Hoje eu vou falar sobre jiu-jitsu. Porque eu já falei sobre judô, caratê e sumô, então falta falar sobre jiu-jitsu.
Aliás, aqui no Brasil, se popularizou a grafia "jiu-jitsu", que será usada ao longo desse post. A grafia mais próxima do original japonês, e que atualmente é a mais usada internacionalmente, porém, é jujutsu. E, ao longo dos anos, em diversos países, também foram usadas as grafias ju-jutsu, jiu jitsu, jiujitsu, ju-jitsu e jujitsu, de forma que ainda é possível encontrar todas essas em textos e academias por aí.
E aliás também, assim como o judô e o caratê, o jiu-jitsu possui vários estilos, chamados ryu. Estima-se que, no século XVIII, existiam mais de dois mil estilos diferentes só no Japão; hoje, não se sabe ao certo quantos estilos ainda seriam praticados, mas estima-se que existam entre cem e duzentos, incluindo uma boa parcela criada fora da Terra do Sol Nascente - sendo os mais famosos o Hontai Yoshin-ryu (também conhecido como Takagi-ryu), o Danzan-ryu, o Jigo Tensin-ryu e o Hakko-ryu. Todos eles usam os mesmos fundamentos, com apenas algumas diferenças em relação a quais golpes seriam válidos ou uma certa preferência pela luta "de pé" ou no solo. O que interessa nessa história é que, por incrível que pareça, nesse post eu não vou abordar nenhum desses estilos; a razão para isso é que, diferentemente do judô (no qual o estilo adotado pela Federação Internacional reconhecida pelo COI, a IJF, é o Judô Kodokan) e do caratê (no qual o no qual o estilo adotado pela Federação Internacional reconhecida pelo COI, a WKF, é o Caratê Shotokan), a Federação Internacional de Jiu-Jitsu reconhecida pelo COI, a JJIF, não utiliza nenhum dos estilos originais, e sim um estilo híbrido, conhecido como "Jiu-Jitsu Moderno", "Jiu-Jitsu Internacional" ou "Jiu-Jitsu da JJIF". Assim como a Federação Internacional de Taekwondo (WTF), entretanto, a JJIF permite que lutadores de qualquer estilo do jiu-jitsu participem dos torneios que ela organiza, desde que eles sejam filiados a uma federação nacional que seja membro da JJIF e sigam as regras da JJIF durante a competição em questão, o que faz com que não existam "escolas de Jiu-Jitsu da JJIF". Se você leu meus outros posts sobre lutas desportivas, já deve ter deduzido que, ao longo desse post, toda vez que eu falar de regras, estarei me referindo às regras da JJIF, e não às de um estilo específico.
E um terceiro e último aliás antes de começarmos de vez: o jiu-jitsu mais praticado no Brasil, aquele fortemente associado à família Gracie, não é considerado um ryu. Conhecido internacionalmente como "Jiu-Jitsu Brasileiro" ou "Gracie Jiu-Jitsu", ele é considerado uma arte marcial totalmente diferente, derivada do jiu-jitsu (assim como, por exemplo, o judô), possuindo, inclusive, uma federação internacional própria, a Federação Internacional de Jiu-Jitsu Desportivo (SJJIF, da sigla em inglês), que conta com 45 membros, incluindo, evidentemente, o Brasil. Entretanto, como o Brasil, através da Federação Brasileira de Jiu-Jitsu, também é filiado à JJIF, os atletas brasileiros podem participar das competições da JJIF normalmente, desde que, como já foi dito, sigam as regras da JJIF enquanto estiverem competindo nelas - em outras palavras, lutem Jiu-Jitsu Internacional, e não Jiu-Jitsu Brasileiro. Se você está mais familiarizado com o Jiu-Jitsu Brasileiro, portanto, não estranhe as regras apresentadas em um primeiro momento nesse post - eu até vou falar sobre Jiu-Jitsu Brasileiro também, mas no final.
Enfim, chega de aliás e comecemos.
Segundo registros históricos encontrados no Japão, o jiu-jitsu foi criado durante o período conhecido como Sengoku, que compreende o espaço de tempo entre 1467 e 1603. Nesse período, o Japão vivia uma guerra civil (sengoku, inclusive, significa "feudos em guerra"), e alguns soldados começaram a combinar elementos de diversas artes marciais da época para criar uma que pudesse ser usada no campo de batalha. Essa arte marcial combinada acabaria tendo poucos golpes, mas muitos movimentos de arremesso, imobilização e estrangulamento, já que não era muito efetivo golpear um oponente de armadura, sendo mais fácil derrubá-lo e estrangulá-lo - os primeiros estilos do jiu-jitsu, aliás, como o Takenouchi-ryu, também eram bastante focados em movimentos que permitissem desarmar um oponente que estivesse carregando uma lança ou espada.
