Eu, de certa forma, nunca dei muita bola para isso. Tenho meu lado preferido, como talvez todo mundo, mas sempre consigo achar algo de bom do outro lado. Sempre gostei muito mais dos videogames da Nintendo, mas três dos meus jogos preferidos - Streets of Rage, Daytona USA e The Ocean Hunter - foram feitos pela Sega. Sempre achei os heróis da Marvel muito mais interessantes que os da DC, mas a melhor história em quadrinhos de todos os tempos, Watchmen, foi publicada pela editora do Batman - do qual eu também gosto muito, aliás. Não vejo problema nenhum em declarar que gosto tanto de Star Wars quanto de Star Trek. E, apesar de ser fã de carteirinha do Schwarzenegger, não tenho como negar que o melhor filme sobre esportes de todos os tempos foi estrelado por Sylvester Stallone. Este filme se chama Rocky, e é o tema do post de hoje.
Mesmo um fanático por esportes como eu tem de admitir uma triste verdade: filmes de ficção sobre esportes costumam ser muito chatos. Ou eles usam o esporte apenas como pano de fundo, na maioria das vezes para um romance, ou eles ficam com aquela lengalenga de superar seus limites, vencer as adversidades, e tudo o mais. Bem, Rocky também é sobre superar os limites e vencer as adversidades, mas com uma diferença muito importante: não é nada chato. E mais ainda, é um filme muito bom. E, se alguém duvida do que eu estou dizendo, aqui vão seis palavrinhas: Oscar de Melhor Filme de 1976. Pois é, aposto que muitos aí nem sabiam disso.
Assim como aposto que muitos de vocês também nem sabiam que, além de estrelar o filme, Stallone também escreveu o roteiro. A inspiração surgiu quando ele assistia à mítica luta entre Muhammad Ali e Chuck Wepner, realizada em 1975, válida pelo cinturão dos peso-pesados. Wepner, praticamente um desconhecido, perdeu por nocaute técnico, e apenas no décimo-quinto assalto, chegando a derrubar Ali no nono. Apesar da derrota, a performance de Wepner foi considerada uma enorme proeza, e vista como uma prova de que, com força de vontade, um boxeador mediano pode encarar de igual para igual até mesmo o maior dos oponentes. Stallone, então no início da carreira, assistiu a toda a luta em sua casa, e imediatamente pensou no enredo do filme, escrevendo todo o roteiro sozinho nos dias seguintes.
Stallone então ofereceu o roteiro para a United Artists, para a qual já havia feito alguns filmes. O estúdio adorou, e tentou comprá-lo para utilizar o filme como veículo para um ator já estabelecido, como Robert Redford, Burt Reynolds ou James Caan. Stallone, porém, bateu o pé, e disse que só aceitaria ceder o roteiro se ele fosse o protagonista do filme. Após muita negociação, a UA aceitou, com a condição de que o filme custasse pouco, em torno de um milhão de dólares. Ainda assim, os produtores, Irwin Winkler e Robert Chartoff, ficaram receosos em deixar Stallone protagonizar o filme, e acabaram convencendo-o a mudar o final, fazendo com que Rocky levasse a luta até o fim - originalmente, ele iria jogar a toalha no décimo-quinto assalto.
O orçamento limitadíssimo do filme também criaria algumas situações curiosas: o pai e o irmão de Stallone participaram do filme, no papel do homem que toca o sino do início e do final das lutas e de um cantor de rua, respectivamente, sem cobrar nada, assim como seus amigos repórteres Stu Nahan e Diana Lewis, interpretando eles mesmos. A ex-esposa de Stallone, Sasha, fez a fotografia do filme, e o ex-jogador de futebol americano e ex-boxeador Tony Burton interpretou o treinador de Apollo, ambos recebendo uma mixaria. Mas as histórias mais curiosas envolvem um pôster no qual Rocky aparece de calção vermelho, enquanto ele luta com um calção branco, e o roupão que ele deve vestir antes da luta, que ficou grande demais. Como a produção não tinha dinheiro para mandar refazer esses objetos, Stallone escreveu duas cenas adicionais para o filme, nas quais Rocky reclama que seu calção está da cor errada e pergunta a Adrian se o roupão está muito grande, para parecer que eles foram feitos assim de propósito.
No final, Rocky acabou custando 1,1 milhão de dólares. E rendeu 117,2 milhões. Só nos Estados Unidos. Dirigido por John G. Avildsen (que mais tarde faria Karate Kid) e lançado em 1976, aqui no Brasil como Rocky, um Lutador, o filme conta a história de Robert "Rocky" Balboa, um rapaz pobre da Filadélfia, que trabalha cobrando dívidas para um agiota, e sonha em ser campeão de boxe. Embora tenha feito algumas lutas, e ganhado até mesmo um apelido, "o garanhão italiano", Rocky jamais teve uma boa chance no boxe, até que, um dia, o destino decide lhe sorrir: a luta válida pelo título mundial dos peso-pesados de 1976 ocorrerá justamente na Filadélfia, e o adversário do campeão invicto, Apollo Creed (que na versão dublada do Brasil virou Apolo Doutrinador), não poderá lutar porque quebrou a mão. Sem querer desmarcar a luta, Apollo decide enfrentar um lutador local, e escolhe Rocky justamente por achar seu apelido curioso. Rocky então passa a treinar pesado para a maior chance de sua vida, não com o intuito de vencer a luta, o que ele mesmo acha impossível, mas de levá-la até o décimo-quinto assalto, algo que ninguém jamais conseguiu fazer contra Apollo.
