sábado, 29 de julho de 2006

Escrito por em 29.7.06 com 2 comentários

Aventureiros do Bairro Proibido

Eu nunca pensei que um dia fosse colecionar filmes, por dois motivos: primeiro, não era tão fácil assim encontrar filmes em vídeo vendendo, a não ser que fossem infantis. Segundo, porque fitas de vídeo ocupavam um espação, e precisavam ser rebobinadas pra lá e pra cá caso tivessem mais de um filme gravado, o que nunca me animou a gravar nenhum da TV. Quando os DVDs foram lançados, este panorama mudou: não só eles eram fáceis de armazenar, vendiam em todo lugar e eram relativamente baratos, como também, por alguma razão, um monte de filmes velhos que não passam mais nem na TNT começaram a ser vendidos neste formato. Isto foi mais do que suficiente para que eu começasse uma coleção de filmes, antes mesmo de comprar um DVD Player. Depois de comprar alguns, eu comecei a fazer uma listinha - que depois sumiu, o que fez com que essa semana eu tivesse que começar uma nova, mas isso não vem ao caso - de todos os filmes "clássicos" dos quais eu me lembrasse e que pudesse vir a querer comprar. Embora meu filme preferido de todos os tempos seja O Feitiço de Áquila, o primeiro do qual me lembrei e pus na lista foi outro, um filme que eu nunca tinha visto em DVD, e que já estava começando a achar que ninguém nunca iria se interessar de lançar, até que o encontrei essa semana, ainda por cima duplo, com onze extras que incluem cenas excluídas e final alternativo, algo assombroso na minha opinião. Qual era este filme? O tema do post de hoje, Aventureiros do Bairro Proibido! É ou não é um assombro ele vir com tantos extras?

Lançado em 1986 com o título de Big Trouble in Little China ("grandes problemas na pequena China") e dirigido por John Carpenter (de Fuga de Nova York e O Enigma de Outro Mundo), o filme conta a história de dois amigos, o chinês Wang Chi (Dennis Dun) e o caminhoneiro norte-americano Jack Burton (Kurt Russell). Quando jovem, Wang deixou a China para viver e trabalhar em Chinatown, o bairro chinês de São Francisco, com a promessa de que, quando tivesse dinheiro suficiente, traria sua noiva, Miao Yin (Suzee Pai), para se casarem e viverem felizes para sempre na América. Quando este dia chega, ele e Burton vão buscá-la no aeroporto, onde o caminhoneiro conhece a advogada Gracie Law (Kim Cattrall). Quando Miao Yin desembarca, porém, é seqüestrada pela Gangue dos Senhores da Morte, para ser vendida como prostituta, porque ela possui uma característica raríssima em chinesas: olhos verdes. Wang e Burton vão até os domínios dos Senhores da Morte em Chinatown para salvá-la, mas Miao Yin é novamente seqüestrada, e desta vez por algo ainda pior.

Há dois mil anos, na China, um feiticeiro de nome Lo Pan (James Hong) tentou matar o Imperador. O Imperador descobriu a traição, e lançou sobre ele uma maldição, segundo a qual ele viveria para sempre, mas sem carne, apenas na forma de um espírito. Através de um pacto com o deus do Leste, Lo Pan conseguiu manter seus poderes e assumir um corpo de um velho decrépito, assumindo a identidade de David Lo Pan, um rico industrial de Chinatown. Ainda segundo este mesmo pacto, Lo Pan poderia voltar a ser de carne e osso mantendo seu corpo jovem e todos os seus poderes, bastando para isso se casar com uma moça de olhos verdes como dragões de jade, e sacrificá-la após a cerimônia. Mas não basta ser qualquer moça: ela ainda tem de sobreviver ao Ritual da Lâmina Ardente. Ao longo dos anos, Lo Pan submeteu várias moças a este ritual sem sucesso, mas, agora que encontrou uma chinesa, tem certeza de que conseguirá se casar e dominar o mundo com seus poderes.

Gracie, Jack, Wang e Miao YinLo Pan é auxiliado por uma gangue, os Wing Kong, e por três seres mágicos conhecidos como as Tempestades. As Tempestades seqüestram Miao Yin, e a levam para uma fortaleza subterrânea secreta, localizada abaixo da sede das Indústrias Wing Kong, de propriedade de David Lo Pan. A princípio, Burton e Wang tentam resgatar Miao Yin sozinhos, mas não obtêm sucesso. Durante esta tentativa, Gracie também é seqüestrada por um dos monstros que servem Lo Pan, que decide que também irá submetê-la ao Ritual da Lâmina Ardente, já que ela também tem olhos verdes. Como ambas as garotas sobrevivem, Lo Pan decide que irá se casar com as duas, sacrificando Gracie para completar o ritual, e aproveitando seus novos prazeres terrenos com Miao Yin. Burton e Wang então retornam acompanhados da gangue rival dos Wing Kong, os Chang Sings, e do feiticeiro Egg Shen (Victor Wong), que há anos tenta destruir Lo Pan sem sucesso. Sua missão será a de salvar as moças e acabar com o vilão de uma vez por todas, antes que ele mate Gracie e se torne invencível.

O filme é uma excelente mistura de ação com comédia, e foi um dos primeiros a incluir elementos da mitologia oriental, em uma época em que isso ainda não era mania. Curiosamente, no roteiro original o filme era ambientado no Velho Oeste, com Jack Burton sendo um caubói de passagem por uma cidade com muitos moradores chineses que estariam trabalhando em uma estrada-de-ferro. O produtor Paul Monash gostou do roteiro, mas achou que seria impossível fazer um filme que misturasse mitologia chinesa com faroeste, então decidiu que seria melhor se fosse ambientado na época atual.

Lo PanKurt Russell e Kim Cattrall também quase não estiveram no filme. Os Aventureiros estavam programados para estrear somente em 1987, mas no final de 1986 estrearia o novo filme de Eddie Murphy, O Rapto do Menino Dourado - aliás, curiosamente, Carpenter havia sido escolhido para dirigí-lo, mas recusou. Carpenter já havia tido uma experiência desgradável com filmes seus estreando após blockbusters, quando seu O Enigma de Outro Mundo estreou pouco depois de E.T. - o Extraterrestre, e não teve bom público, já que tratava do mesmo tema - alienígenas. Carpenter decidiu correr com as filmagens para que os Aventureiros fossem lançados antes do Menino Dourado, já que ambos traziam elementos orientais, e a Fox sugeriu que, para competir com Eddie Murphy, o papel de Jack Burton ficasse ou com Clint Eastwood ou Jack Nicholson. Carpenter, porém, queria dar mais uma vez o papel principal a seu amigo Russell, o que acabou conseguindo quando se constatou que tanto Eastwood quanto Nicholson estavam envolvidos em outros projetos, e não poderiam começar a filmar a tempo. A Fox também queria que uma cantora de rock fizesse o papel de Gracie Law, mas Carpenter bateu o pé por Cattrall, considerada pelo estúdio como "inadequada", por ser conhecida por filmes de comédia mais pastelão como Porky's e Loucademia de Polícia.

Graças à correria para ser lançado antes do Menino Dourado, o filme foi todo rodado em 15 semanas, com um orçamento de 25 milhões de dólares, baixo até para os padrões da época; ainda assim, trouxe efeitos especiais de última geração, e se tornou um grande sucesso, provando que a teoria de que o filme lançado antes se sai melhor - corroborada pelo relativo fracasso do Menino Dourado.

Mas o dado mais curioso sobre este filme foi o de que ele influenciou John Tobias, um dos criadores do Mortal Kombat, que admite que o maligno feiticeiro Shang Tsung foi inspirado em Lo Pan, e o deus do trovão Raiden em uma das três Tempestades. Aliás, a semelhança é tão gritante que muita gente se refere a este personagem como "Raiden".
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sábado, 22 de julho de 2006

Escrito por em 22.7.06 com 0 comentários

Olimpíadas (VIII)

E hoje é dia de mais um post sobre as Olimpíadas!