A popularização do jiu-jitsu, entretanto, só se daria em meados do século XVII, quando as guerras diminuíram e armas e armaduras passaram a ser peças decorativas; tendo pouco o que fazer, os soldados se reuniam e praticavam o randori, uma espécie de "luta amistosa", na qual os golpes eram cuidadosamente escolhidos para não ferir ou matar, apenas para demonstrar a superioridade de um dos lutadores sobre o outro. Foi nessa época que surgiu o termo jujutsu, que significa "arte gentil", mas no sentido de que ela era gentil para o praticante, e não para seu oponente, pois as técnicas do jiu-jitsu usavam a própria força e peso do oponente para derrubá-lo e sobrepujá-lo, o que era menos cansativo do que usar a força do praticante para golpear o oponente até derrotá-lo. De início, o nome jiu-jitsu não se referia a uma arte marcial em si, sendo usado como um termo genérico usado para se referir a qualquer arte marcial que envolvesse arremesso e imobilização (tanto que, no início, até o judô era considerado uma forma de jiu-jitsu); ainda hoje, no Japão, jujutsu é um termo genérico, com os estilos (ryu) sendo considerados as artes marciais em si.
Em pouco tempo, o jiu-jitsu se popularizaria também dentre os civis, que viam nas artes marciais não só um bom exercício físico, mas também uma excelente forma de aprender autodefesa. Começariam a surgir, portanto, as escolas de jiu-jitsu (ryuha), pequenos grupos liderados por um lutador já experiente, que pegava um pequeno grupo de alunos e lhes ensinava suas técnicas, com os melhores alunos, mais tarde, também se tornando professores - é essa, aliás, a razão pela qual existiam tantos estilos diferentes, já que cada professor costumava fazer modificações na arte que ensinava, de acordo com seu gosto pessoal ou visando torná-la, em sua opinião, mais efetiva.
O jiu-jitsu seria a arte marcial mais popular no Japão durante dois séculos, até ocorrer a chamada Restauração Meiji, que durou de 1868 até 1912. Nesse período, o Imperador Meiji decidiu fazer profundas mudanças políticas e sociais no Japão, que acabaram fazendo com que elementos tradicionais da cultura japonesa, como o teatro kabuki, a cerimônia do chá e o jiu-jitsu, fossem vistas como "de segunda classe", com a maioria da população japonesa não se interessando mais por elas. Ainda assim, um pequeno grupo de praticantes dessas artes resistiu, e, graças a alguns professores de jiu-jitsu que continuaram aceitando novos alunos, surgiria uma nova arte marcial, que acabaria sendo, inclusive, responsável pela ressurreição do jiu-jitsu: o judô.
Como vocês devem ter visto no meu post sobre judô, o judô foi inventado por Jigoro Kano, que, quando adolescente, sofria bullying na escola, e pensou em aprender jiu-jitsu para se defender; como o jiu-jitsu estava malvisto, ele demorou para encontrar um professor, só conseguindo quando já era um universitário. Ainda assim, Kano decidiu iniciar seu treinamento, estudaria com três professores diferentes e, em 1882, decidiria se tornar também um professor. Mas, ao invés de ensinar um dos estilos que havia aprendido, ou de criar um estilo novo, Kano decidiria criar uma arte marcial totalmente nova, a qual chamaria de judô. O judô logo se tornaria extremamente popular, permitiria um renascimento das artes marciais no Japão, e acabaria influenciando até mesmo artes mais antigas que ele, como o caratê e o próprio jiu-jitsu; isso porque, com a popularização do judô, essas artes também voltariam a ser bastante procuradas, e passariam a adotar os elementos do judô que consideravam responsáveis por sua popularização - como o sistema de faixas coloridas para determinar a experiência do lutador, ou o conceito de que uma arte marcial é uma filosofia de vida, e não somente um tipo de luta.
Kano era contra a prática do judô como esporte, mas pouco pôde fazer para impedi-la, já que, com tantos praticantes, era meio que óbvio que eles iriam querer uma forma de determinar qual era o melhor, e, assim, no final do século XIX, já surgiriam os primeiros torneios. No início, o judô era visto como um estilo do jiu-jitsu, e, portanto, os torneios tinham, ao mesmo tempo, competições de judô e jiu-jitsu; em 1899, Kano seria convidado para fazer parte de uma comissão montada pelo governo do Japão que criaria as regras para esses torneios, efetivamente transformando não só o judô, mas também o jiu-jitsu, em esportes.
