E hoje finalmente eu vou falar sobre o shogi, o jogo de tabuleiro que é conhecido internacionalmente como o "xadrez japonês" - título que, para confusão de alguns, aqui no Brasil costuma ser usado para se referir a outro jogo, o go. Como vocês vão ver, entretanto, o título combina mais com o shogi, que é muito mais parecido com o xadrez do que o go. Sem mais delongas, hoje é dia de shogi no átomo!
O tabuleiro do shogi possui 81 casas, divididas em 9 linhas por 9 colunas. As casas são todas da mesma cor, e não são quadradas, mas retangulares, para que cada peça caiba direitinho dentro de cada casa, sem extrapolar seus limites. O grupo de nove casas centrais do tabuleiro é demarcado por quatro pontos, cada um em um dos ângulos do quadrado que essas nove casas formam. Tabuleiros profissionais são levemente elevados, para que os jogadores possam jogar confortavelmente se estiverem sentados no chão ou em um tatami, e ocos, para que as peças façam "um som agradável" ao se moverem. Tabuleiros profissionais também contam com duas "mesinhas" chamadas komadai, onde ficam as peças capturadas por cada jogador.
Um conjunto de shogi é composto por 40 peças, sendo 20 para cada jogador. As peças são pentágonos irregulares, em formato de "casinha" (uma vez eu disse que elas tinham formato de lápide, mas um amigo meu reclamou que isso é desrespeitoso), e ficam "deitadas" no tabuleiro, com o "bico" apontando na direção do outro jogador. As peças são tradicionalmente feitas de madeira, mas também podem ser feitas de resina ou plástico, e não são todas do mesmo tamanho, com as peças mais valiosas sendo ligeiramente maiores - os peões, portanto, são as menores. A não ser pelo Rei, as peças de ambos os jogadores são absolutamente idênticas em formato, ilustração e cor; mesmo assim, por influência do xadrez ocidental, o conjunto do jogador mais experiente é conhecido como "brancas" e o do menos experiente como "pretas".
Cada uma das 20 peças possui, como ilustração, seu nome, escrito com kanji, os ideogramas japoneses de origem chinesa. Exceto pelos Reis e pelos Generais Dourados, cada peça também possui kanji em seu verso, usados quando a peça é promovida (veja adiante). Em conjuntos profissionais, os kanji de ambos os lados são pretos, mas, em conjuntos amadores, os do verso são vermelhos. Como as peças de ambos os jogadores são idênticas, essas cores também são as mesmas para ambos os jogadores, diferentemente, por exemplo, do que acontece no xiangqi. Recentemente, para que jogadores que não têm intimidade com kanji possam jogar mais facilmente, alguns fabricantes passaram a produzir "conjuntos internacionais" de peças, que possuem figuras referentes a seus nomes - os cavalos, por exemplo, possuem a figura de um cavalo, e os lanceiros a de uma lança. Falando nisso, a maioria dos nomes ocidentais das peças do shogi é inspirado nos nomes de seus equivalentes no xadrez, não sendo traduções literais de seus nomes japoneses.
Assim como no xadrez, a peça mais importante de cada jogador é o Rei. No shogi, cada jogador tem um Rei diferente: o jogador mais experiente (de ranking maior ou o atual campeão, no caso de um torneio) usa o chamado osho ("general rei"), enquanto o menos experiente (ou de ranking menor, ou o desafiante do atual campeão) usa o chamado gyokusho ("general enfeitado com joias"). Cada uma dessas peças possui seu próprio kanji - o que faz com que elas sejam, conforme já foi dito, as únicas peças diferentes de um jogador em relação ao outro - mas, em termos de jogo, sua funcionalidade é igual: o Rei só pode se mover uma casa por vez, em qualquer uma das oito direções, também podendo capturar uma peça oponente dessa forma. Cada jogador, evidentemente, só tem um Rei.
