Diferentemente do que acontece com alguns amigos meus, minha coleção de DVDs tem muito mais filmes do que séries. Existem, basicamente, três motivos para isso: primeiro e principalmente, já há uns dez anos que eu não tenho muita paciência para acompanhar séries. Não me animo mais a ficar, toda semana, no mesmo horário, sentado na frente da televisão. Atualmente, o máximo que eu consigo acompanhar é de duas séries por vez - as eleitas da vez são Medium e V, e já estou começando a pensar como farei quando Glee voltar ao ar. E, antes que os baixadores de plantão digam que já viram todos os episódios dessas séries, vale ressaltar que, se eu não tenho paciência para ficar sentado no meu sofá, diante da minha televisão, acompanhando uma série, quem dirá para ficar baixando uma quantidade interminável de episódios para assitir no meu bem-menor-que-a-tv monitor, sentado na minha bem-menos-confortável-que-o-sofá cadeira de escritório.
Mas nem sempre foi assim. Quando eu era mais jovem, tinha mais paciência e mais tempo livre, eu assistia a muitas séries, e, sem dúvida, tinha um monte de favoritas. O que nos leva ao segundo motivo para eu não ter muitas séries na minha coleção: a maioria das séries que eu gosto jamais foram lançadas em DVD, e muitas das que foram acabaram incompletas. Ou seja, um belo dia o estúdio decidiu que não compensava mais investir dinheiro naquela joça e deixou os colecionadores na mão - a própria Medium, por exemplo, só teve sua primeira temporada lançada aqui no Brasil, lá em 2006. O que nos leva ao terceiro motivo: eu não sinto vontade de colecionar séries incompletas.
E aqui finalmente vem o gancho que nos leva ao tema do post de hoje. Sim, porque existe uma série que não foi lançada completa no Brasil - falta uma temporadinha só, que nem foi tão boa assim, e eu até tenho esperança de que ela ainda será lançada um dia - mas mesmo assim eu acabei comprando, porque eu gostava tanto dessa série quando era criança que não resisti. Essa série se chama, aqui no Brasil, A Gata e o Rato.
Esse título, aliás, é engraçadinho e até inspirado, mas tem pouco a ver com o título original da série, Moonlighting. Não se pode culpar quem traduziu, porém: moonlighting é uma expressão sem tradução (ao pé da letra seria "fazendo algo sob a luz da lua"), usada para se referir a uma pessoa que exerce uma atividade profissional para a qual não só não foi treinada, mas que também não tem nada a ver com sua aptidão inicial. Por exemplo, imagine uma modelo fotográfica internacional. Um dia, ela resolve trabalhar como investigadora particular em uma agência de detetives. Ela estará moonlighting.
Esse exemplo, como vocês podem imaginar, é exatamente do que se trata a série: um belo dia, a famosa modelo fotográfico internacional Maddie Hayes (Cybill Shepherd), descobre estar falida. Seu contador deu-lhe um golpe, fugiu com seu dinheiro, e a deixou com apenas duas coisas: dívidas e um monte de negócios de fachada. Instruída por seu advogado, Maddie começa a vender esses negócios fraudulentos, para tentar recuperar algum dinheiro. Um deles, porém, é uma agência de detetives, a City of Angels, dirigida pelo irresponsável David Addison (Bruce Willis). Sem estar disposto a perder seu ganha-pão, Addison acaba convencendo Maddie a, ao inves de vender, aceitar sociedade no negócio, que renomeia para Blue Moon Detective Agency, em homenagem à ex-modelo, que se tornou internacionamente conhecida como "Garota Blue Moon", marca de um shampoo para o qual fazia comerciais. A partir de então, Maddie e David passam a brigar, em todas as acepções da palavra, para conseguir casos, resolvê-los e decidir se seu relacionamento é estritamente profissional ou se afeta também suas vidas pessoais.
Criada por Glenn Gordon Caron (que também é o criador de Medium), a série foi concebida para ser uma paródia das séries de detetive, extremamente populares na TV norte-americana na época, em especial de Remington Steele, série estrelada por Pierce Brosnan que Caron produziu e escreveu os dez primeiros episódios. Um de seus trunfos era não ser uma série de comédia assumida - não tinha claque, por exemplo - dosando, a cada episódio, humor súbito, humor escrachado e drama, o que fez com que ela se tornasse uma das primeiras séries de um gênero que viria a ser conhecido como "dramédia".
A Gata e o Rato também se tornou conhecida por constantemente "derrubar a quarta parede" - termo emprestado do teatro, que se explica com o seguinte: como os espectadores precisam assistir ao que acontece, o palco só tem três paredes, a do fundo e as dos lados; a parede da frente é "invisível", e é através dela que enxergamos a ação. ao derrubar a quarta parede, os personagens falam ou fazem coisas que nos mostram que eles têm consciência de que aquilo não é real, fato que nem sempre combina com o que estamos assistindo - David, por exemplo, frequentemente dizia coisas como "o canal jamais nos deixará fazer isso", ou "a culpa não é minha, é dos roteiristas", enquanto os demais personagens olhavam atônitos, como se não compreendessem o que ele queria dizer. É importante notar que essas falas não eram cacos, mas constavam do próprio roteiro, buscando contribuir para o humor do seriado. A Gata e o Rato não foi a primeira série a fazer uso desse recurso, mas foi a primeira a fazê-lo com sucesso, embora algumas vezes a derrubada da quarta parede tenha sido exagerada ou até forçada - no último episódio, por exemplo, David e Maddie vêem os contra-regras desmontarem sua agência porque a série foi cancelada.
