segunda-feira, 17 de janeiro de 2011

Escrito por em 17.1.11 com 0 comentários

Mad Max

Essa semana eu assitia novamente ao primeiro filme do Rambo, e pensava como é curioso que alguns filmes tenham uma imagem construída não sobre seus eventos, mas sobre os de suas sequências. O Rambo amarrando as botas e a faixa na cabeça, se armando até os dentes e partindo para travar uma guerra de um homem só em um país longínquo, por exemplo, só nos é apresentado em Rambo 2. No primeiro filme, ele é apenas um veterano da guerra do Vietnã que quer um pouco de respeito ao retornar para seu país.

Mas esse post não é sobre Rambo, e sim sobre um outro filme no qual essa construção de imagem a partir da sequência é ainda mais forte: Mad Max. A imagem que todos fazem da ambientação de Mad Max, um futuro desértico no qual água e combustível são escassos e a humanidade sobrevive agrupada em pequenas tribos territoriais, só foi estabelecida no segundo filme da série, sendo o primeiro um filme policial até bem normal. É verdade que o primeiro Mad Max já era ambientado em um futuro no qual o combustível era escasso, mas, exceto pelo deserto e pelas roupas de couro, era um futuro bem diferente do pós-apocalíptico do imaginário popular.

O "Mad Max" do título é o policial Max Rockatansky (Mel Gibson), responsável por manter a lei e a ordem em uma cidade próxima ao deserto australiano, dominada por gangues de motoqueiros. No início do filme, Max, seu parceiro Jim Goose (Steve Bisley) e alguns outros policiais estão perseguindo um criminoso que escapou da polícia, roubou um carro e agora foge em alta velocidade. Graças à perícia de Max na perseguição, o fugitivo acaba se envolvendo em um acidente e morrendo.

Acontece que o tal fugitivo era membro da gangue de Toecutter (Hugh Keays-Byrne) - que não é flor que se cheire, visto que seu nome traduz para "cortador de dedos do pé" - que chega à cidade, acompanhado de seu braço-direito Bubba Zanetti (Geoff Parry), de seu pupilo Johnny the Boy (Tim Burns) e de alguns outros motoqueiros para pegar o corpo do amigo falecido e tocar um terror por lá. Seu comportamento, evidentemente, acaba os envolvendo com a polícia, e, após um casal ser atacado, Goose consegue prender Johnny.

Para infelicidade da polícia, o casal decide não prestar queixa, e Johnny acaba liberado. Como vingança, a gangue decide atacar Goose, que fica entre a vida e a morte. Cheio de raiva, mas temeroso de perder o controle e se tornar pior que os criminosos, Max pede demissão, mas o capitão da polícia, Fifi Macaffee (Roger Ward), recomenda que ele tire umas férias, voltando quando estiver mais calmo. Max, então, decide viajar com sua esposa, Jessie (Joanne Samuel) e o filho pequeno do casal.

Infelizmente para Max, a gangue de Toecutter cruza com eles durante a viagem, e, decidindo barbarizar mais um pouco, atropela a moça e a criança. Tomado pela fúria, Max aceita seu destino, rouba um carro da polícia superturbinado e parte para matar os motoqueiros um por um, não sem antes fazer com que eles paguem por suas atrocidades.

Mad Max é uma produção australiana, e responsável por várias estreias: foi o primeiro filme do diretor George Miller, o primeiro do ator Mel Gibson, o primeiro do roteirista James McCausland, o primeiro filme australiano a ser filmado em widescreen e o primeiro filme australiano a alcançar o sucesso internacional. Antes de ser cineasta, Miller era médico, e teve a ideia para o filme ainda na década de 1960, enquanto trabalhava na emergência de um hospital da cidade de Victoria, na qual via pacientes com os mesmos tipos de ferimentos que os personagens do filme sofreriam. Em 1971, ele conheceria o cineasta amador Byron Kennedy durante um curso de cinema. Ambos produziriam, juntos, o curta Violence in the Cinema, que foi exibido em diversos festivais da Austrália, ganhando vários prêmios. Oito anos e alguns curtas depois, eles decidiram partir para seu primeiro longa, criando a história de Mad Max e contando com a ajuda de McCausland para escrever o roteiro. Foi durante o rascunho preliminar do roteiro que Miller decidiu ambientar o filme em um futuro distópico, acreditando que a violência que queria mostrar não seria bem recebida se a história se passasse na "época atual".

