Atualmente, eu já quase não assisto televisão - praticamente apenas esportes, ou noticiários na hora das refeições. Houve uma época, porém, na qual eu assistia bastante, principalmente séries. Descobria algumas boas sem querer, e ficava bastante chateado quando aquelas das quais eu gostava eram canceladas. Essa semana, eu me lembrei de uma que se enquadra nessas três categorias: descobri sem querer, era boa, e fiquei chateado porque ela teve poucos episódios. Com a lembrança, resolvi escrever sobre ela. Por isso, hoje é dia de Life no átomo.
Life foi uma criação de Randy Ravich (diretor de um filme muito bom, chamado Enigma do Espaço, com Johnny Depp e Charlize Theron), que, segundo ele, sempre teve vontade de escrever uma série de TV no estilo procedural - no qual uma dupla de policiais deve, a cada episódio, solucionar um crime misterioso a partir de algumas poucas pistas. Ravich criaria, primeiro, o personagem central, Charlie Crews, somente criando os pormenores da série após defini-lo totalmente. Ele também quis que a série fosse no estilo "episódico", que já não estava na moda quando ela foi concebida, e no qual cada episódio é uma história fechada, com início, meio e fim, apesar de cada temporada ter um grande arco de história que conecta a todos os episódios, e que é revelado aos poucos; segundo Ravich, esse estilo lhe agradava mais que o "sequencial" quase onipresente hoje, no qual todos os episódios são seguidos e parte de uma única história, e que, na sua opinião, mantém o espectador "vagando pelo deserto" enquanto a história não se conclui.
Charlie Crews (Damian Lewis, de Homeland; segundo Ravich, o primeiro ator no qual ele pensou ao criar o personagem), é um policial da cidade de Los Angeles, que, em 1995, foi acusado de matar seu amigo Tom Seybolt, de quem era sócio em um bar. Tom, sua esposa e seu filho foram brutalmente assassinados, e todas as provas apontavam para Crews - embora ninguém conseguisse vislumbrar qual teria sido o motivo do crime, já que Crews, inclusive, pensava em largar a polícia para se dedicar ao estabelecimento em tempo integral. A única testemunha do crime, a filha de Tom, Rachel (Jessy Schram), desapareceu, e o policial responsável pela investigação, o Detetive Carl Ames (Roger Aaron Brown), não teve dificuldades em convencer o juri a condenar Crews à prisão perpétua - life sentence (algo como "sentenciado por toda a vida") em inglês, por isso a série se chama Life ("vida").
A advogada de Crews, Constance Griffiths (Brooke Langton), porém, jamais se conformou com a sentença, e, no final, conseguiu provar sua inocência. Libertado após doze anos, Crews processou a Cidade de Los Angeles, conseguindo uma indenização cujo valor jamais foi revelado, mas supostamente na casa dos 50 milhões de dólares, com a qual comprou uma mansão nos arredores da cidade. Surpreendentemente, ele também processou o Departamento de Polícia, pedindo para que ele fosse reinstituído como policial. Reintegrado e promovido a Detetive, Crews usa alguns dos ensinamentos que tirou da época em que era um presidiário para solucionar crimes, enquanto, secretamente, investiga quem teria sido o responsável por matar seu amigo e incriminá-lo - algo que, aliás, ele está expressamente proibido de fazer por decisão judicial.
Crews é um personagem extremamente complexo: nos doze anos em que passou encarcerado, ele quase morreu repetidas vezes - sendo um ex-policial, os demais detentos não faziam questão nenhuma de gostar dele, e repetidamente o prejudicavam ou até mesmo surravam - mas, de alguma forma jamais explicada, ao longo do tempo conquistou a confiança de alguns outros presos, ao ponto de ainda ter um pequeno grupo de ex-colegas extremamente leais dentro da prisão. Ele também perderia todo o o contato com sua família, pois seu pai acreditava que ele era culpado, e jamais deixou a mãe visitá-lo, o que acabou levando-a a uma depressão e à sua morte, e, por conseguinte, a ele não querer mais ver o pai após ser libertado. A esposa de Crews, Jennifer Conover (Jennifer Siebel), também não acreditava em sua inocência, e, enquanto ele estava preso, se divorciou e acabou casando-se com outro homem, com quem teve dois filhos; Crews parece não ter se conformado com isso, e frequentemente a procura para tentar reatar seu relacionamento, ou faz bullying com seu novo marido, parando-o constantemente no trânsito e pedindo seus documentos, por exemplo. Para não perder sua sanidade na prisão, Crews estudava os ensinamentos de Zen, e, agora, tenta aplicá-los a todos os eventos que acontecem em sua vida, frequentemente dizendo frases zen que se adequam ao mistério que tem de solucionar, e se comportando de forma incompreensível para seus colegas. Por ter passado doze anos longe da civilização, Crews tem uma certa dificuldade em lidar com novas tecnologias, especialmente com telefones celulares, o que algumas vezes é usado como apoio cômico, mas também costuma lhe dar uma vantagem na solução de alguns crimes, nos quais consegue focar em elementos que os demais policiais já não levam em consideração. Finalmente, Crews possui uma obsessão por frutas frescas - ele sempre gostou de frutas, mas não pôde comê-las enquanto estava na prisão - comendo pelo menos uma fruta a cada episódio, muitas delas exóticas e curiosas - como a menor espécie de abacaxi do mundo, que pode ser levada no bolso e serve uma única pessoa.