Além de derrubar a quarta parede, a série também fez uso de recursos incomuns para a época - no episódio Encrenca em Profusão, por exemplo, Brosnan fez uma participação como Remington Steele, o que não teria nada de mais, se A Gata e o Rato não fosse do canal ABC e Remington Steele do concorrente NBC. Em Um Serviço Maravilhoso, Maddie recebe a visita de seu Anjo da Guarda, que a mostra uma realidade alternativa na qual a Blue Moon é comandada por Jonathan e Jennifer Hart, do Casal 20. E ainda há um episódio que é uma versão de A Megera Domada, na qual os personagens se vestem como na época de Shakespeare, e é ambientado na imaginação de um menino revoltado por sua mãe não deixá-lo assistir A Gata e o Rato porque ele tem de fazer o dever de casa de literatura.
Mas o episódio mais famoso foi A Sequência do Sonho, no qual Maddie e David tomam conhecimento de um crime que ocorreu na década de 1940, no qual uma cantora e seu amante foram acusados de assassinar seu marido, e ambos foram para a cadeira elétrica, cada um jurando que o outro era o assassino. O episódio conta com duas sequências em preto e branco, que representam sonhos que Maddie e David tiveram sobre o caso, cada um mostrando um lado da história. Os produtores estavam tão certos do que queriam fazer que filmaram as sequências dos sonhos usando filme preto e branco, para que a ABC não pudesse levar as sequências coloridas ao ar. Achando que os telespectadores reclamariam de ter de assistir a um programa em preto e branco, o canal acabou obrigando os produtores a gravar uma introdução, na qual Orson Welles explicava que se tratava de "um grande acontecimento na história das séries de TV". Essa introdução acabou sendo o último trabalho de Welles, que faleceria pouco antes do episódio ir ao ar, e, ao contrário do que os executivos temiam, o episódio foi um grande sucesso.
Tanto Shepherd quanto Willis foram escolhas pessoais de Caron para os papéis. Ela, uma atriz já famosa, mas que na época só conseguia papéis de pouco destaque ou em grandes fracassos de audiência. Ele, um ator iniciante, que começara a estudar teatro para superar uma gagueira, e já havia trabalhado como segurança de uma usina nuclear, motorista da DuPont, garçom e, curiosamente, detetive particular. Caron testou quase 2.000 atores para o papel de David, e, segundo ele, notou que Willis era o mais apropriado assim que o viu. Mas a ABC não compartilhava de sua opinião, e Caron teve de convencê-los a confiar em seu faro profissional. Segundo o produtor, o problema estava no fato de que a sinopse previa "tensão sexual" entre os dois protagonistas, e os executivos da ABC achavam que ninguém iria acreditar que Cybill Shepherd pudesse se interessar romanticamente por Bruce Willis.
Além de Shepherd e Willis, o elenco fixo contava com Allyce Beasley no papel de Agnes DiPesto, secretária de voz estridente que tem mania de atender o telefone em rimas, e, a partir da terceira temporada, Curtis Armstrong (de A Vingança dos Nerds) como Herbert Viola, um dos funcionários da agência. Um elenco tão reduzido se traduziu em problemas para os protagonistas, já que ambos ficavam na tela pela maior parte do tempo em cada episódio, e, devido à natureza da série, ainda tinham de filmar muitas cenas externas a diversas horas do dia e da noite. Isso, por sua vez, fez com que o seriado jamais conseguisse manter uma frente confortável de episódios, e com que a ABC constantemente tivesse de reprisar episódios antigos porque os novos ainda não tinham ficado prontos - eles chegaram até a parodiar essa situação, levando ao ar um comercial no qual os executivos do canal aguardavam impacientemente as fitas com os novos episódios, e criando uma introdução para um dos episódios na qual um crítico de TV reclamava que já nem se lembrava mais do que havia acontecido no último episódio inédito a ir ao ar.
A Gata e o Rato estreou no dia 3 de março de 1985, com um filme para TV de duas horas de duração. Confiando que iria conseguir a luz verde, Caron chegou a produzir mais cinco episódios, que foram ao ar entre 5 de março e 2 de abril do mesmo ano, e, junto com o piloto, formaram a primeira temporada da série. A audiência não chegou a ser lá essas coisas, mas foi o suficiente para que a ABC encomendasse uma segunda temporada, de 22 episódios. Problemas com os roteiros e o ritmo das gravações, porém, fizeram com que somente 18 fossem produzidos.