Além de cair nas graças do público, o filme agradou também à crítica - é claro que houve quem dissesse que o filme era mentiroso e que Stallone era um péssimo ator, mas a maioria gostou e falou bem. Além de ganhar o Oscar de Melhor Filme, Rocky também levou o de Melhor Diretor e Melhor Edição, e foi indicado para outros sete, incluindo Melhor Ator, Melhor Atriz, Melhor Roteiro Original (perdendo todos os três para Rede de Intrigas) e dois de Melhor Ator Coadjuvante. A sequência de treinamento de Rocky, que inclui subir correndo as escadas do Museu de Arte da Filadélfia, se tornou uma das cenas mais antológicas do cinema, sendo citada e parodiada em centenas de outras obras. Rocky também foi o filme mais rentável de 1976, foi eleito pela Academia como o segundo melhor filme de esportes de todos os tempos (perdendo apenas para Touro Indomável), elevou Stallone ao primeiro time de astros de Hollywood, e gerou nada menos que cinco sequências nos anos vindouros.
A primeira dessas sequências seria Rocky II (que, no Brasil, ganhou o subtítulo A Revanche), lançado em 1979 e também escrito por Stallone. Continuação direta do anterior, Rocky II é ambientado dez meses após a luta do final do primeiro filme, e conta com todo o mesmo elenco principal, incluindo Stallone, Shire, Weathers, Meredith, Burton e Burt Young, reprisando o papel de Paulie, irmão de Adrian. Stallone também dirigiu o filme, que, graças ao sucesso do antecessor, teve um orçamento um "pouquinho" maior, de 19 milhões de dólares. Embora não tenha sido um sucesso tão estrondoso, Rocky II rendeu 85 milhões de dólares só nos Estados Unidos, e foi bastante elogiado pela crítica, chegando a ser considerado por alguns tão bom quanto o primeiro.
Depois da cansativa luta contra Apollo, Rocky decide abandonar o boxe, e pede Adrian em casamento. Mas, depois de algum tempo vivendo bem com o dinheiro que conseguiu com a luta, Rocky se vê forçado a arrumar um emprego, o que se prova bastante difícil devido à sua baixa escolaridade. Enquanto isso, Apollo, furioso com o resultado da última luta, decide exigir uma revanche, algo com o qual seu treinador e Adrian, grávida, não concordam. Rocky, então, se vê dividido entre sua família e o boxe, sabendo que uma nova luta contra um oponente tão difícil pode não acabar tão bem quanto a primeira.
Assim como o primeiro filme, Rocky III se tornou cult nos anos seguintes, sendo considerado até melhor que Rocky II. Dentre os motivos citados para tal fato, costumam estar a presença de Mr. T e Hulk Hogan, que logo se tornariam ícones da cultura pop dos anos 1980. A canção-tema de Rocky III, Eye of the Tiger, escrita e interpretada pelo grupo Survivor a pedido de Stallone, também se tornou um grande sucesso, sendo indicada ao Oscar de Melhor Canção, e acabando associada à série como um todo. Rocky III também fez bonito nas bilheterias, custando 25 milhões de dólares e rendendo 125 milhões só nos Estados Unidos, e com a crítica, que mais uma vez o recebeu positivamente.
Aparentemente, Stallone pegou gosto pela coisa e não quis encerrar a série como uma trilogia, escrevendo, dirigindo e estrelando um quarto filme, Rocky IV (que felizmente não ganhou subtítulo nenhum aqui), que estrearia em 1985, com Stallone, Shire, Weathers, Burton e Young mais uma vez no elenco, além de Dolph Lundgreen e Brigitte Nielsen, na época esposa de Stallone. Como curiosidades sobre esse filme, podemos citar que Lundgreen, que interpretava o boxeador soviético Ivan Drago, quase matou seus dois atores principais, acertando um soco no peito de Stallone que comprimiu seu coração, fazendo com que ele passasse oito dias em tratamento, e nocauteando com um soco no rosto Weathers, que, após recobrar a consciência, precisou de quatro dias de conversas com Stallone para ser convencido a retomar as filmagens e não processar o ator sueco. Uma curiosidade mais amena é a de que o grande sucesso de Peter Cetera, Glory of Love, foi originalmente gravado para este filme, mas, rejeitado pela United Artists, acabou entrando na trilha sonora de Karate Kid II.