Garmisch-Partenkirchen 1936


Em seu congresso realizado no ano de 1931, o COI escolheu para sede dos Jogos de Verão de 1936 Berlim, capital da Alemanha. Como o regulamento da época previa, a Alemanha, portanto, teria prioridade na escolha da sede para as Olimpíadas de Inverno que ocorreriam no mesmo ano. À época, as melhores instalações para a prática dos esportes de inverno não estavam em uma, mas em duas cidades daquele país, as pequenas e vizinhas Garmisch e Partenkirchen, localizadas no sul da Bavária, fronteira com a Áustria. Sem poder indicar duas cidades como sede, e querendo aproveitar as instalações para poupar dinheiro, Adolf Hitler, então comandante do país, viu uma solução muito simples para o seu problema: ordenou que as duas se fundissem, criando a cidade de Garmisch-Partenkirchen. A fusão ocorreu em 1935, e as duas continuam unidas até hoje, muitas vezes sendo a nova cidade referenciada apenas como Garmisch, o que provoca algumas reclamações por parte dos moradores mais antigos do lado que era Partenkirchen.

Após a fusão, o governo da Alemanha tratou de providenciar todas as obras necessárias ao sucesso do evento. Pistas de esqui e trenó foram reformadas, foi construído o Olympia Skistadion, um estádio onde ocorreram as disputas de saltos com esqui e as cerimônias de abertura e encerramento, e um moderno sistema de ônibus foi implementado ligando as duas cidades, permitindo que os espectadores se deslocassem com rapidez entre um evento e outro. Graças a ele, 500.000 espectadores viram ao vivo as modalidades, um recorde para os Jogos de Inverno.

Participaram do evento 646 atletas, sendo 80 mulheres, representando 28 nações em 17 provas de 8 esportes: bobsleding, combinado nórdico, esqui alpino, esqui cross country, hóquei no gelo, patinação artística no gelo, patinação no gelo em velocidade e saltos com esqui (clique aqui para ver todas as provas do programa). A patrulha militar foi mais uma vez um esporte de demonstração, acompanhada do eisstockschiessen, esporte semelhante ao curling, extremamente popular na Bavária. Os Jogos aconteceram entre 6 e 16 de fevereiro, quando uma cerimônia de encerramento com uma grande queima de fogos os encerrou de forma memorável. Durante toda a sua duração, uma grande pira permaneceu acesa no Olympia Skistadion, mas ela havia sido acendida antes da cerimônia, e não pela Tocha Olímpica como logo viria a se tornar um costume.

A modalidade de esqui conhecida como alpina estreou nestes Jogos com um evento combinado, que somava os pontos das provas de downhill e slalom. Logo na estréia, a modalidade já criou uma controvérsia, pois o COI impediu instrutores de esqui de se inscreverem para o evento, alegando que estes eram profissionais. Revoltados, os atletas da Áustria e da Suíça decidiram boicotar o evento, o que abriu o caminho para que os atletas da casa conquistassem as medalhas de ouro e prata tanto no masculino quanto no feminino. A confusão causada pelo incidente foi tanta que o COI, em sua reunião seguinte, decidiu não incluir o evento no programa dos Jogos de 1940.

Falando em esqui, o norueguês Birger Ruud, ouro nos saltos com esqui em 1932, tentou um feito inusitado, ao competir simultaneamente no esqui alpino e no combinado nórdico, além de nos saltos. No primeiro ele ia muito bem, vencendo o evento de descida, mas errou a passagem de um portal no slalom e terminou em quarto lugar. No segundo evento ele não foi bem, e não conseguiu uma colocação expressiva. Mas Ruud não sairia de Garmisch-Partenkirchen de mãos abanando: na semana seguinte ele conseguiria o ouro nos saltos, repetindo seu feito de quatro anos antes.

Um norueguês também seria o destaque da patinação no gelo em velocidade: Ivar Ballangrund ganharia três das quatro medalhas de ouro possíveis, nos 500, 5.000 e 10.000 metros, e ainda ficaria com a prata nos 1.500 metros, atrás de seu compatriota Charles Mathiesen. A Noruega também não deixaria a peteca cair na patinação artística no gelo feminina, onde o destaque seria mais uma vez Sonja Henie, que ganhou sua terceira medalha de ouro consecutiva, agora aos 23 anos. Estes seriam os últimos Jogos de Henie, porém: logo após o evento, ela se profissionalizou, e rodou o mundo com shows de balé no gelo, alcançando grande fama e popularidade, principalmente nos Estados Unidos. Henie pode ter sido pedra cantada, mas outro favorito, o time de hóquei no gelo do Canadá, não foi, perdendo duas vezes para a Grã-Bretanha, que ficou com o ouro. Ironicamente, 11 dos 12 jogadores da Grã-Bretanha jogavam ou haviam jogado em times do Canadá, e um deles era um canadense naturalizado.

Apesar de bem sucedidos, estes foram Jogos estranhos: muitos temiam que os nazistas se aproveitassem do evento para fazer propaganda de seu governo. A propaganda realmente aconteceu, mas foi, de certa forma, contida. Isso porque eles estavam esperando o evento principal, que aconteceria alguns meses depois.

Berlim 1936


Berlim foi escolhida como sede dos Jogos de 1936 na reunião do COI de 1931 - antes, portanto, que o partido nazista chegasse ao poder na Alemanha. Mas era óbvio que, uma vez no comando, Adolf Hitler faria todo o possível para mostrar ao mundo, durante os Jogos Olímpicos, como a Alemanha sob seu comando era uma nação forte e organizada, como o nazismo era a mais acertada forma de governo, e - talvez principalmente - como a raça ariana era superior a todas as demais no campo esportivo. O führer chegou até a fazer uma otimistíssima estimativa de que os atletas alemães ganhariam sessenta medalhas de ouro, quase a metade do total em jogo.

É importante que se diga que, em 1936, Hitler ainda não era o inimigo do mundo, e a Alemanha era um país como qualquer outro. Assim, não foi nenhuma aberração o fato de que nenhuma das principais nações do mundo tenha se recusado a participar, ou até mesmo que o COI tenha deixado Adolf Hitler proferir um discurso na Cerimônia de Abertura. Hoje muitos estranham que a última Olimpíada antes da Segunda Guerra tenha acontecido justamente na Alemanha nazista, mas na época ninguém que não tivesse poderes divinatórios poderia prever o que estava para acontecer.

Ainda assim, muitos estavam preocupados com a política claramente racista dos nazistas, principalmente os judeus norte-americanos, liderados pelo diplomata Henry Morgenthau, que convenceu o Presidente Franklin Roosevelt a enviar um observador à Alemanha em 1934, que teria a tarefa de averiguar se seria seguro que os norte-americanos participassem do evento. A idéia de Morgenthau era, uma vez comprovado que os nazistas se aproveitariam dos Jogos para se autopromover, boicotar o evento e pressionar o COI a mudar a sede de 1936 para Barcelona. Roosevelt enviou a Berlim o presidente do comitê olímpico norte-americano, Avery Brundage. A tarefa de Brundage seria elaborar um minucioso relatório sobre o alcance do nazismo e as intenções de Hitler. Roosevelt não sabia, porém, que Brundage era ele mesmo um racista, presidente de um clube que não permitia a entrada de negros ou judeus, e que na presidência do comitê olímpico norte-americano se empenhava ao máximo para impedir que Jim Thorpe, medalhista de ouro em 1912 que teve sua medalha cassada por uma falsa alegação de profissionalismo, a obtivesse de volta, pelo simples motivo de que Thorpe descendia de índios. Brundage, evidentemente, fez um relatório altamente favorável à Alemanha, no qual chegou até mesmo a escrever "temos muito o que aprender com os alemães". Mesmo com esse relatório, a idéia da troca de sede ainda permaneceria viva, mas iria por água abaixo de uma vez por todas após o início da Guerra Civil Espanhola.