Mas o número baixo não impediu a segunda temporada, que foi ao ar de 24 de setembro de 1985 a 13 de maio de 1986, de se tornar um gigantesco sucesso. Os índices de audiência estiveram entre os maiores da TV norte-americana, e a série foi indicada a nada menos que 16 Emmys. Shepherd foi alçada mais uma vez ao estrelato, e Willis começou a receber diversos convites para filmes e outras séries.
Ambos os atores, porém, decidiram se comprometer com uma terceira temporada da série, que foi ao ar entre 23 de setembro de 1986 e 5 de maio de 1987 fazendo um sucesso ainda maior, com uma média de quase 20 milhões de espectadores por episódio. Assim como a temporada anterior, a terceira não conseguiu atingir sua cota, e teve apenas 15 episódios, ao invés dos 22 previstos.
A partir da quarta temporada, a audiência começou a cair vertiginosamente. Mais uma vez com menos episódios que o previsto - apenas 14, que foram ao ar entre 9 de setembro de 1987 e 2 de março de 1988 - a temporada ainda teve de lidar com acontecimentos inesperados: primerio, Willis quebrou a clavícula em um acidente de esqui, depois, Shepherd engravidou - de gêmeos. Sem poder contar com ambos os atores na maior parte das cenas como de costume, os produtores começaram a bolar episódios nos quais David era mais atuante que Maddie, nos quais Maddie nem aparecia, ou centrados em DiPesto e Viola ao invés de nos investigadores - o episódio A Vida com Você, aliás, é o único da série no qual nem Maddie nem David aparecem.
Curiosamente, muitos espectadores, segundo uma pesquisa, não achavam que o declínio na audiência era resultado da ausência de Maddie ou David, botando a culpa no episódio Estou Curioso, Maddie, penúltimo da terceira temporada, no qual Maddie e David finalmente se rendem um ao outro e passam uma noite de amor juntos, encerrando a tensão sexual que era uma das marcas do programa. Para tentar "remediar" essa situação, os produtores casaram Maddie com outro homem no antepenúltimo episódio da quarta temporada, O Casamento de Maddie Hayes. A emenda ficou pior que o soneto, porém, com muitos espectadores achando a situação forçada e voltando sua ira contra o seriado, o que reduziu ainda mais a audiência. Para piorar, Caron se cansou dos inúmeros problemas enfrentados para levar a série ao ar, e se afastou da produção ao final da quarta temporada.
Os demais produtores ainda tentaram emplacar uma quinta temporada, que foi ao ar entre 6 de dezembro de 1988 e 14 de maio de 1989, mas nem Shepherd, agora mãe de gêmeos e cansada do ritmo de produção de uma série semanal, nem Willis, agora um astro do cinema graças ao sucesso de Duro de Matar, lançado na metade de 1988, se mostraram muito comprometidos com o projeto. O resultado foi que, após apenas 13 episódios, a série foi cancelada de vez.
Com apenas 66 episódios em cinco temporadas, a série foi considerada curta demais para valer um contrato de syndication, o que fez com que ela permanecesse inédita nas cidades norte-americanas que não possuíam canais com contrato direto com a ABC até seu lançamento em DVD. Além disso, como a ABC não possui uma parceira de distribuição de DVDs (como a CBS e a Paramount, por exemplo), a série acabou lançada pela Lions Gate, o que fez com que ela não tivesse muita penetração no mercado.
Aqui no Brasil, a série pode ser assistida atualmente no TCM, e foi lançada em DVD pela Sony, com dois equívocos imperdoáveis: primeiro, as duas primeiras temporadas, que foram lançadas em um box só - já que a primeira é curtinha - por incrível que pareça não têm legendas em português, apenas em inglês, sendo que, para quem não compreende esse idioma, a única saída é assistir dublado. Segundo, a quinta e última temporada não foi lançada até hoje - e a quarta foi lançada em 2007. Tudo bem que os últimos episódios não são lá essas coisas, e que as temporadas boas mesmo - a segunda e a terceira - eu já garanti, mas mesmo assim eu gostaria que alguém da Sony se dignasse a completar a série. Dá pena olhar os boxes e ver que está faltando um.
O problema da sua preguiça (e todas?) se resolve com tecnologia: aparelhos de tv que "tocam" de usb/.avi´s, ou outras "caixas" (dvd players, media center, video-games) que façam o mesmo. Mas calma, o recado foi entendido: vc não gosta, ponto!
ResponderExcluirPor falar em não gostar, esse blog não tem feed não? :) -> post da Máquina do Tempo.
Essa história dos feeds já deu uma discussão imensa que acabou deletada quando tive de sair da Haloscan.
ResponderExcluirResumindo, não tem feed porque senão as pessoas ficam lendo pelo feed e ninguém vem aqui, e eu quero que as pessoas venham aqui.
E se os feeds fossem enviados apenas com o título do post, ou uma chamada?
ResponderExcluirBom, eu realmente não me importo, já que os posts são bem agendados. Eu passo aqui uma vez por semana e leio algo, é bem simples :D
Lembro da polêmica do feed, por isso mesmo achei curioso/engraçado qndo voltaram a perguntar. Nem uso isso!
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