O judô começaria a se popularizar fora do Japão na década de 1920, quando surgiriam escolas, torneios e federações em vários países da Europa. O jiu-jitsu demoraria um pouco mais, com as primeiras escolas e torneios surgindo na Europa apenas na década de 1970. Com a união das federações nacionais de Alemanha, Suíça e Suécia, seria formada, em 1977, a Federação Europeia de Jiu-Jitsu; dez anos depois, com a adição de membros não-europeus, ela mudaria de nome para Federação Internacional de Jiu-Jitsu (IJJF), mudando para sua sigla atual (JJIF) em 1998 (quando houve uma mudança de lugar na palavra international no nome da federação em inglês, de antes para depois do nome ju-jitsu). Hoje, a JJIF conta com 121 membros dos cinco continentes, incluindo, como já vimos, o Brasil, e, desde 1990, é a única federação internacional que regula o jiu-jitsu reconhecida pelo Comitê Olímpico Internacional, sendo um de seus principais objetivos a inclusão do jiu-jitsu nas Olimpíadas.
Enquanto não estreia nas Olimpíadas, o jiu-jitsu faz parte dos World Games, nos quais estreou, no masculino e no feminino, em 1997, em Lahti, Finlândia. Curiosamente, a principal competição da JJIF, o Campeonato Mundial de Jiu-Jitsu, só começaria a ser realizado, também no masculino e no feminino, um ano depois, em 1998. O Mundial seria realizado a cada dois anos, sempre nos anos pares, de 2000 a 2008, quando passaria a ser disputado de quatro em quatro anos, sempre no mesmo ano das Olimpíadas.
O jiu-jitsu faz uso de três tipos de técnicas. O primeiro é conhecido como atemi-waza, ou as "técnicas traumatizantes"; esse grupo é composto por socos e chutes que não visam lesionar o adversário, e sim desequilibrá-lo para que fique mais fácil derrubá-lo e partir para as técnicas de solo. O segundo grupo é o das chamadas nage-waza, as "tecnicas de arremesso", com as quais o lutador efetivamente projetará o oponente em direção ao solo. Finalmente, temos as ne-waza ou "técnicas de solo", os movimentos que serão usados quando ambos os lutadores estiverem deitados no chão, que visam imobilizar o oponente, impedindo que ele contra-ataque. A maior parte da luta de jiu-jitsu ocorre no chão com o uso das ne-waza, sendo as demais técnicas usadas apenas para se alcançar esse estágio; por causa disso, assim como os lutadores de judô, os lutadores de jiu-jitsu (conhecidos no japão como jitsuka) treinam várias ukemi-waza, as "técnicas de queda", usadas para que, quando forem arremessados, não sofram nenhuma lesão ao atingir o chão.
Vale dizer também que, assim como os demais esportes baseados em artes marciais, o jiu-jitsu possui uma lista de "movimentos válidos", os golpes que podem ser usados durante uma competição; usar um "movimento inválido" normalmente só resulta em não se obter pontuação, mas, dependendo de alguns critérios, como colocar em risco a integridade física do oponente, ou usar movimentos inválidos reiteradas vezes, o lutador pode sofrer uma punição. A lista de movimentos válidos depende do estilo de jiu-jitsu que está sendo praticado, com a JJIF possuindo sua própria lista de quais movimentos seriam válidos em seus torneios.
A JJIF reconhece três modalidades do jiu-jitsu, conhecidas como duo, luta e ne-waza. Uma competição de duo funciona mais ou menos como uma competição de kata do caratê: nela, sempre em duplas, dois jitsucas da mesma equipe irão demonstrar as técnicas do jiu-jitsu aplicadas a situações simuladas de ataque e defesa. As duplas podem ser pareadas duas a duas, com aquela que obtiver mais pontos avançando e a outra sendo eliminada, até que só reste a dupla campeã, ou divididas em grupos, com aquelas de maior pontuação em cada grupo avançando para a fase eliminatória. Existem competições de duo de duplas masculinas, de duplas femininas e de duplas mistas; todas as três fazem parte do Mundial desde 1998, mas, nos World Games, as duplas masculinas e mistas estrearam em 1997, mas as duplas femininas apenas em 2001.
