Hoje eu estou escrevendo o tricentésimo post do átomo. Se eu dissesse que jamais esperava chegar a este ponto, estaria mentindo, porque desde o post 250 que eu faço planos para o 300. Nada muito elaborado, apenas um assunto sobre o qual eu queria falar há tempos, mas que estava guardando para esta ocasião especial. Quem prestou atenção nas categorias deve ter percebido que eu deixei lá uma dica do que seria. Não, a categoria Tormenta não está lá à toa. Ela foi criada porque hoje é dia de Tormenta no átomo. E também para aproveitar e juntar tudo o que foi inventado pelo Trio Tormenta em uma categoria só. Mas o motivo principal mesmo é o post de Tormenta, então vamos a ele!
Para quem não sabe, Tormenta é um RPG. Mais que isso, é um RPG nacional. Mais ainda, é o RPG nacional mais jogado de todos os tempos. Há quem diga, inclusive, e eu acredito, que ele é o RPG mais jogado do Brasil, mais até do que qualquer importado. Mas, mais do que isso tudo, ele é um RPG muito legal, com uma ambientação de primeira, personagens carismáticos, e livros muito bem escritos. E, por incrível que pareça, começou da forma mais despretensiosa possível, como um apanhado de vários cenários, personagens e aventuras criados para outros RPGs pelos autores Marcelo Cassaro, Rogério Saladino e J.M. Trevisan - desde então conhecidos como o Trio Tormenta.
Tudo começou na finada revista Dragão Brasil, durante muito tempo a melhor - e única - revista de RPG do país. Além de apresentar resenhas de livros de RPG, a Dragão Brasil também trazia material próprio, como aventuras, personagens e cenários, que podiam ser usados por mestres e jogadores em suas campanhas. Já na primeira edição, por exemplo, foi apresentado o personagem Mestre Arsenal, um colecionador de armas e itens mágicos que poderia ser introduzido como vilão em campanhas de AD&D ou GURPS.
Diferentemente de outras publicações do gênero, a Dragão Brasil se mostrou surpreendentemente longeva, e, em 1999, ao chegar à edição número 50, merecia alguma matéria especial. Cassaro, Trevisan e Saladino, então, tiveram a idéia de reunir todo o material inventado por eles ao longo destas 50 edições, que até então era genérico, e reunir tudo em um único cenário de campanha - um único mundo, como se costuma dizer. Nascia assim o mundo de Arton, ameaçado por um perigo que talvez nem seus maiores heróis pudessem derrotar: a Tormenta, uma tempestade rubra que arrasa tudo por onde passa, trazendo seres inimagináveis, chuva ácida, destruição e morte.
"Arton" não é o nome de um planeta, mas de um grande continente - e, até bem pouco tempo, quando foi descoberta a Ilha de Moreania, este continente representava todo o mundo conhecido por seus habitantes. O mundo de Arton é de fantasia medieval, ao estilo D&D e Senhor dos Anéis, mas com algumas característica únicas, como a presença de armas de fogo que usam pólvora - clandestinas, pois a pólvora, ao contrário da magia, é proibida por ser considerada muito imprevisível e perigosa. A maior parte da população de Arton é humana, mas com eles convivem outras raças características de fantasia medieval, como elfos, anões, halflings, minotauros, sprites, centauros e dragões.
A porção norte do continente de Arton, conhecida como Remnor, abriga o Reinado, um conjunto de 27 reinos, cada um com suas características próprias, cidades e povoados únicos. Embora cada reino possua seu monarca ou governante, o Imperador-Rei Thormy, monarca do reino de Deheon, é, para todos os efeitos, o governante do Reinado. Além de reinos curiosos, como Tapista, o reino dos minotauros, e Collen, onde todos os habitantes possuem olhos mágicos, Remnor ainda abriga lugares de grande perigo, como o Deserto da Perdição, as Montanhas Sanguinárias e a ilha de Galrasia.
Já a porção sul de Arton, chamada Lamnor, não tem reinos humanos, embora um dia tenha contado com eles e com a cidade de Lenórienn, antiga morada dos elfos, hoje destruída e ocupada. Isso porque Lamnor é o lar da Aliança Negra, um imenso exército de goblins, hobgoblins, ogros, orcs e outras criaturas, lideradas pelo genreal bugbear Thwor Ironfist. Nascido sob a égide de uma profecia e aparentemente invencível, Ironfist planeja marchar com suas tropas por sobre o Reinado, governando toda Arton em nome dos goblinóides.
