domingo, 26 de setembro de 2004

Escrito por em 26.9.04 com 0 comentários

M. Night Shyamalan

De vez em quando, meus posts são motivados por acontecimentos recentes, discussões com amigos ou coisas que leio na internet. Hoje é dia de um desses posts. Um sobre M. Night Shyamalan.

Para quem passou os últimos anos em Marte, Shyamalan é o diretor dos filmes Sexto Sentido, Corpo Fechado, Sinais e, mais recentemente, A Vila. Nascido em 6 de agosto de 1970 em Pondicherry, Índia, se mudou para os subúrbios da Filadélfia, onde mora com sua esposa Bhavna e seus dois filhos até hoje, antes dos 10 anos de idade. Filho de dois médicos, apaixonado por cinema, antes dos 15 anos já tinha produzido mais de 45 filmes curtos. Aos 23 anos, escreveu, dirigiu, produziu e atuou em seu primeiro longa metragem, Praying with Anger, a história de um indiano que vai pequeno com sua família para os EUA, mas retorna à Índia para fazer faculdade. Lançado de forma independente, o filme não fez sucesso entre público ou crítica, mas rendeu um convite a Shyamalan para escrever um roteiro para a Fox. O que seria seu segundo filme, Labor of Love, foi cancelado antes mesmo de começar, porque o estúdio se recusou a colocar Shyamalan, um estreante, como diretor do projeto.

Em 1995, Shyamalan conseguiu vender um de seus roteiros para a Miramax, Wide Awake, a história de um garoto que decide procurar por Deus após a morte de seu avô (disponível em português com o título Olhos Abertos). Este foi um sucesso de crítica, mas não de público. Menos mal, rendeu a Shyamalan em 1997 um convite para escrever o roteiro de O Pequeno Stuart Little (sim, isso mesmo que vocês leram, aquele do ratinho), e, em 1999, a oportunidade de filmar pela primeira vez como diretor, lançando Sexto Sentido. Como muitos artistas, ele é do tipo ame-o ou odeie-o, não existe meio termo. Você pode até gostar do cara e não gostar de um dos filmes dele, mas este será o "pior filme de sua carreira", coisa que eu já ouvi muita gente falando de qualquer um dos três últimos (o que leva a uma constatação curiosa: como alguém que sempre faz um filme pior que o anterior consegue ser tão bem-sucedido?)

Esta semana, eu finalmente consegui assistir Sinais, o único que eu não tinha conseguido ver no cinema. Muita gente já tinha me dito que era o "pior de todos" (isso antes de estrear A Vila, quando algumas dessas mesmas pessoas vieram falar algo como "eu ouvi dizer que esse aí é o pior de todos"), de forma que eu já estava curiosíssimo pra saber qual cagada o Shyamalan tinha feito pra desandar a mão assim. Afinal, eu tinha achado Sexto Sentido um clássico. Corpo Fechado eu não gostei tanto, mas compreendi que eram dois filmes diferentes, embora ambos tivessem o tal final-super-surpreendente-que ninguém-espera (e o Bruce Willys). A Vila eu também achei um clássico, interessantíssimo, o que só atiçou minha curiosidade sobre o Sinais. Era necessário conferir com meus próprios olhos.

Para ser sincero, não achei tão ruim. Na verdade, achei até um filme bom, só que completamente diferente dos dois anteriores, e do posterior. Confabulando sobre isso, cheguei a algumas conclusões que gostaria de compartilhar com vocês neste post. Primeiramente, gostaria de dizer que não desejo impor minha opinião sobre a de qualquer de vocês, nem convencê-los de que Shyamalan é um mestre do cinema, de que seus filmes são obras-primas e que vocês é que são burros e não entenderam. Nada disso. Só quero expor pensamentos que resolveram coçar dentro da minha cabeça, e talvez encontrar vozes ressonantes em alguns de vocês.

Como eu já disse, Corpo Fechado é um filme totalmente diferente de Sexto Sentido. E Sinais é totalmente diferente dos outros dois. Conclusão lógica, A Vila é totalmente diferente dos outros três. E aí começa nosso primeiro problema.

Na minha modesta e humilde opinião, o maior problema com os filmes do Shyamalan se resume a um único fato: seu "primeiro filme" foi o Sexto Sentido. Um sucesso estrondoso. Suspense, sustos, fantasmas, final inesperado. Isso deveria ser bom, mas não foi.

Por quê? Simples. Às vezes também acontece com bandas. Se o primeiro disco de uma banda é absolutamente genial e vende o equivalente a um disco de platina quíntuplo, os seguintes jamais conseguirão fazer o mesmo sucesso. Não porque também não sejam absurdamente geniais, mas porque sempre serão comparados com aquele primeiro. E se a banda resolver se reformular e lançar um disco totalmente diferente dos anteriores, danou-se, será inevitavelmente conhecido como o pior de sua carreira. Estarão eternamente fadados a se copiarem sempre e sempre.

Shyamalan é um gênio, disso eu não duvido. Mas, exatamente por ser um gênio, ele não é um homem de um filme só. Esperar que cada filme de Shyamalan seja uma cópia de Sexto Sentido é ofendê-lo, querer que ele vista um chapéu cônico na cabeça. Por isso, não é surpresa que cada filme seu seja tão diferente do anterior. Na verdade, é até melhor assim.

