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segunda-feira, 14 de agosto de 2017

Eu Sou a Lenda

Semana passada, enquanto eu escrevia sobre O Enigma de Outro Mundo, me lembrei de outro filme que também foi baseado em uma história, possui uma primeira versão em preto e branco, uma segunda que meus amigos assistiram quando eu era criança, e uma terceira mais recente. Pelo título do post, você deve ter achado que o nome desse filme é Eu Sou a Lenda. Na verdade, Eu Sou a Lenda é o nome tanto da versão mais recente quanto da história original, e, por isso, eu decidi usar como título do post; o filme em preto e branco se chama (pelo menos no Brasil) Mortos que Matam, e a segunda versão se chama The Omega Man - A Última Esperança da Terra. Apesar de ser bem mais velho que eu, Omega Man passava direto na TV quando eu era criança, e, diferentemente de O Enigma de Outro Mundo, meus pais me deixavam assistir; apesar de não ser um dos meus filmes favoritos, está dentre aqueles dos quais eu tenho boas memórias. Ao me lembrar dele, portanto, claro que eu ia querer escrever um post. Consequentemente, hoje é dia de Omega Man, ou melhor, de Eu Sou a Lenda no átomo.

Eu Sou a Lenda, o livro, seria escrito por Richard Matheson e publicado pela Gold Medal Books, com o título original de I Am Legend, em 1954. Seu protagonista é Robert Neville, aparentemente o único sobrevivente de uma epidemia de uma misteriosa doença, cujas vítimas se tornam uma espécie de mistura de zumbi com vampiro: sentem extrema dor quando expostos à luz solar e são repelidos por alho e espelhos, mas possuem apenas um raciocínio primal, tentando matar todos os que não são como eles. Isolado em sua casa, após perder sua mulher e filha, Neville tenta encontrar uma cura para a doença, se protegendo dos vampiros durante a noite e matando todos os que conseguir durante o dia. Um dia, ele encontra acidentalmente uma mulher chamada Ruth, que aparentemente não está infectada, e que desafiará muitas de suas convicções sobre a doença.

O livro é considerado um dos mais revolucionários e influentes da ficção científica. Apesar de Matheson se referir às criaturas como "vampiros", elas são consideradas zumbis pelos estudiosos desse gênero da literatura, o que faz com que Eu Sou a Lenda, apesar de não ter sido o primeiro a trazê-lo, seja considerado o responsável pela popularização do tema "apocalipse causado por vírus", hoje presente em vários filmes, livros, e até mesmo em games como Resident Evil. O livro também pode ser considerado como a primeira obra a trazer um apocalipse zumbi, já que um dos que frequentemente o citam como influência é George A. Romero, diretor de A Noite dos Mortos Vivos, que confessa que sua primeira versão do roteiro era pouco mais que um plágio da obra de Matheson, e sendo A Noite dos Mortos Vivos considerada a primeira "verdadeira" obra a trazer os zumbis da forma como costumam ser caracterizados hoje - cadáveres putrefatos com fome de cérebros - já que todas as anteriores (com exceção de Eu Sou a Lenda) usavam a caracterização original caribenha dos zumbis, ou seja, cadáveres reanimados por vodu, mas indistinguíveis de uma pessoa viva, e controlados por um feiticeiro. Finalmente, Eu Sou a Lenda foi a primeira obra a trazer uma explicação científica, e não mística, para zumbis e vampiros.

A primeira adaptação de Eu Sou a Lenda para o cinema começaria a tomar forma quando o produtor Anthony Hinds, da Hammer Productions, comprou de Matheson os direitos de adaptação. A Hammer, para quem não sabe, era uma produtora britânica especializada em filmes de terror, responsável, por exemplo, pela versão de Drácula estrelada por Christopher Lee, e planejava fazer a versão para o cinema de Eu Sou a Lenda o mais horrível e sangrenta possível - tão horrível e sangrenta que o governo do Reino Unido decidiu intervir e proibir que a Hammer a fizesse, a menos que a atenuasse. A Hammer considerou que isso era censura e se recusou, e, para não perder o dinheiro, Hinds venderia os direitos de adaptação para outro produtor, Robert L. Lippert.

O roteiro do filme foi escrito para a Hammer pelo próprio Matheson, e, para convencê-lo a permitir que ele o usasse, Lippert prometeu que o diretor seria Fritz Lang (de Metrópolis). Ele nunca entraria em contato com Lang, porém, e acabaria escolhendo Sidney Salkow para a direção; além disso, o roteiro original de Matheson seria várias vezes reescrito por William Leicester, Furio M. Monetti e Ubaldo Ragona, os dois últimos devido ao fato de que, para conseguir dinheiro para a realização do filme, Lippert recorreria a patrocinadores italianos não divulgados, que exigiriam que a produção fosse filmada em Roma, na Itália, com a maioria do elenco e equipe sendo formada por italianos. Irritado com os acontecimentos, Matheson pediria para que seu nome não aparecesse nos créditos do filme, sendo creditado como Logan Swanson.