Para sepultar de vez qualquer chance de que a Alemanha não viesse a hospedar as Olimpíadas, Hitler decidiu gastar uma fortuna impensável para a época na construção das mais modernas instalações que o mundo já vira, a começar pela magnífica Praça Olímpica, construída em volta do Estádio Olímpico, que havia sido erguido para os cancelados Jogos de 1916. Com um plano simétrico, a Praça abrigava o Estádio Olímpico, que não era o mesmo de 1916, mas um totalmente novo e moderníssimo, com capacidade para 110 mil pessoas, construído no exato mesmo local; o gramado de Maifeld, capacidade para 250 mil, utilizado para demonstrações de ginástica, e, durante as Olimpíadas, para o polo a cavalo; uma piscina com capacidade para 16 mil espectadores; um anfiteatro para mais 25 mil; e outros 150 prédios, usados para as mais diversas competições esportivas, durante os Jogos Olímpicos ou após. O complexo existe até hoje, e o Estádio Olímpico, reformado, foi palco da final da Copa de 2006.

E ainda havia a Vila Olímpica, construída nas imediações da Praça Olímpica, que contava com chalés de alvenaria, hospital, salas de ginástica e 38 refeitórios. As mulheres ganharam sua própria Vila Olímpica, com casinhas muito mais confortáveis que as dos homens. Como se construir todo este complexo não fosse o bastante, os alemães ainda o equiparam com a mais moderna tecnologia, os equipamentos mais precisos da época para controle dos tempos das provas, e um serviço de atendimento aos jornalistas que produzia quatro boletins diários em catorze idiomas diferentes sobre o andamento dos Jogos. Esta também foi a primeira Olimpíada a ser transmitida pela televisão, cortesia da Telefunken, que ainda montou diversas telas de cinema improvisadas por toda a cidade, para que aqueles que não pudessem ir aos locais das competições também pudessem acompanhá-las. Falando em cinema, Hitler encomendou à cineasta Leni Riefenstahl um filme que cobrisse o desempenho dos atletas alemães durante as competições, o primeiro Filme Oficial de uma Olimpíada.

A vontade de Hitler de mostrar sua Olimpíada ao mundo era tanta que o governo alemão arcou com as despesas integrais de viagem e transporte de todas as delegações que se dispusessem a participar. Em um ato que pode parecer contraditório, Hitler não impediu a inscrição de atletas negros ou judeus - nem mesmo os que iriam competir pela Alemanha. Esta atitude teve dois motivos básicos: primeiro, engolindo seu constrangimento e não se opondo, Hitler afastava a desconfiança de que a Alemanha queria fazer destes Jogos "armados", prontos para que só arianos ganhassem medalhas. Além disso, Hitler estava tão certo de que os atletas "puros" iriam ganhar que, quando o fizessem, apenas demonstrariam sua superioridade sobre os negros e judeus. Como vamos ver daqui a pouco, não foi bem isso o que aconteceu.

Participaram dos Jogos de 1936, realizados entre 1o e 16 de agosto, 4.066 atletas, um número absolutamente impressionante para a época, sendo que 328 eram mulheres. 49 nações foram representadas em 129 provas de 21 esportes: atletismo, basquete, boxe, canoagem, ciclismo, equitação, esgrima, futebol, ginástica artística, handebol, hóquei, levantamento de peso, luta olímpica, natação, pentatlo moderno, polo, polo aquático, remo, saltos ornamentais, tiro esportivo e vela; mais beisebol e voo planado como esportes de demonstração (clique aqui para ver todas as provas do programa). Na cerimônia de abertura, além do desfile das delegações, houve a revoada de vinte mil pombos brancos, um sino de catorze toneladas badalando no ritmo do Hino Nacional da Alemanha, e o início da talvez mais famosa das tradições olímpicas: ao final da cerimônia, um atleta entrou no estádio trazendo uma tocha, a qual passou para um colega, que deu uma volta na pista e a entregou para Fritz Schilgen, que a usou para acender uma gigantesca pira, sob os aplausos emocionados de mais de cem mil pessoas. Uma idéia do cientista esportivo Carl Diem, a tocha tinha sido acesa pela luz do Sol em Olímpia, Grécia, no local onde na antiguidade se localizava um templo da deusa Héstia. A tocha foi levada de Olímpia a Berlim a pé, por um revezamento de mais de três mil atletas, e o fogo da pira acesa por ela permaneceria aceso por toda a duração dos Jogos. Tão forte foi o simbolismo do momento que todas as edições dos Jogos Olímpicos (pelo menos dos de Verão) a partir de então teriam uma tocha, revezamento e pira semelhantes.

Hitler tinha certeza de que seus atletas sobrepujariam todos os estrangeiros - afinal, eles eram de uma raça superior. As provas, porém, demonstrariam o contrário. A Alemanha ganharia 32 medalhas de ouro, apenas oito a mais que os Estados Unidos. Muitos dos títulos da competição seriam conquistados por negros, orientais e judeus. Mas houve um homem que se tornou emblemático: o norte-americano Jesse Owens. Neto de escravos, nascido no Alabama, aos nove anos Owens se mudou com a família para Cleveland para fugir do racismo do sul dos Estados Unidos, e logo se descobriu um atleta fantástico nas provas de velocidade e de salto. Em 1936, Owens ganharia nada menos que quatro medalhas de ouro, nos 100 e 200 metros, no revezamento 4x100 metros, e no salto em distância. Esta última foi a mais emocionante: enquanto se aquecia, Owens deu um salto para "testar a pista", procedimento comum entre os atletas deste esporte. Visando prejudicá-lo, os árbitros validaram este salto, deixando o atleta com apenas mais duas oportunidades para conseguir uma marca que o permitisse avançar na competição. Tenso com a situação, Owens queimou seu segundo salto, e quase foi eliminado. Seu principal oponente na prova, o louríssimo alemão Lutz Long, fluente em inglês, se indignou com a atitude dos fiscais, e durante um intervalo foi conversar com Owens. Após um animado papo, Long aconselhou Owens a começar sua corrida um pouco antes do local onde havia começado os dois saltos anteriores, e se despediu com a frase "por enquanto, você não precisa se preocupar em vencer, apenas em se classificar". Mais relaxado, Owens avançou na prova, até conquistar a medalha de ouro, diante de um constrangido Hitler, que assistia à competição da tribuna de honra do estádio. Depois da prova, Owens e Long se tornariam amicíssimos. Long faleceu durante um combate na Segunda Guerra Mundial, mas, até o final de sua vida, Owens ainda manteria contato com sua família. Long acabou recebendo postumamente a Medalha Pierre de Coubertin, reservada aos atletas que demonstram o verdadeiro espírito da esportividade durante os Jogos Olímpicos.

A maratona também teve uma história interessante: seu vencedor foi o coreano Sohn Kee-chung, de 23 anos, que estabeleceu um novo recorde olímpico. Outro coreano, Nam Seung-yong, chegaria em terceiro lugar, ganhando a medalha de bronze. A Coréia, na época, porém, não existia como nação, pois havia sido anexada pelo Japão em 1910. Kee-chung e Seung-yong, portanto, tiveram que competir pelo Japão, usando os nomes de Kitei Son e Shoryu Nan, a pronúncia japonesa para os ideogramas utilizados para escrever seus nomes originais. Kee-chung ainda tentou se inscrever como atleta apátrida, mas o COI não permitiu. Sem escolha, ao vencer a prova, ele viu a bandeira do Japão ser hasteada, enquanto o hino japonês era executado. Após a Guerra, nos Jogos de 1948, com a Coréia finalmente livre do domínio japonês, Kee-chung foi escolhido como porta-bandeira da Coréia do Sul durante a Cerimônia de Abertura. 50 anos depois, ele receberia uma nova homenagem, entrando com a Tocha Olímpica no estádio durante a abertura dos Jogos de Seul, em seu país. Nesta ocasião, o COI determinou que os dois maratonistas coreanos de 1936 tivessem seus nomes registrados com a grafia correta, e que ficassem registrados na História dos Jogos como coreanos, não japoneses.