A segunda peça mais importante é a Torre (em japonês, hisha, a "carruagem voadora"). Cada jogador tem apenas uma torre, e ela se move justamente como a Torre do xadrez: qualquer número de casas na horizontal ou na vertical, mas nunca na diagonal. A Torre deve sempre interromper seu movimento antes de uma casa ocupada por uma peça do mesmo jogador ou ao capturar uma peça do oponente, não podendo "pular" por cima das peças. Assim como uma Torre, cada jogador só tem um Bispo (kakugyo, "aquele que se move em ângulos"), que se move como o Bispo do xadrez: qualquer número de casas na diagonal, mas nunca na horizontal ou vertical. Da mesma forma, o Bispo não pode pular, devendo interromper seu movimento ao capturar uma peça oponente ou antes de uma casa ocupada por uma peça do mesmo jogador.
As duas peças a seguir têm movimentos estranhos ao xadrez. A primeira é o General Dourado (kinsho, que realmente significa "general dourado"), que pode se mover uma casa na horizontal ou na vertical em qualquer direção, ou uma casa na diagonal para a frente - mas nunca para trás, o que limita seu movimento a seis casas possíveis. Já o General Prateado (ginsho, que também é "general prateado") pode se mover uma casa na diagonal para frente ou para trás, ou na vertical apenas para a frente, nunca na horizontal ou na vertical para trás, o que limita seu movimento a cinco casas. Os dois capturam da forma tradicional, ocupando a casa que previamente estava ocupada pela peça oponente. Cada jogador tem dois Generais Dourados e dois Generais Prateados.
Cada jogador também tem dois Cavalos (keima, o "cavaleiro da katsura" - uma árvore encontrada no Japão e considerada um dos tesouros do budismo, também conhecida como kei), que se movem mais ou menos como o Cavalo do xadrez: duas casas na vertical para a frente, então uma casa na horizontal em qualquer direção, formando um L ou um L espelhado. Diferentemente dos Cavalos do xadrez, esse é o único movimento possível para o Cavalo do shogi, que não pode começar seu movimento andando para trás, nem para os lados, nem andando uma casa só para depois andar duas - ao iniciar seu movimento, portanto, ele só possui dois destinos possíveis. O Cavalo é a única peça que pode pular por cima de outras peças, do próprio jogador ou do oponente, e, para capturar, deve encerrar seu movimento na casa ocupada pela peça do oponente - não podendo, obviamente, encerrar seu movimento numa casa ocupada por uma peça do próprio jogador.
Assim como dois Cavalos, cada jogador possui dois Lanceiros (kyosha, a "carruagem de incenso"). Bizarramente, um lanceiro pode se mover qualquer número de casas na vertical para a frente - mas só na vertical para a frente, nunca para trás, nem na diagonal, nem na horizontal, o que faz com que eles sejam peças de alcance um tanto limitado. Assim como a Torre e o Bispo, os Lanceiros não podem pular por cima de outras peças, devendo interromper seu movimento na casa imediatamente antes de uma ocupada por uma peça do próprio jogador ou ao capturar uma peça do oponente. Finalmente, cada jogador possui nove Peões (fuhyo, "soldado raso"). Assim como o Lanceiro, o Peão só pode se mover na vertical para a frente, mas somente uma casa de cada vez. Diferentemente do Peão do xadrez, o Peão do shogi só pode capturar uma peça que esteja imediatamente à frente dele.
No início do jogo, as peças ocupam as três primeiras linhas de cada jogador. O Rei ocupa a casa central da primeira linha, com os dois Generais Dourados um de cada lado, os dois Generais Prateados ao lado deles, os dois Cavalos ao lado, e os dois Lanceiros nas pontas do tabuleiro. O Bispo e a Torre ficam na segunda fila, o Bispo imediatamente à frente do Cavalo esquerdo, a Torre imediatamente à frente do Cavalo direito. Os nove Peões ficam na terceira fila. Curiosamente, no início do jogo, as peças não são colocadas pelos jogadores no tabuleiro a esmo, mas seguindo uma de duas ordens pré-determinadas, chamadas ito e ohashi: na ohashi as peças são colocadas na ordem que eu mencionei nesse parágrafo, com os peões sendo colocados primeiro o do meio, então alternando esquerda e direita; na ito é colocado o Rei, os Generais, os Cavalos, então os Peões (da esquerda para a direita), Lanceiros, o Bispo e a Torre. Qual ordem será usada depende da organização do torneio, ou é acordada pelos jogadores antes da partida.