O filme é bastante fiel ao livro, com apenas algumas diferenças, como o fato de que o livro é ambientado na década de 1970, cerca de 20 anos após seu lançamento, enquanto o filme é ambientado em um futuro próximo, cerca de cinco anos depois de seu lançamento. No filme, o protagonista é o Dr. Robert Morgan (Vincent Price), que já era um renomado cientista e estudava a doença antes da epidemia, e Ben Cortman (Giacomo Rossi-Stuart), o líder do grupo de infectados que toda noite tenta invadir a casa de Morgan, era seu melhor amigo antes da epidemia. No filme não é dada nenhuma explicação para o surgimento da doença, e Morgan conjectura que é imune a ela por ter sido mordido por um morcego anos antes, no Panamá; no livro, já é o contrário, com a doença sendo causada por um vírus criado em laboratório espalhado durante uma guerra, mas nenhuma explicação sendo dada para a imunidade de Neville. No livro, os infectados são ágeis, conseguindo correr e escalar, e apenas rosnam, enquanto no filme eles se parecem com os zumbis de A Noite dos Mortos Vivos (que só seria lançado quatro anos depois), se movendo lentamente e gemendo, mas capazes de balbuciar algumas palavras. No filme, os infectados ficam inativos e caídos pelas ruas durante o dia, o que faz com que seja muito mais fácil para Morgan matá-los, enquanto no livro eles se escondem nas sombras. Finalmente, Ruth (Franca Bettoia) é bem mais amistosa em relação a Neville no livro do que a Morgan no filme, agindo com desconfiança e tentando fugir do cientista.

O filme seria lançado em 8 de março de 1964; seu título original seria The Last Man on Earth ("o último homem na Terra"), mas, no Brasil, ele ganharia o curioso título de Mortos que Matam - o nome Eu Sou a Lenda não seria usado a pedido de Matheson. Não seria um sucesso nem de público, nem de crítica, com as principais críticas focando no que consideraram más atuações da direção e do elenco italiano; como costuma acontecer, entretanto, anos mais tarde as críticas se tornariam bem mais favoráveis, e hoje o filme é considerado um dos melhores da carreira de Price.

Em 1970, o produtor Walter Seltzer, que não gostou do filme de Price, decidiu ele mesmo fazer uma adaptação, com roteiro escrito por John William Corrington e Joyce H. Corrington. Ao invés de um filme de terror com elementos de ficção científica, como o primeiro, Seltzer decidiria fazer um filme de ação ambientado em um futuro distópico, e, para isso, convidaria Charlton Heston, protagonista do mais famoso filme desse estilo, O Planeta dos Macacos, para o papel principal. Lançado em 1o de agosto de 1971, esse filme receberia o título de The Omega Man (e, no Brasil, o subtítulo A Última Esperança da Terra). Matheson mão teve nenhum envolvimento na produção, mas, mesmo assim, acabou creditado na forma de "inspirado em uma história de Richard Matheson".

O filme é ambientado em 1975 (mais uma vez, cerca de cinco anos após seu lançamento), na cidade de Los Angeles, e o vírus é novamente uma arma biológica, liberada em uma guerra entre a China e a União Soviética. O Coronel Robert Neville (Heston) recebe uma vacina experimental que poderá servir de base para uma cura, mas, ao ser exposto acidentalmente à doença, a inocula em si mesmo, tornando-se imune. O vírus mata mais da metade da população da Terra, transformando aparentemente toda a outra metade em uma nova raça, noturna, albina e com extrema sensibilidade à luz. Neville acredita ser o único a não ter se transformado, e, enquanto se protege em sua casa, a qual transformou em uma verdadeira fortaleza, tenta usar seu próprio sangue para recriar a vacina.