Após ser reintegrado à polícia, Crews é designado para a Divisão de Homicídios, como novo parceiro da Detetive Dani Reese (Sarah Shahi, de Person of Interest). Filha de Jack Reese (Victor Rivers), capitão da SWAT aposentado e uma lenda na polícia de Los Angeles, Dani é extremamente profissional, e tenta crescer na carreira sem a ajuda do pai - embora ainda sofra preconceito por parte de alguns colegas que acreditam que ela só chegou onde está por nepotismo. A princípio, Dani não fica satisfeita em ser a nova parceira de Crews, mas, com o tempo, passa a respeitá-lo, a confiar nele e a vê-lo como um amigo - embora ainda se irrite com seu comportamento zen e com sua fixação por frutas. Dani é uma ex-agente do Departamento de Narcóticos, e, por trabalhar anos infiltrada no tráfico de drogas, acabou se viciando em cocaína e em álcool; um programa de reabilitação a livrou do vício nas drogas ilícitas, mas ela tem de ter muita força de vontade para não voltar a beber, e deveria participar de reuniões dos Alcóolicos Anônimos, mas resiste à ideia.
A chefe de Dani e Crews é a Tenente Karen Davis (Robin Weigert), que não está nada satisfeita em ter Crews como parte da equipe, acha um absurdo ele ter sido reintegrado, e quer reverter essa situação, expulsando-o da corporação - tanto que ela chega a tentar convencer Dani a encontrar provas de que Crews seja incompetente, corrupto ou inadequado para a função, algo com o qual a Detetive não compactua. Davis não esconde que não gosta de Crews, e chega a ajudar o Ministério Público em uma investigação de má conduta instaurada contra ele.
Na prisão, Crews fez amizade com Ted Earley (Adam Arkin), ex-presidente de uma importante empresa, condenado por desvio de dinheiro, enriquecimento ilícito e outros crimes contra o sistema financeiro. Sendo um "almofadinha", Ted quase morreu em seus primeiros dias na prisão, mas foi salvo por Crews; quando Crews foi libertado, Ted estava em condicional, e Crews o convidou para gerenciar sua indenização, cuidando do dinheiro e fazendo-o crescer. Ted mora na mansão com Crews, se arrepende imensamente de ter cometido crimes, morre de medo de violar a condicional e voltar para a prisão, tem uma esposa e uma filha com quem não tem mais contato, e acaba se apaixonando pela noiva do pai de Crews, Olivia Canton (Christina Hendricks), a quem conhece no dia em que ela vai levar o convite de casamento para Crews - Crews, aliás, se recusa a ter contato com ela e a saber qualquer coisa que tenha a ver com seu pai.
Além de Crews, Dani, Ted, Griffiths e Davis, completa o elenco principal o policial Bobby Stark (Brent Sexton), parceiro de Crews quando ele foi preso. Bobby sempre acreditou na inocência de Crews, mas foi impedido de testemunhar a seu favor. Casado, pai de três filhos e irmão de uma "maria-distintivo" (moça que só gosta de namorar policiais, que, inclusive, chega a dar em cima de Crews), Bobby fica felicíssimo com a reintegração de Crews, e sempre o ajuda quando necessário, embora Crews agora seja um Detetive e ele ainda seja um policial uniformizado.
Ravich ofereceria a série à NBC em 2007, que naquele mesmo ano daria luz verde para o projeto, pedindo sete episódios. Satisfeita com a audiência dos primeiros, ela pediria mais três, mas, antes mesmo destes começarem a ser filmados, mudaria o pedido para seis, para formar uma temporada de 13, o padrão para uma série nova. Enquanto os novos estavam sendo filmados, ela mudaria de ideia e pediria mais nove, para uma temporada de 22, o padrão para as séries da emissora. Infelizmente, a greve de roteiristas que ocorreria no final de 2007 e início de 2008 faria com que apenas 11 desses 22 episódios fossem produzidos.
Assim, Life estrearia na NBC em 26 de setembro de 2007, com uma primeira temporada de 11 episódios. Cada um deles possuía segmentos filmados como se um documentário sobre a vida de Crews estivesse sendo produzido, com depoimentos de Ted, Griffiths, Bobby, Jennifer, Ames, do médico da prisão e de dois outros policiais ex-colegas de Crews. Alguns desses depoimentos se repetiam em vários episódios, mas novos eram sempre adicionados conforme a história avançava. A cada episódio, Crews também colocava mais elementos em um "muro da conspiração", uma parede de sua casa na qual pregava fotos e recortes de jornais e fazia anotações, tentando descobrir quem estaria por trás do assassinato de Tom e de tê-lo incriminado; a NBC chegou a fazer um site para a série com um muro da conspiração virtual, que os telespectadores poderiam analisar para tentar tirar suas próprias conclusões.