Os esportes coletivos de 1936 merecem algum destaque. O basquete finalmente fez sua estréia no programa olímpico, após anos de insistência por parte dos Estados Unidos. Não foi uma estréia memorável, porém: na falta de quadras de basquete, as partidas foram disputadas em quadras de tênis adaptadas. Até aí tudo bem, se o piso de tais quadras não fosse de saibro. Ainda assim, fora uma eventual poeira e sujeira, nada de mais. Só que no dia da final choveu. Os times dos Estados Unidos e do Canadá tiveram de fazer um esforço sobre-humano para controlar a bola, e a primeira final olímpica do basquete acabou com o inacreditável placar de 19 a 8 para os norte-americanos.

Outro esporte coletivo a estrear em Berlim foi o handebol, mas não o handebol de quadra, como conhecemos hoje, e que estrearia nos Jogos também na Alemanha, mas em 1972. O esporte disputado em 1936 foi o handebol de campo, onde os times têm onze de cada lado em um campo quase do mesmo tamanho do de futebol. A Alemanha ficou com a medalha de ouro, batendo a Áustria por 10 a 6 na final. No futebol, a medalha de ouro ficou com a Itália, campeã da Copa de 1934, e que dali a dois anos ganharia o bi na Copa de 1938. Na final, a Azzurra bateria a Áustria por 2 a 1. Muitos, inclusive, consideram este time da Áustria o melhor da época, e lamentam que o país não possa ter participado da Copa de 1938 por ter sido invadido pela Alemanha.

Em pelo menos duas das competições houve expresso protecionismo aos atletas da casa: para a equitação, foi montada uma pista dificílima, capaz de ser superada apenas pelos cavaleiros alemães, que já conheciam o percurso. O resultado foi que a Alemanha ganhou todas as medalhas de ouro do esporte, e mais uma prata no adestramento. Pior que isso, no concurso completo três cavalos se machucaram seriamente, e tiveram de ser sacrificados. Mas ainda mais ultrajante foi a atuação dos fiscais na prova de sprint do ciclismo: o alemão Toni Merkens impediu a passagem do holandês Arie Van Vliet ilegalmente, e graças a isso conquistou o ouro. Ao invés de desclassificá-lo como manda o regulamento, os fiscais simplesmente lhe impuseram uma multa de 100 marcos.

Entre as mulheres, os destaques viriam da natação, a começar por uma holandesa de 17 anos, Henrika Mastenbroek, apelidada Rie, três ouros e uma prata. Um prodígio, dona de vários títulos europeus, Rie subiria ao lugar mais alto do pódio nos 100 e nos 400 metros livre e no revezamento 4x100 livre, e ficaria com o segundo lugar curiosamente em sua melhor prova, os 100 metros costas, onde havia baixado o recorde mundial em quase três segundos em fevereiro de 1936. Mais impressionante ainda, na prova Rie foi suplantada por sua compatriota Dina Senff, que, ao fazer a virada do meio da prova, não tocou na borda da piscina. Com medo de ser desclassificada, Senff voltou, tocou a borda, virou de novo, e ainda chegou três décimos à frente de Rie. Outra nadadora fantástica ficaria com a prata nos 400 metros livre, a dinamarquesa Ragnhild Hveger, de apenas quinze anos, que nos seis anos seguintes ganharia tudo o que disputou, quebrando 42 recordes, sendo que quatro deles só seriam superados em 1953.

O Brasil enviou 94 atletas a Berlim, sendo 6 mulheres. O Comitê Olímpico Brasileiro havia acabado de ser fundado, em 1935, e se imaginava que, pela primeira vez, o país pudesse mandar para uma Olimpíada seus melhores atletas, independentemente de brigas políticas ou desavenças pessoais. Infelizmente, não foi bem assim. A Confederação Brasileira de Desportos se recusou a reconhecer o COB, e decidiu ela mesma montar a delegação que representaria o Brasil na Alemanha. O resultado foi que o país enviou duas delegações distintas: pela CBD, foram atletas do atletismo, natação e remo; pelo COB foram inscritos competidores do atletismo, boxe, ciclismo, esgrima, natação, pentatlo moderno, remo, tiro, vela, e mais a seleção brasileira de basquete. Mesmo com essa confusão, o Brasil conseguiu três quintos lugares, com Sylvo Padilha nos 400 metros com barreiras do atletismo, Piedade Coutinho nos 400 metros livre da natação, e José Salvador Trindade na carabina, modalidade deitado, do tiro. Mesmo sem ter tido uma boa colocação, também merece destaque a nadadora Maria Lenk, de 17 anos, a primeira sul-americana a nadar em uma Olimpíada, e que inventou uma nova forma de nado estilo peito, cujas braçadas eram realizadas fora da água, e acabou se tornando um novo estilo, chamado hoje borboleta ou golfinho. Lenk disputou os 200 metros peito, mas esgotada pela viagem e com medo de ser desclassificada pelos fiscais, que a toda hora perguntavam se aquele tipo de nado era válido, não se classificou para a final da prova. Três anos depois, porém, Lenk quebraria os recordes mundiais dos 200 e dos 400 metros peito, e se tivesse havido uma Olimpíada em 1940, ela teria grandes chances de ter conquistado o ouro. Lenk nada até hoje, disputando competições na categoria masters.

Muito doente, praticamente incapaz de se mover, o Barão de Coubertin pouco soube do que aconteceu em Berlim - ou, se soube, não compreendeu. Chegou a enviar uma carta a Carl Diem, parabenizando os alemães pelo evento grandioso que organizaram, carta esta que os nazistas não tardaram em revelar como prova de que sua Olimpíada tinha sido um sucesso. Coubertin morreria em 1937, aos 74 anos. Seu corpo foi enterrado em Lausanne, cidade sede do COI, exceto seu coração, que de acordo com o disposto em seu testamento, foi enterrado em Olímpia, onde hoje existe um monumento em sua homenagem.

Melhor para o Barão, ele não viu a seqüência das Olimpíadas ser interrompida mais uma vez, desta vez pelo longo período de doze anos. Jogos depois destes, só em 1948. Infelizmente, com uma Guerra no meio.

Série Olimpíadas

Garmisch-Partenkirchen 1936
Berlim 1936

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domingo, 16 de julho de 2006

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Natalie Imbruglia

Confesso: eu gosto de Natalie Imbruglia. Sim, eu sei que pode parecer meio estranho que alguém que gosta de Smiths, Garbage e Weezer também goste de Natalie Imbruglia, mas fazer o quê. Depois de ter comprado dois de seus discos meio sem querer, e o terceiro indubitavelmente querendo, não tenho porque negar que gosto de todos os três. E, na hora de encontrar mais um tema musical para postar aqui, ela me pareceu uma boa escolha.