Em The Omega Man, os infectados retém a mobilidade e a inteligência que tinham antes da doença, mas adquirem um tremendo ódio pela tecnologia, destruindo qualquer artefato tecnológico que encontram; assim como no livro, eles se escondem em locais onde a luz do sol não alcança durante o dia, se tornando ativos durante a noite. O líder de um grupo que se esconde próximo à casa de Neville, chamado Matthias (Anthony Zerbe) considera Neville um "usuário da tecnologia" e responsável pelo mundo ter ficado do jeito que está, por isso, todas as noites, seu grupo, ao qual ele chama de Família, tenta invadir a casa de Neville para matá-lo. Um dia, Neville comete um erro e é capturado, mas é salvo da morte por Lisa (Rosalind Cash), que lhe revela que há outros que ainda não foram infectados, mas que não são imunes, e que ela precisa da ajuda de Neville para tentar curar seu irmãozinho, Richie (Eric Laneuville), infectado recentemente. Neville e Lisa, então, decidem que, após curar Richie, deixarão a cidade junto com os demais não-infectados, se estabelecendo em algum lugar onde a Família não irá persegui-los.

Mais uma vez, o filme não seria um sucesso nem de crítica, nem de público; até hoje, The Omega Man é visto como apenas mais um filme de futuro distópico, sem nenhum apelo em especial. O filme tem, porém, pelo menos um crédito positivo, o de ter sido o primeiro filme de ampla distribuição a trazer um beijo interracial, na cena em que Neville e Lisa se descobrem apaixonados; até hoje, esse beijo é considerado por ativistas negros como um marco na história do cinema.

The Omega Man foi produzido pela Walter Seltzer Productions, mas os direitos sobre Eu Sou a Lenda pertenciam à Warner Bros., que distribuiu o filme nos cinemas, e que os adquiriu em 1970, junto com outras licenças que pertenciam a Lippert. Em meados dos anos 1990, uma onda de interesse do público por filmes que misturassem terror e ficção científica fez com que a Warner se lembrasse de que ainda detinha os direitos, e, em 1995, começasse a pré-produção de uma terceira versão do filme. Mark Protosevich, de A Cela, foi escolhido para escrever o roteiro, e Neal H. Moritz foi encarregado da produção.

A Warner chegou a entrar em contato com Tom Cruise, Michael Douglas e Mel Gibson para conversar sobre a possibilidade de um deles protagonizar o filme, mas, como Moritz exigia que a direção ficasse a cargo de Ridley Scott, na época envolvido com as filmagens de Tormenta e Até o Limite da Honra, todos os três acabaram se envolvendo com outros projetos e ficando indisponíveis. Em 1997, quando Scott finalmente ficou livre, a Warner entrou em contato com Arnold Schwarzenegger, que aceitou o papel. Scott, porém, não aceitou o roteiro de Protosevich, e trouxe para a produção seu amigo John Logan, que escreveu uma história intensamente psicológica, sem nenhum diálogo na primeira hora de filme, e com um final soturno e sombrio. Essa versão não agradou aos executivos da Warner, que convenceram Scott a deixar Protosevich reescrever o roteiro.

No final de 1997, porém, uma estimativa orçamentária chegou a absurdos 108 milhões de dólares, valor que a Warner se recusou a pagar. O próprio Scott chegou a reescrever o roteiro e diminuir a estimativa para 88 milhões, mas, como tanto os dois últimos filmes de Scott (os já citados Tormenta e Até o Limite da Honra) quanto os dois últimos de Schwarzenegger (Queima de Arquivo e Batman e Robin) e mais os dois últimos filmes de grande orçamento da Warner (Esfera e O Mensageiro) foram todos fracassos de crítica e público, a Warner decidiu engavetar o projeto em março de 1998, ao invés de arriscar não receber o dinheiro investido de volta mais uma vez. Em agosto de 1998, o diretor Rob Bowman ainda convenceria a Warner a deixá-lo tentar produzir uma versão protagonizada por Nicolas Cage e com roteiro de Protosevich, mas a demora na resposta da Warner fez com que ele decidisse começar as gravações de Reino de Fogo, interrompendo as negociações.

Em março de 2002, Schwarzenegger conseguiria convencer a Warner a produzir uma versão que tivesse ele como produtor, Michael Bay como diretor e Will Smith como protagonista; a pré-produção já havia começado quando o presidente da Warner em pessoa, Alan F. Horn, decidiria cancelar o projeto, alegando não ter gostado do roteiro de Protosevich. Mais dois anos se passariam até que, em 2004, o executivo Jeff Robinov convenceria Horn a dar a luz verde para o filme, com Akiva Goldsman como produtor. Goldsman manteria Smith no papel principal e convidaria Guillermo del Toro para a direção; como este não pôde aceitar, por estar envolvido com as filmagens de Hellboy II: O Exército Dourado, Goldsman chamaria Francis Lawrence, que já havia dirigido outro filme produzido por ele, Constantine, com Keanu Reeves. Protosevich reescreveria o roteiro mais uma vez, dessa vez em conjunto com Goldsman, dessa vez porque o produtor achou que o filme estava muito parecido com Extermínio, então recém-lançado.