Para se determinar quem começa jogando é usado o furigoma: um dos jogadores joga cinco peões para cima; se a maioria cair com o lado "normal" (o que não é promovido, de cor preta nos conjuntos amadores) para cima, o jogador que jogou as peças para cima começa jogando, caso contrário (se caírem mais com o lado promovido, vermelho nos conjuntos amadores), o outro jogador começa jogando. Em torneios oficiais, o furigoma é feito pelo jogador mais experiente, melhor ranqueado ou pelo atual campeão, ou por um aspirante (veja adiante) que o representa; em outros jogos, pode ser usado qualquer método para se determinar quem faz o furigoma. Caso um embate seja em mais de um jogo (melhor de três, de cinco etc.), os jogadores se alternam para começar cada partida, sendo o furigoma usado apenas na primeira.
Cada jogador, em sua vez de jogar, pode fazer duas coisas: mover uma de suas peças ou recolocar uma peça capturada no tabuleiro. Ao mover uma peça, ele também pode capturar uma peça do adversário, removendo-a do tabuleiro, promover uma de suas peças, ou fazer ambos, caso a peça a ser capturada estiver dentro de sua zona de promoção - que corresponde às três primeiras linhas do oponente, onde as peças do oponente começaram o jogo. Os pontinhos nas quinas do "quadrado central" servem para delimitar as zonas de promoção: se uma peça passou dos pontinhos mais distantes de onde começou o jogo, pode ser promovida. A promoção é opcional, a menos que a peça alcance a última linha do tabuleiro (aquela na qual o Rei oponente começa o jogo), quando então será obrigatória - menos para o Cavalo, que deve ser obrigatoriamente promovido caso alcance uma das duas últimas linhas (a do Rei ou a da Torre e Bispo). Para promover uma peça, basta virar seu verso para cima (revelando o kanji vermelho, no caso de conjuntos amadores); todas as peças podem ser promovidas, menos o Rei e o General Dourado (que, por causa disso, não possuem kanji nenhum no verso).
Uma vez que uma peça é promovida, ela ganha formas extras de se mover: uma Torre promovida (ryuoh, "rei dragão") pode se mover como uma Torre ou como um Rei, ou seja, qualquer número de casas na horizontal ou vertical, ou uma única casa na diagonal. Um Bispo promovido (ryuma, "cavalo-dragão") pode se mover como um Bispo ou como um Rei, ou seja, qualquer número de casas na diagonal, ou uma única casa na horizontal ou vertical. Um General Prateado promovido (narigin, "prata maior"), um Cavalo promovido (narikei, "katsura maior"), um Lanceiro promovido (narikyo, "incenso maior") e um Peão promovido (tokin, "aquele que alcança o ouro") todos se movem da mesma forma que um General Dourado.
Ao invés de mover uma peça, um jogador pode colocar uma peça capturada do oponente no tabuleiro, e passar a usá-la como se fosse sua - sendo essa a razão pela qual as peças de ambos os jogadores são absolutamente iguais. O jogador pode colocar essa peça em qualquer casa livre do tabuleiro (com algumas exceções), o que significa que ele não pode capturar uma peça oponente na mesma jogada em que está recolocando uma peça no tabuleiro; da mesma forma, uma peça que é colocada dentro da zona de promoção não é automaticamente promovida, o que significa que, ao contrário do movimento (que pode ser combinado com a promoção, a captura ou ambos), recolocar uma peça no tabuleiro é a única ação que um jogador pode executar em seu turno. Uma peça recolocada, porém, pode capturar ou ser promovida no turno seguinte do jogador normalmente.