A cada etapa de uma competição de duo, cada dupla deve demonstrar 12 técnicas, sorteadas por um árbitro de um grupo de 20 possíveis - existem muito mais técnicas que isso, mas apenas 20 são selecionadas para cada etapa, para que os atletas possam se preparar propriamente. Essas técnicas são divididas em quatro grupos: ataque armado, no qual um dos jitsucas fingirá que está atacando o outro com uma faca (de borracha) ou bastão (de madeira, com entre 50 e 70 cm); ataque desarmado, no qual um atacará o outro com um soco ou chute; ataque corporal, no qual um atacará o outro agarrando um de seus braços ou pernas; e ataque de estrangulamento, no qual um atacará o outro com uma técnica de arremesso visando derrubá-lo e aplicar uma técnica de solo. O jitsuca atacado deverá usar uma técnica do jiu-jitsu apropriada para a situação sorteada para se defender e contra-atacar, ganhando pontos por isso. A demonstração é julgada por um painel de cinco árbitros, com cada um conferindo uma nota de 0 a 10, valendo meios pontos, com base em sete critérios: potência do ataque, realismo da situação, controle da técnica, efetividade, atitude, velocidade e capacidade de adaptação. A menor e a maior nota são descartadas, e as outras três são somadas para se determinar a nota daquela apresentação; as doze notas, então, são somadas para se determinar a nota final da dupla (sendo a nota máxima, portanto, 360 pontos).
A competição de luta é o que o próprio nome sugere, uma luta entre dois jitsucas de equipes diferentes, cada um visando marcar mais pontos que o adversário. Uma luta de jiu-jitsu dura três minutos, e é oficiada por três árbitros, sendo um árbitro central, que acompanha a luta próximo aos lutadores, tendo autoridade para interrompê-la (parando, também, o cronômetro) sempre que achar necessário, e sendo reponsável por atribuir os pontos e as punições a cada lutador. Os outros dois árbitros acompanham a luta de fora da área válida, sempre um seguindo o lado da área de luta pela horizontal e o outro pela vertical, e podem alertar o árbitro central quando perceberem uma pontuação ou penalidade que não foi marcada por ele - não podendo, porém, interromper a luta para isso.
O processo de luta no jiu-jitsu é dividido em três Fases, com movimentos válidos e pontuações diferentes para cada uma delas. Quando ambos os lutadores estão de pé e separados um do outro, como, por exemplo, no início ou reinício da luta, está acontecendo a Fase 1. Nessa Fase, são permitidas apenas técnicas de atemi-waza, e apenas as aplicadas acima da linha da cintura (chutes nas pernas, por exemplo, não são permitidos). Assim que um dos lutadores conseguir uma pegada firme no uniforme do adversário, se inicia a Fase 2, na qual são usadas as nage-waza e algumas ne-waza que podem ser usadas com o oponente de pé, sendo qualquer atemi-waza proibido - exceto no caso de o oponente atingir o adversário enquanto ele está efetuando a pegada. Assim que um dos lutadores estiver sentado ou deitado no chão, ou caso ambos os lutadores toquem com seus dois joelhos no chão, se inicia a Fase 3, na qual são válidas apenas as ne-waza. Não há limite de vezes em que cada fase pode ocorrer; toda vez que o árbitro interromper a luta durante a Fase 2 ou 3 com um comando de matte, a luta recomeça da Fase 1.
A pontuação é conferida da seguinte forma: durante a Fase 1, um golpe válido e que o oponente não tentou bloquear vale 2 pontos, enquanto um que ele tentou bloquear, mas não foi bem sucedido, vale 1 ponto. Na Fase 2, quando o oponente é arremessado ou derrubado com um golpe válido, o lutador recebe 1 ponto; exceto se o oponente bater com as costas ou com a barriga no chão antes de qualquer outra parte do corpo, quando ele recebe 2 pontos ao invés de 1. Caso o lutador consiga usar uma técnica de estrangulamento e o oponente esteja sentindo dor ou desconforto, o oponente pode bater com a mão no chão para pedir a interrupção da técnica; caso ele não consiga, e o árbitro note que ele está perdendo a consciência, pode interromper a luta com um comando de matte. Ambas essas situações conferem 2 pontos ao lutador caso ocorram na Fase 2, e 3 pontos caso ocorram na Fase 3.