Essa reescritura do roteiro atrasaria a produção mais um pouco, com as filmagens só começando em setembro de 2006. E durante as filmagens o roteiro seria reescrito várias outras vezes, primeiro porque Smith, que passava a primeira hora sozinho com um cachorro, improvisava demais, e muitas de suas improvisações acabariam dando origem a novas cenas criadas pelo roteirista; segundo porque Lawrence frequentemente sugeriria que uma ou outra cena ficaria melhor se não tivesse nenhum diálogo. Goldsman também se consultaria com especialistas em doenças infectocontagiosas e em confinamento solitário, reescrevendo várias cenas para que o comportamento de Neville e dos infectados ficasse mais realístico. Para complicar ainda mais, Lawrence, após uma semana de filmagens, achou que os infectados, interpretados por atores maquiados, não estavam realísticos o suficiente, e exigiu que eles fossem substituídos por criaturas feitas de computação gráfica.

No terceiro filme, ambientado cerca de vinte anos no futuro, o vírus é uma forma geneticamente alterada do vírus do sarampo, modificado pela Dra. Alice Krippin (Emma Thompson) para servir como uma cura para o câncer; no início, ele funciona bem, mas, depois, começa ou a matar as pessoas ou a transformá-las em criaturas extremamente propensas à violência e suscetíveis à luz, que se encarregam de matar os que ainda não morreram da doença - assim como no livro, eles são ágeis e velozes, apenas rosnam (com os rosnados ficando a cargo de Mike Patton, vocalista da banda Faith no More), e se escondem em locais mal-iluminados durante o dia, embora não sejam repelidos por alho ou espelhos. Por algum motivo desconhecido, o Dr. Robert Neville (Smith), cientista do exército, é imune ao vírus, e, após perder sua esposa (Salli Richardson) e filha (Willow Smith, filha de Will na vida real), fica sozinho na cidade de Nova Iorque, tendo como companhia apenas sua cachorra Sam e os infectados.

Usando seus conhecimentos de biologia, Neville decide usar seu sangue para tentar encontrar uma cura para o vírus, usando infectados como cobaias. Um dia, ele se descuida e é atacado pelos infectados, sendo salvo por Anna (Alice Braga) e seu protegido Ethan (Charlie Tahan), que estão tentando chegar a uma cidade fundada pelos sobreviventes, que não conta com a presença de infectados. Neville, então, decide acelerar seus esforços para encontrar uma cura, para que ele, Anna e Ethan a levem até essa cidade.

Lançado em 14 de dezembro de 2007, finalmente com o título de Eu Sou a Lenda, o filme seria um grande sucesso, quebrando o recorde de bilheteria para o dia de estreia de um filme que estreie em dezembro, e chegando a ser o sexto filme mais assistido nos cinemas dos Estados Unidos com estreia em 2007 (atrás só de gigantes: Homem-Aranha 3, Shrek Terceiro, Transformers, Piratas do Caribe: No Fim do Mundo e Harry Potter e a Ordem da Fênix). A crítica também foi bastante favorável, elogiando a interpretação de Smith e o clima do filme, mas com alguns críticos reclamando do final.

Graças ao sucesso do filme, a Warner cogitaria fazer uma "prequência", também estrelada por Smith e dirigida por Lawrence, que, em 2008, declararia em uma entrevista que o novo filme mostraria como Neville sobreviveu sozinho em Nova Iorque entre o dia que sua esposa morreu e o início de Eu Sou a Lenda; Smith mais tarde declararia que o novo filme também contaria com uma equipe de militares, que ajudaria Neville a enfrentar os infectados. D.B. Weiss chegaria a ser contratado para escrever o roteiro, mas, de repente, notícias sobre a "prequência" deixariam de aparecer, até Lawrence declarar, em maio de 2011, que ela estava oficialmente cancelada.

Em 2014, a Warner começaria a pré-produção de A Garden at the End of the World ("um jardim no fim do mundo"), que seria uma versão pós-apocalíptica de Rastros de Ódio, grande clássico da década de 1950 estrelado por John Wayne, Jeffrey Hunter e Natalie Wood, considerado um dos melhores filmes de faroeste da história. Durante a pré-produção, os executivos notariam semelhanças entre essa história e a de Eu Sou a Lenda, e decidiriam transformá-la em uma espécie de reboot, que daria origem a uma franquia de filmes protagonizados por Neville e ambientados em um mundo povoado pelos infectados. Smith jamais confirmou se estaria disposto a protagonizar esses filmes, e, até agora, a Warner ainda não deu novas notícias sobre seu desenvolvimento.

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