domingo, 23 de abril de 2023

Escrito por em 23.4.23 com 0 comentários

Sorvete

Em 2016/2017, eu reescrevi para o átomo alguns posts que eu tinha escrito para meu blog anterior, o BLOGuil, falando sobre assuntos interessantes como a origem do alfabeto, do sistema internacional de medidas, dos sobrenomes e dos nomes dos dias da semana. Como, no BLOGuil, estes posts pertenciam a uma seção chamada Almanaque BLOGuil, eu decidi agrupá-los na categoria Almanaque (até porque não serviam para nenhuma outra das que eu já tinha), e planejei escrever uns novos em seguida.

Acontece que esse tipo de assunto aparentemente não é tão fácil de encontrar, e demoraria um ano para que a categoria Almanaque ganhasse um novo post, falando sobre chocolate. Depois disso, ela aparentemente morreu. Aí essa semana surgiu o assunto "quem inventou o sorvete?", e eu achei que poderia fazer um post sobre sorvete, no mesmo estilo do que eu fiz sobre chocolate. Só que com isso eu acabei tirando um post da categoria Almanaque, já que, com dois posts sobre comidas, decidi colocar o do chocolate e o do sorvete na nova categoria Comida. Não faz mal. Hoje é dia de sorvete no átomo, torcendo para em breve eu encontrar novos assuntos para a categoria Almanaque - que não sejam comidas.

O mais curioso sobre eu ter decidido fazer um post para responder à pergunta "quem inventou o sorvete?" é que ninguém sabe quem inventou o sorvete, então ela seguirá sem resposta. Algumas fontes relatam que os persas, por volta do ano 550 a.C., já tinham técnicas para criar "casas de gelo" e "piscinas congeladas" que permitiam que eles fabricassem dois tipos de sobremesa o ano inteiro: o faloodeh, que se parece com um macarrão fino e doce servido com suco de limão dentro de uma sopa congelada, e o sorbet, o ancestral da raspadinha, que consiste em finas lascas de gelo mergulhadas em suco de frutas, vinho, licor ou mel. Ao longo dos anos, várias outras sobremesas geladas seriam criadas em outros locais, mas sempre usando gelo ou neve naturais. Uma das mais famosas seria a kakigori, criada no Japão durante o Período Heian (entre 794 e 1185 d.C.), que consistia de uma bola de gelo misturada com xarope saborizado, e que, para que pudesse ser servida nos meses quentes, dependia de que enormes blocos de gelo fossem escavados e armazenados durante os meses frios. No século XVI, onde hoje se encontra a Índia, o Império Mugal usava cavalos para transportar gelo do Himalaia até a capital Délhi, para fazer sorbets de frutas e kulfi, uma sobremesa que usa gelo e laticínios e é conhecida como "o sorvete tradicional indiano".

Os mais antigos processos de criação artificial de gelo para uso em comidas se encontram não em um livro culinário, mas em um livro árabe do século XIII, no qual o historiador Ibn Abi Usaybia relata um processo usado por outro autor, Ibn Bakhtawayhi, de quem nada se sabe, para criar remédios congelados, que teriam, digamos, uma data de validade maior que os tradicionais da época. Essa técnica permaneceria desconhecida dos europeus até o século XVI, quando, segundo a lenda, Marco Polo apresentaria o sorbet à duquesa italiana Catarina di Medici, que levaria a receita para a França após se casar com o Duque de Orléans em 1533. O sorbet se tornaria uma sensação tão grande nas cortes europeias que, no século seguinte, o Rei Carlos I da Inglaterra ofereceria um salário vitalício ao confeiteiro da corte para que ele jamais revelasse a receita ao povo e somente os nobres pudessem comer sorbet. Nenhum desses fatos possui registros históricos.

O que possui um registro histórico e documentado é que, em 1651, o italiano Francesco dei Coltelli, cujo apelido era Procópio, em homenagem ao historiador da Grécia Antiga, abriria em Paris o Café Procope - cujo principal item do cardápio era uma sobremesa conhecida como gelato. A sobremesa faria tanto sucesso que, buscando uma fatia do lucro, a cada ano 50 novos Cafés servindo gelato abririam em Paris, seguindo receitas de franceses como Nicholas Lemery, que publicou a sua em 1674, François Massialot, em 1692, e Antonio Latini, em 1694 - cada uma dessas receitas resultava em um produto bastante diferente, entretanto, com o de Massialot sendo áspero e empedrado, e o de Latini parecendo uma bola de açúcar com sabor.