Além de Thwor Ironfist, vários outros vilões ameaçam a segurança do reinado diariamente, como o já citado Mestre Arsenal; o assassino Camaleão, que tem a capacidade de mudar de aparência; ou o dragão vermelho Sckhar, megalomaníaco governante do reino de Sckharshantallas. Mas nenhum perigo é tão iminente, devastador e temido quanto a Tormenta. Tudo começa com nuvens vermelhas, que se formam aparentemente sem motivo sobre uma área qualquer. Depois vem a chuva ácida, e criaturas que a mente humana não consegue conceber caem dos céus. Em poucos momentos, o local se transforma em uma Área de Tormenta, um local tão perigoso que apenas os mais poderosos aventureiros ousam desafiar.
Até recentemente, com a infeliz exceção do reino oriental de Tamu-Ra, nenhuma área de Tormenta havia oferecido um perigo real ao Reinado, sempre aparecendo em áreas remotas ou pouco importantes. Cada vez mais, porém, a tempestade vermelha se aproxima de Deheon, e a cada dia novos e aterrorizantes fatos sobre ela são revelados, que podem levar pânico à população se divulgados em larga escala. Arton pode ser um mundo medieval típico, com todos os perigos e aventuras que um mundo desses pode oferecer, mas a Tormenta é um ingrediente único e interessantíssimo, e uma das causas do cenário ser tão bem sucedido.
Com tantos perigos à espreita, aventureiros em Tormenta têm muito o que fazer. Mas, se não quiserem desafiar a Tormenta, enfrentar a Aliança Negra ou roubar um artefato do Mestre Arsenal, os jogadores ainda podem se envolver em aventuras mais usuais, como resgatar uma princesa, derrotar um lorde morto-vivo ou fechar um portal planar para outra realidade. As possibilidades são inúmeras, e durante as aventuras os personagens jogadores ainda podem conhecer, cooperar com ou até mesmo lutar ao lado dos personagens mais famosos do cenário, como o Protetorado do Reino, a elite dos aventureiros de Deheon; Talude, o Metsre Máximo da Magia; o temido pirata James K; Katabrok, o bárbaro; ou o mago Vectorius, tão poderoso que usou sua magia para arrancar uma montanha do chão, construir uma cidade sobre ela, e fazer com que a tal cidade viaje pelo Reinado, funcionando como mercado itinerante.
Na forma de um pequeno livro ofertado como brinde na compra da edição 50 da DB, a primeira edição de Tormenta era um cenário multissistemas, que podia ser usado com as regras de AD&D, GURPS ou 3D&T, o sistema "caseiro" da DB, também inventado por Cassaro. Embora a maior parte do material fosse "reciclado", Tormenta se mostrou um grande sucesso, com a edição 50 rapidamente se esgotando das bancas, e algumas pessoas até vendendo o brinde separadamente da revista. Por conta dessa alta vendagem, já na edição 54 da DB, Tormenta ganharia seu primeiro suplemento: também distribuído como brinde na compra da revista, O Panteão trazia os deuses do cenário, com regras próprias para seus clérigos e adoradores. Paralelamente a isso, Marcelo Cassaro decidiu lançar uma série em quadrinhos, Holy Avenger, ambientada no mundo de Arton e com a presença de vários personagens citados no livro de Tormenta. Holy Avenger fez um sucesso ainda maior, e ajudou a divulgar o RPG entre os fãs de quadrinhos.
Animados com tanto sucesso, os editores da DB passaram a publicar mais material para o cenário a cada edição da revista, o que se mostrou uma decisão controversa: a cada mês, mais eram as pessoas que reclamavam que a DB publicava matérias demais para seu próprio cenário, mas ainda em maior quantidade eram as que pediam ainda mais material para ele. Para tentar contrabalançar as coisas, os editores decidiram lançar uma nova revista, também chamada Tormenta, focada exclusivamente no cenário, para que a DB pudesse se concentrar em outros assuntos. Curiosamente, a revista Tormenta durou apenas 17 edições, sendo cancelada por decisão da editora, o que fez com que o novo material se concentrasse novamente na DB.