Existem quatro exceções quanto em qual casa uma peça pode ser recolocada no tabuleiro: um Peão, Lanceiro ou Cavalo jamais pode ser recolocada na última linha de um jogador (porque não terá como se mover para lugar nenhum, já que só andam para a frente); um Cavalo jamais pode ser recolocado na penúltima linha (pelo mesmo motivo); um Peão não pode ser recolocado na mesma coluna que já tenha um outro Peão não-promovido do mesmo jogador (ou seja, não é possível ter mais de um Peão "comum" por coluna, e um jogador com todos os Peões no tabuleiro não pode recolocar outro Peão); e um Peão não pode ser recolocado para causar um xeque-mate (embora possa ser recolocado para causar um xeque, e qualquer outro tipo de peça, exceto o Peão, possa ser recolocada para causar um xeque-mate). Um jogador que desrespeite uma dessas regras, ou que execute qualquer movimento inválido com qualquer peça, perde o jogo imediatamente.
Após mover sua peça, promovê-la, capturar uma peça do oponente ou recolocar uma peça em jogo (esqueci de falar que, caso a captura e a promoção sejam possíveis na mesma jogada, a captura ocorre primeiro, então a promoção), o jogador passa a vez. Os jogadores se alternam até que um dos Reis seja capturado, quando o jogo termina com a vitória do jogador que o capturou. Assim como no xadrez, diz-se que um jogador que coloque uma peça em condições de capturar o Rei na jogada seguinte colocou o Rei em xeque (ote), e um jogador que está com o Rei em xeque é obrigado a tirá-lo dessa posição se possível; diferentemente do que ocorre no xadrez, é considerado falta de educação anunciar o xeque em voz alta. Caso o jogador não possa tirar o Rei do xeque, ele perde imediatamente o jogo. Também é possível um jogador desistir a qualquer momento, dando a vitória a um oponente. Um jogador que desista ou sofra xeque-mate deve obrigatoriamente dizer makemashita ("eu perdi"), colocar a mão direita sobre o tabuleiro ou apertar a mão do oponente para que o jogo seja formalmente encerrado - em torneios oficiais, o jogo termina da mesma forma, mas o perdedor é multado se não fizer nada disso.
Embora não seja possível, como no xadrez, ambos os jogadores "concordarem em empatar", um jogo de shogi pode terminar empatado caso ocorra uma repetição ou um impasse. A repetição ocorre quando os únicos movimentos válidos fariam com que a mesma situação se repetisse indefinidamente, sem que nenhum dos dois jogadores consiga fazer algo diferente. Já o impasse ocorre quando nenhum dos dois jogadores tem condições de colocar o Rei oponente em xeque. Nem sempre o impasse ocorre por falta de peças; se ambos os Reis forem caminhando até a última linha do tabuleiro (a primeira do oponente), por exemplo, pode ocorrer de nenhum dos jogadores conseguir alcançá-lo, já que a maioria das peças só anda para a frente, e o Rei agora estaria atrás delas.
Em torneios oficiais, há um tempo-limite para que a partida seja concluída; diferentemente do xadrez, esse tempo não é contado pelos jogadores, e sim por um aspirante, que também é responsável por fazer o furigoma caso o jogador que deveria fazê-lo deseje. O tempo destinado a cada jogador é normalmente muito maior que no xadrez: nos torneios de maior prestígio, cada jogador tem nada menos que nove horas para concluir o jogo. Quando esse tempo se esgota, o jogador não perde automaticamente, e sim recebe byoyomi: o jogador terá um minuto para concluir a jogada, com esse tempo resetando após a jogada ser feita. Somente se esse minuto se esgotar é que o jogador perderá automaticamente o jogo. Relógios usados em torneios oficiais de shogi sempre têm mostradores digitais, com aviso sonoro diferenciado nos últimos dez e nos últimos cinco segundos de cada byoyomi.