Parece que quem conseguiu descobrir a verdadeira receita do sorvete foram mesmo os ingleses (talvez o confeiteiro de Carlos I tenha aberto o bico), com uma receita de ice cream, usando creme de leite e suco de frutas, sendo publicada no livro Mrs. Mary Eales's Receipts, de 1718. Essa receita resultava em um sorvete ainda diferente do gelato, mas bem parecido com o que comemos hoje, e seria reproduzida e aperfeiçoada por autores como Hannah Glasse, em 1751, M. Emy, em 1768 (em um livro que só trazia receitas de ice cream) e o italiano Domenico Negri, que, em 1769, abriria uma loja em Berkeley Square, Londres, que servia "todos os tipos de sobremesas inglesas, francesas e italianas", "mas, mais importante, todos os tipos de sorvetes de frutas ao melhor estilo italiano". Em 1789, um aprendiz de Negri, Frederick Nutt, publicaria o livro The Complete Confectioner, que traria 31 receitas de sorvete; a importância desse livro era que, até então, a maioria dos sorvetes tinha sabor de frutas ou mel, mas Nutt criaria a receita para fazer, pela primeira vez, o famoso sorvete de chocolate, além de outras que usavam gengibre, miolo de pão e, acreditem ou não, queijo parmesão.

No início, toda a produção do sorvete era manual, e, para armazená-lo, eram usadas caixas de madeira revestidas com grandes blocos de gelo. No final do século XIX, duas inventoras, a inglesa Agnes Marshall e a norte-americana Nancy Johnson, trabalhariam simultaneamente, uma sem saber do projeto da outra, em máquinas que ajudassem na produção e que pudessem conservar o sorvete depois de pronto. O projeto de Johnson seria patenteado primeiro, em 1843, mas não servia para conservar o sorvete, e sim para produzi-lo, adicionando os ingredientes e girando uma manivela para congelá-los, sendo adaptado para conservação depois; já o de Marshall, que era chef de cozinha e conhecida como The Queen of Ice, por suas inúmeras receitas de sorvete, seria patenteado em 1885, e era considerado mais confiável e de congelamento mais rápido que os refrigeradores elétricos domésticos que começariam a surgir alguns anos depois - cuja criação, acreditem ou não, também foi totalmente independente dos projetos das duas.

Seja como for, os projetos de Johnson e Marshall ajudariam a popularizar o sorvete dentre as classes mais pobres. Em 1851, usando uma máquina de congelar similar à de Johnson, o suíço Carl Gatti criaria o primeiro carrinho de sorvete do mundo, vendendo sorvetes na Charing Cross, em Londres, por 1 penny cada. Em 1860, ele expandiria seus negócios, e até conseguiria um contrato para importar gelo da Noruega, que usava para forrar grandes depósitos de sorvete em diversos locais da cidade. Gatti logo começaria a alugar esses depósitos para outros sorveteiros, espalhando seus carrinhos de sorvete por toda Londres; empresários de outros países o imitariam, e, em pouco tempo, os carrinhos de sorvete seriam moda na Europa.

A primeira fábrica de sorvetes do mundo foi criada pelo norte-americano C. Jacob Fussell em 1854 - antes disso, toda a produção de sorvetes era local, ou seja, cada comerciante fabricava o que ele mesmo iria vender. Fussell era dono de uma distribuidora de laticínios na cidade de Seven Valleys, Pensilvânia, e recebia seus produtos de fazendeiros de Baltimore. Como nem sempre ele conseguia revender todo o leite que recebia, em 1852 ele teve a ideia de usar o excedente para fabricar sorvete e enviar de volta para Baltimore. Seu produto teria tanta demanda que, dois anos depois, ele decidiria vender sua distribuidora, se mudar para Baltimore, e abrir a Jacob Fussell and Company, que vendia sorvetes principalmente para hotéis da Costa Leste, em galões, mas também aceitava encomendas de quantidades menores mediante um adicional no preço. O negócio de Fussell seria tão rentável - ele chegou a vender 30 milhões de galões de sorvete por ano - que o Exército dos Estados Unidos se ofereceria para comprá-lo, mas ele jamais aceitou nenhuma oferta, com a fábrica só deixando de existir em 1912, quando ele faleceu e seus sócios decidiram vendê-la.

Inspirados no sucesso de Fussell, vários industriais do mundo inteiro começariam a abrir suas fábricas. Com tanto sorvete disponível, começariam a surgir as primeiras receitas usando sorvetes, e a primeira delas seria, digamos, inusitada: o ice cream soda, que consistia em jogar uma bola de sorvete dentro de um copo de água com gás, inventado na Nova Zelândia em 1870 (embora o norte-americano Robert Green jure que foi ele quem inventou, em 1874), mas que logo se tornaria uma febre no Reino Unido, levando a um estouro nos números da venda de sorvetes.

