sábado, 24 de novembro de 2007

Escrito por em 24.11.07 com 3 comentários

World Games (I)

Atualizado em 7 de setembro de 2015

Há alguns meses, eu terminei aqui uma série de posts sobre as Olimpíadas, que são, indubitavelmente, o maior evento esportivo do planeta, reunindo os principais atletas do mundo em competições memoráveis em busca da medalha de ouro. Apesar de toda a sua importância e visibilidade, porém, as Olimpíadas têm uma característica que muitos consideram um defeito: nem todos os esportes praticados no planeta fazem parte de seu programa. Na verdade, isto provavelmente seria impossível.

É claro que se pode argumentar que apenas os esportes "mais importantes" ou "mais famosos" fazem parte da Olimpíada, mas ainda assim teríamos margem para discussão. Pentatlo moderno, por exemplo, é mais famoso do que boliche? Por que lutadores de judô têm a chance de ganhar uma medalha olímpica, e os do caratê não têm? A ginástica rítmica é um esporte mais importante que o surfe? Evidentemente, nenhuma destas perguntas possui uma "resposta padrão"; tudo depende de qual esporte você gosta mais.

O programa olímpico conta hoje com "apenas" 35 esportes, e a resistência do Comitê Olímpico Internacional à entrada de novos é grande, principalmente porque as Olimpíadas estão tomando proporções gigantescas, reunindo mais de dez mil atletas, movimentando milhões de turistas, exigindo investimentos de bilhões de dólares por parte das sedes, e, na visão do COI, se o evento continuar crescendo, se tornará inviável.

Sob a constatação de que a maioria dos esportes do mundo não faz parte das Olimpíadas, e provavelmente nunca fará, ou pelo menos não tão cedo, algum espírito de porco pode chegar a uma conclusão interessante: eles poderiam se reunir e fazer sua própria Olimpíada! Esqueçamos o COI, nos unamos e disputemos (cruzes, acho que eu nunca havia escrito três verbos seguidos na primeira do plural do presente do subjuntivo) nosso próprio torneio! Na verdade, essa é uma idéia tão boa que eles já fizeram isso. E acabaram criando o que é considerado por muitos o segundo evento multiesportivo mais importante do mundo, a "Olimpíada para os esportes não-olímpicos", os World Games! Que, acho que já deu para perceber, são o tema do post de hoje.

Nota do Guil: os World Games têm nome em português, Jogos Mundiais, que é a tradução corretíssima de seu nome, mas, por uma série de motivos, dentre eles eu nem fazer ideia de que esse nome em português existia quando escrevi esse post originalmente, em 2007, optei por usar o nome em inglês em todos os meus posts do átomo. Espero que vocês compreendam. E voltemos ao assunto.

Criados no ano de 1980, os World Games foram uma idéia do sul-coreano Un Yong Kim, na época presidente da Federação Internacional de Taekwondo. Sua idéia era justamente reunir o maior número de esportes "não-olímpicos" possível, criando um novo torneio, que atrairia visibilidade, novos atletas e novos fãs para estes esportes. Seu objetivo não era concorrer com as Olimpíadas, mas complementá-las, dando a atletas que não estavam acostumados a eventos multiesportivos a chance de disputar um. Kim também pretendia que seu torneio se tornasse uma espécie de "vestibular" para as Olimpíadas: sendo o esporte bem sucedido em termos de nível das competições e comparecimento do público, ele passaria a integrar o programa olímpico no futuro.