Assim como no go, no shogi há um sistema de ranqueamento dos jogadores semelhante ao das artes marciais, e diferente para amadores e profissionais. Jogadores amadores começam no kyu 15, e avançam em contagem regressiva até o kyu 1, quando passam para o dan 1, podendo chegar até o dan 8 - antigamente, o dan 8 era conferido apenas a jogadores famosos, mas hoje ele já pode ser alcançado por desempenho no jogo, embora isso ainda não tenha acontecido. Um jogador amador que alcance o dan 4 pode tentar se profissionalizar, passando a ser kyu 6p. Novamente, a contagem é regressiva até o kyu 1p, quando o jogador passa ao dan 1p, podendo chegar ao dan 9p. Jogadores de kyu 6p a dan 3p são considerados aspirantes, com somente os de dan 4p a dan 9p sendo considerados verdadeiros profissionais - sendo que dan 9p é um título honorífico, que não pode ser alcançado apenas por desempenho no jogo. Os torneios são separados para amadores, aspirantes e profissionais, com jogadores de uma categoria raramente enfrentando os de outra - e, quando isso ocorre, sendo sempre em amistosos. Assim como no go, no shogi há um sistema de handicap, usado quando os rankings dos dois jogadores é muito distinto (por exemplo, um dan 1 contra um kyu 10), com o jogador de ranqueamento maior começando o jogo sem algumas peças no tabuleiro (normalmente a Torre, o Bispo, ou ambos).
Ninguém sabe ao certo como o shogi surgiu, sendo a teoria mais aceita a de que ele foi uma adaptação do xadrez, que, ao chegar ao Japão, teve suas regras e peças modificadas, segundo uma outra teoria, para cortar os custos e facilitar a fabricação do tabuleiro e das peças. A primeira menção escrita ao shogi está no texto Shin Saru Gakuki ("a nova música do macaco"), de Fujiwara Akihira, escrito entre 1058 e 1064; as peças mais antigas também são dessa época, um conjunto de 16 peças variadas em madeira encontrado durante uma reforma do templo budista de Kofuku-ji. As peças já tinham o mesmo formato e kanji que apresentam hoje.
Apesar disso, evidências apontam que o jogo original de shogi era bem diferente do jogado hoje, e que existiram diversas variações do shogi até só restar a jogada atualmente. Escritos do século XIII descrevem duas formas de shogi, a "grande" (dai shogi) e a "pequena" (Heian shogi). No jogo de Heian shogi, as vinte peças eram baseadas nas peças do xiangqi (general, elefante, cavalo, carruagem e soldado) e nos cinco tesouros do budismo (jade, ouro, prata, katsura e incenso). Essa versão era considerada mais complexa e foi caindo em desuso, enquanto o dai shogi, que tinha seis tipos de peça (rei, ouro, prata, cavalo, lança e soldado) prosperou até evoluir para o sho shogi, que acrescentou ao tabuleiro mais três tipos de peças, a torre, o bispo e o "elefante bêbado", que podia se mover uma casa em qualquer direção exceto na vertical para trás, e, quando promovido, se tornava um príncipe, sendo que, se isso acontecesse, o oponente deveria capturar tanto o rei quanto o príncipe para ganhar o jogo. Por volta do século XV, o sho shogi daria origem ao chu shogi, que não tinha o elefante bêbado, mas tinha a rainha (que se movia de forma idêntica à do xadrez) e o leão (que se movia como o rei, mas podia se mover duas vezes por turno, inclusive capturando duas peças oponentes). Somente no século XVI essas peças foram removidas, o ouro e a prata foram renomeados para general dourado e general prateado, e a regra de recolocar as peças no tabuleiro, inexistente até então, seria adicionada, dando origem ao shogi como é jogado hoje. Exceto pelo Heian shogi, porém, as demais variações ainda foram jogadas por grupos de jogadores durante um bom tempo, com o sho shogi só desaparecendo completamente no final do século XIX, o dai shogi no início do século XX, e o chu shogi após a Segunda Guerra Mundial. Durante o Período Edo (entre 1603 e 1868), também conhecido como shogunato, já que quem governava o Japão era um shogun, diversas outras variações regionais também seriam criadas, como o tenjiku shogi, o dai dai shogi, o maka dai dai shogi, o tai shogi e o taikyoku shogi.