Mas tem o outro lado também. Por ser um ótimo filme de suspense, Sexto Sentido angariou muitos fãs, fãs estes que a cada anúncio de novo filme de Shyamalan correm aos cinemas exatamente querendo ver uma cópia do Sexto Sentido. Por isso seus filmes são tão criticados. Ver que o mesmo diretor do Sexto Sentido fez um filme sobre super-heróis ou alienígenas causa uma certa decepção em quem queria ver fantasmas mutilados assustando aos pobres transeuntes.

Fora isso, ainda devemos considerar outro aspecto: filmes de Shyamalan são para se pensar. Infelizmente, cada vez mais, as pessoas se recusam a pensar, seja por preguiça, seja por comodidade. Sexto Sentido, apesar de ter uma mensagem altamente importante, apresenta esta mensagem de forma quase subliminar. Em outras palavras, ninguém precisa entender o filme para gostar dele. Com Sinais a história já é diferente: a mensagem é muito súbita e, sem compreendê-la, o filme se torna apenas mais um de invasão extraterrestre, e um com final repentino, ainda por cima. A Vila então nem se fala, se você não compreender a história, você simplesmente não entende o filme. Fica sem pé nem cabeça.

Raciocinando em cima disso, eu cheguei a outra conclusão. Shyamalan usa elementos não tradicionais para o tipo de filme que faz. Fantasmas, super-heróis, alienígenas e monstros da floresta não são figuras muito presentes em filmes que exigem raciocínio. As pessoas vão ao cinema para ver uma coisa e se deparam com outra. Se elas pelo menos compreendessem o que estão vendo, os filmes teriam uma função social. Mas elas preferem se revoltar e sair do cinema reclamando, fazer o quê?

Sexto Sentido é uma crítica à falta de comunicação. Ninguém se fala naquele filme. O menino não fala com a mãe, e a mãe não quer saber qual o problema do menino. O psicólogo não fala com sua esposa, que também não se preocupa em falar com ele (depois nós descobrimos o porquê, mas isso é outra história). Os únicos personagens que travam diálogos sociáveis e compreensíveis são o psicólogo e o menino. Nada estranho, então, que os problemas se resolvam exatamente por causa disso. E, no final, finalmente o menino e sua mãe conversam, abrem seus corações. Full circle.

Corpo Fechado é sobre as escolhas que fazemos para sermos aceitos entre nossos pares. Até que ponto podemos abrir mão do que gostamos em nome de nossa "felicidade"? Até que ponto o meio em que vivemos influencia nossas ações? Nenhum dos personagens do filme tem auto-estima. Todos estão insatisfeitos com suas vidas, seja por suas escolhas, seja pelas escolhas que foram forçados a fazer, seja por sua própria condição intrínseca. E até que ponto mudar é realmente uma melhora?

Sinais é um filme sobre a fé. Um homem questiona sua fé após um acontecimento traumático. Nada de mais, se ele não fosse um padre. Justamente um sacerdote, quem as pessoas sempre acham que possui a fé mais inabalável de todas, a quem procuram quando necessitram de conforto ou orientação, é o personagem com menos fé em todo o filme. O ataque alienígena serve não somente para que este homem conteste ainda mais sua fé, mas como oportunidade para, reunido com sua família, ter a chance de renová-la.

A Vila é uma crítica à sociedade. Mais não falarei pois o filme ainda está passando por aí, muita gente ainda não viu e, acreditem em mim, por mais vago que fosse o que eu falasse, estragaria muito do filme. Mas é uma crítica atroz, não a toda ela, mas a alguns elementos específicos. Muita coisa que muita gente fala é "desmentido" de certa forma, com um excelente exemplo.

O final-super-surpreendente-que-ninguém-espera se tornou um tipo de marca registrada do diretor (embora Sinais não o tenha; em compensação, A Vila tem dois momentos que mudam totalmente a história do filme). Estranhamente, tenho visto muita gente reclamando exatamente disso. Ora, é o que tem mais graça! Se tirar isso, aí é que ninguém vai gostar dos filmes mesmo. Outra crítica que vejo freqüentemente é sobre os personagens não se falarem (A Vila ainda tem um violino tocando quando ninguém fala, mas nos outros é silêncio mesmo) outra espécie de marca registrada, que pra mim não interfere em nada na história.

Talvez pensar não seja mesmo feito para cinema. Eu mesmo prefiro ver um monte de Aliens e Predadores se matando do que assistir a um filme de drama. Mas ainda assim, os filmes de Shyamalan são excelentes, tensão psicológica como não víamos há muito tempo, sem precisar "apelar" para o terror. Alguns já estão se referindo a ele como o novo Hitchcock, mas isso eu já acho meio exagerado.

Por mim, podem falar mal o quanto quiserem. Podem achar que o próximo filme será pior do que A Vila. Desde que o Sr. Shyamalan continue lançando seus filmes, tão diferentes uns dos outros quanto quiser, com final surpreendente ou não, e por mais súbita que a mensagem possa ser, eu vou continuar assistindo. E gostando.

0 Comentários:

Postar um comentário