Como o cenário era uma verdadeira "colcha de retalhos", muitas pontas também precisavam ser aparadas, o que levou ao lançamento de uma segunda edição de Tormenta, esta vendida separadamente nas bancas, no formato de um pequeno livro, e com regras apenas para o 3D&T, para evitar problemas de copyright. Esta segunda edição trazia todo o conteúdo da primeira e de O Panteão revisados, além de algumas informações novas. Ao longo dos anos seguintes, Tormenta também ganharia seis novos suplementos: o Manual do Aventureiro, com novas opções para os personagens jogadores; o Manual dos Monstros, com a descrição de várias criaturas fantásticas do mundo de Arton; Holy Avenger 3D&T, uma adaptação da aventura dos quadrinhos; e O Reinado, três volumes que descrevem todos os reinos do cenário; além de um Escudo do Mestre, que também veio de brinde na DB. Em 2001, Tormenta ganhou uma terceira edição, desta vez com capa dura e vendida em livrarias, publicada pela Editora Daemon, e que também trazia regras para o sistema próprio da editora. Em 2004 foi a vez da "edição turbo", novamente vendida em bancas de jornal e com regras para 3D&T.
Com a chegada da terceira edição de D&D, que permitia que qualquer editora lançasse material compatível com os sistema d20, os editores de Tormenta decidiram lançar uma nova atualização, Tormenta d20, também pela Daemon. A este título se seguiram O Reinado d20 e Holy Avenger d20, adaptações dos títulos antigos para o novo sistema. Após o lançamento de D&D 3.5, o Trio Tormenta conseguiu um contrato com a Editora Jambô, e lançou a mais recente versão do jogo, Tormenta 3.5, que na verdade são dois livros, o Guia do Jogador e o Guia do Mestre. Os suplementos desta nova fase incluem A Libertação de Valkaria, uma aventura onde os personagens jogadores tentam salvar uma deusa prisioneira; O Panteão, a atualização do antigo suplemento, desta vez com revelações assustadoras sobre o cenário; Academia Arcana, a descrição da maior escola de magia de Arton; Vectora: Cidade nas Nuvens, que descreve a cidade-mercado de Vectora, que viaja pelos céus de Arton; Área de Tormenta, com mais revelações sobre a tempestade rubra; Piratas e Pistoleiros, que traz regras para jogar com estes dois tipos de personagens; e Galrasia: O Mundo Perdido, que descreve a ilha de Galrasia, habitada por monstros pré-históricos.
Além dos livros de RPG, Tormenta também ganhou três romances, escritos por Leonel Caldela, que, após o Trio Tormenta migrar da DB para a DragonSlayer, se uniu a eles como autor do cenário: O Inimigo do Mundo, O Crânio e o Corvo e O Terceiro Deus. Ao que tudo indica, o próximo lançamento do cenário será a aventura Contra Arsenal, onde os jogadores terão a chance de enfrentar o próprio Mestre Arsenal. Também está prevista uma nova versão do livro básico, atualizada após os acontecimentos dos três romances.
Quando o Trio Tormenta saiu da DB, criou-se um imbróglio sobre quem teria os direitos relativos ao 3D&T, que poderia acabar respingando no cenário. Como a linha de Tormenta estava bem encaminhada na Jambô, os autores decidiram concentrar seus esforços em um novo cenário, os Reinos de Moreania, ambientado em um arquipélago no mesmo mundo de Arton, onde os humanos evoluíram de diferentes animais, com alguns mantendo características como orelhas, escamas e chifres de seus antepassados. Moreania ainda não ganhou nenhum livro, tendo sido apresentado até agora em matérias da DragonSlayer, mas, recentemente, personagens dos dois cenários começaram a interagir, o que pode indicar que Moreania será integrada ao jogo de Tormenta em um futuro próximo.
Apesar de ser tão bem sucedido, Tormenta não é imune a críticas. As mais curiosas são reclamações de que os personagens não-jogadores do cenário seriam poderosos demais, e perguntas do tipo "por que eles não acabam com a Tormenta", "por que os deuses não cabam com a Tormenta", e outras que parecem feitas por pessoas que querem jogar Second Life ao invés de um RPG de aventura medieval fantástica. Goste você ou não do estilo, devemos reconhecer que Tormenta não teria chegado onde chegou se não fosse realmente bom. Se você ainda não conhece - sei lá, às vezes está começando a jogar RPG agora - eu recomendo. Na pior das hipóteses, Tormenta servirá para provar que um RPG não precisa ser estrangeiro para ser de qualidade, e que nem tudo produzido no Brasil precisa estar de acordo com a "cultura nacional" - seja lá o que este termo signifique.
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