Filmado de forma independente, Mad Max tinha um orçamento de apenas 400.000 dólares australianos, o que obrigou a produção a cortar alguns custos. Vários carros, por exemplo, eram pintados entre uma cena e outra, para parecer que se tratava de carros diferentes, e vários membros da equipe de produção, inclusive o próprio Miller, emprestaram seus carros pessoais para fazer figuração, muitos deles acabando avariados ou destruídos por causa das sequências de perseguição. O figurino também teve várias restrições, com Max sendo o único personagem a vestir roupas de couro legítimo, com todos os demais usando vinil ou imitações. A pós-produção e a edição de som do filme foram feitas na casa de Kennedy, com uma ilha de edição amadora montada pelo pai do cineasta. O orçamento era tão apertado que, se após algumas negociações uma concessionária da Kawasaki próxima ao local de trabalho de Miller não tivesse concordado em ceder 14 motocicletas, talvez o filme nem tivesse uma gangue de motoqueiros.

Com um orçamento tão limitado, o elenco não poderia ser de primeira grandeza, e Miller e Kennedy decidiram entrevistar atores novatos para todos os papéis, inclusive para o do protagonista. Mel Gibson, então, era um total desconhecido, e, na verdade, só foi ao teste para acompanhar seu amigo Steve Bisley, de quem era colega nas aulas de teatro. Gibson havia se envolvido em uma briga na noite anterior, e apareceu para o teste com o rosto cheio de hematomas e o nariz quebrado. O agente responsável pelo teste preliminar, entretanto, gostou de seu visual, que achou apropriado para o filme, e o aprovou para um segundo teste. No dia desse segundo teste, já recuperado de seus ferimentos, Gibson sequer foi reconhecido, e teve de explicar quem era. Após o segundo teste, Bisley ficaria com o papel de Goose, e Gibson já com seu primeiro protagonista, estreando no cinema em grande estilo.

Mad Max estreou na Austrália em 12 de abril de 1979. A crítica detestou, rotulando-o de "sadista", "feio", "incoerente", e até mesmo "apropriado apenas para candidatos a assassino serial". O público, entretanto, adorou, e o rendimento do filme só em seu país de origem foi de mais de 5 milhões de dólares australianos. Essa bilheteria imensa chamaria a atenção das distribuidoras internacionais, que rapidamente o lançariam ao redor do planeta. Contando os ganhos do mundo inteiro, Mad Max renderia mais de 100 milhões de dólares (americanos), entrando para o livro dos recordes como filme de maior diferença entre o orçamento e a bilheteria, de onde só sairia em 1999, ao ser ultrapassado por A Bruxa de Blair. Com o passar do tempo, a crítica foi se rendendo, e hoje Mad Max é considerado um dos melhores filmes de ficção científica da década de 1970.

A distribuição internacional de Mad Max conta com três curiosidades: em primeiro lugar, quando chegou a hora de o filme ser lançado nos Estados Unidos, onde renderia 8 milhões de dólares, foi "dublado" em inglês norte-americano, pois a Warner Bros, que o distribuiria na Terra do Tio Sam, temeu a possibilidade de o público não compreender o sotaque e as gírias da Austrália. Em segundo, o filme jamais estreou nos cinemas da Suécia, embora estivesse programado para tal; acontece que, poucos dias antes da data marcada, ocorreu em Estocolmo um ataque de uma gangue bastante semelhante a um dos ataques mostrados no filme, e a distribuidora achou que seria de mau gosto lançá-lo mesmo assim. Em terceiro, o filme foi rejeitado pela Nova Zelândia, que o considerou violento demais, se recusando a exibi-lo nos cinemas até 1983, quando o enorme sucesso de Mad Max 2 no país aparentemente mudou a opinião dos distribuidores locais.