Entre os 18 e os 20 anos, eu tive uma fase na qual me interessei por cantoras solo de pop/rock mais mainstream, sabe-se lá o porquê, talvez pelas rádios que eu ouvia estarem tocando-nas à exaustão. Felizmente foi antes da era Britney/Christina ou talvez eu tivesse me interessado por elas também. Bom, seja como for, nessa fase eu comprei CDs da Jewel, Meredith Brooks, Sheryl Crow, e um da Natalie Imbruglia, que eu havia conhecido não pelo rádio, mas na Mtv, que estava exibindo constantemente o clip de Torn. Até achei o disco legalzinho, mas, assim como os das outras três, ele foi para a estante e de lá não saiu. Uns cinco anos depois, quando a fase já tinha acabado, eu vi o segundo CD dela à venda por R$ 9,90 nas Lojas Americanas. Em um impulso consumista, resolvi comprar para aproveitar o preço, e não me arrependi: além de achar as músicas bem legais, ele acabou renovando meu interesse pelo primeiro CD, o qual voltei a ouvir. Esse ano, ao ver que um terceiro álbum tinha sido lançado, comprei também, mesmo estando ao preço normal. Mais uma vez achei bem agradável. O resultado é que, de todas as cantoras que eu resolvi ouvir durante a já citada fase, Natalie Imbruglia foi a única que sobreviveu. Seu estilo musical é bem mais pop e bem diferente daquilo que eu normalmente gosto de ouvir, mas talvez seja bom variar um pouco de vez em quando. E quem não estiver satisfeito que atire a primeira pedra. Ou simplesmente pare de ler e volte semana que vem.

Natalie Jane Imbruglia nasceu em 4 de fevereiro de 1975 em Sydney, Austrália, segunda de quatro filhas de pai italiano e mãe australiana. Tendo crescido na pequena cidade litorânea de Berkleyvale, desde criança ela se interessou pela indústria do entretenimento, fazendo aulas de balé imaginando que um dia seria uma famosa bailarina. Seus planos mudaram quando ela foi descoberta por um caça-talentos que procurava pré-adolescentes para comerciais. Seu primeiro papel foi de figurante em um comercial japonês de chicletes, mas mais tarde ela chegou a fazer alguns para a Coca-Cola e para os salgadinhos australianos Twisties. Aos 16 anos ela decidiu que iria seguir a carreira de atriz, e conseguiu um papel na novela Neighbours, uma espécie de Malhação da Austrália, que está no ar desde 1985, e já tinha revelado a cantora Kylie Minogue. Após o teste, os produtores a ofereceram o papel de Beth Brennan, que faria uma participação especial de duas semanas. O personagem se tornou tão popular entre os fãs, porém, que Natalie acabou ficando na novela por dois anos.

Após este período, Natlie mudou de idéia mais uma vez, e decidiu que queria ser cantora. Tendo poucas oportunidades na Austrália, ela decidiu se mudar para Londres, mergulhando de cabeça nos clubes noturnos locais, enquanto buscava inspiração para escrever suas canções. Quando achou que estava madura o suficiente, ela gravou uma fita demo de Torn, não de sua autoria, mas um cover da banda californiana Ednaswap, e, como todo aspirante a cantor, começou a mostrá-la por aí.

O fato de ter sido uma famosa personagem de Neighbours fez com que a fita chegasse até a gravadora RCA, que ficou impressionada com a qualidade do trabalho, e decidiu arriscar lançando-a em formato single. A música foi extremamente bem sucedida, quebrando o recorde de maior número de radiotransmissões por semana no Reino Unido, e ficando no topo da parada da Billboard das mais tocadas nos EUA por 14 semanas seguidas. O single vendeu mais de um milhão de cópias e chegou ao segundo lugar da parada britânica, mas, por não ter sido vendido nos EUA, não pôde entrar na lista principal da Billboard. Ainda assim, a RCA sabia o que tinha nas mãos, e decidiu bancar um álbum inteiro para sua mais nova contratada.

O primeiro álbum de Natalie Imbruglia, Left of the Middle, seria lançado em 1997. Gravado na Califórnia e produzido pelo ex-baixista do Cure Phil Thornalley, o álbum traria Torn, uma canção de Thornalley, Don't You Think?, e mais dez de composição da própria Natalie, incluindo os sucessos One More Addiction, Wishing I Was There, Big Mistake e Smoke, estes três últimos também lançados em singles. O álbum vendeu mais de seis milhões de cópias no mundo todo, chegando ao primeiro lugar da parada australiana, quinto na britânica, e décimo na Billboard.

Enquanto estava na turnê de seu primeiro álbum, Natalie escreveu muitas outras canções. Apesar de seu início de carreira bombástico, porém, ela optou por dar uma sumida para estudar e se aperfeiçoar, lançando seu trabalho seguinte apenas quatro anos depois, White Lillies Island, de 2001. Embora as críticas fossem amplamente favoráveis e as rádios tocassem suas canções exaustivamente, o álbum não vendeu tanto quanto seu antecessor, passando pouco da marca de um milhão de cópias, sem figurar no Top Ten britânico ou americano, mas alcançando o terceiro lugar na Austrália. Uma das principais razões apontadas pelos fãs foi a diferença estilística das canções em relação ao primeiro álbum; a música de trabalho, That Day, por exemplo, foi considerada muito mais parecida com as da cantora Lisa Loeb do que com as do álbum anterior de Natalie. That Day também foi lançada como single, assim como Wrong Impression e Beauty on the Fire. Nenhuma das três conseguiu um desempenho extraordinário, embora Beauty on the Fire tenha sido aclamada pela crítica como a melhor canção da carreira de Natalie.

Mesmo com este período conturbado em sua carreira musical, Natalie conseguiu um bom contrato para ser garota propaganda da L'Oréal para a Europa, Oceania e Malásia. Até hoje é ela quem aparece nas propagandas de máscaras e produtos para a pele da empresa, em revistas e TV. Em 2003 ela decidiu retornar brevemente à carreira de atriz, interpretando Lorna Campbell no filme de ação/comédia Johnny English, estrelado por Rowan Atkinson - mais conhecido como o Mr. Bean da TV. No mesmo ano, sua vida pessoal também teria uma forte mudança, graças ao casamento com Daniel Johns, vocalista do Silverchair.

Natalie retornaria à cena musical em 2005, com o álbum Counting Down the Days. Curiosamente, sua primeira música de trabalho, Shiver, foi a mais bem sucedida desde Torn, figurando no topo da lista das mais tocadas no Reino Unido por várias semanas, e fazendo com que o álbum alcançasse o primeiro lugar da parada britânica, o primeiro de Natalie a conseguir este feito. Shiver e a canção-título, Counting Down the Days, foram lançadas como singles, embora sem muito estardalhaço. Não se sabe ao certo quantas cópias o álbum teria vendido ao redor do mundo, pois a RCA não divulgou suas vendas nos EUA, mas estima-se que tenha sido melhor sucedido que o trabalho anterior. Após o lançamento do álbum, Natalie saiu em turnê pela Europa, com bom público em praticamente todas as suas apresentações.

Atualmente, Natalie se dedica a divulgar seu novo álbum, e começa as filmagens de um filme independente na Austrália, tentando conciliar suas carreiras de cantora e atriz de cinema. Mesmo com tantos altos e baixos na carreira, Natalie ainda espera repetir o sucesso de seu primeiro álbum. Eu acho que ela merece. Ou pelo menos merece mais do que muita gente por aí que anda vendendo muito sem talento nenhum.
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domingo, 9 de julho de 2006

Escrito por em 9.7.06 com 4 comentários

Marvin, o Marciano

Todo mundo tem um personagem de animação preferido. Tem gente que gosta do Mickey, outros do Pernalonga, outros do Scooby Doo. Por que? Muitas vezes ninguém sabe. A gente simplesmente vai com a cara daquele personagem, e passa a achar suas aventuras muito mais legais do que as de todos os outros. Eu também tenho meu personagem preferido, que por um acaso é o tema do post de hoje. E esse personagem é Marvin, o Marciano.



Sim, ele é uma bola preta com roupa de romano. Sim, ele é o vilão. Não, ele não aparece em muitos episódios (se bem que passou a dar as caras bem mais depois do desenho do Duck Dodgers). Mesmo assim, desde pequeno, quando eu vi aquele episódio dos marcianos instantâneos, passei a achar esse alienígena psicótico a coisa mais legal do mundo. Na adolescência, quando começaram a ser vendidos aqui os mais diversos produtos Looney Tunes, por causa da paridade 1 dólar = 1 Real, fui tomado por uma fúria consumista que entupiu meu quarto de bonequinhos. E hoje, embora eu já não compre mais Marvins nem acompanhe Duck Dodgers, se alguém me perguntar qual é meu personagem de animação preferido, Marvin, o Marciano, ainda será a resposta.