Na Fase 3 também pode ocorrer, durante uma técnica de imobilização, uma situação chamada Osae-komi, que deve seguir os seguintes requisitos para ser validada: o imobilizado deve estar deitado no chão, sem conseguir se mover livremente, e ambas as pernas do imobilizador devem estar totalmente livres. Caso o imobilizador consiga manter a Osae-komi durante 10 segundos, ganhará 1 ponto; caso consiga mantê-la durante 15 segundos, ganhará 2 pontos; e, caso o imobilizado esteja sentindo dor ou desconforto e bata com a mão no chão, ou caso o árbitro note que ele vá perder a consciência e interrompa a luta, o imobilizador ganha 3 pontos. Caso o árbitro perceba que os requisitos da Osae-komi não estão mais sendo cumpridos, ele dá um comando de toketa; nesse caso, o tempo do Osae-komi para de ser contado, mas a luta não é interrompida, com ambos os lutadores continuando da mesma posição em que estavam - o fato de o imobilizado conseguir virar de lado, girar em seu próprio eixo, ou conseguir pegar uma das pernas do imobilizador depois que o tempo já estiver sendo contado, entretanto, não interrompe o Osae-komi.
É possível vencer uma luta de jiu-jitsu por ippon, o que ocorre toda vez que um lutador receber uma pontuação de 2 ou 3 pontos nas três fases de forma seguida - ou seja, uma pontuação de 2 pontos na Fase 1, uma de 2 pontos na Fase 2 que se iniciou imediatamente depois, e uma de 2 ou 3 pontos na Fase 3 que se iniciou imediatamente depois. Caso isso ocorra, a luta é interrompida imediatamente e o lutador que conseguiu o ippon é declarado vencedor, independentemente do tempo restante. Também é importante dizer que uma luta jamais vai para a prorrogação; caso um empate em pontos ocorra, vence o lutador que teve menos punições; se o empate persistir, vence o que conseguiu as pontuações mais altas (duas pontuações de 2 pontos valem mais que quatro pontuações de 1 ponto, por exemplo); persistindo, quem pontuou mais na Fase 3; então na 2; então na 1; e, se nem assim o empate for quebrado, os três árbitros se reúnem e decidem quem mereceu vencer.
O árbitro central inicia e reinicia a luta com o comando de hajime. Ele pode interromper a luta com dois comandos diferentes: deve ser usado o matte quando um ou ambos os lutadores deixam a área de luta durante as Fases 1 ou 2, ou quando ambos saem dela durante a Fase 3; quando ele vai aplicar uma punição a um dos lutadores durante a Fase 1; quando um dos lutadores precisa de atendimento médico; quando um dos lutadores está em risco de perder a consciência durante um estrangulamento; quando se passam 15 segundos em Osae-komi; quando acaba o contato entre os lutadores nas Fases 2 ou 3 e eles não retornam para a posição de Fase 1 sozinhos; ou quando um dos três árbitros julgar absolutamente necessário - sendo o motivo mais comum o uniforme de um ou de ambos os lutadores estar desarrumado a ponto de impedir o andamento correto da luta (sem a faixa ou com a camisa toda aberta, por exemplo). Já quando o árbitro deseja aplicar uma advertência ou punição a um dos lutadores durante as Fases 2 e 3, ele deve interromper a luta com o comando de sonomama. A diferença entre o matte e o sonomama é que, quando o árbitro anuncia matte, a luta sempre reinicia da Fase 1, mas, quando ele anuncia sonomama, a luta continua do mesmo ponto onde estava quando parou - sendo reiniciada com o comando de yoshi.
Para que um lutador receba uma punição, pelo menos dois dos três árbitros devem concordar que o comportamento inadequado ocorreu; caso isso ocorra, o lutador faltoso recebe um shido ou chui. Um shido é usado para uma falta leve, e vale 1 ponto para o oponente, sendo conferido em caso de falta de combatividade (caso o lutador apenas se defenda ou fuja da luta, sem efetivamente atacar o adversário), caso o lutador corra na direção do oponente sem intenção de desferir um golpe durante a Fase 1 (o que é conhecido como mubobe), ponha sua própria integridade física em risco com seu comportamento, saia voluntariamente da área válida de luta, empurre o oponente para fora da área válida de luta, use atemi-waza durante as Fases 2 ou 3, ataque o oponente após o comando de matte ou sonomama, tente machucar o oponente deliberadamente, ou execute ações que não servem a nenhum propósito a não ser ganhar tempo - demore para se levantar após um comando de matte ou ajuste o uniforme sem o comando do árbitro, por exemplo. Já um chui é usado para uma falta grave, e vale 2 pontos para o oponente (não contando, porém, para o ippon), sendo conferido no caso de o lutador usar socos, chutes, empurrões ou outros tipos de golpes com o claro intuito de ferir o oponente, jogar o oponente deliberadamente para fora da área de luta, falhar repetidamente em seguir as instruções do árbitro, usar golpes inválidos ou que possam ferir o oponente repetidamente, ou no caso de conduta antidesportiva - provocar o adversário ou a plateia, por exemplo.