O sucesso do primeiro filme fez com que Miller e Kennedy tivessem um orçamento dez vezes maior, de 4 milhões de dólares australianos, para produzir Mad Max 2: A Caçada Continua (que, originalmente, se chamava só Mad Max 2, mas nos Estados Unidos foi renomeado para The Road Warrior, o que fez com que ele ficasse conhecido internacionalmente como Mad Max 2: The Road Warrior). Lançado na Austrália em 24 de dezembro de 1981, com roteiro de Miller, Terry Hayes e Brian Hannant, esse foi o filme que definiu o "estilo Mad Max", que até hoje é usado em diversos filmes, livros e outras obras de ficção científica: um futuro pós-apocalíptico no qual o mundo é praticamente deserto, a humanidade luta para sobreviver com recursos - principalmente água e combustível - escassos, e os líderes não são escolhidos, mas se impõem às massas através da força física ou intelectual. Além disso, por alguma razão, todo mundo veste muito couro. Este também foi o filme que lançou Mel Gibson nos Estados Unidos - o anterior não teve um desempenho tão bom que justificasse convites ao ator - levando-o do Outback para Hollywood.

No início do filme, ficamos sabendo que, após uma guerra provavelmente nuclear, os governos sucumbiram, levando ao estado de coisas descrito no parágrafo anterior. O ex-policial Max se tornou um andarilho, vagando pelo deserto ainda em seu antigo uniforme e dirigindo seu antigo carro, na companhia de um cachorro e de uma escopeta, lutando contra gangues e pilhando combustível para poder seguir em sua jornada. Um dia, ele encontra um autogiro - uma espécie de ultraleve - aparentemente abandonado, mas que é uma armadilha do Capitão Gyro (Bruce Spence), também um andarilho, para atrair incautos e roubar suas posses. Mais experiente, Max domina Gyro, que, em troca de sua vida, lhe revela que há, no deserto, uma refinaria abandonada, ainda cheia de combustível, mas que foi tomada por uma tribo nômade.

Gyro leva Max até a tal refinaria, e lá eles descobrem que a tribo, liderada por Papagallo (Michael Preston), é constantemente atacada por uma gangue liderada pelo Lorde Humungus (Kjell Nilsson), um homem enorme e musculoso, aparentemente deformado, assessorado pelo motoqueiro Wez (Vernon Wells), e que deseja o combustível para si. Durante um ataque da gangue, Max salva um dos nômades, e faz um trato com ele, de que o levará de volta à refinaria em troca de combustível.

Infelizmente para Max, o homem morre antes de contar sobre o trato, e Max acaba sendo feito prisioneiro da tribo. Após demonstrar suas habilidades durante mais um ataque da gangue, porém, Papagallo passa a acreditar que ele pode ser um bom aliado. Max, então, faz um outro trato: o de que conseguirá um caminhão capaz de transportar todo o combustível da tribo para um lugar seguro, em troca de um pouco desse combustível e de sua liberdade.

Assim como o primeiro filme flertava com o gênero policial, Mad Max 2 é praticamente um filme de faroeste, com todos os clichês do estilo: Max é o homem solitário que vaga amargurado pelo deserto, até ter a chance de se redimir salvando uma pequena cidade. Wez é sua contraparte, o bandido com as mesmas habilidades, disposto a derrotá-lo custe o que custar. Papagallo é o líder de bom coração disposto a acreditar no forasteiro para salvar sua gente. E Humungus é o mal encarnado, sem nenhum outro papel senão o de matar e destruir. Ao invés de cavalos e diligências, o filme faz uso de muitos veículos: carros, motos e caminhões de todos os tipos e tamanhos se juntam a veículos bizarros em cenas de velocidade e destruição, incluindo a perseguição final ao caminhão-tanque, considerada por muitos como uma das mais antológicas do cinema.

Ao contrário de seu antecessor, Mad Max 2 foi muito bem recebido pelos críticos, que elogiaram o filme, o protagonista e o diretor. Mad Max 2 ganhou o Saturn Awards de Melhor Filme Estrangeiro de 1982, é facilmente encontrado em listas dos melhores filmes de ficção científica de todos os tempos, e costuma ser citado como influência por gente do calibre de Guillermo Del Toro, David Fincher, Robert Rodríguez e James Cameron. Nas bilheterias, Mad Max 2 rendeu quase 11 milhões de dólares australianos em sua terra natal, quase 24 milhões de dólares nos Estados Unidos, e mais de 200 milhões no mundo inteiro.