Marvin foi criado no final da década de 40, quando os produtores do desenho Looney Tunes procuravam um novo vilão para as aventuras de Pernalonga. O diretor de animação Chuck Jones tinha, já há algum tempo, a idéia de criar um vilão calado e introspectivo, mas de atos incrivelmente violentos, para se contrapor a Eufrazino, o caubói que vive gritando e dando tiros para todos os lados, mas cujas vilanias normalmente não são tão ameaçadoras. Na década de 40 ainda não havia a caça às bruxas que hoje impede a exibição de um episódio de Pokémon nos EUA porque os personagens estão segurando revólveres, mas mesmo assim Looney Tunes era um desenho para crianças, de forma que esse vilão não poderia ser um serial killer nem um psicopata. Descartando essas duas opções, o mais perto de um vilão calado e altamente destrutivo que Jones conseguiu chegar foi um alienígena que quisesse explodir a Terra.

Assim, no episódio Haredevil Hare (algo como "a lebre destemida", sendo haredevil um trocadilho com as palavras daredevil, "destemido", e hare, "lebre". Essa "lebre" era o Pernalonga, que embora seja um coelho - o que pode ser verificado através de seu nome original, Bugs Bunny, sendo bunny "coelhinho" - era referenciado como hare nos títulos de muitos episódios. Ufa, que parêntese mais comprido!), que foi ao ar em 1948, o alienígena fez sua primeira aparição. Neste episódio ele não tinha nome, mas era claramente maligno, já que queria destruir a Terra por um motivo muito importante: ela obstrui sua vista de Vênus. Não suportando olhar em seu imenso telescópio e não ver o Segundo Planeta do Sistema Solar, o marciano decide desintegrar o planeta com seu Modulador Espacial Explosivo Q-36 (PU-36 no original, traduzido para Q-36 por causa da pronúncia). Marcianos eram um tema muito comum em filmes de ficção do pós-guerra, então não é de se estranhar que este alienígena também fosse um marciano, e não um venusiano (que poderia querer explodir a Terra porque ela obstrui sua vista de Marte, quem sabe?) ou um habitante de outro planeta qualquer. Também é digno de nota que o "uniforme" do marciano seja o de um soldado romano. O motivo para isso é simples: Marte é o deus romano da guerra, então é evidente que um marciano belicoso tenha de se vestir de soldado romano.

Apesar de baixinho, sem rosto, de poucas palavras e de voz nasalada, o marciano era uma ameaça muito maior que os oponentes que Pernalonga tinha enfrentado até então, exigindo do coelho muito mais astúcia para derrotá-lo. Os produtores gostaram do resultado, e decidiram utilizá-lo em mais episódios. Levar Pernalonga para o espaço não era uma coisa corriqueira, porém, o que retardaria a aparição seguinte do vilão para 1952, no episódio Hasty Hare ("a lebre apressada"). A partir deste episódio, seu dublador, o gênio Mel Blanc, decidiu não mais fazer uma voz baixa e nasalada, mas uma mais imponente e arrogante, com um sotaque quase britânico.

No ano seguinte, em 1953, os produtores tentaram fazer algo diferente, opondo o marciano não a Pernalonga, mas a Patolino, no episódio especial Duck Dodgers in the 24 1/2 Century ("Duck Dodgers do Século 24 e meio"; "Duck Dodgers" - duck significa "pato", e dodge é o verbo "desviar" - é uma paródia de Buck Rogers, um famoso herói de ficção científica que estreou em 1928 e viveu aventuras em livros, quadrinhos, cinema e TV). Neste episódio, Patolino interpretava o herói intergaláctico Duck Dodgers, que tinha a missão de buscar o raríssimo elemento Illudium Phosdex no Planeta X, a última fonte conhecida. Ao chegar lá, Dodgers descobre que os marcianos também estão atrás do elemento, e tem de batalhar com o soldado marciano pelo planeta. Neste episódio o marciano finalmente ganhou um nome, embora meio genérico, de Comandante Marciano X-2.

O marciano voltaria a enfrentar Pernalonga em 1958, no episódio Hareway to the Stars (algo como "o caminho da lebre para as estrelas"; hareway sendo um trocadilho com hare e highway, estrada), onde seria adicionado um elemento recorrente de suas aventuras, os marcianos instantâneos (basta adicionar água). A partir de então, em quase todas as suas aparições o marciano estaria acompanhado de marcianos instantâneos, como em seu desenho seguinte, Mad as a Mars Hare, onde também ganhou um "assistente", um cachorro marciano verde, chamado K9 (cuja pronúncia em inglês é "key-náine", canine, canino. O nome do episódio é mais um trocadilho, desta vez com uma expressão idiomática britânica "mad as a March hare", "louco como uma lebre de março", embora não haja uma explicação fundamentada de por que uma lebre de março seria louca. De qualquer forma, no título do episódio, March, "março", foi trocado por Mars, "Marte").

Depois deste episódio, o marciano foi colocado na geladeira por um longo tempo, até retornar em 1980, primeiro em uma nova aventura de Duck Dodgers, Duck Dodgers and the Return of 24 1/2 Century ("Duck Dodgers e o retorno do Século 24 e meio"), e depois em mais um desenho contra Pernalonga, Spaced Out Bunny ("coelho ao espaço"). Neste episódio o marciano finalmente ganhou um nome decente: Marvin. Este nome foi necessário porque já começavam a surgir vários produtos de merchandising dos Looney Tunes, e um persoangem sem nome não vende. O nome Marvin foi escolhido por ser parecido com Martian, "marciano" em inglês, fazendo de "Marvin, the Martian" um nome fácil de ser guardado pelas crianças.

Mesmo tendo ganhado um nome, Marvin foi para a geladeira de novo, de onde só sairia em 1991, para o especial Bugs Bunny Lunar Tunes ("os desenhos lunares de Pernalonga, onde "Lunar" era um trocadilho com o "Looney", de Looney Tunes). Neste desenho, Marvin obtém permissão do Governo de Marte para explodir a Terra, já que os terráqueos criam muita poluição, enchem o espaço de lixo, e mostram os seres espaciais como monstros desalmados em seus filmes. Cabe a Pernalonga demonstrar que os terráqueos também são capazes de criar coisas boas, para impedir a destruição total do planeta. Outro especial seria lançado em 1999, Marvin the Martian Space Tunes, trazendo Marvin pela primeira vez no papel principal, para comemorar os 50 anos de criação do personagem.

Marvin também foi a estrela de um filme de 12 minutos em 3D, exibido apenas nas lojas oficiais Warner dos EUA, Austrália e Alemanha entre 1996 e 1998. Nesta aventura, Duck Dodgers tenta impedir Marvin, K9 e os marcianos instantâneos de explodir a Terra mais uma vez.

Após o fim de suas aventuras nos desenhos de Looney Tunes, Marvin ainda fez participações especiais nos desenhos dos Animaniacs, em Taz-Mania e em Os Mistérios de Piu-Piu e Frajola, além de uma memorável aparição em um episódio de Tiny Toon chamado Duck Dodgers Jr., onde Duck Dodgers e Plucky Ducky enfrentavam Marvin e sua assistente e sobrinha Márcia, a Marciana. O simpático marciano ainda apareceu nos dois filmes dos Looney Tunes com atores humanos para o cinema, em Space Jam, de 1996, no papel do árbitro (dublado por Bob Bergen), e em Os Looney Tunes de Volta à Ação, de 2003, como um meio-vilão (dublado por Eric Goldberg). Marvin também aparece como vilão em diversos jogos de videogame dos Looney Tunes.