Outra invenção do final do século XIX que ajudaria a popularizar o sorvete seria o sundae, esse sim inventado nos Estados Unidos, embora vários donos de lojas de sorvetes aleguem terem sido seus inventores em pelo menos quatro cidades diferentes. Embora quando a gente pense em sundae a primeira imagem que venha à mente seja o do McDonald's, o sundae tradicional consiste de uma bola de marshmallow, duas bolas de sorvete de baunilha, creme de leite batido (erroneamente chamado aqui no Brasil de chantili; assim como o champagne, somente o creme que seja produzido na cidade de Chantilly, na França, pode receber esse nome), castanha de caju ou amendoim moído, e uma cereja no topo; o principal ingrediente do sundae, porém, são frutas, sempre sendo usados grandes pedaços e uma calda da mesma fruta - com os sabores mais populares sendo morango, framboesa e abacaxi. A origem do nome sundae é desconhecida, mas diz a lenda que ele foi inventado para ser vendido apenas aos domingos, usando o nome Sunday Special, com o nome sendo alterado de sunday ("domingo") para sundae depois que o escritório de patentes "se recusou a registrar um produto com o nome de um dia da semana".

No início do século XX, duas outras invenções contribuiriam para aumentar ainda mais as vendas e a popularidade do sorvete: a casquinha e a banana split. A casquinha na verdade foi inventada por Marshall em 1888, e era originalmente feita de amêndoas e assada no forno, mas somente se popularizaria após a Feira Mundial de 1904 em Saint Louis, Estados Unidos - mesmo evento durante o qual seriam realizados os Jogos Olímpicos daquele ano. Segundo a lenda, um vendedor de sorvetes ficou sem copinhos, e seu vizinho, um vendedor de waffles, ofereceu sua massa para que ele a enrolasse em forma de cone e colocasse uma bola de sorvete em cima. Atualmente, as casquinhas são feitas com uma massa de farinha e açúcar e prensadas em longas folhas que são cortadas e enroladas antes de esfriar.

Já a banana split seria criada em 1904 em Latrobe, Pensilvânia, Estados Unidos, por David Strickler, que era optometrista, e tentava inventar um sundae de banana. Apesar de custar o dobro de um sundae de outra fruta qualquer, sua invenção logo se tornaria extremamente popular entre os estudantes do Saint Vincent College, e transformaria Strickler em um industrial do sorvete; o nome banana split seria inventado pelos estudantes, já que a banana usada na sobremesa é dividida (split) no meio para colocar três bolas de sorvete em cima - originalmente, nos sabores de chocolate, baunilha e morango, os mesmos do sabor conhecido aqui no Brasil como napolitano.

Após a Segunda Guerra Mundial, com a queda no preço dos refrigeradores, os sorvetes se popularizariam ainda mais, com a chegada das grandes redes de sorveterias, que competiam entre si para ver quem conseguia criar o maior número de sabores. Os hotéis da rede norte-americana Howard Johnson's anunciavam que seus restaurantes contavam com 28 sabores, enquanto a Baskin-Robbins, fundada em 1945 em Glendale, Califórnia, anunciava 31 sabores, "um para cada dia do mês". Também nos Estados Unidos, nessa época, seria inventado o soft ice cream, servido através de uma torneira semelhante às das máquinas de refrigerantes, popularizado em lanchonetes de fast food como McDonald's e Burger King. Originalmente, o único sabor disponível era baunilha, e os maiores revendedores eram as norte-americanas Dairy Queen, Carvel e Tastee-Freez.

A década de 1960 veria o surgimento dos chamados sorvetes gourmet e premium, que, usando ingredientes como creme de leite fresco e grandes pedaços de chocolate, caramelo e outros doces, buscavam apelar para o público de poder aquisitivo mais alto. Mais uma vez, todas as principais fabricantes eram norte-americanas: a Chocolate Shoppe Ice Cream Company, a Ben & Jerry's, e a Häagen-Dazs - fundada em 1960 em Nova Iorque, cujo nome foi inventado para soar europeu, e não significa absolutamente nada em língua nenhuma. Duas décadas depois, nos anos 1980, seria invetado, na Espanha, o "sorvete no palito", que usa uma massa mais sólida que a usual, coberta com uma camada de chocolate para não derreter; esse tipo de sorvete jamais se popularizaria nos Estados Unidos, mas aqui encontraria público usando nomes como Magnum ou Mega.

