho da América do Sul, então eu resolvi dividir em dois. Vamos, portanto, à História do RPG!

Há muito, muito tempo, ninguém sabe quando, os homens começaram a criar jogos para passar o tempo. Diversas culturas possuíam jogos baseados na guerra, pois os povos viviam em guerra, e, mesmo nos tempos de paz, não custava nada fingir que estavam derrotando mais alguns inimigos. O jogo baseado em guerras mais famoso sem dúvida é o Xadrez, mas muitos outros, como Xadrez Chinês, Damas e Go também surgiram desta forma. Por volta do século X, foi inventado na Prússia o Kriegspiel (literalmente "Jogo de Guerra"). No Kriegspiel, assim como no Xadrez, cada jogador controlava um exército com peças de papéis e "poderes" diferentes. A principal diferença era que o Kriegspiel usava dados, para inserir elementos aleatórios nas batalhas.

Um WargameApós a guerra franco-prussa, o Kriegspiel chegou à Inglaterra, onde foi "rebatizado" para Wargame. O Wargame ficou meio esquecido, pois era um jogo meio complicado, jogado apenas por "profissionais de Wargame", todos militares. Parecia que esta história teria um fim prematuro, até que, em 1915, o brilhante escritor H. G. Wells, fã do Wargame, decidiu escrever um livro chamado Little Wars, que, além de explicar o Wargame de forma clara e detalhada para amadores e civis, trazia pequenas miniaturas colecionáveis, utilizadas para representar os exércitos.

Atualmente, Little Wars é conhecido como "a Bíblia dos Wargames", mas na época ninguém deu muita bola. O Wargame - aliás, os Wargames, no plural - só viriam a se popularizar em 1953, quando Charles Roberts criou a companhia de jogos Avalon-Hill. A Avalon-Hill produzia diversos Wargames diferentes, com regras e miniaturas próprias, e os colocava no mercado na forma de caixas, como os jogos de tabuleiro. Aliás, os Wargames da Avalon-Hill também tinham tabuleiros, para representar os diferentes tipos de terreno enfrentados nas guerras.

Os Wargames rapidamente começaram a ganhar popularidade, mas o "boom" mesmo foi em 1966. Neste ano, vários jogadores de Wargames, liderados por Gary Gygax, fundaram a Federação Internacional de Wargames. Dentre outras coisas, eles realizavam torneios, e criavam tabuleiros personalizados para os jogos (os famosos "dioramas", prática que hoje é efetuada por praticamente todos os jogadores de Wargames).

No mesmo ano de 1966, o livro O Senhor dos Anéis, de J. R. R. Tolkien, foi republicado nos EUA, e redescoberto pelos adolescentes. A fantasia medieval começou a se tornar uma verdadeira febre adolescente, e é claro que ela chegaria aos Wargames. Um dia durante uma sessão de jogo, Gary Gygax colocou no tabuleiro, meio de brincadeira, uma miniatura de dragão. Imediatamente, o que muito provavelmente era a Segunda Guerra Mundial virou uma aventura medieval, com o dragão como novo inimigo, e os exércitos procurando detê-lo. Todo um novo leque de aventuras se abria para os Wargames, que agora poderiam também reproduzir guerras da fantasia medieval.

ChainmailEm 1969, a editora Guidon Games lançou o livro Chainmail ("Cota de malha", aquela armadura medieval feita de vários anéis de aço entrelaçados). O Chainmail não era um Wargame por si só, mas sim um conjunto de regras para serem utilizadas em conjunto com o jogo Outdoor Survival da Avalon-Hill. Com as regras do Chainmail, o Outdoor Survival se transformava em uma grande aventura de fantasia medieval, onde não haviam armas de fogo, e os objetivos eram invadir castelos, matar dragões e salvar princesas.

Reza a lenda que, durante uma sessão de Chainmail, Gary Gygax criou um castelo intransponível. Exércitos e mais exércitos tombavam diante de suas defesas, e ninguém conseguia invadi-lo. Até que um jogador, de nome Dave Arneson, propôs o seguinte: exércitos não conseguiam vencer a defesa do castelo, mas e se um único guerreiro, sem chamar a atenção para si, se esgueirasse até uma pequena grade lateral e invadisse o castelo através de suas masmorras? Gygax gostou tanto da proposta que criou um tabuleiro especialmente para a masmorra, onde ele e Arneson ficaram jogando durante dias, com o guerreiro solitário tentando vencer as muitas armadilhas e monstros, para destruir as defesas do castelo de dentro para fora.

Verdade ou ficção, o certo é que Arneson não concordava com muitas coisas do Chainmail, e criou uma "versão caseira", que adotava em suas sessões de jogo. Nesta versão, cada jogador, ao invés de controlar um exército, controlava um personagem, e todos tinham que cooperar para alcançar seus objetivos.

Arneson e Gygax começaram a jogar esta versão modificada, e Arneson compartilhava cada vez mais de suas "regras particulares" com o amigo. Baseado nestas regras, Gygax começou a criar um cenário, que, antes que se desse conta, já tinha mais de 100 páginas de material. Gygax decidiu, então, oferecer este material à Avalon-Hill.

Em 1972, a Avalon-Hill lançou sua própria versão do Chainmail, com regras mais simples de serem compreendidas. As modificações propostas por Gygax (baseadas nas regras de Arneson), porém, não foram consideradas pela editora, que alegou: "Como poderemos determinar o vencedor se supostamente os jogadores devem cooperar? Vocês não têm como criar um jogo que não possui vencedores!" (Nota do Guil: Antes mesmo de ser criado o RPG já sofria com esse preconceito!)

O D&D originalAssim, em 1974, Gygax e seu amigo Don Kayne decidiram fundar sua própria editora, a qual chamaram de Tactical Studies Rules, ou simplesmente TSR. Gygax pegou todo o material que tinha escrito dois anos antes, aparou as arestas, e lançou seu primeiro livro, o Dungeons & Dragons ("Masmorras e Dragões"). Arneson foi creditado como co-autor do jogo, por sua contribuição para as regras, e convidado a trabalhar na TSR. Ele e Gygax se desentendiam muito, porém, e apenas um ano após sua entrada na editora, ele decidiu abandonar o projeto. Injustamente, Gygax entrou para a História como criador do RPG, e Arneson foi praticamente esquecido pela indústria.

O Chainmail ainda teve uma terceira publicação, em 1979, mas a esta altura o RPG já tinha praticamente suplantado os Wargames, principalmente devido ao lançamento, em 1978, do AD&D, o Advanced Dungeons & Dragons. Totalmente escrito por Gygax, o AD&D, como o próprio nome dizia, era a versão aprimorada do D&D, sem ligação com qualquer cenário específico, e com regras mais aprimoradas. O AD&D se tornou uma verdadeira febre mundial, e virou praticamente sinônimo de RPG.

Hoje em dia, a TSR não existe mais. Foi comprada pela Wizards of the Coast, fabricante do Card Game Magic: The Gathering, em 1999. O AD&D voltou a se chamar simplesmente D&D (segundo o coordenador do projeto "não há necessidade de uma versão avançada se não existe mais a versão básica"), mas continua como o RPG mais vendido do mundo, e referência em termos de RPG medieval. Nos EUA, os Wargames ainda fazem muito sucesso, mas os RPGs se tornaram uma grande indústria, com diversos fabricantes produzindo títulos e mais títulos desta tão interessante forma de entretenimento.

E tudo isto se deve a dois amigos que não tiveram medo de mudar as regras de um jogo.

RPG

Parte 2

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