O grande sucesso de Mad Max 2 animou a Warner Bros, que distribuiu o filme em vários países, a investir dinheiro em uma nova sequência. Com roteiro de Miller e Hayes, Mad Max: Além da Cúpula do Trovão (Mad Max Beyond Thunderdome), que estreou na Austrália em 10 de julho de 1985, por pouco não saiu do papel: enquanto procurava por locações para as filmagens, Kennedy faleceu em um acidente de helicóptero. Miller, entristecido, chegou a desistir do projeto, mas foi convencido a retomá-lo por seu amigo e também diretor George Ogilvie. No fim das contas, Miller e Ogilvie acabariam co-dirigindo o filme, com o primeiro ficando responsável apenas pelas sequências de ação, e dedicando-o a Kennedy.

Após ser atacado por mercenários e ter seu carro roubado, Max vai parar na cidade de Bartertown. Diferentemente do resto do planeta, Bartertown possui eletricidade, veículos e outras facilidades da era industrial, graças a uma usina de metano alimentada por fezes de porco. A cidade é governada pela cruel Aunty Entity (Tina Turner), que vive às escaramuças com Master (Angelo Rossitto), único que possui o conhecimento para fazer a fábrica funcionar. Master é um anãozinho intrometido, mas Entity não consegue se livrar dele por causa de seu guarda-costas gigantesco, Blaster (Paul Larsson). Juntos, Master-Blaster formam a única entidade em toda Bartertown a conseguir desafiar Entity.

Quando Max chega à cidade, Entity vê a oportunidade perfeita para se livrar de seus oponentes: fazer com que Max enfrente Blaster na Cúpula do Trovão, uma arena gladiatorial na qual os problemas da cidade são resolvidos com lutas até a morte. Max faz um acordo com ela, e, ao perceber que seu carro está em poder de Master-Blaster, começa um briga cujo resultado será decidido na Cúpula. Quando Max se recusa a matar Blaster no final da luta, porém, Entity se enfurece, e o expulsa da cidade.

Vagando pelo deserto, Max encontra uma tribo de garotos perdidos, filhos dos sobreviventes de um acidente de avião, que vivem em um oásis e acreditam que Max é um salvador que veio levá-los de volta à civilização. Sabendo que viver no oásis é bem melhor que na civilização, Max tenta convencê-los a ficar, mas, determinados a partir, alguns deixam o local por conta própria, se dirigindo a Bartertown. Max decide, então, arriscar sua vida voltando à cidade para salvar os meninos.

Mad Max: Além da Cúpula do Trovão dividiu a crítica, com alguns o considerando o melhor da trilogia, outros o pior. Dois pontos do filme são quase que universalmente comentados para o bem e para o mal: a presença dos garotos perdidos é bastante criticada, por trazer uma reminescência de Peter Pan que muitos consideram incompatível com o clima do filme; e a Cúpula do Trovão é bastante elogiada, com a luta entre Max e Blaster fulgurando dentre as mais memoráveis do cinema. Com o público, o filme foi um fracasso comercial: com orçamento de 12 milhões de dólares australianos, rendeu pouco mais de 4 milhões na Austrália, e pouco mais de 36 milhões de dólares americanos no mundo inteiro.

Parte por causa do fracasso, parte por causa da falta de interesse de Miller, Mad Max: Além da Cúpula do Trovão é, até agora, o último filme da série. Já há algum tempo se fala em uma continuação, com o título provisório de Mad Max 4: Fury Road, inicialmente com o próprio Mel Gibson, depois em forma de animação, animação 3D, e atualmente novamente um filme, com Tom Hardy como Max e Charlize Theron no elenco. Diferentemente de outros filmes dessa onda de ressurreições, o novo Mad Max não seria ambientado 25 anos depois, mas pouco após os eventos do último filme. Miller deseja começar as filmagens ainda esse ano. Vejamos no que vai dar.

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