Uma das razões pelas quais o shogi que sobreviveu até hoje suplantou todas essas variações foi que, em 1612, o shogun Tokugawa Hidetada publicou uma lei reconhecendo essa versão como o único shogi verdadeiro, e conferindo privilégios aos mestres desse jogo (conhecidos como meijin). O shogun Tokugawa Yoshimune, que reinou entre 1716 e 1745, inaugurou a tradição de realizar um torneio anual no castelo do shogun, sempre na mesma data; no calendário gregoriano, usado hoje, esse dia corresponde a 17 de novembro, que, no Japão, é considerado o Dia Nacional do Shogi. As duas famílias mais bem sucedidas no shogi na época dos shoguns eram a Ito e a Ohashi - por isso esses são os nomes das formas de colocar as peças no tabuleiro, que provavelmente imitam a forma como os jogadores dessas famílias procediam. As famílias Ito e Ohashi eram tão famosas que o shogun determinou que o título de meijin, para eles, era hereditário, não sendo necessário que um jogador Ito ou Ohashi conquistasse esse título em torneios. Essa prática perdurou até a queda do shogunato, quando o título de meijin voltou a ser conferido apenas por mérito. Hoje, recebe o título de meijin qualquer jogador que se torne campeão do Meijin, o torneio de shogi de maior prestígio do Japão.
O shogi sempre foi um jogo popular, nunca tendo ficado restrito à aristocracia; sua verdadeira popularização, porém, começou em 1899, quando os principais jornais japoneses começaram a publicar os resultados das principais partidas. No início do século XX, uma grande quantidade de clubes e escolas de shogi foi aberta em vários pontos do país, o que levou, em 1909, à fundação da Shogi Domei-sha, associação dedicada a garantir que, em todo o Japão, o shogi fosse ensinado e jogado da mesma forma. A principal associação de shogi do Japão, porém, seria fundada apenas em 1924, com o nome de Tokyo Shogi Renmei ("federação de shogi de Tóquio"), e inicialmente voltada a regular o shogi apenas na capital; em 1947, ela mudaria de nome para Associação Japonesa de Shogi (JSA), e passaria a regular o esporte em todo o Japão, preenchendo o vácuo deixado pela Shogi Domei-sha, que fecharia suas portas em 1944.
Falando nisso, o shogi também é considerado esporte, mas, diferentemente do xadrez, do jogo de damas, do go e do xiangqi, o shogi ainda não tem uma federação internacional, com a JSA assumindo essa função por enquanto. O único problema é que todos os torneios organizados pela JSA, apesar de permitirem a participação de jogadores de qualquer nacionalidade, são sempre sediados pelo Japão. Existem torneios de shogi em outros países e organizados por outras entidades, mas a esmagadora maioria deles é voltada para amadores, e os que não o são são voltados a aspirantes, sendo todos os torneios para profissionais organizados pela JSA, o que faz com que eles não tenham prestígio nem atraiam o interesse dos principais jogadores.
O principal torneio do shogi é o já citado Meijin, organizado anualmente no masculino desde a época do shogunato, sendo que ninguém sabe com certeza o ano do primeiro torneio. O campeão do Meijin ganha o título de meijin, mais ou menos equivalente ao de grande mestre do xadrez. O Meijin também possui uma versão feminina, disputada desde 1989, mas a campeã não recebe o título de meijin. Todos os campeões do Meijin até hoje, no masculino e no feminino, foram japoneses; o atual campeão no masculino é Masayuki Toyoshima, e no feminino é Kana Satomi. Os demais torneios organizados pela JSA, em ordem de prestígio, se chamam Ryuoh (exclusivamente masculino, organizado desde 1988, patrocinado pelo jornal Yomiuri Shimbun), Kisei (exclusivamente masculino, desde 1962), Ooi (desde 1960), Ouza (desde 1953), Kioh (desde 1974), Osho (desde 1950), Eio (exclusivamente masculino, desde 2017), Kurashiki Touka (exclusivamente feminino, desde 1993) e Seirei (exclusivamente feminino, desde 2000). É comum os mesmos jogadores participarem de todos eles, assim como um mesmo jogador ser campeão em mais de um no mesmo ano; diz-se, nesse caso, que ele conquistou uma coroa para cada torneio que venceu - Kana Satomi, por exemplo, é a atual detentora da sêxtupla coroa, pois conquistou seis torneios em 2019.
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