Atualmente, Marvin pode ser visto em duas séries, em versão neném em Baby Looney Tunes, e na série regular de Duck Dodgers, onde novamente faz o "papel" de Comandante Marciano X-2. Uma grande sacada desta série é que a Terra está em guerra com Marte, e todos os marcianos se parecem com Marvin, com a cabeça toda preta com grandes olhos, e os soldados usando uniforme de romanos. X-2 é o principal rival de Dodgers, tanto na guerra quanto na disputa pelo amor da Rainha Marciana Tyr'ahnee. Infelizmente, a série já saiu do ar nos EUA, mas ainda passa de vez em quando por aqui.

Enfim, Marvin é o meu personagem preferido, e mesmo sem ter tido muito para dizer sobre ele, gostei muito de fazer este post para homenageá-lo. Agora vamos criar uns marcianos instantâneos.
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sábado, 1 de julho de 2006

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Fórmula 1 (II)

E hoje teremos a segunda parte da História da Fórmula 1!

1960-1969


A Fórmula 1 do início da década de 60 ainda era bem parecida com a dos anos 50, mas foi nesta década que a categoria começou a ganhar a cara que tem hoje, com os fabricantes introduzindo modificações nos carros exclusivamente para melhorar seu desempenho em corrida. A primeira delas pode-se dizer que foi o motor traseiro, desenvolvido pela Climax e trazido para a Fórmula 1 pela Cooper, e que fez com que os carros pouco a pouco fossem abandonando o formato clássico das "baratinhas" dos anos 50, e se aproximando do "charuto" característico dos anos 60.

Jim ClarkModificações mais radicais, porém, ainda iriam demorar para surgir. A temporada de 1960 foi praticamente uma continuação da de 1959, com o australiano Jack Brabham, da Cooper, sendo o homem a ser batido. Ele ganhou cinco das dez corridas da temporada, se tornando bicampeão, e dando mais um título de construtores para Cooper. Em segundo lugar no campeonato veio seu companheiro de equipe, o neozelandês Bruce McLaren, que venceu a primeira corrida da temporada. O maior rival de Brabham, o inglês Stirling Moss, ficou em terceiro, guiando uma Lotus também equipada com motor Climax, e conseguindo duas vitórias. As dez provas do calendário de 1960 foram os GPs da Argentina em Buenos Aires, Mônaco nas ruas de Monte Carlo, Holanda em Zandvoort, Bélgica em Spa-Francorchamps, França em Reims, Inglaterra em Silverstone, Portugal em Boavista, Itália em Monza, Estados Unidos em Riverside, e mais as 500 Milhas de Indianápolis, também nos EUA. 1960, aliás, foi o último ano em que as 500 Milhas fizeram parte da temporada de Fórmula 1. Por total desinteresse dos pilotos e equipes, a FIA retirou a prova do calendário de 1961 para não mais voltar. Ironicamente, depois disso, vários pilotos da Fórmula 1 se interessaram em disputar a prova de olho no prêmio, principalmente os que guiavam pela Lotus.

Com os motores traseiros e modificações na aerodinâmica dos carros, as velocidades ficavam cada vez mais altas, o que começou a causar uma certa preocupação na FIA no que dizia respeito à segurança dos pilotos. Visando limitar as velocidades alcançadas, a Federação fez uma modificação no regulamento, reduzindo a capacidade dos motores para um litro e meio, e proibindo os supercompressores, que algumas fabricantes já começavam a trazer para a Fórmula 1. Tal decisão acabou beneficiando a Ferrari, que já estava acostumada a utilizar motores V6 (motor em formato de V com 6 cilindros) de 1,5l nas corridas de Fórmula 2. Deixando de lado seus preconceitos em relação aos motores traseiros, a equipe italiana decidiu desenvolver um V6 traseiro em ângulo de 120o. O carro onde este motor foi instalado era uma verdadeira obra de arte, e com ele a Ferrari dominou a temporada, vencendo cinco das oito provas, duas com o norte-americano Phil Hill, duas com o alemão Wolfgang von Trips, e uma com o italiano Giancarlo Baghetti. As três outras provas foram vencidas por pilotos da Lotus, a única das demais equipes a ter um motor decente, duas com Moss e uma com o escocês Innes Ireland. No final, a Ferrari foi a campeã dos construtores, e Hill se tornou o primeiro norte-americano campeão da Fórmula 1. Além da saída das 500 Milhas de Indianápolis, o GP da Argentina também deixou o calendário, e o de Portugal foi substituído pelo GP da Alemanha, em Nürburgring. Também foi em 1961 que o GP dos EUA passou a ser realizado em Watkins Glen, que se tornaria um dos mais importantes circuitos da categoria.

O ano de 1962 começou com a aposentadoria de Moss, que sofreu uma acidente enquanto testava um Lotus em Goodwood, Inglaterra. Após se recuperar, Moss ainda tentou voltar a correr, mas achou que já não estava mais em forma para isso, e decidiu parar. Talvez, se não fosse por este acidente, Moss finalmente teria sido campeão, pois, tendo trabalhado durante todo o ano de 1961 em seu novo carro, a Lotus começou a temporada apresentando a maior inovação tecnológica da Fórmula 1 desde o motor traseiro: o cockpit. A estrutura central do carro da Lotus, onde ficava o piloto, era toda formada por uma única peça, feita de alumínio, o que diminuía o peso do carro e melhorava sua aerodinâmica. Além disso, ele era impulsionado por um novíssimo motor Coventry-Climax V8. Grandes inovações às vezes vêm acompanhadas de pequenos problemas, porém, e durante a temporada o carro não se mostrou tão confiável quanto se pensava, o que fez com que o novo piloto da Lotus, o escocês Jim Clark, terminasse em terceiro lugar no campeonato, vencendo três corridas. O campeão foi o inglês Graham Hill, da BRM, que venceu quatro, também utilizando um novo motor V8. O campeonato de 1962 teve nove provas, com a inclusão do GP da África do Sul, em Prince George, e as mudanças do GP da França para Rouen-Les-Essarts e da Inglaterra para Aintree.

As corridas da França e da Inglaterra voltariam para Reims e Silverstone na temporada de 1963, que voltaria a ter dez provas com a inclusão do GP do México, na Cidade do México. A Lotus, finalmente tendo resolvido os problemas de seu carro, dominou a temporada, com Clark vencendo sete das dez provas, não subindo ao lugar mais alto do pódio apenas nos GPs de Mônaco e dos EUA, vencidos por Graham Hill, e no GP da Alemanha, vencido pelo também inglês John Surtees, da Ferrari.

Surtees seria campeão em 1964, após uma temporada onde a Ferrari devotou todas as suas forças a fazer um carro melhor que a Lotus de Clark. O time vermelho usou três motores diferentes durante a temporada, seu já conhecido V6, um novo V8 e até um experimental reto de 12 cilindros, e fez praticamente um carro novo para cada prova. Graças a esta persistência, Surtees venceu duas provas, mesmo numero de Graham Hill e uma a menos que Clark, mas seus resultados nas demais corridas foram suficientes para que ele assegurasse o título. Curiosamente, Surtees havia sido campeão mundial de motovelocidade quatro vezes na categoria 500cc (1956, 1958, 1959 e 1960), sendo até hoje o único piloto a conseguir o campeonato tanto na categoria máxima do automobilismo quanto da motovelocidade. No calendário, o GP da França foi mais uma vez para Rouen-Les-Essarts, o da Inglaterra passou para Brands Hatch, e o GP da Áustria, em Zeltweg, substituiu o da África do Sul.