Não há limite para o número de shido que um lutador pode receber durante uma luta, mas um lutador que receba dois chui em uma mesma luta é desclassificado por hansoku make ("derrota por desonestidade"). Um lutador que execute uma das seguintes quatro ações também é desclassificado, instantaneamente, por hansoku make: ferir o oponente propositalmente, erguer o oponente do chão durante um estrangulamento, usar golpes que "travem" o pescoço ou coluna do oponente, ou usar golpes que "torçam" os joelhos ou pés do oponente. Um lutador desclassificado por hansoku make termina a luta com 0 pontos, e seu oponente recebe 14 pontos, exceto no caso de ele já ter mais de 14 pontos quando o hansoku make ocorreu, quando se mantém o placar atual. Um lutador desclassificado por hansoku make duas vezes no mesmo torneio é expulso do torneio.
Um lutador que precise de atendimento médico por ter se ferido em condições normais de luta - ou seja, sem que tenha sido ferido deliberadamente pelo oponente - tem um total de 2 minutos por luta para recebê-lo - ou seja, se for atendido várias vezes, a soma de todos os atendimentos não pode ultrapassar 2 minutos. Caso esse tempo seja ultrapassado, ou caso o médico prestando atendimento conclua que o lutador não pode continuar, o lutador é desclassificado, e o placar final da luta é o mesmo do hansoku make: zero para o lutador desclassificado, 14 para o outro, ou seu placar atual caso ele já tivesse mais de 14. Um lutador que perca a consciência durante um estrangulamento também é automaticamente desclassificado, não só da luta, mas de todo o torneio, mesmo que ele ainda tenha lutas a fazer; por isso é importante o árbitro parar a luta quando percebe que um lutador vai perder a consciência, antes que isso efetivamente ocorra.
Assim como nas demais lutas desportivas, no jiu-jitsu os lutadores são divididos em categorias de peso, para que haja maior justiça nas competições. Atualmente, a JJIF utiliza sete categorias de peso no masculino e cinco no feminino. Para os homens, as categorias de peso são até 56 kg, até 62 kg, até 69 kg, até 77 kg, até 85 kg, até 94 kg e mais de 94 kg; para as mulheres, são até 49 kg, até 55 kg, até 62 kg, até 70 kg e mais de 70 kg.
Além de competições de luta individuais, a JJIF permite competições de luta de jiu-jisu por equipes. As equipes podem ser de três ou de cinco jitsucas, cada um de uma categoria de peso diferente, com direito a um reserva, que só pode substituir quem seja de de uma categoria de peso igual ou superior à dele. As regras da competição por equipes são as mesmas da individual, com cada vitória valendo um ponto para a equipe vencedora, e a primeira a obter a maioria dos pontos (dois no caso de equipes de três, três no caso de equipes de cinco) sendo a vencedora daquele embate. A competição por equipes ainda não faz parte dos World Games, mas está presente no Mundial, no masculino e no feminino, desde 2008.
Competições de luta também podem ser eliminatórias desde o início, com o lutador ou equipe vencedores avançando e os perdedores sendo eliminados até que só reste o campeão, ou com uma primeira fase de grupos seguida por uma fase eliminatória para a qual se classificam os melhores de cada grupo. Diferentemente do que ocorre com outras lutas desportivas, nos World Games e no Mundial as competições de jiu-jitsu não possuem repescagem, e os dois lutadores ou equipes derrotados nas semifinais devem se enfrentar pela única medalha de bronze disponível.