A primeira temporada teria excelentes índices de audiência, com o piloto registrando mais de dez milhões de espectadores e a média da temporada ficando acima dos oito milhões; isso faria, evidentemente, com que a NBC encomendasse uma segunda temporada, que teria 21 episódios e estrearia em 29 de setembro de 2008. A emissora, porém, pediria algumas mudanças, principalmente em relação a Davis, personagem que os executivos consideravam que "sobrecarregava" Crews.
Assim, na segunda temporada, Crews e Dani possuem um novo chefe, o Capitão Kevin Tidwell (Donal Logue), transferido de Nova Iorque para substituir Davis, que, após fazer uma burrada em um caso (não mostrada durante a série), é demovida a Sargento e transferida de delegacia. Tidwell tem três ex-esposas, morre de medo de terremotos, frequentemente fala de si mesmo na terceira pessoa, e costuma reclamar que o modo de proceder em Los Angeles é muito diferente do de Nova Iorque. Ele é bem mais relaxado que Davis, não liga para o fato de Crews estar na equipe - os dois acabam até mesmo se tornando amigos - e se sente atraído por Dani, com quem tenta desenvolver um relacionamento amoroso. Por suas características, Tidwell acaba servindo também como um apoio cômico leve, com seu comportamento ocasionalmente levando a situações inusitadas.
Como a primeira temporada terminou com Crews descobrindo quem era o verdadeiro assassino dos Seyboldt, a segunda é focada em sua investigação para descobrir quem teria ordenado o crime e o incriminado. Sua principal suspeita é um grupo de ex-policiais do qual fazem parte o pai de Dani e o hoje filantropo Mickey Rayborn (William Atherton), a quem Crews faz constantes visitas. Esse grupo, porém, é muito influente, e coloca o agente do FBI Paul Bodner (Shashawnee Hall) para vigiar Crews e ameaçá-lo caso ele chegue perto demais da verdade. A chefe de segurança da fundação presidida por Rayborn, Amanda Puryer (Helen McCrory), também não vai com a cara de Crews, e costuma visitá-lo para irritá-lo.
A segunda temporada também tem um "vilão", o russo Roman Nevikov (Garret Dillahunt). Supostamente chefe de uma rede de tráfico de mulheres, Nevikov parece estar envolvido com vários dos crimes investigados por Crews e Dani - e, talvez, até mesmo com o fato de Crews ter sido incriminado pela morte dos Seyboldt - mas é "intocável", já que também atua como informante em uma investigação que o FBI realiza durante anos, de forma que, se ele for preso, todo o trabalho dos Federais terá sido em vão. Desnecessário dizer que Nevikov frequentemente se aproveita desse fato para frustrar as pretensões de Crews e Dani.
A segunda temporada teria um novo muro da conspiração na casa de Crews, mas a NBC não faria um novo virtual. Os segmentos de documentário também seriam em número bem menor, com a maioria dos episódios, inclusive, não os apresentando. A NBC encomendaria 22 episódios para a segunda temporada, mas, no meio das gravações, a equipe seria atrapalhada por um erro de cálculo: Shahi estava grávida, e, embora os produtores tivessem imaginado ser possível concluir as filmagens antes de isso se tornar aparente, logo viram que seria impossível continuar sem que Dani estivesse grávida também. Para tentar chegar a um meio termo, eles criariam uma história na qual Dani é convidada a trabalhar em conjunto com uma equipe do FBI, e, para isso, tivesse de se submeter a um treinamento em uma instalação federal; isso fez com que Dani aparecesse bem menos a partir do episódio 16, e, quando aparecesse, truques como mostrá-la apenas dos ombros para cima ou sentada em posições que escondessem sua barriga pudessem ser usados. Mesmo assim, a temporada acabaria encurtada em um episódio, para que a história do treinamento não precisasse ser esticada demais.
Enquanto Dani estava fazendo o treinamento do FBI, Crews ganharia uma nova parceira, a Detetive Jane Seever (Gabrielle Union), ex-atleta olímpica (tendo competido em 2000 na prova de revezamento do atletismo), estudante de direito, com memória fotográfica, capaz de fazer leitura dinâmica, e que planeja se tornar Prefeita da cidade em um futuro próximo. Apesar de ser "perfeita demais", ela acaba se dando bem com Tidwell e com Crews - ao qual, inclusive, respeita, até mesmo tomando notas para futura referência das frases que ele fala em algumas ocasiões.
Talvez pela série já não ser uma novidade, talvez pelas mudanças feitas, a segunda temporada teve audiência bastante inferior à primeira desde o início, fechando com média pouco abaixo dos 6 milhões de espectadores. A NBC não quis falar de renovação enquanto a segunda temporada estava no ar, e, um mês após o último episódio ser televisionado, anunciou que não iria renová-la para uma terceira temporada. Assim, Life encerraria sua curta carreira com duas temporadas e 32 episódios, o último tendo ido ao ar em 8 de abril de 2009.
O que foi uma pena. Era uma série realmente diferente e divertida, e isso sempre faz falta.
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