punhobolPara colocar sua idéia em prática, Kim convidou os presidentes das Federações Internacionais de onze outras modalidades esportivas que não faziam parte das Olimpíadas na época, e mais um representante do COI, para uma reunião na Coréia do Sul, ainda em 1980. Lá, as 12 Federações se uniram para formar o World Games Council ("Conselho dos Jogos Mundiais"), que depois acabou emprestando seu nome ao próprio torneio. Nesta reunião também ficou definido que, assim como as Olimpíadas, os World Games ocorreriam a cada quatro anos, sempre no ano imediatamente posterior a uma Olimpíada, começando em 1981. O World Games Council, que pouco depois mudaria de nome para International World Games Association, ou IWGA, seria filiado ao COI, e assumiria o compromisso de dar "tratamento olímpico" a todos os atletas e esportes que fizessem parte do torneio, exatamente como ocorre com as Paralimpíadas. Esta parceria foi fundamental para o sucesso do evento, já que era o COI quem possuía os "contatos" com os comitês olímpicos de seus países filiados, sem os quais os convites para que os atletas participassem dos World Games provavelmente não seriam atendidos.

A coisa mais curiosa dos World Games é o seu programa, que, como já foi dito, só conta com esportes que não fazem parte das Olimpíadas; se o esporte passar para as Olimpíadas, ele sai, se sair de lá, provavelmente voltará. Por causa disso, o número de federações internacionais filiadas à IWGA costuma variar: das 12 originais, somente 8 continuam até hoje (até a do taekwondo, a primeirona, já saiu), mas, em compensação, o número total de federações filiadas à IWGA cresceu para 37. O programa dos World Games também pode contar com esportes que fazem parte das Olimpíadas, mas com provas que não fazem, como é o caso, por exemplo, da ginástica rítmica e do tiro com arco; por esta razão, uma mesma federação internacional pode ser filiada ao COI e ao IWGA sem problemas.

Mas o que o programa tem de tão curioso? Bem, além de contar com conhecidos do grande público, como caratê, patinação, squash e fisiculturismo, o programa dos World Games também traz esportes um tanto curiosos, como cabo de guerra, pesca esportiva, dança de salão e paraquedismo, e outros que eu aposto que muita gente aí jamais ouviu falar, como finswimming, corfebol, orientação e punhobol. O finswimming, por exemplo, é nada menos do que natação com a ajuda de um "pé de pato" que une os dois pés do nadador, e tem modalidades sobre a água, onde é permitido respirar normalmente, e subaquáticas, onde o nadador tem de usar um tanque de oxigênio. A orientação é um esporte onde o atleta tem de encontrar o caminho através de uma trilha "no meio do mato", com a ajuda de um mapa, uma bússola e alguns pontos de checagem no caminho. O corfebol é um esporte coletivo onde times de oito jogadores - quatro homens e quatro mulheres - tentam acertar a bola em uma cesta a 3 metros de altura, e que tem como regras curiosas o fato de que todo contato físico é expressamente proibido, e quem está com a bola na mão não pode dar nenhum passo, sendo o trabalho de equipe, portanto, essencial para que a bola chegue à cesta. E o punhobol é um esporte semelhante ao vôlei, mas jogado em um gramado, em equipes de cinco, e com a possibilidade da bola quicar no chão uma vez antes de cada atleta bater nela, sempre com a mão fechada - detalhe: o Brasil é bicampeão mundial neste esporte. Além destes ainda temos o salvamento, praticado por salva-vidas, e que simula situações de resgate; o netbol, semelhante ao basquete, mas onde os jogadores só podem se movimentar em setores da quadra determinados por sua função; o powerlifting, semelhante ao levantamento de peso, mas com o atleta em diferentes posições, que simulam os exercícios de uma academia; e muitos outros, de nomes e regras ainda mais interessantes.

corfebolAlém de todos estes esportes incomuns, o programa dos World Games ainda tem uma característica prática: ele muda a cada edição do evento, graças a uma regra que visa limitar os gastos da cidade sede, e proíbe a construção de novas instalações exclusivas para os World Games; em outras palavras, todas as competições ocorrem em instalações que já existiam na cidade no momento em que ela foi escolhida, e, se alguma instalação estiver faltando, aquele esporte sai do programa, podendo voltar na edição seguinte. Para evitar que algum esporte seja prejudicado, a IWGA procura sempre escolher como sede cidades com o maior número de instalações adequadas possível, mas às vezes não tem jeito - o netbol, por exemplo, ficou de fora de seis das nove edições já disputadas, e a última vez em que a pesca esportiva fez parte do programa foi em 2005.