Finalmente, temos a competição de ne-waza, que é semelhante à competição de luta, mas muito mais centrada na luta de chão, por isso o nome. Uma luta de ne-waza dura 6 minutos ao invés de 3, e não é dividida em Fases; em compensação, atemi-waza nunca são permitidos, apenas nage-waza e ne-waza. A arbitragem conta com um quarto árbitro, que assiste à luta sentado, e pode fazer uso do recurso de vídeo (ou seja, assistir a um replay instantâneo) para dirimir dúvidas. A pontuação é marcada da seguinte forma: derrubar o oponente no chão mantendo seus próprios dois pés no chão, e em seguida imobilizá-lo passando ambos os braços por sua cintura, mantendo um dos joelhos em sua barriga, ou usando os dois braços e pelo menos uma perna, vale 2 pontos; derrubar o oponente e em seguida imobilizar apenas as suas pernas, apenas os seus braços, ou apenas o seu tronco de forma que ele não consiga se mover livremente vale 3 pontos; imobilizar os braços do oponente com seus braços e as pernas do oponente com as suas pernas vale 4 pontos; e imobilizar o oponente de forma que cada uma das pernas do imobilizador fique de um dos lados do corpo do imobilizado, com o imobilizador mantendo os dois joelhos ou um joelho e um pé no chão simultaneamente (ou seja, "montando" no oponente) vale 4 pontos. Todas essas pontuações só são aplicadas caso a imobilização dure no mínimo três segundos, e é possível obter mais de uma pontuação por imobilização (começar imobilizando as pernas do oponente e depois conseguir montar nele, por exemplo, vale 7 pontos). As categorias de peso são as mesmas da luta, e os torneios também podem ser eliminatórios desde o início ou com uma fase de grupos seguida de uma fase eliminatória.
As competições de ne-waza foram instituídas pela JJIF em 2010, e, segundo boatos, foram uma tentativa da entidade de criar um evento parecido com as competições de Jiu-Jitsu Brasileiro, que vêm ganhando cada vez mais popularidade no mundo. Ele foi incluído nos World Games, no masculino e no feminino, em 2013 (fazendo parte também da edição de 2017), e em 2014 foi realizado um Campeonato Mundial de Ne-Waza; até hoje, entretanto, o ne-waza ainda não foi incluído no Mundial de Jiu-Jitsu, nem tem outra edição programada de seu próprio Mundial.
O jiu-jitsu usa a mesma área de competição para todas as três disciplinas. Chamada tatami, ela é um quadrado de 12 m de lado, feita de material macio e antiderrapante. A área válida de luta do tatami é um quadrado de 8 m de lado, com o restante sendo a área de segurança, não podendo ter qualquer elemento. A cor da área de segurança deve sempre ser contrastante com a da área de luta; a JJIF recomenda verde para a área de luta e vermelho para a de segurança, mas a maioria das competições usa amarelo para a área de luta e azul para a de segurança. Um movimento que comece dentro da área de luta mas termine na área de segurança é considerado válido. Em torneios oficiais, até dois tatami podem ser usados simultaneamente, devendo haver uma área de pelo menos três metros entre um e outro.
O uniforme do jiu-jitsu se chama jitsugi, ou apenas gi, e é semelhante ao do judô e do caratê, sendo composto de uma camisa aberta, de mangas compridas, e de uma calça comprida presa na cintura por um cordão interno que deve ser amarrado; as mulheres devem usar uma camiseta branca justa por baixo da camisa para evitar indecências. Todos os jitsugi são feitos de algodão e sempre na cor branca; para se fechar a camisa, é usada uma faixa amarrada na cintura, sendo que, em competições oficiais de luta ou ne-waza, um dos competidores sempre usa uma faixa azul e o outro sempre usa uma faixa vermelha, para que os árbitros e o público possam identificar mais facilmente qual é qual. E competições de luta, também são usados protetores para as costas das mãos, para os pés (semelhantes a meias sem dedos e sem o calcanhar), caneleiras, protetores bucais semelhantes aos do boxe e, no caso das mulheres, protetores de seios; todas essas proteções, exceto o protetor de seios, devem ser da mesma cor da faixa que o lutador está usando (azul ou vermelha).
Falando em faixas, o jiu-jitsu também usa o sistema do kyu-dan, criado por Kano para o judô, no qual os lutadores usam na cintura faixas coloridas que denotam seu grau de proficiência naquela luta. Cada estilo de jiu-jitsu tem sua própria quantidade de kyu (os níveis iniciais), mas todos eles possuem 10 dan (os níveis mais avançados), com as cores das faixas também variando de estilo para estilo. A título de ilustração, no Jiu-Jitsu Brasileiro, a primeira faixa é a branca (que seria equivalente ao quarto kyu), seguida da azul (terceiro), roxa (segundo) e marrom (primeiro); um estudante faixa-marrom de no mínimo 19 anos e um ano nessa faixa pode fazer o teste para a faixa preta, que vai do primeiro ao sexto dan. O sétimo dan usa uma faixa listrada de preto e vermelho conhecida como "coral", e o sétimo pode usar essa mesma faixa ou uma listrada de branco e vermelho; o nono e o décimo dan usam uma faixa vermelha - apenas os cinco pioneiros do Jiu-Jitsu Brasileiro, porém, possuem o décimo dan, sendo o nono, atualmente, o nível mais alto que um estudante pode almejar.