O sorvete é uma emulsão coloidal, o que significa que ele é criado misturando dois líquidos e injetando ar. No caso do sorvete, os dois líquidos são água e leite, com a receita básica do sorvete contendo apenas sete ingredientes: água, gelo, gordura do leite, proteína do leite, açúcar, ar e o sabor (se for um sorvete de chocolate, chocolate em pó, se for de morango, polpa de morango, se for de baunilha, essência de baunilha, e assim por diante). Os ingredientes devem ser misturados enquanto estão congelando, para evitar a formação de cristais de gelo e para que parte da água permaneça não congelada na massa, deixando-a mais cremosa. A injeção de ar serve para que o leite e a água congelados não se separem (já que a gordura do leite não se mistura com a água), o que deixaria o sorvete duro e impossível de comer; quanto mais ar injetado, aliás, mais macio fica o sorvete, com um sorvete de massa tradicional tendo cerca de 15% de ar, enquanto um soft ice cream pode ter até 60%.

Vocês já devem ter reparado, aliás, que, quando um sorvete derrete e depois congela de novo, ele fica esquisito, com uma camada macia no topo e uma bastante dura embaixo, como se fosse um bloco de gelo. Esse fenômeno ocorre porque, com o derretimento do sorvete, o ar injetado "fugiu" para o ambiente, a gordura do leite se separou da água, passou a boiar nela (como a gordura sempre faz) e, quando o sorvete foi novamente congelado, a gordura estava por cima e a água por baixo - mas o sabor, que não tem nada a ver com isso, continuou misturado aos dois. As duas partes de um sorvete que derreteu e congelou de novo, portanto, são uma massa de gordura de leite, açúcar e sabor, que ficou por cima, e um bloco de gelo saborizado, que ficou por baixo.

Existe uma crença de que haveria uma espécie de tabela para determinar se o sorvete é comum, cremoso, premium, gourmet ou artesanal, e algumas pessoas até citam regras como "o sorvete comum é feito com água, o cremoso com leite, o premium com creme de leite". Na verdade não existe nenhuma regulação do tipo, embora diferentes países possam ter leis ou regulações para determinar o que é um sorvete ou não. Nos Estados Unidos, por exemplo, o FDA, órgão responsável pelo controle de tudo o que é consumido no país, determina que, para ser chamado de "ice cream", o produto deve ter no mínimo 10% de gordura do leite; entre 6 e 10% de sólidos do leite que não sejam gordura, como caseínas e lactose; entre 12 e 16% de adoçantes que não sejam naturais do leite, sendo o mais usado o xarope de glucose; entre 0,2 e 0,5% de estabilizadores e emulsificadores; e entre 55 e 64% de água, podendo ser considerada nessa porcentagem a água natural do leite. Quando todas essas diretrizes não são cumpridas, o produto não pode ser chamado de "sorvete", devendo adotar o nome "massa gelada".

A fabricação manual do sorvete é absurdamente trabalhosa, sendo esse o motivo pelo qual, antes da popularização dos refrigeradores, ele era reservado apenas para ocasiões especiais, e somente para as classes mais abastadas: como o sorvete deve congelar enquanto está sendo produzido, era necessário ir acrescentando gelo e sal à mistura constantemente, e, para acrescentar ar, era usado um canudo soprado pelo confeiteiro. As máquinas de fazer sorvete atuais se parecem com máquinas de lavar roupa, consistindo de um tambor, nos quais os ingredientes são adicionados, e um pilar central com pás, que os mistura constantemente; a máquina usa um motor semelhante ao de uma geladeira para resfriar o sorvete durante a fabricação, e conta com tubos que injetam o ar constantemente. Novas técnicas, tecnologias e o barateamento de certos ingredientes, entretanto, tornaram mais fácil a fabricação caseira de sorvetes no século XXI, levando ao surgimento de sorveterias artesanais, que não usam máquinas na confecção de seus produtos. Os métodos mais usados para se produzir sorvete artesanal são adicionar gelo seco ou nitrogênio líquido à massa durante a mistura, ou começar o processo com uma solução pré-congelada de água e sal, que vai descongelando e reduzindo a temperatura do sorvete durante a produção.

A principal receita de sorvete usada hoje nos Estados Unidos foi criada na cidade da Filadélfia, e algumas vezes é usado o termo Philadelphia Style para diferenciá-la de receitas europeias - normalmente chamadas de French Style. Na Europa, é normal que os sorvetes levem ovos em sua composição. O verdadeiro gelato itaiano, por exemplo, usa apenas leite integral, açúcar, ovos e o elemento que dará o sabor, como suco de frutas ou chocolate, não adicionando água extra, emulsificantes ou estabilizantes, o que faz com que sua data de validade seja de apenas poucos dias; curiosamente, o gelato tem entre 7 e 8% de gordura do leite, o que faz com que ele não possa ser chamado de sorvete nos Estados Unidos.