A IWGA também permite que cada cidade sede inclua no programa "esportes convidados", ou seja, esportes cujas federações internacionais não sejam filiadas à IWGA (desde que a federação internacional daquele esporte aprove sua inclusão no evento, evidentemente). Esportes convidados recebem o mesmo tratamento destinado aos demais esportes dos World Games, mas suas medalhas costumam ser contadas "à parte", sem entrar no quadro de medalhas do evento. Alguns esportes convidados, como o handebol de praia, foram tão bem sucedidos em termos de público que suas federações acabaram se filiando à IWGA e eles passaram a ser esportes fixos do programa. Desnecessário dizer, também não é permitido construir instalações novas para os esportes convidados.

Ao todo, já foram realizadas nove edições dos World Games, e mais duas estão confirmadas. A primeira edição ocorreu em 1981, na cidade de Santa Clara, Estados Unidos. Em seguida, os World Games começariam uma longa sequência de sedes na Europa, começando por Londres, Inglaterra, em 1985, e passando por Karlsruhe, Alemanha Ocidental, em 1989; Haia, Holanda, 1993; e Lahti, Finlândia, 1997. Em 2001 ocorreria a primeira edição na Ásia, na cidade de Akita, Japão. Em 2005, os World Games retornariam à Alemanha, dessa vez na cidade de Duisburgo. Um novo retorno à Ásia aconteceria em 2009, que teve como sede Kaohsiung, Taiwan, e, em 2013, os World Games chegariam à América do Sul, sendo realizados em Cali, Colômbia. A próxima edição, em 2017, está marcada para a cidade de Breslávia, na Polônia, e, na seguinte, os World Games retornarão para os Estados Unidos, dessa vez para a cidade de Birmingham.

finswimmingApesar de terem conseguido alcançar uma popularidade relativamente alta em muitos países, principalmente naqueles em que os esportes de seu programa são populares, os World Games ainda permanecem desconhecidos do grande público, principalmente por falta de cobertura da imprensa. Eu os descobri em 2005, quando o torneio estava sendo disputado na cidade de Duisburgo, Alemanha (um dos países que dá mais importância ao evento), mas por favor não perguntem-me como; eu estava procurando alguma coisa na internet (imagino que sobre corfebol, que eu já conhecia) e de repente me deparei com algum site que falava sobre o evento, talvez até mesmo o oficial. Fanático por esportes que sou, tratei logo de descobrir tudo o que podia sobre estes tais de World Games, e acabei adicionando mais uma entrada à minha lista de coisas que me irritam: como um evento do porte dos World Games pode ser solenemente ignorado pelos nossos canais esportivos, mesmo com o Brasil disputando várias de suas competições - e com chances de medalha: até hoje, nosso país já ganhou 13 ouros, 13 pratas e 16 bronzes, e eu aposto que menos de 1% da população nacional ficou sabendo.

Eu, pessoalmente, torço para que o evento se torne cada vez mais popular, e até para que um dia alguma cidade brasileira se arrisque a sediar o evento. E aí, quem sabe nosso povo não descubra que também tem atletas de ponta fora dos esportes olímpicos?

Série World Games

Resumo

3 comentários:

  1. Muito legal esse artigo! E depois de tanta discussão sobre paralimpíadas/paraolimpíadas, você acabou escrevendo paraolimpíadas no sexto paragráfo! Viu só o que aprontaram contigo? :D

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  2. Em minha defesa, nessa época ainda era Paraolimpíadas. O Comitê Paralímpico Internacional só fez o pedido para que os Jogos passassem a ser chamados de Paralimpíadas em 2010.

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  3. Oops, falha minha! Quando você me mandou o link, achei que fosse uma postagem nova.

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