O novo desafio de Rocky começa quando Drago, um boxeador soviético enorme, chega com sua equipe aos Estados Unidos para desafiar os melhores boxeadores norte-americanos e provar que os métodos de treinamento dos comunistas, que usam a mais moderna tecnologia, são capazes de criar lutadores mais fortes e mais vencedores que quaisquer outros. Após Drago derrotar Apollo em uma trágica luta em Las Vegas, Rocky decide viajar para a União Soviética e provar que pode derrotar Drago em sua própria casa. Com custo de 31 milhões de dólares, Rocky IV rendeu quase 128 milhões, se tornando o filme da série de maior bilheteria, e o filme de esportes de maior bilheteria de todos os tempos. As críticas, porém, não foram tão positivas, com muitos achando que a série já dera o que tinha de dar.
E não foi só Stallone quem não gostou do filme: lançado em 1990, ao custo de 50 milhões de dólares, Rocky V rendeu apenas 20 milhões, se tornando o primeiro fracasso da série. A crítica também não o perdoou, avaliando-o negativamente. Até mesmo os fãs da série ficaram insatisfeitos, reclamando que o filme não tinha o mesmo clima dos outros quatro, e ainda levava Rocky de volta ao ponto de partida depois de tudo o que ele sofrera. O comentarista da ESPN Bill Simmons, grande fã da série, chegou a declarar que não considerava Rocky V parte da série, e que, em sua opinião, os eventos do filme jamais aconteceram.
Ambientado imediatamente depois de Rocky IV, Rocky V mostra um Rocky falido e com graves problemas de saúde, que não pode mais lutar. Frustrado, ele decide treinar o jovem e impetuoso boxeador Tommy Gunn (Tommy Morrison), pois, enquanto está envolvido no treinamento, se esquece das agruras de sua vida. Infelizmente, ele se esquece também de sua família, o que enfurece seu filho, Robert (Sage Stallone, filho de Stallone na vida real), que se torna distante e começa a se envolver com más companhias. Pior ainda, o ambicioso treinador George Washington Duke (Richard Gant) consegue convencer Tommy de que Rocky o está treinando com segundas intenções, o que o leva a desafiar Rocky para uma luta de rua. Rocky então precisa arriscar sua vida para recuperar sua família e sua honra.
Depois do grande fracasso de Rocky V (e dos subsequentes problemas financeiros da United Artists), os produtores decidiram encerrar a série. Stallone, porém, jamais se conformou, considerando que foi negligente consigo mesmo e com os fãs durante a produção do último filme, e que Rocky V não era um final digno para a série. Somente quinze anos após o lançamento de Rocky V, porém, é que ele teria a chance de encerrar a série com dignidade.
Como parte das comemorações dos trinta anos do primeiro filme, Stallone decidiu oferecer à Columbia Pictures, que agora controlava a MGM, que havia comprado a United Artists, o roteiro de um encerramento para a série. A Columbia aprovou, e deu luz verde para o projeto. Ao invés de chamá-lo de Rocky VI, Stallone optou pelo nome de Rocky Balboa. Alguns entenderam isso como um sinal de que ele estava desconsiderando o quinto filme, mas Stallone nunca confirmou esse fato - apesar de continuar afirmando que Rocky V foi um erro e não era um final digno para a série. Até mesmo quando questinado sobre como Rocky conseguiria subir em um ringue novamente após ser proibido pelos médicos, ele se saiu com uma resposta criativa, alegando que os avanços da medicina permitiram um diagnóstico diferente.
Mas o passado de Rocky vem ao seu encontro quando a ESPN utiliza um programa de computador para criar uma luta entre ele, no auge de sua forma, e o atual campeão dos peso-pesados, Mason Dixon (Antonio Tarver). Apesar de ser o detentor do título, Dixon sofre com desconfiança e queda de popularidade, motivadas por acusações de que seu empresário só aceitaria marcar lutas com adversários mais fracos, acusação bastante semelhante à da que Rocky era alvo em Rocky II. Vendo na repercussão da luta virtual uma chance de aumentar sua popularidade, Dixon decide convidar Rocky para uma luta de exibição em Las Vegas. Com saudades de seus áureos tempos, Rocky, apesar da idade, e de saber ter poucas chances de vencer, aceita. Enquanto volta a treinar, Rocky tem de se reconciliar com seu filho, que é contra a ideia.
Lançado em dezembro de 2006, Rocky Balboa foi um grande e inesperado sucesso, sendo aclamado pela maior parte da crítica, e rendendo 70 milhões de dólares nos Estados Unidos, bem mais que os 24 milhões que custou, e uma marca impressionante para um filme lançado no inverno norte-americano. Seu sucesso tem sido citado por muitos como uma das causas da "ressurreição" de antigas franquias, com títulos como Duro de Matar 4.0 e Rambo IV. O filme foi tão bem recebido que Stallone acabou sendo perguntado várias vezes se faria mais uma continuação, mas, satisfeito com o resultado obtido, sempre respondeu que não via como conseguir um final melhor para a saga do boxeador.
Rocky, portanto, encontra-se aposentado. Tendo feito as pazes com seu filho e seu passado, poderá aproveitar suas glórias no comando de seu restaurante. Ao mundo, ele deixa duas lições. A primeira, que, com força de vontade, até mesmo o maior dos obstáculos pode ser superado. A segunda, que não é necessário vencer para se tornar um campeão.
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