Já que eu toquei no assunto, vamos falar um pouco sobre o Jiu-Jitsu Brasileiro antes de o post acabar. As origens do Jiu-Jitsu Brasileiro podem ser traçadas até 1914, quando o japonês Mitsuyo Maeda chegou ao Brasil, enviado por Kano, para ajudar a difundir o judô. Em 1917, Carlos Gracie viu uma apresentação de Maeda em um circo do qual seu pai, Gastão Gracie, era sócio, e pediu ao pai para aprender judô. Maeda aceitou Carlos como aluno, e logo também estava ensinando a arte marcial não só para Carlos e seus irmãos Osvaldo, Jorge, Gastão Jr. e Hélio, mas também para Luiz França, que havia sido aluno do imigrante japonês Geo Omori, que, em 1909, abriu a primeira escola de jiu-jitsu do Brasil. Hélio Gracie era o mais fraco dos alunos de Maeda, e não conseguia vencer seus oponentes apenas com as técnicas de projeção; diante disso, ele se concentrou no uso da alavanca e nas técnicas de imobilização, para que obtivesse uma vantagem ao lutar contra eles no solo. Essa nova técnica interessou a França, que começou também a praticá-la; ao longo dos anos seguintes, Hélio e França criariam várias novas técnicas inspiradas nas do judô e do jiu-jitsu, passando-as, também para seus próprios alunos. Hélio começaria a lutar profissionalmente na década de 1930, e logo seu estilo se tornaria conhecido no mundo todo como Jiu-Jitsu Brasileiro.
O Jiu-Jitsu Brasileiro é muito mais focado nas ne-waza que qualquer estilo do jiu-jitsu - mais, até, do que as competições de ne-waza da JJIF. O número de técnicas de ne-waza é bem maior, o de nage-waza é bem menor, e atemi-waza nunca são usados em competições, embora sejam nos treinos. O objetivo é sempre levar a luta para o chão, inclusive usando técnicas que não são permitidas no jiu-jitsu, como se jogar após conseguir a pegada, ou abraçar o oponente com os dois braços e as duas pernas e derrubá-lo com seu peso. Aliás, eu usei aqui os termos em japonês para título de comparação com o que foi apresentado até agora, mas, no Jiu-Jitsu Brasileiro, todos os termos, incluindo os nomes das técnicas, são em português - para iniciar e reiniciar a luta, por exemplo, o árbitro fala "lutem", e não hajime.
A pontuação é a mesma do ne-waza da JJIF (não por acaso, já que a JJIF copiou o sistema de pontuação), mas uma luta dura 10 minutos, e a luta é oficiada por apenas um árbitro. Não são usadas as proteções nas mãos, pés, canelas, boca e seios, e o gi é bem mais justo que o do jiu-jitsu, para tornar a pegada mais difícil - nas competições, aliás, não existe a obrigatoriedade de gi branco com faixa azul ou vermelha, podendo ser usado, para identificação, gi colorido (Kyra Gracie costumava usar um cor de rosa) ou faixas de outras cores (lutadores brasileiros costumam usar uma verde e amarela). As categorias de peso no masculino são até 57 kg, até 64 kg, até 70 kg, até 76 kg, até 82 kg, até 88 kg, até 94 kg, até 100 kg, acima de 100 kg e absolutos (da qual podem participar lutadores de qualquer peso); no feminino, são até 48 kg, até 53 kg, até 58 kg, até 64 kg, até 69 kg, até 74 kg, até 80 kg, acima de 80 kg e absolutas.
O principal campeonato do Jiu-Jitsu Brasileiro é o Campeonato Mundial de Jiu-Jitsu, realizado anualmente desde 1996 e totalmente dominado pelos brasileiros - das 220 medalhas de ouro disputadas até hoje no masculino, apenas três não foram conquistadas pelo Brasil, com duas ficando com os Estados Unidos e uma com Angola; no feminino o domínio é menor, mas, mesmo assim, de 123 ouros, somente 19 não ficaram com as brasileiras. O Mundial é organizado pela Federação Internacional de Jiu-Jitsu Brasileiro (IBJJF), uma organização particular filiada à SJJIF responsável pela organização de torneios e manutenção das regras do esporte.
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