O GP da Áustria sairia para o retorno do da África do Sul em 1965, que ainda teve a volta do GP da Inglaterra para Silverstone e a trasferência do GP da França para Charade. Outra condição reestabelecida foi o de carro imbatível da Lotus de Clark, que venceu seis das dez provas e se tornou bicampeão. Como a velocidade dos carros não parava de aumentar mesmo com as limitações de motor, a FIA decidiu rever o regulamento, e permitir para o ano seguinte motores de até três litros aspirados, ou até um litro e meio com supercompressores. O efeito colateral desta mudança foi um nivelamento por baixo na temporada de 1966. Não querendo projetar um novo motor, a Climax anunciou sua saída da Fórmula 1, o que levou a Lotus a ter de correr com um motor BRM do ano anterior modificado. A BRM, por sua vez, decidiu produzir um teoricamente superpotente H16 (em formato de H com 16 cilindros), mas que na prática se tornou muito pesado e inferior aos concorrentes. A Cooper também pegou um "motor velho", um Maserati V12, enquanto a Ferrari optou por adaptar seu V12 para 3 litros.

No meio desta confusão, quem se salvou foi Jack Brabham, o bicampeão de 1959 e 1960, agora em sua própria equipe, que levava seu nome. A Brabham corria com um motor Repco V8 adaptado de stock cars, que, no papel, era o menos potente de todos os de 3 litros, mas na prática se mostrou o mais leve e menos sujeito a quebras, o que permitiu que Brabham ganhasse quatro das nove provas, e chegasse ao tricampeonato. Aliás, falando em nove provas, o GP da África do Sul foi mais uma vez removido, o da Inglaterra foi de novo para Brands Hatch, e o da França voltou para Reims. Consistência no calendário não era propriamente uma marca no início da Fórmula 1.

Em 1967 a Lotus traria para a Fórmula 1 o motor Ford Cosworth V8, presente na categoria - com modificações, evidentemente - até hoje. O princípio do Cosworth era o mesmo do Repco, um motor de 3 litros leve e confiável. A diferença era que o Cosworth era feito especificamente para a Fórmula 1, enquanto o Repco era adaptado. Com ele, Clark venceria quatro corridas, e só não seria campeão porque o motor era aliado a um design inovador de chassis, onde o cockpit terminava exatamente atrás do piloto, e o motor era montado "aberto" ao invés de envolto pela estrutura tubular. Por ser um motor muito novo, ele acabou dando problemas em algumas provas. Brabham, que tinha tudo para ganhar seu quarto título, também decidiu fazer algumas experimentações no motor e na aerodinâmica de seu carro e, apesar de ter ganho duas provas, não conseguiu bons resultados nas demais. O campeão acabou sendo o neozelandês Denny Hulme, segundo piloto da Brabham, que também ganhou duas provas, mas foi mais consistente no restante da temporada. Um inusitado destaque da temporada foi o piloto John Love, da Rodésia, que chegou em segundo no GP da África do Sul pilotando um Cooper antigo, equipado com um motor Climax adaptado para 3 litros pelos mecânicos de Love, e que ainda levava dois tanques de combustível extra, para agüentar toda a corrida. Love iria vencer a prova, mas um defeito em um destes tanques extras fez com que ele tivesse que parar para abastecer a poucas voltas do fim. No calendário, além do retorno do GP da África do Sul, desta vez disputado em Kyalami, o GP da França passou para Sarthe, o da Inglaterra voltou para Silverstone, e foi incluído o GP do Canadá, em Mosport, para um total de 11 provas.

1968 seria um ano crucial para a Fórmula 1. A primeira mudança foi mais uma vez no calendário, que pela primeira vez teve 12 provas, com a volta do GP da Espanha, em Jarama, mais as já tradicionais transferências do GP da França para Rouen-Les-Essarts e da Inglaterra para Brands Hatch, e do Canadá para Mont-Tremblant. Após muitas modificações e testes, a Lotus conseguiu a confiabilidade necessária para seu carro equipado com o Cosworth V8, o que a transformou em uma equipe praticamente imbatível. Para confirmar a boa fase, ela contratou Graham Hill para fazer dupla com Jim Clark. Logo na primeira corrida da temporada eles fizeram uma dobradinha, com Clark em primeiro e Hill em segundo. Infelizmente, um mês antes da segunda prova, Clark sofreria um acidente fatal em uma corrida de Fórmula 2 em Hockenheim, Alemanha. Além de perder seu piloto principal, a Lotus ainda perdeu a exclusividade de seu motor, que também passaria a equipar as novas equipes McLaren e Matra. Temendo que todo o seu favoritismo fosse por água abaixo, Colin Chapman, o dono da Lotus, começou a trabalhar em modificações que dessem alguma vantagem aos seus carros, e chegou às hoje famosas "asas", os aerofólios (asas traseiras) e spoilers (dianteiras). O primeiro carro a ganhar spoilers foi o de Hill para o GP de Mônaco. Na corrida seguinte, na Bélgica, Brabham e Ferrari já apareceriam com aerofólios montados diretamente sobre o assento do piloto. Uma corrida depois, a Lotus já usava aerofólios como os de hoje, na época montados sobre a suspensão traseira, o que exigiu um redesenho completo da suspensão e da caixa de transmissão. Gostando da idéia, a Matra montou um spoiler sobre a suspensão dianteira, que melhorou muito o desempenho do carro, mas só podia ser usado em treinos, pois o deixava instável e exigia muito do piloto. Ao final da temporada de 1968, todos os carros já usavam asas, perdendo de vez o formato de "charuto", e começando a se parecer com carros de Fórmula 1.

Além dos aerofólios, 1968 marcou a entrada na Fórmula 1 dos patrocínios, finalmente permitidos pela FIA para dividir os custos com as equipes, que até então recebiam patrocínios "mascarados" de fornecedores como Shell e Firestone, desde que utilizassem seus produtos. A primeira equipe a conseguir um patrocínio foi justamente a Lotus, que apareceu para o GP da Espanha, segunda corrida da temporada, pintada de vermelho, branco e ouro, as cores da fabricante inglesa de cigarros Imperial Tobacco. A Lotus seria a campeã de construtores de 1968, e daria a Graham Hill seu segundo título mundial. Mas mesmo tendo o melhor carro, Hill travou uma disputa apertada com o escocês Jackie Stewart, piloto da francesa Matra, originalmente uma companhia de aviação, que levou para a Fórmula 1 tanques de combustível originalmente projetados para aviões, que permitiam que o carro fosse até 15 Kg mais leve com a mesma quantidade de combustível que os oponentes. A FIA, porém, considerou estes tanques inapropriados por questões de segurança, e anunciou que a partir de 1970 eles não seriam mais permitidos.

Chateada, a Matra decidiu que, ao final da temporada de 1969, iria se retirar da Fórmula 1, deixando sua tecnologia com Ken Tyrrell, o inglês diretor da equipe. Mas os franceses também decidiram que iriam se retirar em grande estilo, e não pouparam esforços para construir um carro campeão e dar o título a Stewart, que venceu seis das onze provas do campeonato. Onze porque os pilotos boicotaram o GP da Bélgica, alegando falta de segurança. A segurança, aliás, foi um dos temas recorrentes durante o campeonato, onde a FIA chegou até a proibir os aerofólios e spoilers depois de muitos acidentes nas três primeiras corridas. No final da temporada eles voltariam, desta vez com um regulamento próprio, que incluía restrições a comprimento, largura e altura, e determinava que eles fossem fixos nos chassis dos carros. 1969 também viu curiosos carros de Fórmula 1 com tração nas quatro rodas, abandonados depois que a downforce, a pessão aerodinâmica que "gruda" os carros no chão, se mostrou uma forma mais confiável de se conseguir estabilidade. Além da retirada do GP da Bélgica, o calendário viu um novo retorno do GP da Inglaterra para Silverstone, do da França para Charade, e do Canadá para Mosport.

Ao final da década de 60, a Fórmula 1 já era uma categoria de interesse mundial, onde novas tecnologias eram testadas a cada prova. Na década de 70, este conceito se firmou ainda mais. Mas isso fica para o próximo post.

Série Fórmula 1

1960-1969

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