Outra coisa que também não é sorvete é um picolé: diferentemente do sorvete, que deve ser batido enquanto congela, o picolé é produzido em estado líquido, colocado em formas e então congelado, sendo praticamente um bloco de gelo saborizado com um palito, que tanto ajuda na hora de tirar da forma quanto na de segurar para comer - é por isso, aliás, que existem picolés de todas as frutas, mas sorvetes não, já que nem todas as polpas mantêm o mesmo sabor quando misturadas à massa do sorvete, mas, sendo um picolé basicamente um suco de frutas congelado, esse problema não ocorre em sua fabricação. O picolé foi criado em 1923 por Frank Epperson, em São Francisco, Califórnia, que alega que o inventou acidentalmente aos 11 anos de idade, quando esqueceu um copo de limonada com um palito dentro - que ele estava usando para misturar o açúcar - na varanda, de um dia para o outro, em uma noite fria de inverno, encontrando a limonada congelada no dia seguinte. Verdade ou ficção, Epperson era vendedor de limonada e estava prestes a ser demitido quando, aos 29 anos, decidiu inventar o picolé para servir em um baile do Corpo de Bombeiros. O produto fez tanto sucesso que ele decidiu patenteá-lo, e ficou milionário.

Em 1940, o mexicano Ignacio Alcázar viajaria aos Estados Unidos, conheceria o picolé, e retornaria à sua cidade natal, Tocumbo, com a ideia de produzir algo semelhante, mas adequado ao gosto do povo local. Alcázar inventaria as paletas, o picolé mexicano, que tem duas receitas diferentes, uma usando leite, outra usando água. Curiosamente, a receita usando leite faria o caminho de volta aos Estados Unidos e daria origem a picolés de sabores como chocolate e baunilha, que não podiam ser feitos com a tecnologia da época usando água - até então, todos os picolés eram de frutas, feitos com suco. No México, tradicionalmente, as paletas também são todas feitas de sucos de frutas; as "paletas mexicanas" vendidas aqui no Brasil, com sabores como chocolate e doce de leite ou recheio de leite condensado, foram inventadas aqui mesmo, e são até alvo de ódio de alguns mexicanos que acham que estamos nos apropriando da invenção deles.

Outros países também possuem seus sorvetes tradicionais, com receitas próprias. Na Índia temos o gola, a versão indiana do picolé, feito compactando lascas de gelo em torno de um palito e mergulhando em um grosso xarope de frutas, e o já citado kulfi, que costuma ter sabores como manga, açafrão e pétalas de rosa e conter pedaços de doces indianos como rabdri e gulab jamun. Na Tailândia temos o ai-tim phat, o "sorvete frito", feito jogando os ingredientes sobre uma chapa super gelada e usando uma espátula para transformá-los em rolinhos, que são então colocados em um copo. E na rússia temos o molochnoje, que leva muito leite em sua composição (algumas marcas têm 33%, um terço do sorvete, de gordura do leite), deixando-o com um sabor característico, e que tradicionalmente é servido em uma única bola em uma casquinha com sabor de amêndoas em formato de copinho.

O Brasil, infelizmente, não possui um sorvete tradicional, com todas as receitas usadas aqui sendo importadas, a maioria dos Estados Unidos - apenas recentemente sorvetes europeus começaram a ser fabricados aqui, principalmente os sorvetes no palito espanhóis e o gelato italiano. A produção de sorvete no Brasil começaria em 1934, na cidade do Rio de Janeiro, com a empresa U.S. Harkson do Brasil, que tinha o nome fantasia de Kibon, e que na época só fabricava um único sorvete, o Eski-bon. O nome "sorvete" é um aportuguesamento da palavra sorbet, que, como vimos, é o nome de uma sobremesa diferente; ninguém sabe como essa transformação ocorreu, sendo a teoria mais aceita a de que, na época, o sorvete na França se chamava sorbet (hoje em dia se chama glace), e que os carregamentos de matéria-prima vinham da França, com a palavra sorbet escrita nas caixas - uma outra teoria bastante difundida, mas provavelmente falsa, diz que o nome sorvete vem do verbo sorver, já que o sorvete é comido sorvendo (o que nem é verdade). Vale dizer também que o sorvete só se chama sorvete no Brasil; em Portugal e nas demais colônias ele se chama gelado, por influência do espanhol helado - que, por sua vez, veio do italiano gelato.

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